PARECER JURÍDICO – Processo Inexigibilidade de Licitação nº 322/2018
PARECER JURÍDICO – Processo Inexigibilidade de Licitação nº 322/2018
INTERESSADO: Município de Igarapé-Açu – Secretaria de Administração
ASSUNTO: Contratação por inexigibilidade de licitação – serviços técnicos especializados – assessoria e consultoria jurídica – singularidade da atividade – notória especialização – inviabilidade objetiva de competição.
1. DA CONSULTA
Tratam-se dos autos do procedimento de inexigibilidade de licitação para contratação de pessoa jurídica na forma de sociedade de advogados, para prestação de serviços jurídicos especializados à Prefeitura Municipal de Igarapé-Açu / Secretaria Municipal de Administração e demais entes municipais jurisdicionados, exceto os da área de saúde, educação e assistência social, conforme termo de referência constante dos autos.
O procedimento se iniciou por meio de expediente subscrito pelo Secretário Municipal de Administração, acompanhado de orçamento e, uma vez certificada a dotação orçamentária, foi então autuado e procedido a minuta do Edital, passam-se os autos para apreciação.
É o resumo, passemos à análise.
2. DA FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno, da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos de contratos ou instrumentos congêneres a serem eventualmente celebrados e publicados.
É função do parecerista apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico, e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar, ou não, a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos, imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes, observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências. Assim sendo, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas ou citadas as publicações dos atos de nomeação ou designação da autoridade e demais agentes administrativos, bem como, os Atos Normativos que estabelecem as respectivas competências, com o fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a nosso ver, óbice ao prosseguimento do procedimento.
Finalmente, é nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações.
Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção, se for o caso. Dessa forma, o prosseguimento do feito sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
3. REGULARIDADE DA FORMAÇÃO DO PROCESSO
De acordo com o art. 22 da Lei nº 9.784/991, os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, salvo expressa disposição legal.
Com efeito, no que pertine especificamente à licitação [2], bem como contratos/convênios e outros ajustes [3], o processo administrativo deverá observar as normas que lhes são pertinentes.
1 Art. 22 da Lei nº 9.784/99:
“Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a
exigir.
§ 1o Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
§ 2o Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade.
§ 3o A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo.”
2 Art. 38 da Lei nº 8.666/93:“O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
(...)”
3 ORIENTAÇÃO NORMATIVA AGU Nº 2, DE 1º DE ABRIL DE 2009. Texto Enunciado: “OS INSTRUMENTOS DOS CONTRATOS, CONVÊNIOS E DEMAIS AJUSTES, BEM COMO OS RESPECTIVOS ADITIVOS, DEVEM INTEGRAR UM ÚNICO PROCESSO ADMINISTRATIVO, DEVIDAMENTE AUTUADO EM SEQÜÊNCIA CRONOLÓGICA, NUMERADO, RUBRICADO, CONTENDO CADA VOLUME OS RESPECTIVOS TERMOS DE ABERTURA E ENCERRAMENTO.” INDEXAÇÃO: PROCESSO ADMINISTRATIVO. INSTRUÇÃO. AUTUAÇÃO. SEQÜÊNCIA CRONOLÓGICA. NUMERAÇÃO. RUBRICA. TERMO DE ABERTURA. TERMO DE ENCERRAMENTO.
REFERÊNCIA: art. 38, caput, e 60 da Lei no 8.666, de 1993; art. 22 da Lei 9.784, de 1999; Portarias Normativas
O art. 26, da Lei n.º 8.666/93, e suas alterações, informa que as dispensas e inexigibilidades de licitação devem ser necessariamente justificadas, sendo que o procedimento deve ser instruído, no caso, com elementos que apontem a razão de escolha do contratado e justificativa de preço.
Compulsando o presente, verifico o cumprimento das exigências legais a que se refere o art. 26, da Lei de Licitações.
4. DA CONTRATAÇÃO POR INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
Conforma já tratado acima, trata-se de consulta encaminhada quanto à empresa
SOCIEDADE DE ADVOGADOS XXXXXX, XXXXXXXXX XXXXX E NEGRÃO ADVOGADOS
ASSOCIADOS S/S LTDA, concernente a prestação de serviços de assessoria e consultoria jurídica administrativa visando atender o Município de Igarapé-Açu – Secretaria Municipal de Administração, haja vista a necessidade de acompanhamento profissional especializado.
Sabe-se que, como regra, a Administração Pública, para contratar serviços ou adquirir produtos ou serviços, encontra-se obrigada a realizar previamente processo licitatório (inteligência do art. 37, inciso XXI da CF/88). Contudo, a mesma Carta Magna ressalva casos em que a legislação infraconstitucional confere ou Poder Público a faculdade de contratar diretamente, desde que presentes requisitos e circunstâncias expressas na lei, vejamos:
“Art. 37. Omissis
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
(...)”
A obrigação de prévia licitação possui dois aspectos basilares, sendo o primeiro o de assegurar isonomia de oportunidades entre os interessados na contratação, dando-se efetividade aos princípios da impessoalidade e da moralidade; o segundo, revela-se no propósito da Administração de alcançar a proposta que lhe seja mais vantajosa, sempre prevalecendo o interesse público.
No plano infraconstitucional coube a Lei nº 8.666/92, regulamentar este dispositivo constitucional, fixando os procedimentos licitatórios e as hipóteses de contratação direta, pelo que, em certas situações, o gestor público, embora podendo realizar o processo de licitação, em virtude da existência de determinadas situações, poderá dispensar a realização do certame (discricionariedade), como são os casos previstos no art. 24, ou seja, as hipóteses denominadas de licitação dispensável; noutros casos, o administrador se encontrará diante de situações, ora materiais, ora jurídicas, que o impossibilitarão de realizar a licitação, como nos
SLTI/MP no 05, de 2002 e 03, de 2003; Orientações Básicas sobre Processo Administrativo do NAJ/PR; Decisão TCU 955/2002-Plenário e Acórdãos TCU 1300/2003-Primeira Câmara, 216/2007-Plenário, 338/2008-Plenário.
casos previstos no art. 25, que trata das hipóteses denominadas de inexigibilidade de licitação, assim dispostas:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes (...)
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. (grifo nosso)
No que interessa ao caso sob análise, por força do art. 25, II, procede-se a contratação por inexigibilidade de licitação, desde que se trate de serviço técnico enumerado dentre as hipóteses do art. 13, estes qualificados pela singularidade da atividade, pela notória especialização e pela inviabilização de competição.
Já o art. 13, prevê expressamente, dentre os serviços técnicos cuja realização de licitação é inexigível, as assessorias ou consultorias técnicas e os serviços de patrocínio e defesa de causas judiciais ou administrativas, vejamos:
“Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
(...)
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
(...)”
Vê-se, portanto, que a própria lei especifica as hipóteses de exceção à regra geral, oferecendo uma margem de ação ao administrador, dizendo que a Administração Pública possui discricionariedade para contratar diretamente, se assim concluir ao final de todo um procedimento, por inexigibilidade de licitação para os casos expostos. Significa que o Poder Público age de acordo com a conveniência e oportunidade da situação, mas sem desrespeitar o ordenamento jurídico, obedecendo aos princípios gerais da Administração Pública e, acima de tudo, preservando o interesse público.
Da análise sistemática do art. 25 c/c art. 13, vê-se que, materialmente, há possibilidade de se realizar o processo de licitação, porém, ainda que se ofereça a oportunidade a todos com o processo de licitação, a adoção do procedimento, naquelas hipóteses, poderá representar um obstáculo ao atendimento satisfatório do interesse público pois, o estabelecimento de competição não representaria o melhor critério para a escolha da proposta mais vantajosa,
dada a singularidade da atividade, a notória especialização, a confiança e a inviabilização objetiva de competição. Contudo imprescindível os requisitos.
No caso concreto, ou seja, contratação de serviços advocatícios, vê-se que é impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição.
Nesse sentido brilhantemente ensinou o eminente doutrinador Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, em “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, Ed. Dialética, 9ª ed. São Paulo, ano de 2002, página 289, assim se pronuncia:
“Considere-se, por exemplo, o caso de contratação de advogado de prestígio para defesa do Estado em processo judicial de grande relevo. A observância da isonomia não significa considerar todos os advogados inscritos na OAB em igualdade de condições e selecionar um deles por sorteio. (...). No exemplo só podem ser contratados os advogados com reputação profissional, experiência e conhecimentos compatíveis com a dimensão e complexidade da demanda. Não se produz licitação, dentre outros motivos, por ausência de viabilidade de julgamento objetivo. Logo, não se poderia reprovar a escolha fundada em critério de confiança pessoal do administrador. Ou seja, não é possível que o mesmo fundamento que conduz à inexigibilidade seja invocado como causa de invalidade da contratação direta. Logo, a Administração poderia escolher um advogado dentre aqueles que preenchessem os requisitos de experiência, notório saber etc. Será decisão discricionária, o que não caracteriza ofensa ao princípio da isonomia.”
DOS SERVIÇOS TÉCNICOS DE NATUREZA SINGULAR
Em análise aos Atestados de capacidade técnicas, em anexo aos autos, resta claro o nexo de causalidade entre o objeto da sociedade e o objeto da contratação em apreço, in casu, Consultoria e Assessoria Jurídica, ou seja, serviços advocatícios.
E, sobre a contratação de serviços advocatícios, Ivan Barbosa Rigolin4 registra o seguinte:
“Com todo efeito, poucos serviços existem no mercado de trabalho que apresentem delineadas com maior nitidez as características de singularidade na execução que um patrocínio ou uma defesa judicial.
Nada existe de mais individual, de mais variado de advogado para advogado, de execução mais diferenciada entre os diversos profissionais, nem de cunho mais personalístico entre eles que a elaboração de peça advocatícia, uma vez que cada profissional advoga, patrocinando ou defendendo, de um modo absolutamente único, inconfundível, inigualável e incomparável.
Não existe e nem pode existir nem um só mínimo traço ou denominador em comum entre o trabalho advocatício de dois distintos profissionais, em face da
4 Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx. Comentando as Licitações Públicas – Séria Grandes Nomes –nº 0.Xxx de Janeiro, Temas e Idéias, 2001. p. 158
natureza puramente intelectual, e eminentemente cultural, que caracteriza esse trabalho.
Duas peças advocatícias por dois diferentes autores são tão similares entre si quanto dois romances de dois diferentes autores, dois quadros de diferentes pintores ou duas composições musicais de dois diversos compositores: absolutamente nada. E aí, na diversidade inimitável entre dois trabalhos, porque personalíssimos, reside a sua natureza singular. A execução personalíssima é a chave da definição ou do conceito de natureza singular de algum serviço.
Trata-se, uma peça de advocacia, de obra de criação intelectual do início ao fim, que persegue e visa atingir o convencimento racional do juiz na defesa do interesse do cliente, e para isso inexistem, como jamais poderiam existir, regras predeterminadas de raciocínio, de pensamento, de orientação intelectual do trabalho, que por isso é individualíssimo e de execução personalíssima.”
Como conclusão desse pressuposto da singularidade para contratação direta pela Administração, Rigolin, assinalando que alguns objetos de contratos têm características próprias e inconfundíveis com outros, ainda que semelhantes, registra que:
“Cada qual é único quando contratado com cada profissional ou cada empresa. Inexiste mesmo o risco de que sejam iguais os serviços que dois ou mais profissionais (ou empresas) possam apresentar, pois jamais serão iguais, salvo em caso de plágio, que é delito, os patrocínios de uma causa por um ou por outro advogado; o projeto arquitetônico de um ou de outro arquiteto, ou escritório ou sociedade de arquitetos; o parecer de um ou de outro economista (grifamos).”
João Fernando Lopes de Carvalho5 também afirma que os serviços de advocacia merecem a característica de singularidade, mesmo na hipótese de numerosos profissionais que os possam prestar, cada um o fará à sua maneira, neles imprimindo uma característica pessoal.
Assim, é mister trazer a opinião de Carlos Ari Sundfeld6, respondendo em nome da Ordem dos Advogados do Brasil à propositura de ação civil pública contra advogado paulista:
“Por outro lado, está correto o autor quando afirma que qualquer procurador teria grau profissional para desempenhar referida tarefa. De fato, não só qualquer procurador, como qualquer advogado o teria. Mas isso, não descaracteriza a singularidade do serviço, a autorizar a contratação sem prévia licitação. O fato de um serviço ser singular não impede que ele seja prestado por outras pessoas. O que leva a Administração a contratar com uma ou outra pessoa é a convicção de que ela desempenhará a tarefa da forma mais adequada para o caso, exatamente por suas especiais características pessoais. Serviço singular não é serviço único. Vide, neste sentido a lição de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de interferir (...) a especial habilidade, a contribuição
5 Xxxxx, Xxxxxxx; Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx de; Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx. O Advogado e a Administração Pública. 1ª Edição, São Paulo, Manole, 2003. p.46.
6 apud Xxxxx, Xxxxxxx; Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx de; Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx. O Advogado e a Administração Pública. 1ª Edição, São Paulo, Manole, 2003. p.47
intelectual, (...) a argúcia de quem o executa, atributos estes que são precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita para a satisfação do interesse público em causa.” (grifamos).
Com efeito, a contratação de prestação de serviços de assessoria jurídica pela Administração, seja por meio de profissional pessoa física, ou mesmo pessoa jurídica, como no caso em tela, reveste-se de singularidade na medida em que exige do profissional argúcia e desenvoltura em seu mister, para não levar à bancarrota a atividade desenvolvida pelo administrador público que, por tal motivo, deve depositar confiança especial naquele contratado.
Outra argumentação doutrinária que reforça a idéia da singularidade da prestação de serviços de advocacia, é a que ressalta as peculiaridades dessa prestação quanto ao caráter individualíssimo e de cunho não mercantil.
É da lição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, in Boletim de Licitações e Contratos, NDJ, nº 6. p. 274-5, que se extrai a conclusão de que é inviável e incompatível com a natureza do interesse público a ser satisfeito, a competição de cada advogado por critérios objetivos, senão vejamos:
“Temos, portanto, de examinar se as regras que regulam o exercício da atividade são compatíveis com a natureza do certame licitatório. E isso propicia uma distinção fundamental, entre atividades empresariais ofertadas ao mercado, que se fazem sob regime competitivo, e atividades que não se fazem sob regime competitivo. Posso imaginar que há certo tipo de atividade que é caracteristicamente atividade empresarial, em que a estruturação da atividade é busca de clientela e de oferta permanente de contratação no mercado. Quando se trata de serviços que retratam uma atividade subjetiva, psicológica, que são, em última análise, continuação de uma manifestação interna de liberdade, não podemos assemelhar o desempenho da atividade a uma empresa como regra.
[...]
Quando, porém, se imagina o serviço de advocacia como manifestação da liberdade interna de cada sujeito, não há uma competição por critérios objetivo, muito menos econômico, isto é inviável, incompatível com a natureza do interesse público a ser satisfeito, que não vai ser preenchido por aquele que fornecer uma proposta de menor preço nesse de melhor técnica; porque é impossível predeterminar de antecipação quais serão as técnicas a serem adotadas na condução de uma questão jurídica.” (grifamos)
A esse respeito, ainda, Adilson Abreu Dallari7 conclui que é impossível, numa comparação entre diversos advogados, a realização de qualquer modalidade licitatória na qual o menor preço seja, ou possa ser, o fator de julgamento, citando doutrina que destaca a dificuldade de conciliar o Estatuto da OAB e as modalidades de licitação da Lei nº 8.666/93, nos termos do trabalho de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, in Boletim Jurídico – Administração Municipal, Salvador, n.8, 1996, p.7:
“Se o Estatuto da OAB e o Código de Ética vedam a captação de clientela, os
procedimentos de mercantilização da profissão e o aviltamento de valores dos
7 Xxxxx Xx, Xxxxxxx;Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx; Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Licitações e Contratos Administrativos –
Temas Atuais e Controvertidos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; p. 24
honorários advocatícios (arts. 39 e 41 do Código de Ética), como conciliar tais princípios com a participação de advogados, concorrendo com outros advogados em uma licitação de menor preço, nos moldes dos arts. 45, I e § 2.° da Lei 8.666/93?
Também resulta inviável, pelos mesmos princípios, a participação de escritórios de advocacia em licitações do tipo melhor técnica, a qual, nos termos do art. 46,
§ 1.°, descamba, afinal, para o cotejamento de preços. Obviamente, também a licitação de técnica e preço do art. 46, § 2.°, que combina aqueles dois requisitos. (grifamos).
Reforçando o tema, vale transcrever parte do voto do Ministro Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, acolhido a unanimidade por seus pares em nossa Corte Suprema, por ocasião do julgamento do RHC 72.830-8-RO, negando a existência de infração penal na contratação de advogado para a defesa do Estado junto a Tribunais Superiores:
“Acrescente-se que a contratação de advogado dispensa licitação, dado que a matéria exige, inclusive, especialização, certo que se trata de trabalho intelectual, impossível de ser aferido em termos de preço mais baixo. Nesta linha, o trabalho de um médico operador. Imagine-se a abertura de licitação para a contratação de um médico cirurgião para realizar delicada cirurgia num servidor. Esse absurdo somente seria admissível numa sociedade que não sabe conceituar valores. O mesmo pode ser dito em relação ao advogado, que tem por missão defender interesses do Estado, que tem por missão a defesa da res publica.” (grifamos).
No caso em estudo, ainda que se cogitasse não haver singularidade no objeto contratual, o que se admite apenas ad argumentandum, já que resta claro que a própria natureza dos serviços prestados pelo profissional do Direito é singular, é importante destacar que o rol de situações elencadas pelo legislador, aptas a ensejarem a contratação direta por inexigibilidade de licitação, estão dispostas em números apertus, ou seja, estão listadas de forma exemplificativa, de forma a contemplar outras situações onde há inviabilidade de competição, assunto este sobre o qual Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, in Manual de Direito Administrativo, 14ª ed., Ed. Lúmen Juris, 2005, p. 217, assim externa sua convicção:
“No mesmo dispositivo, o legislador, depois de afirmar o sentido da inexigibilidade, acrescenta e locução “em especial”. A interpretação que nos parece correta é a de que, firmada a regra pela qual na inexigibilidade é inviável a competição, a lei tenha enumerado situações especiais nos incisos I a III de caráter meramente exemplificativo, não sendo de se excluir, portanto, outras situações que se enquadrem no conceito básico.” (grifo do autor e nosso, respectivamente).
Perfilhando tal entendimento, Xxxx Xxxxxxx Xxxx, quando Ministro do Certe Excelsa, em matéria publicada na RDP 100, p. 32, sob o título Inexigibilidade de licitação: Aquisição de bens e serviços que só podem ser fornecidos ou prestados por determinado agente econômico, preleciona o seguinte:
“Assim, temos que há dois grupos nos quais se manifestam casos de inexigibilidade de competição: de um lado os declarados nas discriminações enunciativas dos preceitos indicados; de outro, os albergados pelo enunciado
quando houver inviabilidade de competição inscrito no caput desses mesmos preceitos normativos.” (grifos do autor)
Portanto, à luz de tudo o que foi esposado, resta evidente que vem perdendo força a recalcitrante corrente doutrinária que não vislumbra na atividade jurídica, per si, uma atividade de natureza singular. De toda a sorte, a própria doutrina, de forma majoritária, com robustas justificativas, não nega a possibilidade de contratação com fundamento no caput do art. 25 da Lei 8.666/93, quando houver inviabilidade de competição.
Nessa esteira, não há como conceber a possibilidade de competição entre profissionais do Direito, pois cada um é dotado de qualidades, de técnica, enfim, de atributos personalíssimos que os fazem particularmente singulares em relação a cada um.
DA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO
É a própria Lei nº 8.666/93, em seu art. 25, § 1º, estabelece o que vem ser a notória especialização, sendo aquela detida por profissional ou empresa, no campo de sua especialidade, no caso em exame, os serviços profissionais de advocacia, cujo desempenho anterior, experiências e equipe técnica, dentre outros, permita inferir que o seu trabalho é essencial e, indiscutivelmente, o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
É quase unânime que o conceito de notória especialização traz em si mesmo certa propensão à ambiguidade. Tem-se embutido aí, para alguns, a característica de exclusividade. A ser verdade isso, seria redundante o inciso I do art. 25 da referida Lei, restando inútil a previsão do inciso II. Neste particular, corrobora a sempre veiculada jurisprudência do TCU quanto ao assunto, calcada no destacado voto do Ministro Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, constante da Decisão-TCU nº 565/95, parcialmente transcrito a seguir:
“Portanto, no meu entender, para fins de caracterizar a inviabilidade de competição e conseqüentemente a inexigibilidade de licitação, a notória especialização se manifesta mediante o pronunciamento do administrador sobre a adequação e suficiência da capacidade da empresa para atender ao seu caso concreto. Logo, num determinado setor de atividade, pode haver mais de uma empresa com ampla experiência na prestação de um serviço singular, e pode não obstante ocorrer que, em circunstâncias dadas, somente uma dentre elas tenha ‘notória especialização’: será aquela que o gestor considerar a mais adequada para prestar os serviços previstos no caso concreto do contrato específico que pretender celebrar. Ressalvadas sempre as hipóteses de interpretações flagrantemente abusivas, defendo assim tese de que se deve preservar margens flexíveis para que o gestor exerça esse poder discricionário que a lei lhe outorga” (grifamos)
E, conforme Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 5ª Edição, Dialética, São Paulo, 1998, p. 265, “não se exige que o profissional tenha reconhecimento de sua capacitação e especialização perante a comunidade. Exige-se, isto sim, que se trate de profissional destacado e respeitado no seio da comunidade de especialistas em que atua”.
Por isso mesmo, permitindo-nos reafirmar o que foi dito, não é de se admitir que a notória especialização requeira, necessariamente, o caráter de exclusividade. E, dessa forma,
não se está aqui a defender que somente a empresa Chaves, Xxxxxxxxx Xxxxx e Negrão Advogados Associados S/S poderia ser a única a executar, de forma competente, os serviços objetos do ajuste. Pode haver outros. Mas a competição entre eles encontraria óbices práticos, estratégicos e, quiçá, legais, como apontado anteriormente quanto ao conflito entre o Estatuto da OAB e a Lei de Licitações.
Indo mais a frente neste caso a notória especialização do profissional, ou da empresa para fins de contratação pela Administração Pública está delimitada na Lei de Licitações (art. 25, § 1º), vejamos:
“Art. 25. (...)
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.” (grifo nosso)
Objetivamente o legislador privilegiou a notória especialização decorrente de diversas fontes do saber tais como: desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento e equipe técnica. O que possibilita amplo rol documental apto a atestar/certificar a notória especialização almeja na lei.
No caso sob análise, vê-se que a empresa habilitada nos autos qualificou equipe técnica dotados de especialização em gestão de políticas pública, em direito tributário e em direito ambiental (notória especialização decorrente dos estudos acadêmicos da equipe técnica), atestados de capacidade técnica (notória especialização decorrente experiências, do desempenho anterior, da empresa e da equipe técnica) que, a meu ver, são documentos suficientes a qualificá-los, ou seja, sociedade e equipe técnica, como detentores de notória especialização conforme preconizado no § 1º, do art. 25, da Lei n. 8.666/93.
Noutro ponto, a Ordem dos Advogados do Brasil já se manifestou no sentido de que a forma de inexigibilidade de licitação é a que encontro sintonia com os princípios das carreiras jurídicas (inteligência da Súmula nº 04/2012/COP), vejamos:
SÚMULA N. 04/2012/COP
O CONSELHO PLENO DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas nos arts. 75, parágrafo único, e 86 do Regulamento Geral da Lei nº 8.906/94, considerando o julgamento da Proposição n. 49.0000.2012.003933-6/COP, decidiu, na Sessão Ordinária realizada no dia 17 de setembro de 2012, editar a Súmula n. 04/2012/COP, com o seguinte enunciado: “ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE
LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.”
Brasília, 17 de setembro de 2012. - XXXXX XXXXXXXXXX JUNIOR Presidente
XXXXXXX XXXXXXX CRUZ Relator - (DOU de 23/10/2012, pg. 119, Seção 1)
Este mesmo entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vejamos:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.192.332 - RS (2010/0080667-3) RELATOR: MINISTRO XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXX RECORRENTE : XXXXX XX XXXXXXXX XXXXX
ADVOGADO: XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX E OUTRO(S) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC. ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO MELHOR PROFISSIONAL, DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...)
3. Depreende-se, da leitura dos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/93 que, para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13, com inexigibilidade de licitação, imprescindível a presença dos requisitos de natureza singular do serviço prestado, inviabilidade de competição e notória especialização.
4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição.
5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).
6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional.
7. Recurso Especial a que se dá provimento para julgar improcedentes os pedidos da inicial, em razão da inexistência de improbidade administrativa. Brasília/DF, 12 de novembro de 2013 (Data do Julgamento).
XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXX. MINISTRO RELATOR
Assim, não resta qualquer dúvida sobre a legalidade da contratação de serviços advocatícios por inexigibilidade de licitação com base no art. 25, II c/c art. 13, inciso III e V, da Lei 9.666/93, desde que atendidos os requisitos exigidos nesses dispositivos legais, conforme é o caso dos autos.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto opina-se pela legalidade da contratação por inexigibilidade de licitação da Sociedade de Advogados Chaves, Xxxxxxxxx Xxxxx E Negrão Advogados Associados S/S LTDA, inscrita no CNPJ sob o nº 10.689.422/0001-70, com fundamento no art. 25, II c/c art. 13, III e V, ambos da Lei nº 8.666/93, conforme documentação em apenso aos autos.
É o Parecer.
S. M. J.
Xxxxxxx-Xxx, PA, 28 de dezembro de 2018.
XXXXXXX XXX XXXXXX XXXXX
Advogado – OAB/PA 008657