RELATÓRIO FINAL DA CONSULTA PÚBLICA N.º 11/2005 SOBRE
RELATÓRIO FINAL DA CONSULTA PÚBLICA N.º 11/2005 SOBRE
Anteprojecto de diploma de transposição da directiva das opa
§ 1.º INTRODUÇÃO
O presente documento procede à análise das respostas recebidas no âmbito do processo de consulta pública da CMVM n.º 11/2005, referentes ao anteprojecto de diploma de transposição da Directiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa às ofertas públicas de aquisição, procurando igualmente apresentar uma explicação para as opções finais propostas pela Comissão no âmbito deste projecto normativo.
O processo de consulta pública decorreu entre os dias 8 de Novembro e 18 de Dezembro de 2005, agradecendo a Comissão os contributos recebidos, os quais, com excepção de um, são também integralmente divulgados no sítio da CMVM na Internet, conforme é norma nos processos de consulta pública realizados.
No seguimento da participada sessão pública de 9 de Novembro de 2005, foram recebidas um total de nove respostas escritas. Se não foram atingidos os máximos de participação de outras consultas públicas, não deixaram os contributos de revelar profundidade e um grau elevado de pormenor.
Os respondentes foram essencialmente emitentes, designadamente sociedades integrantes do PSI-20, e sociedades de advogados.
Refira-se que a Consulta Pública n.º 11/2005 deu sequência à Consulta Pública n.º1/2005, especificamente atinente ao disposto nos artigos 9º e 11º da Directiva das OPA, no que concerne respectivamente às chamadas medidas defensivas adoptáveis pelo órgão de administração e à “breakthrough rule”. Não obstante, um dos pontos que continuou a obter grande atenção dos respondentes foi esta última questão. Igualmente foram bastante debatidas as alterações propostas para as regras de imputação de votos e o respeitante à contrapartida proposta aos destinatários de OPA obrigatória.
§ 2.º INSERÇÃO SISTEMÁTICA DA TRANSPOSIÇÃO
Uma questão prévia levantada por um dos respondentes ateve-se com a localização sistemática das alterações normativas propostas. Defendeu-se que o legislador se deveria bastar à mínima intervenção para efeitos de transposição da Directiva, reservando-se à CMVM o papel de completar, onde conveniente, as disposições legais, mediante regulamento.
Ora, deve dizer-se que, de facto, a presente intervenção legislativa se atém ao mínimo, visando simplesmente a transposição da Directiva das OPA e da Directiva da Transparência, na parte aplicável ao regime de imputação de votos. Assim sendo, dificilmente se encontram alterações cuja regulação poderia ser feita pela CMVM, em sede regulamentar, justamente pelo facto de as directivas terem de ser transpostas com força de lei, por imperativos constitucionais.
Por outro lado, a concentração sistemática evita a dispersão e favorece a apreensão dos conteúdos. A codificação num mesmo diploma facilita, pois, a tarefa dos intérpretes e dos agentes económicos.
Por fim, se é verdade que a regulação por regulamento da CMVM aumenta a flexibilidade do regime, também é verdade que contraria por isso a tendencial
estabilidade de regulação, cujo relevo é reconhecido, no âmbito das instâncias comunitárias, no recente “White Paper on Financial Services Policy”.
§ 3.º IMPUTAÇÃO DE DIREITOS DE VOTO: SISTEMATIZAÇÃO GERAL DA MATÉRIA
Uma minoria dos respondentes aflorou a possibilidade de diferenciar o regime da imputação de direitos de voto, propondo o estabelecimento de um regime mais amplo para efeitos do cumprimento dos deveres de transparência sobre detenção de participações qualificadas, ao lado de um regime mais restrito para efeitos da aferição do dever de lançamento de oferta pública de aquisição.
A bipartição do regime da imputação de direitos de voto no cômputo das participações qualificadas apresenta-se como uma solução não isenta de escolhos.
Em primeiro lugar, tal solução lograria destruir a unidade sistemática do Código dos Valores Mobiliários e implicaria, simultaneamente, um retrocesso em direcção à lógica constante do Código do Mercado de Valores Mobiliários, de 1991, a qual foi, justamente, substituída pela actual.
Os deveres de comunicação sobre aquisição e alienação de participação qualificada visam assegurar a todos os investidores o conhecimento de um facto que, devido às repercussões na estrutura accionista e inerentes relações de poder dentro da sociedade, é essencial na tomada de decisões de investimento ou de desinvestimento.
Por seu lado, a consagração do dever de lançamento de OPA justifica-se com a tutela do direito de saída dos accionistas minoritários em caso de alteração da estrutura de controlo da sociedade.
As finalidades normativas atrás referidas, apesar de distintas, assentam, porém, no mesmo pressuposto de base: o de que ao participante devem ser imputados os direitos de voto cujo exercício se considere ser por ele influenciado ou influenciável.
Nestes termos, mal se compreenderia que o legislador para efeitos da divulgação de aquisição ou alienação de participação qualificada, considerasse uma situação de facto como fundamento de imputação dos direitos de voto e, simultaneamente, para efeitos do cálculo da mesma participação qualificada na aferição do dever de lançamento de OPA, considerasse o oposto. Tal equivaleria ao reconhecimento da falência do pressuposto de base como pedra angular do esquema de imputações de direitos de voto.
De resto, o Código dos Valores Mobiliários prevê suficientes mecanismos que permitem a correcção dos resultados da imputação que excedam o seu propósito normativo. Referimo-nos, designadamente, ao facto de o n.º 2 do artigo 187.º estabelecer o afastamento do dever de lançamento de OPA em todos os casos em que a ultrapassagem do primeiro limite que despoleta o dever de lançamento da oferta – um terço dos direitos de voto – não é acompanhada de domínio sobre a sociedade visada.
Acresce salientar que, sem criar distorções no regime da imputação de direitos de voto, o artigo 19.º do Código dos Valores Mobiliários já prescreve um critério mais amplo no que respeita à divulgação ao público de acordos parassociais que, sem dar lugar a imputação de direitos de voto nos termos do artigo 20.º, visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada ou frustrar o êxito de uma OPA (ainda que parcial), a qual apenas é exigível na medida em que o acordo celebrado seja relevante para o domínio da sociedade.
§ 4.º IMPUTAÇÃO DE DIREITOS DE VOTO: A SOLUÇÃO DOS PATRIMÓNIOS COLECTIVOS DE GESTÃO FIDUCIÁRIA
Uma das críticas apontadas à solução proposta nos artigos 20.º e 20.º-A do documento sujeito a consulta é o facto de alegadamente não partir do pressuposto de que a gestão de organismos colectivos de investimento e outros fundos está sujeita a um princípio de independência e de exclusivo interesse dos participantes. Segundo esta mesma crítica, a norma a adoptar deverá evidenciar o carácter excepcional das situações de exercício do direito de voto que justificam a imputação a uma sociedade dominante da sociedade gestora dos direitos de voto correspondentes às acções que esta última gere.
Para um esclarecimento cabal do problema, convém relembrar que de entre os títulos de imputação de direitos de voto, consagrados no n.º 1 do art. 20.º, determina-se a imputação à sociedade dominante, dos direitos de voto imputáveis às sociedades dominadas (alínea b)). Assim sendo, a possibilidade de não imputação surge como derrogação a esta regra, em decorrência dos deveres legais a que se encontram sujeitas as entidades gestoras de fundos, no sentido de uma actuação de forma independente das sociedades dominantes. Entende-se, desta forma, que a redacção proposta do n.º 3 do artigo 20.º em nada olvida os princípios aplicáveis à gestão fiduciária de patrimónios colectivos. Acresce, aliás, que a redacção do n.º 1 do proposto artigo 20.º-A assenta precisamente no pressuposto de partida de não imputação, consentânea com os princípios invocados, na medida em que refere que a mesma deixa de verificar-se se a gestão deixar de ser independente.
Na resposta à consulta houve quem discordasse ainda da designação adoptada – organismos de investimento colectivo - para os diversos fundos abrangidos pela norma proposta, com base no argumento de que os regimes aplicáveis aos fundos de investimentos, aos fundos de pensões e aos fundos de capital de risco são muito diversos. Embora a categorização terminológica da lei nesta área consentir algumas dúvidas, o reparo assume pertinência. Assim, atentas as especificidades dos fundos de capital de risco e dos fundos de pensões, a terminologia proposta sofreu ligeiras adaptações.
Retenha-se, aliás, que estas mesmas especificidades, particularmente no que respeita à supervisão dos fundos de pensões, não são esquecidas pelo regime das participações qualificadas previsto no CVM. Com efeito, a propósito dos fundos de pensões, importa lembrar o n.º 9 do artigo 16.º do CVM: este dispositivo impõe a prestação de informação pela CMVM ao Instituto de Seguros de Portugal, estando em causa entidades sujeitas à supervisão desta entidade, quando a CMVM tenha que recorrer ao mecanismo previsto nos n.ºs 4, 6 e 7 do mesmo artigo por ausência de comunicação ou falta de indicação de imputação à sociedade dominante da sociedade gestora. Por esse motivo, quanto ao novo artigo 20.º-A, reconhece-se a vantagem em a CMVM articular a sua actuação ao abrigo da alínea b) do n.º 1 com o Instituto de Seguros de Portugal, quando estejam em causa fundos de pensões, prevendo-se agora, num novo n.º 5, um dever de dar conhecimento prévio a esta autoridade de supervisão. Como é fácil de ver, o expediente proposto é equivalente ao consagrado no mencionado n.º 9 do art. 16.º. Não pode, porém, ir-se além dessa solução, porquanto a Directiva da Transparência postula a existência de uma única autoridade competente (art. 20.º, n.º 1 da Directiva n.º 2004/109/CE), interditando a partilha das competências decisórias em matéria de supervisão de informação sobre participações qualificadas sobre sociedades abertas.
Alvo de discordância foi ainda a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º-A, na medida em que impõe o ónus da prova da gestão independente à sociedade dominante da sociedade
gestora, que parece, no entender de alguns, à superfície, assentar numa presunção de que as sociedades dominantes interferem na sociedade gestora dominada. Mais se criticou a enunciação de factores reveladores da quebra de independência por deste modo se ferir a certeza, a segurança e objectividade na aplicação desta alínea, prejudicial, adianta-se, à própria CMVM. Defende-se, pois, a fixação taxativa de critérios. Nas respostas alerta-se ainda para a referência aos factores relativos ao modelo organizativo e à distinção das pessoas com competências decisórias, por os mesmos poderem fundar decisões que concluam pela falta de independência devido à simples coincidência de pessoas ou departamentos, o que não seria suficiente. Finalmente, sugere-se que esta alínea se encontra consumida pela alínea d).
Além de se reafirmar o esclarecimento acima consignado sobre as correspondentes premissas teleológicas, interessa adiantar que a formulação técnica da norma em apreço foi modificada, através da consagração de presunções legais de falta de independência. Estas presunções são reduzidas a três (anteriores alíneas a), parte final da alínea b) e c) do n.º 1). Verificando-se uma situação de facto que origine o efeito presuntivo, a CMVM deve tornar pública essa situação, passando a imputação dos direitos de voto à sociedade dominante a ter efeitos partir do momento em que a CMVM emite o seu comunicado. A presunção pode ser ilidida perante a CMVM. O sistema favorece, desta forma, ao mesmo tempo, a certeza e a justiça: a solução garante certeza jurídica, ao fazer intervir uma declaração pública que marca, em termos constitutivos, o início da imputação à sociedade dominante; mas não deixa de ser solução justa, ao permitir-se uma ilisão da presunção de falta de independência.
No tocante aos comentários ligados aos critérios exemplificativos enunciados no n.º 1 do art. 20.º-A, importa esclarecer que, do ponto de vista da clareza interpretativa, considera- se necessária a manutenção de exemplos – os quais, aliás, decorrem estritamente do texto da Directiva em transposição. Já uma enunciação taxativa de critérios seria desacertada por limitativa da actividade de supervisão e por propiciar desvios à filosofia legal. Acrescente-se que esta actividade está naturalmente sujeita a um dever de fundamentação que permitirá controlar e avaliar a correcção das decisões tomadas.
A alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º-A foi também, segundo algumas vozes, considerada imprópria e desproporcionada na medida em que do comportamento, da sociedade gestora, violador do princípio da prossecução do interesse dos clientes ou participantes retira consequências para a sociedade dominante, prescindindo da demonstração de que o exercício dos direitos de voto se orienta na prossecução do interesse da sociedade dominante. Em resposta a esta objecção, foram consagradas presunções ilidíveis, que consentem, nos termos descritos, uma demonstração de actuação livre e independente da entidade gestora e do intermediário gestor de carteiras.
Foi também sugerido, quanto à aplicação no n.º 2, que seja definido, por motivos de segurança jurídica, um momento e acontecimento determinante da situação de imputação de direitos de voto. A solução final já acautela esta preocupação, conforme exposto.
Criticada por alguns foi ainda a estatuição do n.º 2 na parte que manda referir no prospecto a referida imputação, na medida em que importa a confissão da violação das normas aplicáveis às entidades gestoras no próprio prospecto. Reconhece-se que os meios próprios e bastantes, em sede de transparência de participação qualificada, para a comunicação ao mercado da situação de imputação são precisamente os definidos nos termos do regime de comunicação de participação qualificada.
Pertinente é, ainda, a questão colocada quanto ao prazo por que subsistem as consequências previstas neste n.º 2, sendo certo, no nosso entender, que a imputação subsiste pelo prazo em que a falta de independência se verificar.
A solução preconizada no proposto n.º 3 do artigo 20.º-A é criticada de falta de proporcionalidade e de oportunidade, realçando-se desde logo a sua inaplicabilidade aos fundos fechados. No que toca aos fundos abertos, considera-se ainda excessiva, geradora de desigualdades entre os participantes e um estímulo ao resgate massivo, o que colide com as normas cujo objectivo é precisamente o contrário, em defesa do património do fundo e dos participantes remanescentes. Reconhecida a pertinência e a relevância destas observações, o articulado apresentado não contempla essa proposta de determinação de consequências da imputação em termos de resgate dos fundos.
§ 5.º IMPUTAÇÃO DE DIREITOS DE VOTO – ACTUAÇÃO EM CONCERTAÇÃO; A CONCERTAÇÃO TRANSMISSIVA
Uma das propostas de alteração ao Código dos Valores Mobiliários alvo de maior número de comentários prende-se com o alargamento dos títulos de imputação previstos no artigo 20.º, de modo a incluir igualmente as relações baseadas em concertação com o participante.
De acordo com o texto da proposta sujeita a consulta pública, serão também imputáveis ao participante os direitos de voto detidos por pessoas que com ele tenham celebrado algum acordo que vise adquirir o domínio da sociedade ou frustrar a alteração de domínio ou que, de outro modo, constitua um instrumento de exercício concertado de influência sobre a sociedade participada. Em acrescento a esta regra, nos casos de celebração de acordos relativos à transmissibilidade das acções representativas do capital social da sociedade participada, propôs-se uma regra de inversão do ónus da prova, presumindo-se aquele tipo de acordos como instrumentos de exercício concertado de influência. A regra presuntiva proposta pela CMVM não afasta a possibilidade de ilisão, mediante prova de que a relação estabelecida com o participante é independente da influência, efectiva ou potencial, sobre a sociedade participada.
A crítica mais frequente a este conjunto de propostas aponta no sentido de o texto da proposta de transposição ir mais além do exigido no texto comunitário, funcionando assim como um factor de retracção do investimento estrangeiro em Portugal e da liberdade da iniciativa económica privada e desfavorecendo a eficiência do mercado de capitais português e as concentrações empresariais.
Quanto a este ponto importa desmistificar a ideia de a solução proposta no texto do anteprojecto português ser mais exigente do que outras soluções previstas ou propostas em ordenamentos jurídicos que nos são próximos.
Na Alemanha, de acordo com a redacção empregue no §30 da WpÜG, no cômputo dos direitos de voto imputáveis ao oferente, e com excepção dos acordos para o exercício de direitos de voto em casos individuais, relevam os votos inerentes às acções detidas por terceiros, com quem o oferente coordene a sua conduta em relação à sociedade visada, por meio de acordo ou por qualquer outro meio. A solução alemã atrás indicada difere da proposta portuguesa ao prescindir da existência de um acordo como fundamento do instrumento de coordenação.
Da mesma forma, as soluções de transposição da Directiva das OPA propostas no Reino Unido pelo Takeover Panel não podem ser qualificadas como menos exigentes do que a proposta da CMVM para o artigo 20.º do Código dos Valores Mobiliários.
Com efeito, de um lado, no documento de consulta publicado em 18 de Novembro de 2005 e intitulado “The Implementation of the Takeovers Directive – Proposals Relating to Amendments to be made to the Takeover Code” (PCP 2005/5), alvitra-se a modificação do conceito de “persons acting in concert” actualmente em vigor no “Takeover Code” para “persons who, pursuant to an agreement or understanding (whether formal or informal), co-operate, to obtain or consolidate control (as defined below) of a company or frustrate a successful outcome of an offer for a company”, afigurando-se a possibilidade de imputação de direitos de voto também a prévia existência de negócio jurídico.
De resto, o conceito de “affiliated persons” será igualmente retocado, passando a incluir qualquer entidade em que o participante/oferente “(a) has a majority of the shareholders’ or members’ voting rights; (b) is a shareholder or member and at the same time has the right to appoint or remove a majority of the members of its board of directors; (c) is a shareholder or member and alone controls a majority of the shareholders’ or members’ voting rights pursuant to an agreement entered into with other shareholders or members; or (d) has the power to exercise, or actually exercises, dominant influence or control”, o que abrange expressamente as situações de domínio de facto.
Por outro lado, o mesmo “Takeover Panel”, no documento de consulta publicado em 2 de Novembro de 2005 e intitulado “Dealings in Derivatives and Options – Detailed proposals relating toAmendments proposed to be made to the Takeover Code - Part 2: control issues” (PCP 2005/3), propõe a introdução no “Code” do conceito de “interest in securities”, nos termos do qual uma pessoa será considerada como interessada em determinados valores mobiliários a sempre que adquira “long economic exposure, whether absolute or conditional, to changes in the price of those securities, including, broadly, where such exposure arises by virtue of the ownership or control of those securities or by virtue of a derivative or option”. De acordo com a proposta do “Takeover Panel”, no cálculo do cálculo dos limiares que determinam o dever de lançamento de OPA obrigatória entrar-se-á em linha de conta não apenas com as participações detidas directa ou indirectamente pelo participante e outras partes concertadas, mas também como todos os interesses existentes em acções com direitos de voto na sociedade em causa. Nesta medida, a vingarem as propostas aqui referidas, apenas as opções referentes a acções ainda não emitidas não determinarão a imputação de direitos de voto antes do seu exercício, não se exigindo ao “Takeover Panel”, quanto às demais opções ou derivados e para efeitos da sua imputação, qualquer tipo de prova quanto ao facto de o controlo efectivo sobre o activo subjacente ter passado para o participante.
É, pois, de salientar que a proposta portuguesa apresentada pela CMVM, ao contrário das outras soluções aqui analisadas, abre margem para distinção entre acordos transmissivos com implicações no domínio da sociedade participada e outros sem tal implicação, revelando-se equilibrada.
Afirmam, ainda assim, alguns participantes na consulta pública que tal solução implica uma ampla e indesejável margem de discricionariedade por parte da CMVM.
Perante uma tentativa de ilisão da presunção estabelecida no n.º 5 do artigo 20.º, é certo que a reacção da CMVM pode variar consoante a situação. Essa é a consequência inelutável da previsão de uma regra de imputação flexível, que atente nas circunstâncias
do caso concreto. Todavia, qualquer decisão tomada deverá ser adequadamente fundamentada, ficando a CMVM com o encargo de elaborar cuidadosamente uma casuística, divulgada em termos que garantam a plena transparência das suas posições, à semelhança do que sucede em outros domínios da sua competência
Em face do exposto, considera-se adequando manter a redacção proposta no anteprojecto sujeito à consulta do público para a alínea h) do n.º 1 e para o n.º 5, ambos do artigo 20.º.
§ 6.º INCLUSÃO DE INFORMAÇÃO NO PROSPECTO SOBRE PESSOAS QUE ACTUAM EM CONCERTAÇÃO COM A SOCIEDADE VISADA
Outra norma que sofre algumas alterações, atentos os comentários recebidos, é a constante do artigo 138º do Código dos Valores Mobiliários. Aditaram-se, no anteprojecto sujeito à consulta pública, mais algumas alíneas – n), o), p) – e modificou-se o disposto noutras – e), g), h) -, em atenção ao disposto na Directiva das OPA. Na sequência das respostas à consulta pública, entendeu-se proceder a três alterações ao anteprojecto inicial.
Em primeiro lugar, especificou-se na versão proposta para a alínea e) que deverá o oferente informar no prospecto sobre as pessoas que actuem em concertação com o oferente ou com a sociedade visada na medida em que essas situações sejam cognoscíveis do primeiro. De facto, quanto a concertações com o oferente não se levantam problemas a este nível. Diversamente da lei alemã, entre nós a existência de acordo será condição necessária para a existência de concertação. Como tal, necessariamente o oferente conhecerá todas as entidades que com ele actuem em concertação. Já não será necessariamente assim quanto a quem actue em concertação com a sociedade visada. Por isso se acrescentou o trecho “na medida da sua cognoscibilidade”, sendo que parâmetro adequado para aferir dessa cognoscibilidade poderá muito bem passar pela disclosure da informação ao mercado. Por fim, por maioria de razão, todas as situações de concertação relativamente à sociedade visada que o oferente efectivamente conheça devem ser referidas no prospecto.
Em segundo lugar, foi referida pelos respondentes que poderia decorrer dos termos propostos para a alínea g) um âmbito demasiado lato. Por essa razão se afinaram, pelo disposto na Directiva, as intenções do oferente que devam aqui ser reveladas. Não se descurou, contudo, de manter as pertinentes referências constantes do actual Código às intenções relativamente à manutenção da negociação dos valores mobiliários em mercado regulamentado e da qualidade de sociedade aberta. Igualmente se mantiveram as referências aos reflexos da aquisição nas sociedades em relação de domínio ou de grupo com a sociedade visada. Mas acrescenta-se, para completar o regime e como já poderia decorrer por via interpretativa, a referência às sociedades em relação de domínio ou de grupo com o oferente.
Por fim, rectificou-se o lapso, donde decorrera a supressão do disposto actualmente na alínea m), relativa ao modo de pagamento da contrapartida quando os valores mobiliários, objecto da oferta, estejam igualmente admitidos à negociação em mercado regulamentado estrangeiro.
§ 7.º CONTEÚDO DO RELATÓRIO DA SOCIEDADE VISADA
São contraditórias as posições dos respondentes quanto às alterações propostas ao conteúdo do relatório da sociedade visada, nos termos do n.º 2 do artigo 181.º. A crítica à alínea a) por excessiva, e à alínea d) por os benefícios não justificarem a obrigação dos administradores accionistas anteciparem e divulgarem as suas decisões de investimento, contrapõe-se uma nota positiva às mesmas por parte de outro respondente.
É inegável que o conteúdo destas alíneas não decorre da Directiva, embora seja igualmente pacífico que a matéria da alínea a), tipo e montante da contrapartida, já está incluída na referência às ‘condições da oferta’, pelo que a proposta apenas vem autonomizar um aspecto que é, sem dúvida, de máxima importância para os investidores. Entende-se, quanto ao mais, que a tomada de posição por parte dos administradores accionistas acrescentará significado e seriedade a um relatório frequentemente alvo de queixas quanto ao respectivo laconismo.
Com o intuito de evitar dúvidas interpretativas, apresentadas durante a consulta, revê-se ainda a redacção do proémio do n.º 2, substituindo a expressão ‘uma avaliação própria e fundamentada’ por ‘um parecer autónomo e fundamentado’.
§ 8.º INFORMAÇÃO AOS TRABALHADORES
Relativamente à obrigação de informação, a Directiva atende especialmente também aos trabalhadores da sociedade visada e do oferente. Estas entidades devem informar os trabalhadores do conteúdo dos documentos da oferta assim que estes sejam tornados públicos.
Aceitando a sugestão por parte de um dos respondentes, aproveita-se por esclarecer justamente os sujeitos activos da obrigação de informação da sociedade visada e do oferente, respectivamente os trabalhadores de cada um.
§ 9.º TRANSACÇÕES NA PENDÊNCIA DA OFERTA
O regime das transacções na pendência da oferta, actualmente previsto no artigo 180.º do Código dos Valores Mobiliários, foi alvo de uma proposta de depuração no anteprojecto sujeito a consulta pública, de modo a distinguir claramente os casos em que, tendo em conta o preço a que são realizadas tais transacções, as mesmas podem ter reflexo na revisão da contrapartida oferecida – ofertas voluntárias - dos casos em que tais reflexos na contrapartida são uma inevitabilidade – ofertas obrigatórias.
Um dos respondentes sugeriu que do texto proposto para a nova alínea a) do n.º 3 do artigo 180.º fosse, suplementarmente, eliminada a palavra ‘inicial’, dado a mesma – que, aliás, conta da redacção actualmente vigente – se prestar a dúvidas de aplicação perante uma contrapartida que, antes da realização de transacções na pendência da oferta, tenha sido previamente objecto de revisão.
A sugestão apresentada considera-se pertinente tendo sido acolhida na versão final do anteprojecto de transposição preparado pela CMVM.
§ 10.º NATUREZA DA CONTRAPARTIDA
O anteprojecto de diploma de transposição da Directiva das OPA sujeita a consulta pública não incluiu qualquer proposta de alteração ao regime da natureza da contrapartida a oferecer em caso de OPA obrigatória.
Actualmente, o n.º 3 do artigo 188.º do Código dos Valores Mobiliários exige que, em caso de OPA obrigatória e quando a contrapartida consista em valores mobiliários, seja dada aos destinatários da oferta a possibilidade de optarem por receber um montante equivalente em dinheiro. Mantém-se a possibilidade de se realizarem ofertas voluntárias apenas com contrapartida em valores mobiliários.
Um terço dos respondentes mostrou-se partidário de uma alteração à regra actualmente vigente, no sentido de, utilizando as possibilidade abertas pelo n.º 5 do artigo 5.º da Directiva, limitar a obrigatoriedade de alternativa em dinheiro aos casos em que a contrapartida em espécie proposta não fosse constituída por valores mobiliários líquidos admitidos à negociação em mercado regulamentado e aos casos em que o próprio oferente ou qualquer outra pessoa que com actue ou haja actuado em concertação, tenha adquirido em numerário, desde o início do período de referência para o cálculo da contrapartida mínima e até ao encerramento da oferta, uma quantidade relevante de acções da sociedade visada.
A introdução da referida alteração ao regime vigente foi justificada, genericamente, com a adequação da mesma a um contexto de concentração empresarial, com o facto de regra semelhante à portuguesa não vigorar noutras jurisdições com mercados mais maduros e concorrenciais e com a liberdade dos accionistas minoritários em aceitar ou rejeitar a oferta que lhes é formulada.
Antes de apresentada a proposta final quanto a este ponto, deve relembrar-se preliminarmente os fundamentos da solução actualmente vigente, que exige uma alternativa em dinheiro sempre que a contrapartida oferecida em ofertas obrigatórias consiste em valores mobiliários. Os argumentos em abono desta solução são vários.
Em primeiro lugar, deve precisar-se que a solução da alternativa em dinheiro é a solução favorecida pela maioria dos sistemas europeus, incluindo ordenamentos em que o mercado de controlo societário conhece maior actividade, como é o caso do Reino Unido. A este respeito sublinha-se o facto de, entre os países que já tornaram conhecida (ainda que em projecto) o seu acto de transposição da Directiva das OPA, apenas a Islândia e a Suécia dispensarem a alternativa em dinheiro fora dos casos exigidos no texto comunitário.
Em segundo lugar, tenha-se presente que a oferta de contrapartidas que consistam em valores mobiliários pode implicar que sejam os destinatários da oferta a suportar o esforço financeiro da tomada de controlo, a que se soma o risco associado à eventual manipulação do valor da contrapartida oferecida.
Além disso, a exigência de alternativa em numerário é, inquestionavelmente, a solução que melhor acautela a protecção dos accionistas minoritários, sendo a que mais se aproxima de uma faculdade de exoneração.
Ademais, não se olvidem as dificuldades acrescidas de aferição do valor e da liquidez dos valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados estrangeiros, com a inerente possibilidade de ocorrência de custos ocultos no processo. Nestes casos, a liquidez pode também quedar-se ulteriormente prejudicada, por a autoridade nacional dispor de menores poderes de controlo dos processos de exclusão de mercado de entidades estrangeiras.
Por fim, o alargamento da permissividade quanto à natureza da contrapartida abriria certamente a possibilidade de entrega de junk bonds e de outros valores mobiliários de rendibilidade duvidosa.
Contra o sentido da orientação hoje acolhida no n.º 5 do art. 188.º, pode todavia invocar- se que facilitar a realização de aquisições com valores mobiliários como troca, abriria a porta para restruturações empresariais e para a abertura do mercado de controlo.
Sopesados estes argumentos de sinal contrário, entendeu-se consignar duas soluções alternativas, para ponderação legislativa ulterior.
A primeira solução é a de considerar que, se a contrapartida consistir em valores mobiliários, deve o oferente oferecer alternativa em dinheiro que, podendo não ser equivalente, cumpra pelo menos os critérios da OPA obrigatória. Assim, o oferente poderia apresentar uma contrapartida mais vantajosa em valores mobiliários, forçando na prática a uma aceitação massiva a receber a contrapartida em títulos. De todo o modo, os accionistas que preferissem dinheiro receberiam sempre o mínimo previsto por lei em numerário.
A solução alternativa é a de prever que a contrapartida possa consistir em valores mobiliários, se estes forem do mesmo tipo do que os visados na oferta e estiverem admitidos ou forem da mesma categoria de valores mobiliários de comprovada liquidez admitidos à negociação em mercado regulamentado, desde que o oferente e pessoas que com ele estejam em alguma das situações do n.º 1 do artigo 20.º não tenham, nos seis meses anteriores ao anúncio preliminar, adquirido mais de 2 % do capital social da sociedade visada com pagamento em numerário, caso em que deve ser apresentada contrapartida equivalente em dinheiro.
§ 11.º LIMITAÇÕES À ACTUAÇÃO DA SOCIEDADE VISADA
Uma das questões mais importantes tratadas na Directiva e que maior participação suscitou por parte dos respondentes, aquando da consulta preliminar efectuada sobre o disposto nos artigos 9º e 11º da Directiva, ateve-se com as limitações da sociedade visada, no decurso da oferta.
Os respondentes concluíram, na sua grande maioria, pela manutenção do disposto no actual artigo 182º do Código.
O confronto desta norma com a constante da Directiva revela um tendencial alinhamento de soluções.
Deve notar-se que a transposição de uma Directiva implica a consideração primordial dos fins prosseguidos pelo legislador comunitário e em que medida já se encontram cumpridos na ordem interna os fins comunitários. Essa margem de apreciação é nesta sede especialmente pertinente; se é permitida uma dinâmica de opting in/out, necessariamente se há-de permitir um maior grau de flexibilidade aos legisladores nacionais. Aliás, se se permite o mais (opt out), não se deixará de permitir o menos (a fixação de requisitos mais severos no Direito nacional).
Face ao proposto no anteprojecto inicial, não se concluíram agora por substanciais alterações.
Manteve-se, assim, o requisito objectivo de a oferta ser lançada sobre um terço dos valores mobiliários da respectiva categoria. Colocava-se, aqui, a questão da
compatibilidade com os termos da Directiva, que atende simplesmente ao objectivo visado pelo legislador comunitário, em que se atende simplesmente ao intento de aquisição do controlo, ainda que percentualmente se vise uma participação inferior. Mas deve notar-se que a fixação desse patamar de um terço teve justamente em conta a ideia de obtenção do controlo, que este atende, pois, ao fim prosseguido pelo legislador comunitário. Acresce justamente a margem de discricionariedade atribuída ao legislador nacional nesta matéria em particular. Por último, o patamar é quantitativamente coerente com a sistemática do Código, designadamente com o primeiro limiar que justifica o lançamento de uma OPA obrigatória.
Manteve-se também o momento de início do período de limitação a partir do momento do efectivo conhecimento da tomada de decisão por parte do oferente, mantendo-se a equiparação a este da recepção do anúncio preliminar pela sociedade visada. Assim se incentiva a publicação rápida deste, diminuindo as hipóteses de abuso de informação privilegiada. Sendo que se evita também a indeterminação que decorreria de se determinar como momento relevante o conhecimento da iminência da oferta, conforme se possibilita na Directiva que os Estados-membros prevejam.
Apesar de da letra do artigo 9º da Directiva decorrer o contrário, igualmente se mantém a enunciação dos três critérios que justificam actualmente a limitação da actuação da sociedade visada: alteração de modo relevante da situação patrimonial da sociedade visada, não recondução à gestão normal da sociedade visada e afectação significativa dos objectivos anunciados pelo oferente.
Como se sabe, o primeiro requisito foi uma inovação do actual Código face ao anterior, mas tem paralelo noutros ordenamentos, como o seja o espanhol, por exemplo. Quanto à sua manutenção, atente-se justamente na já referida postura de que o legislador deverá partir na presente transposição. E atente-se também que, efectivamente, dificilmente se divisam outras situações que possam afectar os interesses do oferente e que não impliquem uma alteração patrimonial relevante. Manteve-se também a presunção absoluta do que são alterações patrimoniais relevantes, nos termos da aliena b), do número 2.
Quanto ao segundo, a sua manutenção parece impor-se. Já o consagrava o anterior Código. Também o legislador espanhol o erige e a ele se apelava no Übernahmekodex alemão. Entre nós, por um lado, deve compreender-se a sua manutenção naquele espaço de apreciação concedido ao legislador nacional. Por outro, é mesmo o ponto de partida do legislador comunitário, quando se atente no disposto no Considerando (16) da Directiva. Doutro modo pode justamente impedir-se “indevidamente a sociedade visada de prosseguir o curso normal das suas actividades”. E é a manutenção deste requisito segundo que permite a prossecução desse objectivo.
Quanto ao terceiro, trata-se no fundo do critério nuclear erigido na Directiva, ou seja, o prejuízo nos interesses do oferente, pelo que não há também aqui que proceder a quaisquer alterações.
Aproveita-se também para aditar uma nova alínea ao número 1 do artigo 176º, que não constava da primeira versão do Anteprojecto, passando a constar do conteúdo do anúncio preliminar uma enunciação sumária dos objectivos do oferente. Doutro modo, poderia dar-se um caso em que se deveria ter por iniciado o período de limitação e, não obstante, o órgão de administração da sociedade visada não estar na posse de todos os elementos que lhe permitam aferir dos termos da sua limitação: os objectivos do oferente.
Diversamente do que se prevê na lei espanhola, por a Directiva ser omissa e por a via interpretativa parecer o bastante, optou-se também por não consagrar regras especialmente atinentes aos efeitos desta norma quanto às sociedades em relação de grupo.
Quanto à extensão da limitação, aditou-se já na versão inicial do anteprojecto uma alínea
c) ao número 2, incluindo-se aí os actos de execução de decisões tomadas antes do período ali referido e que ainda não tenham sido parcial ou totalmente executados. Trata- se de uma imposição taxativa da Directiva, mas cujo sentido já decorreria eventualmente por via interpretativa do anterior regime. Também no Anteprojecto francês, por exemplo, se opta por transcrever literalmente a Directiva neste ponto.
Diversamente do que foi proposto no anteprojecto, opta-se por manter o disposto na actual alínea a) do número 3, que estabelece que se exceptuam do número 1 os actos que resultem do cumprimento de obrigações assumidas antes do conhecimento do lançamento da oferta. Com efeito, deve notar-se que, se foram previamente assumidas, então não se tratam de actos decididos em reacção àquela OPA, que ainda não era conhecida do órgão de administração. Isto é, não se trata de um daqueles actos excepcionais que o legislador teve em vista, designadamente quando se atente no expressivo e já citado Considerando (16). Por outro lado, a inexecução importará o incumprimento contratual, em medida que poderá ser bastante relevante e em prejuízo claro da sociedade e assim dos accionistas presentes e futuros, importando designadamente o pagamento de montantes largos a título de indemnização ou de cláusula penal. Portanto, a regra deverá ser o cumprimento e não o inverso.
Assim sendo, mantém-se no Código as actuais alíneas a) e b) deste número 3 e acrescenta-se uma alínea c), permitindo ao órgão de administração os actos destinados à procura de oferentes concorrentes. Trata-se de solução expressamente prevista noutros ordenamentos, como a Alemanha ou o Brasil, e também na Directiva. Para mais, essa solução já deveria ser admitida entre nós por via interpretativa, dado que o lançamento subsequente de uma oferta concorrente beneficia os accionistas da sociedade visada.
Quanto à intervenção habilitante da assembleia-geral, entendeu-se já na primeira versão do Anteprojecto serem de manter no essencial os termos actuais. Por a Directiva ser omissa nesse ponto e não se opor a esses termos, mantém-se designadamente a maioria qualificada necessária para aprovar actos em contradição com o disposto no número 1 ou para aprovar distribuições antecipadas de dividendos e de outros rendimentos. Mas aproveita-se a hipótese levantada na Directiva e reduzem-se os prazos de convocação da assembleia-geral, referidos no número 4 do artigo 377º do Código das Sociedades Comerciais, para os quinze dias. Essa possibilidade já tinha sido antecipada no ordenamento italiano, por exemplo.
Tal como na versão inicial, manteve-se a justificada responsabilidade do oferente quando tenha lançado a OPA com o mero fim de perturbar o funcionamento da sociedade visada, nos termos do número 5. Mas prescinde-se de outras densificações, papel que deve caber à doutrina e à jurisprudência.
Ao articulado são acrescentados dois números.
O primeiro (n.º 6) já constava da versão inicial do anteprojecto e é uma excepção ao regime limitativo, conforme previsto na Directiva. Era também uma aspiração premente dos respondentes que se debruçaram sobre a questão, argumentando pela necessidade de um equilibrado level playing field nesta matéria.
Mantém-se o texto proposto inicialmente, mas aproveita-se para esclarecer o sentido que se quis atribuir. O trecho não é inteiramente sobreponível ao disposto na Directiva. Com efeito, no texto comunitário estipula-se que os Estados-Membros podem dispensar as sociedades da aplicação do regime limitativo quando a oferta seja lançada por uma sociedade que não aplique o mesmo regime ou por uma sociedade controlada, directa ou indirectamente, por uma dessas sociedades, nos termos do artigo 1º da Directiva 83/349/CEE. Ou seja, não releva o facto de uma sociedade controlada pela oferente não aplicar este regime limitativo; o domínio relevante é em sentido ascendente e não também descendente. Aliás, nem teria grande sentido que relevasse. Mas tal já decorre, entre nós, da interpretação adequada da lei nesta matéria.
Por outro lado, quis-se justamente ir além do texto da Directiva, prosseguindo mais profundamente os objectivos gizados pelo legislador comunitário. E por isso não se basta aqui a lei com a noção de domínio, mas se lançou aqui mão dos critérios mais amplos constantes do artigo 20º do Código.
Acrescenta-se, de seguida, um novo número 7, em obediência expressa à Directiva. Assim, se impõe que as referidas limitações igualmente se estendam à actuação do conselho geral e da direcção, quando se trate de sociedade que siga o sistema dito dualista. O que se justifica, dado as funções deste conselho exorbitarem da mera fiscalização da administração. Essa é, aliás, a actual solução da lei austríaca e constava também do Übernahmekodex alemão.
Por fim, resolveu-se não avançar em sede de consequência jurídica em caso de transigência do disposto nesta norma. Esta foi uma questão assaz discutida, por exemplo, na Alemanha. O problema está em saber se à infracção ao disposto no número 1 corresponde tão-só a responsabilidade dos membros do órgão de administração, nos termos normais, ou se também se lhes restringe a competência para a prática do acto em nome da sociedade. Neste segundo caso o acto seria ineficaz e a deliberação que o houvera determinado, quando existente, padeceria de nulidade. Em Itália, por exemplo, a lei parece apontar no primeiro sentido. Entre nós, os argumentos sucedem-se de lado a lado. No Código parece ter-se ido neste segundo sentido, enquanto a Directiva não se debruçou expressamente sobre o caso. E talvez deva mesmo vingar esta segunda solução, por ser a que melhor expressa os interesses que se pretendem ver tutelados nesta norma. Pelo menos quando assente em deliberação do órgão de administração e o específico modo de relacionamento com os terceiros envolvidos no caso não impossibilite na prática essa sanção; impossibilitá-lo-ia, por exemplo, no caso de aquisição de acções próprias em bolsa. Mas, como em outros pontos, caberá à doutrina e à jurisprudência desenvolver a questão - aliás, a ser resolvida em sede dogmática do Direito das sociedades e não do Direito dos valores mobiliários.
§ 12.º SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE MEDIDAS DEFENSIVAS PREVENTIVAS
O tema das medidas defensivas preventivas foi outro dos que mereceu a atenção mais dedicada dos respondentes. Recorde-se que de acordo com o texto do anteprojecto sujeito a consulta pública, optou-se por uma solução dispositiva quanto à suspensão de eficácia de tais medidas (“breakthrough”), remetendo para as sociedades o poder de impor medidas restritivas a este respeito.
Esta opção foi criticada por um respondente, o qual sugeriu a transposição integral e injuntiva para o ordenamento jurídico português do regime da “breakthrough rule” previsto na Directiva das OPA. Em sustento desta posição argumentou-se que a dinamização do mercado de controlo societário passa pela dinamização dos casos em que são admissíveis regimes de limitação à transmissão de acções e ao exercício de voto e ainda que solução diferente não se afigura compatível com o regime de OPA obrigatória constate do Código dos Valores Mobiliários e da Directiva comunitária, dado que a existência de limitações ao exercício do direito de voto não permite o afastamento do dever de lançamento de OPA caso sejam ultrapassados os limiares relevantes em termos de capital social.
Quanto a esta opção de fundo, adianta-se desde já que a CMVM mantém a solução dispositiva inicialmente proposta. Neste sentido concorrem diversos argumentos: a clara minoria dos partidários da solução injuntiva no conjunto das duas consultas públicas lançadas especificamente sobre este assunto, no âmbito das quais, contrariamente, os respondentes se manifestaram esmagadoramente no sentido da solução dispositiva; o facto de a solução injuntiva ser igualmente contrária à tendência que neste momento surge como dominante em outros Estados-membros; e, por fim, as dificuldades que um regime injuntivo traria em sede de compensação dos accionistas lesados.
Outra questão muito debatida a propósito da análise do regime da suspensão da eficácia das medidas defensivas preventivas prende-se com a proposta de redacção para o n.º 2 do artigo 182.º-A do anteprojecto. O propósito normativo do preceito consiste em evitar o estabelecimento de restrições estatutárias referentes à transmissão ou ao exercício do direito de voto na prática irremovíveis, nos casos em que a opção pela suspensão das medidas defensivas não seja voluntariamente tomada pelas sociedades.
Por mais do que um respondente foi sugerida a alteração da referência ao universo constituído pela ‘percentagem do capital social representado na assembleia geral’ como referência do quórum deliberativo, pelo motivo de a proposta de redacção constante do anteprojecto inicial representar um afastamento da regra geral prevista no artigo 386.º do Código das Sociedades Comerciais. Entende-se ser esta uma observação pertinente, não se justificando, efectivamente, incluir as abstenções na base de cálculo da maioria qualificada.
Nos casos em que as sociedades não optem pela suspensão das medidas defensivas, isto é, nos casos em que tem aplicação o n.º 2 do artigo 182.º-A, apenas as exigências quanto ao quórum deliberativo são limitadas pelo que, na falta de norma expressa nesse sentido, as limitações ao exercício do direito de voto eventualmente existentes não são afectadas. Entendimento diverso equivaleria, na prática, ao estabelecimento de um regime injuntivo de “breakthrough” num patamar inclusive inferior aos 75% do capital com direito de voto previsto no texto comunitário. Como se referiu, o propósito aqui visado não é esse, mas apenas o de evitar o estabelecimento de previsões estatutárias irremovíveis.
Além disso, aproveitou-se o ensejo para clarificar que as restrições referentes à transmissão ou ao exercício do direito de voto das sociedades que à data de entrada em vigor do diploma de transposição não tenham tomado a opção referida no n.º 1 do mesmo artigo, passam a poder ser alteradas ou eliminadas desde que respeitado o quórum deliberativo de dois terços dos votos emitidos.
Na sequência dos comentários recebidos de um respondente, importa igualmente clarificar os exactos termos que a opção tomada pelas sociedades nos termos do n.º 1 do
artigo 182.º-A afasta a aplicação do n.º 2 do mesmo preceito. Considerando o propósito normativo do n.º 2 do artigo 182.º-A atrás descrito, a adopção parcial das alíneas do n.º 1 do artigo 182.º-A – prevendo-se, por exemplo, apenas a suspensão das restrições estatutárias ou apenas uma das alíneas do n.º 1 do artigo 182.º-A – sendo permitida no âmbito da solução dispositiva que se propõe, não pode ter o efeito de afastar o regime do n.º 2. Caso contrário, continuar-se-ia a autorizar o recurso a um tipo de defesas preventivas (estatutárias ou contratuais), sem que vigorasse o mecanismo de correcção visado no n.º 2. Nestes termos, no texto do n.º 2 do artigo 182.º-A clarificou-se que a sua aplicação apenas é afastada mediante a adopção integral da opção constante do n.º 1.
Por fim, acolheram-se as propostas de acerto da redacção dos n.º 3 e 5 do artigo 182.º-A enviado pelos respondentes.
§ 13.º DIREITO TRANSITÓRIO
Ponto que foi considerado em algumas das respostas recebidas ateve-se com a norma de direito transitório constante do artigo 3.º do diploma de transposição. Mais concretamente com o seu n.º 3, referente à conjugação do art. 187.º do Código com a introdução de nova disposição na nova alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º. Prevê-se que decorrem daí duas consequências, quando por força desse critério, alguém, em virtude de acordo celebrado anteriormente à sua entrada em vigência, tenha atingido os limiares que impõem o lançamento de uma oferta obrigatória. Nessa circunstância, deve-se proceder ao cumprimento do dever de comunicação previsto no artigo 16º no prazo de dez dias e deve-se lançar oferta pública no prazo de trinta dias, caso não entretanto sido alienados os valores mobiliários excedentes a terceiro que com o potencial oferente não se encontre em alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 20.º.
Em algumas respostas à consulta apontou-se que deveria aqui ser seguida a regra geral do artigo 12º do Código Civil – a determinar que os acordos celebrados anteriormente à entrada em vigor da lei não deveriam poder justificar o lançamento de uma oferta. Assim o imporia também a protecção das expectativas dos agentes económicos, que terão tido em conta na sua estratégia empresarial as normas vigentes nessa altura. Doutro modo prejudicar-se-ia a liberdade de iniciativa económica privada, com lesão grave para a Economia e competitividade nacionais. Dever-se-ia, pois, dar prevalência à segurança jurídica nesta sede. Aliás, isso mesmo terá sido tomado em conta pelo legislador comunitário, quando no Considerando (10) da Directiva determina que o dever de lançar OPA não deve ser aplicável aos que já detenham participações de controlo à data de vigência da legislação nacional em transposição da Directiva.
Xxxx, contudo, esclarecer-se que não se propõe, summo rigore, uma norma retroactiva. Como se sabe, tecnicamente a retroactividade consiste na projecção de efeitos jurídicos de uma norma jurídica para o passado, dirigindo-se o âmbito de vigência da lei para factos anteriores ao início da sua publicação. A previsão da norma em apreciação configura antes um caso de retroconexão, ao utilizar factos passado como meras referências para estabelecer efeitos jurídicos projectados para futuro. Não se trata, pois, de fazer retroagir a obrigação de lançamento de OPA ao momento da verificação do facto: os acordos de concertação são apenas tidos como elemento da previsão legal, para recortar o âmbito de competência da norma que constitui um dever de lançamento de OPA, cuja data de vencimento se situa no futuro. Para maior comodidade dos potenciais
oferentes, esse dever vencer-se-á somente 180 dias após a entrada em vigor da lei, apenas valendo portanto quando os valores mobiliários não tenham sido entretanto alienados a terceiros ou caso os contratos aquisitivos não tenham entretanto sido alterados ou revogados.
Além disso, tenha-se presente que no panorama metodológico actual, em última instância, os imperativos de justiça devem ser tidos como de maior valência do que os decorrentes da estrita protecção das expectativas das partes. Dando por assente a justeza em si mesma da redacção proposta para a alínea h), do n.º 1, do artigo 20º, decorrerá daí o natural surgimento da obrigação de lançamento de OPA, quando por referência a esses critérios dados sujeitos dominem a sociedade nos termos do artigo 187º. Justamente para protecção dos minoritários, garantindo-lhes um direito de saída por um preço justo.
Assim sendo, o interesse dos minoritários existe também no caso de se tratar de acordo celebrado previamente à entrada em vigor da presente lei. E como tal, também nesta situação os minoritários deverão poder sair. Ora, não se vê razão válida para discriminar esta situação daquela em que o acordo é celebrado após a entrada em vigor da presente lei: eadem ratio, eadem ius. A solução sugerida por um dos respondentes de que deveria aqui bastar a mera comunicação, claramente que não seria suficiente para colmatar a ausência de mobilização da obrigação nestes casos.
Depois, se se permitisse aos potenciais oferentes não se sujeitarem a esta obrigação, daria certamente azo a situações oportunistas, com o conhecimento antecipado que existe sobre as intenções do legislador nesta matéria.
Contudo, a solução proposta nem é uma solução que sobreleva exageradamente os imperativos de justiça sobre os da protecção das expectativas das partes. Em primeiro lugar, a solução legislativa actual do artigo 20.º, n.º 1, acaba justamente por preterir as expectativas, não dos potenciais oferentes, mas dos minoritários. Isto porque estes, designadamente para efeitos da tomada de decisão de investimento, assentam em que, sujeito que ultrapasse um terço dos direitos de voto em sociedade aberta, tenha de lançar uma OPA. E o que se concluiu é que o actual regime do artigo 20º é insuficiente, pelo que aquelas expectativas se frustravam. Assim se impondo recolocar a justiça material no caso.
Em segundo lugar, a solução proposta é uma solução de compromisso, intermédia.
Os potenciais oferentes podem justamente provar, como anteriormente, perante a CMVM que, com base naqueles acordos, não detêm o domínio sobre a sociedade. Se o acordo não lhes permite dominar, não existe razão para lançar a OPA e a ela não terão de proceder. Se efectivamente dominam, então justifica-se que lancem a oferta.
Acresce que, ao abrigo das regras gerais, os potenciais oferentes poderão optar por revogar os contratos até à entrada em vigor da presente lei. E este tipo de contratos, na prática, geralmente permite sempre a livre denúncia entre as partes; seja ao abrigo do princípio geral da denúncia ad nutum nos contratos por tempo indeterminado, seja ao abrigo de cláusula de denúncia em particular, seja pelas práticas negociais entre as partes. Não obstante, mesmo depois daquela entrada em vigor, dispõem ainda de trinta dias para que se desfaçam do domínio. E obviamente que, desde que o Anteprojecto foi submetido a consulta pública, em Setembro de 2005, que os potenciais oferentes já estão prevenidos da eventual mudança legislativa.
Por último, diga-se que a presente Directiva é de harmonização mínima, pelo que o seu conteúdo pode ser alargado pelos Estados-Membros. O citado Considerando (10) não tem
força de lei, tratando-se de uma mera observação preambular. O Estado português pode, pois, livremente tomar a presente opção legislativa.
Pelas razões apontadas, julga-se, pois, ser de manter a norma transitória nos termos propostos.
Lisboa, Janeiro de 2006