TEORIA DA IMPREVISÃO NO CONTRATO BANCÁRIO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL
TEORIA DA IMPREVISÃO NO CONTRATO BANCÁRIO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 21/2003 | p. 184 - 210 | Jul - Set / 2003
Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 7 | p. 557 - 587 | Dez / 2010 DTR\2003\337
Xxxxx Xxxxx
Advogado. Diretor, Professor e Coordenador do Curso de Direito do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais.
Área do Direito: Civil; Bancário
Sumário:
1. Introdução - 2. Perspectiva histórica - 3. Direito comparado - 4. Inspiração do novo Código Civil ao instituto da imprevisão - 5. Resolução do contrato bancário, onerosidade excessiva e imprevisibilidade no novo Código Civil - 6. Estado de perigo e lesão: arts. 156 e 157 da CF/1988 - 7. À guisa de conclusão
1. Introdução
Este artigo trata do clássico tema da teoria da imprevisão, agora sob a égide do novo Código Civil (LGL\2002\400) (Lei 10.406, de 10.01.2002), ante os contratos bancários. Enquanto o debate do novel diploma tem sido recorrente nas acepções mais macroscópicas que o tema evoca, ainda é reduzida a discussão sobre o tipo de decorrência que determinados institutos - onerosidade excessiva, lesão, atos ilícitos, abuso de boa-fé, função social do contrato, mútuo etc. - terão nas relações bancárias entre clientes e intermediários financeiros no enfoque tipicamente microscópico, a saber, nas relações bancárias e financeiras cotidianas entre os múltiplos agentes econômicos e os bancos. E, em especial, são desconhecidas as conseqüências que tais embates terão quando apreciados pelo Poder Judiciário.
Em face da complexidade da proposta, já foram empreendidas algumas tentativas de postergação na vacatio legis. 1Por um lado, entendia-se que restavam conceitos jurídicos a demandar aperfeiçoamentos, inclusive no tocante à redação de alguns dispositivos; por outro, foram poucos que com efeito se debruçaram sobre as regras mais minudentes que cercam as relações banco-cliente e sobre o modo como tais institutos irão afetar o sistema jurídico. 2Não obstante, o Código está em vigor e resta agora o debate hermenêutico.
Recentemente, juristas ligados aos meios acadêmicos têm manifestado certo incômodo com a tão proclamada mudança, em particular no que tange à incerteza jurídica que será gerada pelo novo instrumento na seara financeira. No entanto, a preocupação, que diz respeito exatamente ao cerne do contrato bancário e das relações entre banco e clientes é dissipada sobretudo por Xxxxxx Xxxxx, um dos autores da nova lei civil. 3
Para debater as modificações de grande alcance do contrato bancário, é necessário passar em revista os principais conceitos que nos são trazidos e centrar-nos na questão que se mostra fundamental: que impactos as mudanças propostas trarão? Mais: como essas mudanças se coadunam com o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90? 4
Este artigo, portanto, ocupa-se dessa questão sob o prisma da teoria da imprevisão e sob a égide do novo Código Civil (LGL\2002\400) celebrado no seu art. 317, que diz:
"Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação". 5
O seguinte roteiro será percorrido: uma introdução conceitual, a fim de delimitar o tema na doutrina e na lei brasileira; segue-se um breve relato do assunto sob perspectiva histórica; depois, o instituto da imprevisão é analisado sob a óptica do direito comparado, buscando extrair lições úteis para sua correta aplicação entre nós. O item 4 trata da inspiração do novo Código Civil (LGL\2002\400) à teoria da imprevisão e de como ela se afeiçoa a ou se distingue da revisão; o 5, oferece uma abordagem acerca do tema da resolução do contrato bancário sob o prisma da onerosidade excessiva e da imprevisibilidade no novo Código Civil (LGL\2002\400); o 6 trata do estado de perigo e de lesão no novo Código Civil (LGL\2002\400) e de seus eventuais impactos. No sétimo e último item, à guisa de conclusão, procuramos endereçar o assunto para o futuro.
Toda operação bancária, passiva ou ativa, realiza-se mediante um contrato, que produz reciprocamente direitos e obrigações. O entendimento de Xxxxxxx Xxxxx sobre os contratos bancários é de que "todos os negócios jurídicos que têm como uma das partes uma empresa autorizada a exercer atividade própria dos bancos". 6
A característica intrínseca do banqueiro, para evitar o evidente truísmo contido na definição do art. 199 do CCo (LGL\1850\1) revogado pelo novo Código Civil (LGL\2002\400), nos é dada por Bagehot, ainda no século XIX: trata-se do crédito como elemento da intermediação financeira. Bahegot relaciona a noção de confiança ao crédito, que se configura como o motor do sistema bancário: "Crédito é a disposição de um homem confiar em outro". 7
Xxxxxx Xxxxxxx une as duas expressões ao asseverar que "contrato bancário é o acordo entre banco e cliente para criar, regular ou extinguir uma relação que tenha por objeto a intermediação do crédito". 8Como toda e qualquer relação jurídica, o contrato bancário possui elementos caracterizadores, ou seja, sujeitos e objetos de direito. Por sujeitos, aqui se nos apresentam os clientes da instituição financeira e a própria instituição financeira; por sua vez, o objeto do contrato bancário é o crédito bancário.
Contratos se voltam ao longo prazo; sua execução é diferida no tempo, e no momento da contratação prevêem-se fatos que podem (ou não) ocorrer no futuro. Assim, a definição clássica é a do Code, que define contrato como um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação. Importante lembrar que contrato é negócio entre particulares, ou não, que promove a circulação de riquezas.
De longe é que se celebra a força obrigatória dos contratos. Princípio de direito, baseia-se
tanto na liberdade de contratar como na liberdade contratual e na justificativa de que, segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, "uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito". 9Para Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, a vontade das partes é o fundamento da força obrigatória dos contratos:
"Uma vez manifestada esta vontade, as partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente". 10
Visão privatista, é útil ante os dispositivos dos Códigos clássicos, mas muito pouco funcional para uma análise dos impactos que o novo Código Civil (LGL\2002\400) terá nos contratos bancários. Primeiro, em razão da existência de novos institutos que serão regidos por diversos princípios além do clássico liberdade de contratar, como o da sociabilidade que rege institutos do novo Código Civil (LGL\2002\400), exemplificados pela função social do contrato. Segundo, porque o novo Código Civil (LGL\2002\400) concede ao juiz um poder de hermenêutica que é novo no sistema jurídico brasileiro, e que certamente dele muito se exigirá. 11
Um dos principais impactos sobre o contrato bancário, rapidamente delineado acima, encerra o que se conhece por teoria da imprevisão. Em face de compreensões polarizadas sobre o assunto, cabe, antes de empreendermos uma análise mais profunda, defini-los precisamente e fazê-lo em seus aspectos caracterizadores; primeiro porque, há alguns, como Xxxxxx Xxxxxx, que nos proclamados avanços vêem riscos imensuráveis nos aspectos celebrados nos princípios da sociabilidade, os quais, para ele, "se valorizam em detrimento à autonomia da vontade e, conseqüentemente, da segurança jurídica que legitimamente se espera de qualquer ajuste bilateral. Ou seja, o novo Código Civil (LGL\2002\400) torna incerto o que se escreve e assina, colocando em risco severo toda a lógica do sistema de contratos". 12
Já para outros, como Xxxxx Xxxxxx, há verdadeiros avanços:
"O novo Código é muito mais avançado que o antigo, e sua aprovação trouxe a necessidade do reestudo (...), bem como exigirá a redefinição de posições dos nossos tribunais, o que fará que os maiores beneficiados, sem sombra de dúvida, sejamos nós, os cidadãos". 13
Como atingir algum ponto mediocrático sobre o tema? Haverá tal mediana?
Isto posto, passemos às definições conceituais. Poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram por formas tão diversas quanto o contrato, adaptando-se a culturas e sociedades diversas com valores distintos. 14Se, como diz o Prof. Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, o mundo moderno é o mundo do contrato, faz-se necessário o debate de alguns de seus aspectos, entre os quais a teoria da imprevisão 15- também conhecida (ou melhor, confundida com) como cláusula rebus sic stantibus. Xxxx Xxxxx a define com precisão:
"Consiste, resumidamente, em presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula, que não se lê expressa mas figura implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu cumprimento rigoroso, no pressuposto de que as circunstâncias ambientais se conservem inalteradas no momento da execução, idênticas às que vigoravam no momento da celebração". 16
Ou seja, trata-se de condição geral implícita que impõe rigor no seu cumprimento caso as circunstâncias sofram modificações em relação ao momento da celebração no momento da execução, visto que variáveis incontroláveis como circunstâncias, ambiente e outras não se conservaram inalteradas.
Há na doutrina alguma diferença entre a teoria da imprevisão e a cláusula rebus sic stantibus? A resposta é afirmativa. Segundo Xxxxxxx Xxxxx, a maior falha encontrada na cláusula clássica era aludir a uma condição resolutiva implícita e automática. Assim, a teoria da imprevisão implica uma condição resolutiva que depende de características específicas. A cláusula rebus contempla por sua vez uma possibilidade de alteração do pacto compromissado, a despeito da obrigatoriedade estabelecida, sempre que as circunstâncias se alterarem. 17Reside nessa alteração, quer seja ou não automática, a principal diferença entre tais condições.
Alinhado com o mestre baiano, Xxxxxx afirma haver diferenças e explica por quê: "(...) exige-se que a alteração seja de tal ordem que excessiva onerosidade da prestação não possa ser prevista. O contrato já traz em si uma álea. É exatamente para prevenir situações futuras que o homem, previdente por necessidade, o celebra. Portanto, se a condição modificadora futura pudesse ser prevista, por certo não comportaria qualquer revisão o contrato". 18
À guisa de introdução conceitual, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx lista quatro elementos imprescindíveis à teoria da imprevisão, por nós sumarizados abaixo:
a) a vigência de um contrato de execução diferida ou sucessiva;
b) alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo no momento da celebração;
c) onerosidade excessiva para um dos contratantes em benefício exagerado para o outro;
d) a imprevisibilidade daquela modificação. 19
Segundo Xxxxxxx Xxxx, em seu clássico Obrigações e contratos, existiriam outros dois elementos, quais sejam:
a) a bilateralidade do contrato, já que sobre o contrato unilateral não pode incidir a cláusula
rebus sic stantibus; e
b) a ocorrência de empobrecimento relevante e inevitável de uma das partes contratantes com o correspondente enriquecimento da outra. 20
Pode-se, portanto, resumir a teoria da imprevisão a quatro elementos formadores, onde melhor se situam, além dos casos clássicos de força maior e de caso fortuito, as lindes da lesão, da boa-fé e da lealdade, da superveniência de elementos externos, capazes de provocar desequilíbrio entre as obrigações pactuadas, e da alteração substancial das condições econômicas e fatores externos vigorantes na ocasião da celebração do pacto ( tempus regit actum).
Xxxxxxxx, em sua teoria da condição eficaz, alega que são três as condições para o preenchimento da teoria da imprevisão:
a) a sobreveniência do contrato subordina-se a uma condição inicial implícita, entendido o substantivo como condictio juris;
b) o elemento de frustração exclusivamente por risco, ou seja, somente um evento, sendo imprevisto, impede a conclusão do contrato; e
c) a impossibilidade da execução da promessa, afastando-se a obrigação do contratante. Acrescente-se a idéia de reequilíbrio, ou seja, a noção preponderante do justo e da segurança do negócio jurídico entre as partes.
Vale, por conseguinte, a máxima de Xxxx Xxxxx de acordo com a qual os contratantes estão adstritos ao cumprimento rigoroso do contrato, no pressuposto de que o contrato deve ser cumprido somente se as circunstâncias, os ambientes e os fatos se conservarem inalterados no momento da execução, mantidos idênticos aos vigorantes no momento da celebração. Como bem salientou Wald, há no contrato bancário algumas particularidades, determinadas restrições que merecem tratamento diferenciado. 21Salienta-se por oportuno que, mesmo com o correto argumento da assimetria informacional e dos contratos de adesão, os contratantes não o fazem numa relação de igualdade.
2. Perspectiva histórica
No direito romano, pela Lei das Doze Tábuas, de 450 a.C., privilegiava-se o princípio da obrigatoriedade dos contratos, obrigatório para esse povo, regulando seus interesses como se lei fossem. Tal interpretação de rigor de forma e da vontade como elemento básico dos negócios jurídicos é também confirmado pelo Ius Gentium. 22
No entanto, há muito o direito excepciona tal cláusula absoluta. Por exemplo, a Lei 48 do Código de Hamurabi, elaborada quase quatro milênios atrás, afirma que "se alguém se obrigou por uma obrigação que produz juros e uma tormenta (aqui, o Deus Haddad) inundou seu campo e destruiu a sua colheita, ou se, por falta de água, o trigo não nasceu no campo, nesse ano ele não dará trigo ao seu credor, modificará a sua tábua de contrato e não dará juros desse ano".
Também se constatam no direito romano fragmentos que evidenciam a presença da exceção. Eis aqui a famosa teoria da imprevisão, extraída da expressão literal "contractus qui habent tractum sucessivum et dependentian de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur", cuja tradução literária seria: "os contratos de trato sucessivo e com dependência de prazo (a termo) estão sujeitos ao estado das coisas existentes no momento de sua elaboração". 23
Xxxxxx, em longo trecho do De officiis, segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, expressa formalmente a noção de que promessas, às vezes, podem não ser cumpridas e do mesmo modo pactos podem não ser levados a cabo. Afirma também que nem sempre é contrário à justiça não restituir o depósito ou descumprir a promessa original. Bittar lembra ainda as lições de Sêneca no De beneficiis, que condiciona a obrigação à permanência das coisas no estado em que se efetivou a promessa. 24
A idéia é repetida em Santo Agostinho e em Santo Xxxxx xx Xxxxxx. Ambos, de formas diferentes, pregavam que não haveria infidelidade pelo descumprimento de uma promessa, desde que algo impedisse a sua execução fiel.
Coube ao grande jurista Xxxxxx Xxxxxxx a construção teórica das condições e dos requisitos do rebus sic stantibus, que ampliou seus horizontes doutrinários. É a ele que se referem outros estudiosos da matéria, como Xxxxxxxx, Mantica e Xxxxxxxx, entre outros. 25
A noção de imprevisão caiu em decadência logo depois; nem mesmo fez parte do Código Civil (LGL\2002\400) francês no começo do século XIX, em cujo art. 1.134 definitivamente se firma o princípio de que as convenções legalmente estabelecidas têm força de lei entre os contraentes. A esse respeito, o Prof. Xxxxxxx Xxxx comenta:
"Diante das modificações que foram introduzidas na concepção do contrato, a doutrina passou, inclusive, a questionar se ainda subsistia o conceito que lhe tinham dado os redatores do nosso Código, o legislador francês, em face do aumento das disposições de ordem pública e do crescente intervencionismo econômico do Estado que encontraram, desde a Constituição de Weimar, abrigo nos próprios textos constitucionais, inclusive no Brasil desde a Carta de 1934. Surgiram, assim, certas teorias e técnicas que tinham por objetivo evitar os abusos e excessos no exercício do direito, que deveria estar voltado ao atendimento de sua finalidade social. São os denominados 'conceitos amortecedores' ou 'válvulas de segurança', entre os quais se destacam as teorias do direito e da imprevisão".
26
Não por outra razão o Prof. Xxxxxx Xxxxxxxxx afirmou que a teoria da imprevisão era o que "tornava o contrato mais justo e mais humano". 27
Quanto ao tema em foco, Xxxx nos ensina que "toda pessoa tem legítimo direito ao respeito pelos seus semelhantes e, reciprocamente, está ela obrigada frente a qualquer outra" e, assim, o disposto no art. 1.134 do Code - que a convenção tem valor de lei entre as partes
- é relativizado. Busca-se a harmonia das relações contratadas à época do seu sinalagma genético, ou seja, a origem do contrato.
No Código Civil de 1916 (LGL\1916\1), esparsos são os dispositivos que guardam alguma relação com a imprevisão, como os arts. 401 e 1.246, que versam respectivamente sobre alimentos e sobre o contrato de empreitada:
"Art. 401. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na fortuna de quem supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar do juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução, ou agravação do encargo".
"Art. 1.246. O arquiteto, ou construtor, que, por empreitada, se incumbir de executar uma obra segundo plano aceito por quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que o dos salários, ou o do material, encareça, nem ainda que se altere ou aumente, em relação à planta, a obra ajustada, salvo se se aumentou, ou alterou, por instruções escritas do outro contratante e exibidas pelo empreiteiro".
É verdade que o Código de 1916 não veda de maneira expressa o revisionismo, não obstante seu art. 928 estabeleça claramente a força do contrato: "A obrigação, não sendo personalíssima, opera, assim entre as partes, como entre os seus herdeiros". Inúmeros dispositivos afastam o absoluto rigor do pacta sunt servanda como meio único de enlace obrigacional pela vontade recíproca, como é o caso, por exemplo, dos arts. 1.091 e 1.092 do antigo Código: "A impossibilidade da prestação não invalida o contrato, sendo relativa, ou cessando antes de realizada a condição" e "Nos contratos bilaterais, nenhum dos
contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".
3. Direito comparado
Embora nenhuma experiência alienígena seja completamente válida para o Brasil e sua transposição seja limitada, a realização de um estudo pragmático é importante para a compreensão do instituto em questão nos distintos sistemas jurídicos. Como tal amostra seria por demais ampla, escolhemos três países que albergam a teoria da imprevisão, mesmo que proposições iguais possam ser encontradas neste século em quase todas as jurisdições. 28
No direito alemão, a teoria da imprevisão está consagrada no Código Civil (LGL\2002\400) alemão desde 1896. O princípio revisionista não foi, contudo, diretamente interiorizado. Por exemplo, no art. 242 daquele Código, obriga-se o devedor a cumprir a sua prestação de acordo com as normas da lealdade e confiança recíproca e na forma dos usos admitidos no comércio. Foi em razão de uma verdadeira criação jurisprudencial, e não por modo expresso, que se agasalhou no BGB tal posição. Reza o art. 306 que um contrato "dirigido a uma prestação impossível é nulo". Já o caput do art. 315 estatui que, "se a prestação tiver de ser determinada por um dos contratantes, admitir-se-á, na dúvida, que a determinação deve ter lugar de conformidade com o critério eqüitativo, cuja determinação será efetuada por sentença", em clara manifestação de apreço pelo poder interpretativo do juiz. Igualmente, este poderá reduzir multa exorbitante por meio de sentença (art. 343). Por fim, lê-se no art. 275 que "a uma impossibilidade que se apresentar depois de um nascimento de uma obrigação se equipara a impossibilidade do devedor à prestação sobrevinda posteriormente".
No direito italiano, a teoria da imprevisão foi celebrada a partir de 1871, com o processo unificador do sistema jurídico. O art. 1.467 do Código Civil (LGL\2002\400) desse país prevê que, "nos contratos de execução futura, se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa em conseqüência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode demandar a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no art. 1.458". 29
Quanto ao direito português, consoante o Código de 1966, afirma-se no art. 437: "(...) se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato".
Curiosamente, a tradição legal portuguesa já previa a revisão contratual por fato superveniente desde 1930. Por meio do Dec. 19.126 é que primeiro se tentou quantificar o que viria a ser a imprevisão. Tratando do preço do material construtivo e da jornada de trabalho dos operários, afirma o texto desse instrumento que, "(...) se esse aumento exceder 20% e resultar da desvalorização da moeda, o empreiteiro terá o direito de rescindir o contrato desde que o dono da obra se não queira sujeitar a indenizá-lo por esse excesso; no caso inverso, o mesmo direito assiste ao dono da obra".
Em outros países, são mais raras as disposições expressas - alguns até afastam
contundentemente a teoria revisionista. Entretanto, o que se percebe é que, de algum modo, o Judiciário tem temperado o absolutismo contratual com tendência ao revisionismo, e aí sim, desde que preenchidos todos os requisitos essenciais.
4. Inspiração do novo Código Civil ao instituto da imprevisão
O espírito da nova lei civil está, segundo Xxxxxx Xxxxx, definido em dois princípios maiores: eticidade e socialidade. 30Afirma esse doutrinador que "(...) eis aí os princípios que presidiram à feitura do novo Código Civil (LGL\2002\400), a começar pelo reconhecimento da necessária indenização de danos puramente morais, e pela exigência de probidade e boa-fé tanto na conclusão dos negócios jurídicos como na sua execução".
Numa visão sintática, o novo Código Civil (LGL\2002\400) modifica o contrato bancário na medida em que impõe regras conformadoras e principiológicas, em especial aquelas de garantias e de realização, e lança novas luzes à teoria da imprevisão, que é o que se procura demonstrar neste ensaio. Para Xxxxxx Xxxxx, são os princípios transformadores que levam ao limite a "fruição do direito", que deve ser exercido em benefício da pessoa mas respeitando os fins sociais e éticos. Segundo o emérito professor, com base no novo dogma, em conformidade com o art. 5.º, XXIII, da CF/1988 (LGL\1988\3), que trata da função social, a propriedade deve se estender também ao contrato, "o qual representa uma justa composição de interesses individuais e coletivos, de forma que, se ele se rescinde devido ao inadimplemento de uma das partes, também pode ser resolvido se acontecimentos imprevisíveis tornarem por demais onerosa a prestação de um dos contratantes (...) na mesma linha de pensamento, o novo Código Civil (LGL\2002\400) prevê vários casos em que é facultado ao juiz atuar como árbitro, fixando, por exemplo, o valor de uma indenização segundo critérios de eqüidade, não acolhendo pretensões abusivas". 31
Ao modificar o espírito volitivo e privatista contratual, apenas para nos atermos a um exemplo, e o fazendo de modo cogente, ou seja, independentemente da vontade do contratante dos serviços bancários, explicitam-se e transferem-se riscos e custos relacionados ao mesmo tempo em que, segundo Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, três conseqüências importantes são geradas:
a) o dogma da autonomia da vontade é limitado como força originária do direito entre as partes contratantes;
b) o interesse social e o princípio da boa-fé são considerados parâmetros dessa limitação;
c) a desigualdade das partes é levada em conta no que se refere à aferição da liberdade e à validade de tais relações. 32
Portanto, é possível afirmar que a inspiração correta não é negar a autonomia da vontade, mas sim limitá-la. Não há contrato sem acordo de vontades e não há vontade em que não há consentimento. Esta máxima consiste em preceito constitucional, mas vale a regra estabelecida no novo Código Civil (LGL\2002\400) como padrão para todas as interpretações dos contratos: nas relações de vontade se atenderá mais à intenção que ao sentido literal da linguagem. 33Em outras palavras, o texto contratual será válido se estiver consoante o princípio da inteligência simples e adequada, da boa-fé e do verdadeiro espírito na formação do contrato. Porém, o consentimento das partes ( essentialia negotia)
ainda se faz necessário: obriga os contratantes e estipula o seu conteúdo com força obrigatória, salvo o que nitidamente configurar-se como exorbitância.
Para alguns autores, refere-se essa provisão a mera extensão estabelecida no próprio Código de Defesa do Consumidor, pelo art. 6.º: "São direitos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas" -, bem como pelo art. 51, que considera nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que se presumem exageradas. Nos incs. II e III do § 1.º, afirma-se que a possibilidade de revisão deve prevalecer nas seguintes circunstâncias:
"II - [quando] restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - [quando] se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso".
Essas provisões, segundo alguns autores, passariam a ser aplicadas indistintamente com a vigência da nova lei civil. Como bem lembra Xxxxxxx Xxxx, não é esse o caso. 34Mesmo que alguns tribunais apliquem a legislação consumerista de forma horizontal a contratos não relativos a consumo, "dando interpretação analógica à lei ou fazendo-a incidir fora do campo previsto pelo legislador na ausência de outras disposições que regessem a matéria", é evidente que o novo Código Civil (LGL\2002\400) altera substancialmente essas relações. Apesar de movidos por inspirações distintas, e com duas regras de aplicação - as das operações de consumo e as demais operações na economia -, pode-se afirmar, taxativamente, que há convergência nos dois diplomas, mesmo que em um deles a proteção ao hipossuficiente seja o leitmotiv, enquanto o que se pretende no outro é a obtenção de equilíbrio contratual. 35
E o que exatamente seria hipossuficiência? Figura do direito econômico, emprestada das políticas neo-sociais da República de Waiver, defende, por exemplo, o pequeno capitalista ou o pequeno industrial da voracidade dos grandes grupos econômicos com força e poder de abuso econômico. 36Dissociados do conceito de hiperssuficientes - que vêm a ser os auto-suficientes em posição econômica superior - e do antônimo hipossuficientes - aqueles que apresentam debilidade econômica absoluta -, os representantes comerciais podem ser caracterizados como hipossuficientes relativos, pois, na maioria das vezes, apresentam debilidade econômica relativa, ou seja, são julgados por comparação e por critério de proporcionalidade em face do representado. 37
Diante desses princípios e sob forte influência do direito do trabalho, a hipossuficiência passa a ser protegida na legislação sobre representação comercial, cuja característica principal é o componente contratual, reafirmado pela Lei de Representação Comercial 4.886/65, que permite a atuação de representantes comerciais autônomos com base nos contratos celebrados, desde que preencham os requisitos legais.
Duas questões exsurgem da análise da hipossuficiência: a sobreposição da natureza cogente da lei vis-à-vis a vontade dos contratantes e a proteção que é dada ao mais fraco
- o consumidor -, em decorrência de sua hipossuficiência relativa. O primeiro aspecto se materializa claramente quando se procede à análise vis-à-vis do contrato. Consoante o entendimento dos tribunais superiores, a sobreposição afasta-se da "simples interpretação de cláusula contratual", ressaltando que "o que está em jogo é a lei e lei de caráter social, (...) sobrepondo-se, em conseqüência, aos pactos. (...) Na formação dos contratos, pressupõe-se declaração em conformidade com a lei". 38
Por seu turno, o segundo aspecto se consubstancia na necessidade de harmonizar as relações obrigatórias e cogentes entre os prestadores de serviço e os consumidores, no que se refere ao parceiro contratual, "um respeito obrigatório aos normais interesses do outro contratante, uma ação positiva do parceiro contratual mais forte para permitir ao parceiro contratual mais fraco as condições necessárias para a formação de uma vontade racional". 39
Ao tentar promover o equilíbrio entre relações desiguais o princípio da hipossuficiência relativa também passa a ocupar posição central. E o nosso Código de Defesa do Consumidor - assim como o atual novo Código Civil (LGL\2002\400) - abarcou tal princípio inteiramente.
Para Xxxxxx Xxxxxx, embora o novo texto não traga referência explícita à lei consumerista, não haverá arestas a aparar. Por se tratar de um subsistema jurídico - o da proteção ao consumidor -, ainda que houvesse conflito, segundo ele é a Lei do Consumidor que deve prevalecer. 40
É necessário distinguir o chamado "consumidor de serviços bancários" do consumidor propriamente protegido no Código de Defesa do Consumidor, pois se trata de espécies diferentes. Uma esclarecedora definição nos é fornecida por Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxx:
"Como devedores (nas suas 'operações passivas'), os bancos se apresentam como depositários, tomadores de empréstimos do público, em diversas modalidades: nas contas correntes, nos depósitos a prazo mediante emissão de certificados e recibos, nos depósitos a prazo em poupança etc. Seja lá qual for a modalidade, do ponto de vista do direito em geral as operações passivas assumem características de depósito. Como credores (nas suas 'operações ativas'), muitas são as operações que no fundo revestem o mútuo: descontos, empréstimos em conta corrente, aberturas de crédito, crédito ao consumo mediante emissão de letras de câmbio, promissórias, formas especiais de garantia como a alienação fiduciária, para não falar nas operações de garantia, nos serviços de colocação de debêntures, de títulos etc. Em geral um financiamento é concedido mediante condições incorporadas no contrato, tais como a destinação do empréstimo, as garantias, e assim por diante: trata-se de um mútuo com condições. De outro lado pode-se distinguir, e com enorme relevância, o crédito ao consumo do crédito ao investimento ou à produção. Desnecessário dizer que o primeiro está abrigado no Código de Defesa do Consumidor, o segundo não. Isto não significa que o tomador de crédito ao consumo esteja desprotegido: significa apenas que o seu sistema de proteção não é do consumidor. O crédito ao investidor dá-se sob a forma de financiamento e muitas vezes de repasses de fundos públicos ou estrangeiros, desconto, faturização, adiantamento sobre contratos de câmbio, operações de garantia etc.". 41
A base da distinção reside na elucidação do que é bem de consumo e do que é insumo. Sob
essa óptica, naquelas atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras e pelos bancos, nas quais é possível estabelecer que determinado produto ou serviço se constitui em bem de consumo, cujo destinatário final é o consumidor, aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Caso contrário, não. 42
Quanto ao âmbito de incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor, Xxxxxxx Xxxx preleciona: "(...) se as normas do direito do consumidor podem, eventualmente, se aplicar às operações ativas dos bancos (quando os mesmos são credores) e especialmente no crédito ao consumidor, ao contrário, tais disposições são inaplicáveis quando se trata de operações passivas das instituições financeiras, quando as mesmas recebem a poupança ou os depósitos, sendo os credores do banco os depositantes ou poupadores e não se podendo confundir o credor de quantia de dinheiro com o consumidor". 43
Há que se enfatizar que o conflito entre os termos é imenso. Em face disso, fazemos a distinção entre imprevisão e revisão contratual. A imprevisão se dá nas ocasiões em que fatos estranhos ao curso natural do contrato ocorrem, os quais, se conhecidos previamente, levariam à não-assunção da obrigação. Pergunta a teoria da imprevisão, segundo Xxxxx Xxxxxx, se e somente se "podem as partes ser obrigadas ao contrato, embora condições de execução se tenham diversificado das da conclusão em tão alto grau que, se previsível a alteração, as partes razoavelmente não se teriam vinculado".
E prossegue o questionamento: "Podem as partes ser obrigadas ao cumprimento estrito e rigoroso do contrato, mesmo com o sacrifício de algum deles, em virtude do enorme e imprevisível desequilíbrio econômico?".
Evidente que não. Porém, devem-se diferençar os contratos bilaterais - existentes após a sua celebração, obrigações sucessivas ou diferidas de ambas as partes -, os quais se distinguem completamente do contrato de mútuo, que é real e unilateral, concretizado com a entrega do numerário ao mutuário, a partir desse momento o único contratante a ter obrigações, já que o mutuante só tem direitos. 44Nos contratos do primeiro tipo, a invocação da imprevisão pode ser admissível. Entretanto, nos contratos bancários, como decidiu o próprio STF, "a cláusula protege, em princípio, contrato de prestações sucessivas recíprocas. Não pode ser invocada nos casos em que há antecipação do capital. Não nega vigência de lei federal a decisão que, apreciando cláusulas contratuais, considera não invocável aquela regra". 45
Segundo Wald, o Min. Baleeiro, na ocasião em foco, fez a distinção adequada entre os contratos nos quais há obrigações futuras de ambas as partes e aqueles em que só uma delas é devedora de prestação, com o estabelecimento da diferença entre o risco assumido por um dos contratantes e a imprevisão. 46
A revisão contratual por sua vez implica um "novo exame", ou uma releitura, com o propósito de promover uma reforma, uma retificação ou a anulação. Seu efeito consiste em rever ou revisar, o que significa "ver de novo". É verdade que, em processo, o termo assume o sentido expresso de ser "recurso privativo do réu contra sentença condenatória já transitada em julgado, o qual é admissível em casos taxativamente expressos em lei, e visa a obter a anulação da sentença recorrida, diminuição especial da pena que lhe foi imposta, ou sua absolvição".
No caso em tela, contudo, revisão quer dizer "rever", no sentido expresso de "tornar a ver", "ver pela segunda vez", como já se afirmou. Assim, são conceitos inconfundíveis os dois institutos, em que um é natural do imprevisto e o outro, ato e espécie de reanálise do caso concreto em que a imprevisão é aplicada. Não se deve, portanto, usá-los como sinônimos.
San Tiago Dantas assim lecionava: "(...) em contratos sinalagmáticos de exceção diferida no tempo, ou seja, quando as partes celebrarem um acordo em dado momento, para que o comportamento acordado seja realizado em outra ocasião, a ocorrência de acontecimentos imprevisíveis e desvinculados da vontade das partes, que tornem mais difícil ou excessivamente onerosa a prestação, o comportamento de um dos contratantes, facultará à parte prejudicada pretender a revisão judicial das cláusulas contratuais, com o fim de ajustá-lo à nova realidade e restabelecer o equilíbrio contratual". 47
O que se está celebrando, apesar da inspiração consumerista, não é a proteção ao consumidor, de resto já consagrada no art. 170, mas a própria ordem econômica:
"A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)
V - defesa do consumidor; (...)".
E ainda pelo art. 5.º da Constituição Federal (LGL\1988\3), onde: "XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".
Na tentativa de alinhavar a inspiração à referida teoria da imprevisão no direito bancário e no novo Código Civil (LGL\2002\400), alguns pontos nos parecem importantes, a seguir arrolados.
Primeiro, conforme entendimento unânime, para a própria jurisprudência é imprescindível a "intervenção judicial para a apuração dos requisitos indispensáveis à aplicação da teoria revisionista" ( RT 643/90).
Segundo, mesmo com a atenuação da regra pacta sunt servanda, a teoria da imprevisão desempenharia a função de "afeiçoá-la à realidade social", ajustando os valores a pagar a fim de restaurar o "equilíbrio econômico-financeiro da avença, descaracterizado por força de acontecimentos não previsíveis à época da celebração do ajuste" (RT 652/77).
É o que entende o Conselho da Justiça Federal: "a interpretação da expressão 'motivos imprevisíveis', constante do art. 317, do CC/2002 (LGL\2002\400), deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis, como também causas previsíveis mas de resultados imprevisíveis". 48
Antes de uma rápida análise da jurisprudência, é importante rememorarmos a lição de Xxxx Xxxxx sobre os requisitos da teoria da Imprevisão: "É igualmente necessário que o postulante não esteja incurso nas suas sanções por inexecução; mesmo em caso de extrema onerosidade, é vedado ao queixoso cessar pagamentos e proclamar diretamente a resolução. Terá de ir à justiça, e esta deverá apurar com rigor os requisitos de aplicação da teoria revisionista". 49
É oportuno lembrar a distinção entre dívidas de valor e dívidas de dinheiro, consoante a lição de Xxxxx Xxxxxxxxx. Para ele, as dívidas de dinheiro podem se afeiçoar à teoria da imprevisão desde que preenchidos os requisitos legalmente exigíveis. Segundo sua definição, " [dívidas de dinheiro] importam no pagamento de determinada quantia (quantum). Dívidas de valor importam em garantir ao credor determinado poder aquisitivo (quid), como nos casos de alimentos e de responsabilidade civil". 50
Entre as dívidas de valor Ascarelli inventaria tanto o reembolso como o "ressarcimento dos danos, ao lado da avaria grossa, (...) esclarecendo que nesses casos o objeto do débito é um valor, ou deve ser determinado em relação a um valor". 51Por conseguinte, as dívidas de valor estariam sujeitas à revisão, e não as de dinheiro, fruto da força contratual das partes.
Devemos aqui estabelecer certas ilações de natureza intertemporal, além da professada por Xxxx Xxxxx. Diz Xxxxx Xxxxxxx que esta "não pode afetar o passado, atingindo as relações construídas. Produz apenas efeitos para o futuro".
Por seu turno o Prof. Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx celebra que "reunidas em condições necessárias para que se possa dar a intervenção judicial, pensamos, contudo, que ao juiz, em nosso direito, não é facultada propriamente a revisão do contrato, mantida a força obrigatória, salvo quando a lei expressamente lhe atribuir esse poder, ou fixar as condições em que se continuará a convenção a ser executada. Esta é, fundamentalmente, um acordo de vontades, não parecendo lícito, sem texto expresso, sobrepor a vontade do magistrado ao querer das partes para lhes determinar, para o futuro, a observância de condições novas". 52
Sobre tais condições, o Prof. Wald salienta o requisito do enriquecimento e empobrecimento das partes:
"A correspondência entre o injusto empobrecimento de uma das partes e o enriquecimento da outra é condição sine qua non da incidência da cláusula rebus sic stantibus. Se a diminuição patrimonial de um dos contratantes não corresponde ao aumento dos bens do outro, não se pode aplicar a teoria da imprevisão, conforme entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência". 53
Ou seja, para nós, está claro que a teoria da imprevisão, mesmo na óptica jurisprudencial:
a) depende de provisão jurisprudencial;
b) não pode afetar o passado;
c) não pode se tratar de proteção ao inadimplente; o imprevisto só pode atingir ao futuro, não como desculpa do passado;
d) não pode implicar enriquecimento de um e empobrecimento injustificado de outro.
Como tais requisitos se afeiçoam ao novo diploma legal nos aspectos que tangem o contrato bancário? É o que veremos adiante.
5. Resolução do contrato bancário, onerosidade excessiva e imprevisibilidade no novo Código Civil
Quanto à resolução do contrato bancário, seguirá o art. 475, que dispõe que "a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". 54
Já existe projeto de modificação do texto legal para emendar o texto do art. 475 com nova redação:
"Requerida a revisão do contrato, a outra parte pode opor-se ao pedido pleiteando a sua resolução em face de graves prejuízos que lhe possa acarretar a modificação das prestações contratuais". 55
A lei segue o que a doutrina entende há muito. Xxxxxxx Xxxxx preleciona que "se o devedor não cumpre as obrigações contraídas, pode o credor exigir a execução do contrato, compelindo-o a cumpri-las, ou exigir que lhe pague perdas e danos, além da resolução do contrato".
X. X. xx Xxxxxxxx Xxxxxx por sua vez assevera que: "a parte lesada tem o direito de escolher: ou requer a execução, que está in obligatione, ou a resolução, que está in facultate petitionis.
Verificada a opção, ainda assim resta à parte lesada o direito de variar de pedido, vindo a pedir a resolução depois de ter pedido a execução da obrigação, ou vice-versa. (...) A maioria dos tratadistas é acorde neste ponto: promovendo a execução, não renuncia o credor ao direito de resolução, nem nisso se poderá vislumbrar qualquer intenção de renúncia, precisamente porque, tendo ele dois direitos à escolha, nada mais natural que opte por aquele que é adquirente ao próprio contrato. Na hipótese inversa é que há divergências, sustentando alguns mestres que se o credor pede, desde logo, a resolução não lhe será mais lícito voltar a pedir a execução. Mas, a nosso ver, essa divergência não tem fundamento, de vez que é certo que pedindo a resolução ele não renuncia ao pedido da execução".
O art. 477 do Código em vigor determina que "(...) se depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la".
É o art. 478, aqui sim, o cerne das mudanças, na Seção IV, da Resolução por onerosidade excessiva: "(...) nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação".
O projeto de modificação se estende para a seguinte redação:
"Art. 478. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.
§ 1.º A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
§ 2.º Se, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos".
Leis especiais previam a rescisão contratual pelo Judiciário em razão de mudanças na conjuntura econômica (ver o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo). No entanto, com o advento da inflação, já não se aceitava como justificativa para imprevisão a correção monetária nem tampouco os índices de inflação. Analogamente, poder-se-ia alegar que juros elevados já fazem parte do dia-a-dia do brasileiro. Quem toma recursos emprestados em bancos tem consciência dos juros elevados que terá de suportar. Assim mesmo, a teoria da imprevisão já vinha sendo utilizada pelo Judiciário independentemente de regra explícita em lei. Agora, o novo Código Civil (LGL\2002\400) o explicita.
Os primeiros casos de aplicação pelos tribunais da cláusula rebus sic stantibus tiveram como objeto contratos de empreitada de obras públicas, vítimas do desequilíbrio econômico provocado pela inflação, cujos ensinamento seminais provêm de estudos realizado pelo Prof. Xxxx Xxxxx. 56
Para facilitar o entendimento do leitor, invocaríamos o disposto no art. 65, § 6.º, da Lei 8.666 das Licitações, com o princípio do equilíbrio econômico do contrato, anteriormente citado, em cujo texto se lê:
"Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial".
A confirmação está no art. 6.º do próprio Código de Defesa do Consumidor:
"São direitos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (...)".
A previsão constante da Lei de Licitações e do Código de Defesa do Consumidor cuida da revisão do contrato (modificação), e não de sua resolução. Certamente, o Código de Defesa do Consumidor pretendeu a revisão e não a resolução, termos inconfundíveis.
A compreensão do que vem a ser onerosidade excessiva se faz necessária. Segundo Xxxxxxx Xxxxx, "a onerosidade há de ser objetivamente excessiva, isto é, a prestação não deve ser excessivamente onerosa apenas em relação ao devedor, mas a toda e qualquer pessoa que se encontrasse em sua posição. Não basta, porém, que a prestação se tenha agravado exageradamente. Xxxxxxx é que a onerosidade tenha sido determinada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Se o contratante concorrer por negligência para que se agrave excessivamente a prestação, o contrato não pode ser resolvido por essa causa.
O acontecimento, por sua vez, deve ser anormal. Há de ser imprevisível. Tão importante é esse requisito que a solução do problema se encontra na teoria da imprevisão. Necessário que as partes, no momento em que celebram o contrato, não possam prever alteração decorrente do evento extraordinário. Requer-se o concurso de extraordinariedade e da imprevisibilidade. (...)
Enfim, se a onerosidade excessiva decorre de acontecimento extraordinário e imprevisível, que dificulte extremamente o cumprimento da obrigação, o devedor, que se sacrificaria com a execução, tem a faculdade de promover a rescisão do contrato".
Todavia, o art. 479, do CC/2002 (LGL\2002\400) pouco contribui para as dúvidas aqui acusadas. Dispõe seu texto que "a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato".
Logo, a revisão, que constitui uma das faculdades previstas no Código de Defesa do Consumidor, deixa de ser aplicada, ou pode ela mesma ser evitada se ao réu - ressalte-se: ao réu, e não ao autor - é dada a faculdade de resolução do contrato, o que efetivamente pode perpetuar equívocos de grave monta. Como resolver um contrato se apenas uma das partes entrevê possibilidade de mudança qualitativa ou quantitativa de suas condições?
Ratificando o exposto, o art. 480 determina que "(...) se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva".
Vê-se que a mente do legislador, sem sombra de dúvida, estava centrada no contrato bancário. Isso significa que, se um consumidor bancário assim pleitear, suas obrigações serão revistas por lei, para que se cumpra o fim de não se prestar à onerosidade excessiva.
O mestre Xxxxxxx Xxxxx ensina que "o fato de se tornar a prestação excessivamente onerosa, nas circunstâncias exigidas, não autoriza o devedor a declarar extinto o contrato. A onerosidade excessiva não dissolve o contrato de pleno direito. Necessária a decretação judicial, ocorrendo, por conseguinte, mediante sentença judicial. Explica-se a exigência. Não pode ficar ao arbítrio do interessado na resolução a extinção de suas obrigações, sob o fundamento de que se tornou extremamente difícil cumpri-las. Se lhe fora concedido esse poder, far-se-ia tábula rasa de princípio da força obrigatória dos contratos. A intervenção judicial é imprescindível. É o juiz quem decide se há onerosidade excessiva. Cabe-lhe verificar, outrossim, a existência do nexo de causalidade entre esta e o acontecimento extraordinário e imprevisível. O pronunciamento judicial constitui, pois, imposição dos próprios requisitos que caracterizam, no caso, a causa da dissolução. A rescisão não é, no caso, conseqüência da inexecução. Há de ser pleiteada antes que a obrigação seja cumprida. Se já foi, não tem cabimento o pedido. Não pode o devedor tornar-se inadimplente e pretender em seguida que o contrato seja resolvido, como no caso de impossibilidade. Se incorre em mora solvendi, o credor, não obstante a agravação da onerosidade, tem direito a requerer a rescisão do contrato por inexecução culposa ou declará-lo rescindido, se há pacto comissório expresso. A sentença judicial que resolve um contrato por excessiva onerosidade produz, entre as partes, efeito retroativo".
Ora, uma leitura rápida das súmulas emanadas pela Justiça Federal nos mostra que, ao menos em parte, o Judiciário promete um grande debate sobre o tema, não obstante possa, por vezes, apoiar tais conclusões. Decerto, o conflito está na noção de imprevisibilidade, de atos previsíveis de resultados imprevisíveis e quejandos. Sobre algumas conclusões é que nos debruçaremos a seguir. Senão, vejamos:
"A função social do contrato prevista no art. 421 do CC/2002 (LGL\2002\400) constitui cláusula geral, que impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em
relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. (...)
A função social do contrato prevista no art. 421, do CC/2002 (LGL\2002\400) constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.
(...)
A função social do contrato prevista no art. 421 do CC/2002 (LGL\2002\400) não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana". 57
No entanto, como afirma Xxxx Xxxxx no seu clássico O contrato, há de se estabelecer distinção entre a imprevisibilidade e as simples e concretas expectativas de mercado e da obtenção de lucro. Todo contrato impõe certo grau de risco; trata-se de algo indissociável de qualquer contrato. Recordemos que quase trinta anos atrás o E. TJSP fez a acolhida no direito pátrio, inspirado em Larenz (Derecho de obligaciones), mas sob a seguinte condição: "(...) exige-se[m] o mandamento ético da fidelidade contratual e a segurança do negócio jurídico. A teoria da cláusula rebus sic stantibus é tão eqüitativa quanto é necessária a sua aplicação cautelosa. A alteração das circunstâncias há de ser completamente extraordinária e há de causar desproporção inusitada entre as prestações de ambas as partes, além disso, deverá cuidar-se de uma alteração imprevisível, isto é, que as partes não tenham condições de, racionalmente, prever ao celebrar o contrato".
Faz-se aqui a importante distinção entre onerosidade e lesão. O momento ideal para apreciar a desproporção lesionária é quando se dá a celebração do contrato. No mútuo com juros, por exemplo, há onerosidade porque à atribuição realizada pelo mutuante por meio do empréstimo corresponde a atribuição dos juros, a cargo do mutuário. Para Xxxxxx, o eventual desequilíbrio não tem influência sobre a natureza do contrato, que permanece a título oneroso sempre que as partes atribuírem às respectivas vantagens e sacrifícios caráter e função de equivalência. A lesão se delineia neste caso pelo sacrifício, objetivamente muito desproporcional em relação à vantagem recebida.
Segundo Xxxx Xxxxx, o desequilíbrio entre prestação e contraprestação deve superar as oscilações normais de mercado dos valores trocados, ou seja, se tais oscilações imprevistas permanecerem dentro dos níveis normais, não há razão para modificá-las. Diz ele que:
"A lógica, em suma, é esta: cada contrato comporta, para quem o faz, riscos mais ou menos elevados; a lei tutela o contraente em face dos riscos anormais, que nenhum cálculo racional econômico persistiria considerar, mas deixa a seu cargo os riscos tipicamente conexos com a operação, que se inserem no andamento médio daquele mercado". 58
Xxxx Xxxxx assevera que o ordenamento jurídico somente deve intervir para controlar o quadro externo das circunstâncias, dentro das quais aquelas opções e decisões, "quaisquer que sejam, forem assumidas ou devem ser executadas; ou seja, a correção formal das modalidades externas por meio das quais as trocas são decididas e realizadas".
Xxxxx xx Xxxxxxxxx, acerca do equilíbrio na teoria da imprevisão para contratos administrativos pontifica que "em nosso critério, uma cláusula assim seria sem valor. A aplicação da teoria da imprevisão deve ser considerada como uma regra de ordem pública pela razão de que ela não constitui somente uma vantagem pecuniária para o contratante, senão primeiramente, um meio de assegurar, no interesse geral, a continuidade do funcionamento do serviço público". 59
Além da onerosidade excessiva, deparamos com o estado de perigo e grave lesão que conduz à mesma finalidade, conforme veremos a seguir.
6. Estado de perigo e lesão: arts. 156 e 157 da CF/1988
Tanto o instituto do estado de perigo como o de lesão são igualmente merecedores de comentários, pois podem ser invocados concomitantemente e sempre com base na teoria da imprevisão.
O art. 156 da CF/1988 (LGL\1988\3) determina que: "[se] configura o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou à pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias".
O dispositivo estipula dois elementos para a configuração do vício: o estado de necessidade e a onerosidade excessiva da obrigação. Também prevalece o critério concreto. O juiz analisará, conforme as circunstâncias do caso, se o estado de perigo se faz presente quando a pessoa não pertence à família.
O conceito de lesão é determinado por meio do art. 157 da CF/1988 (LGL\1988\3), segundo o qual "ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta".
Modalidade de vício não contemplada no Código Civil de 1916 (LGL\1916\1), quer-se proteger o contratante que se encontra em inferioridade, tendo em vista o estado de necessidade ou a falta de experiência, com base no princípio de proteção do consumidor econômica e tecnicamente hipossuficiente.
Basicamente, na lesão, a constatação de defeito do negócio jurídico se dá por meio de dois elementos: a desproporção das obrigações assumidas e o estado de inexperiência e/ou necessidade.
No parágrafo do mesmo artigo em que se celebra tal previsão, já se determina que "[se] aprecia a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico"; e no parágrafo seguinte, "não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito".
Alinhados com a teoria revisionista, ambos afetam o contrato bancário. Diferentemente da cláusula rebus sic stantibus e da teoria da revisão dos contratos, abordada no Código de Defesa do Consumidor, a lesão ocorre no momento da contratação, e não como evento
futuro e imprevisível.
Se as prestações são equivalentes por ocasião da assinatura do negócio, não se fala em lesão, mas possivelmente em onerosidade. Estabelece-se a possibilidade de modificação da avença a fim de reequilibrar as prestações, ou aquilo que se conhece como sinalagma genético.
A essência do contrato bilateral, quer seja oneroso, quer seja comutativo, é o sinalagma, ou seja, uma relação de reciprocidade entre as prestações a cargo das partes envolvidas, entre as quais se instala uma relação de interdependência na qual, do ponto de vista econômico, está implícito um caráter de equivalência entre os aportes respectivos. 60
O novo texto privilegia o princípio da preservação dos contratos. Assim protege, como debatido acima, a onerosidade das prestações - as quais, indubitavelmente, podem ser objeto de revisão contratual.
7. À guisa de conclusão
Constantemente as pessoas fazem promessas - a palavra origina-se do latim promittere, que significa "atirar longe", "propor-se", "obrigar-se verbalmente ou por escrito a fazer ou dar alguma coisa". Vendedores prometem felicidade, amantes prometem casamento, generais prometem vitória e crianças prometem obedecer da próxima vez. A lei se torna relevante quando alguém passa a honrar a promessa. 61
Se perguntarmos a qualquer aluno do primeiro ano do curso de direito o que é "contrato", a resposta provável será "um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação". Definição clássica, não abarca aspectos econômicos; antes, é uma tentativa de conceituação que não explicita o complexo mundo de hoje.
É relevante entender que somente por meio dos contratos é que se podem realizar investimentos com vistas à redução de riscos no futuro. A natureza do contrato é a promessa que tem essência econômica. Para obrigações de consecução imediata (por exemplo, a compra de um pastel na feira), não se exige contrato, e sim tradição, ou seja, a contraprestação em dinheiro mediante a entrega do bem que se adquiriu.
Uma definição mais efetiva de contrato seria esta: promessa institucionalizada pelo sistema jurídico, sujeita à coerção, mas, sobretudo, estabelecida por mecanismos de incentivo entre agentes econômicos.
Xxxxxx Xxxxx partiu dessa noção para elaborar o seu conceito de "firma", que, para ele, seria a estrutura institucional que existe na economia ou, como prefere o eminente economista, um conjunto, um feixe de contratos com o intuito de organizar a produção mediante a fixação de mecanismos de preços que podem tomar diversas formas.
Para debater o processo de contratação das firmas, seus custos, quebras e riscos, e sobretudo para explicar o papel do Judiciário na solução dos conflitos na hipótese de inadimplência ou quebra contratual, Law & Economics estabeleceu o que se chama teoria econômica dos contratos.
Para que os mercados possam funcionar adequadamente, e considerando que o contrato
só existe porque há riscos imprevisíveis na data de sua assinatura, o Estado de direito prevê mecanismos de solução de disputas ou controvérsias - por exemplo, o Poder Judiciário. Em face das regras estabelecidas, desenham-se contratos cuja função é criar mecanismos de salvaguarda para as partes se algo no futuro der errado.
Como a lei não pode alcançar as atividades individuais em sua totalidade, optou-se por uma regra genérica, que abarca todas as etapas do contrato (formação, execução e extinção). Daí o enquadramento da manifestação da vontade dentro de regras amplas. Ao conferir forma à operação econômica, o juiz estará retornando ao sinalagma genético, ou o que constitui o ponto inicial da relação jurídica.
Daí a necessidade de tribunais eficientes: para que tal solução - bem-estar e eficiência na visão de Law & Economics - seja capaz de contribuir para que as partes contratantes transformem conflitos em mecanismos cooperativos, ou seja, disputas judiciais em provisão de justiça. Ainda, na correta visão de Xxxxxx e Xxxx, "garantindo o cumprimento das promessas, as cortes criam os incentivos para a cooperação eficiente".
É necessário ressaltar outro ponto sobre contratos, aquele que se refere à incompletude contratual. O desenho dos contratos é sempre incompleto, tendo em vista ser impossível pressupor todos os acontecimentos ou fatos que poderão ter lugar entre os seres humanos. Tais lacunas serão preenchidas ex-post, uma vez iniciado o cumprimento (ou não) do contrato. Ora, é possível alocar os riscos mais eficientemente com a criação de incentivos ou sanções próprias.
Dizem alguns doutrinadores que essa característica dos contratos apenas dá início a um processo mais oneroso de negociação, embora mais eficiente. Xxxxxxxx e XxXxxx, autores que celebram a teoria dos contratos relacionais - aqueles que "enfatizam o processo dos acordos em substituição ao detalhamento dos mesmos" -, insistem em formas de governança (palavra oriunda do grego, significa "dirigir uma nave") como meio de assegurar o cumprimento contratual. Para eles, os contratos "comunicam" determinados objetivos aos seus destinatários com a intenção de obter resultados específicos, mas é preciso estar ciente de que conflitos, devidos à incompletude, podem surgir. No Brasil, aplicação prática deste assunto está na profícua discussão dos contratos de licenciamento no mercado de sementes e entre agricultores e agroindústrias, descrita por Xxxxx Xxxxxxxxxxxx e S. Lazzarini.
Resta então a pergunta: que estímulos (ou incentivos) garantiriam uma cooperação eficiente?
Com vistas a avaliar a qualidade do Poder Judiciário, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx listou quatro requisitos conformadores para um bom instituto julgador: agilidade, previsibilidade, imparcialidade e custo de acesso.
Não obstante enfatize a limitação da autonomia da vontade e da capacidade de os agentes econômicos contratarem, a imprevisão no novo Código Civil (LGL\2002\400) aumenta a incerteza dos agentes econômicos e é certo que irá tumultuar nosso Judiciário por se indispor com os quatro requisitos apontados acima. O Judiciário é uma das mais fundamentais instituições para a democracia; as boas leis, contudo, também o são. É necessário, portanto, temperar com prudência e objetividade suas decisões sobre o
relacionamento entre os agentes econômicos.
É preciso pôr fim à tutela do mau pagador e do devedor inescrupuloso. É evidente a importância de distinguir o grande agente econômico da necessária proteção do hipossuficiente. Porém, se desejamos competitividade econômica, como observou Hay, o sistema legal deve se mostrar atraente em seus mecanismos, eficiente como sistema de solução de conflitos e eficaz no cumprimento dos acordos.
A resposta de harmonização entre ter um Judiciário eficiente, um instituto crível e sua correta aplicação está em seguir corretamente o que está na Carta de 1988, cujo cunho mais programático está insculpido no art. 170 da CF/1988 (LGL\1988\3). 62Ao se reafirmar o ideal de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, no art. 3.º, I, da CF/1988 (LGL\1988\3) coloca-se a índole liberal da Carta, expressa pelos valores sociais da livre iniciativa, consagrados no art. 1.º, IV, da CF/1988 (LGL\1988\3) no mesmo plano de outros valores.
É no art. 192 da CF/1988 (LGL\1988\3), que se constitui exclusivamente em capítulo da ordem econômica e financeira, que a Carta de 1988 faz menção ao Sistema Financeiro Nacional, num texto que dispõe o seguinte:
"Art. 192: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir os interesses da coletividade, será regulado em lei complementar (...)" (grifos nossos).
Ora, enquanto se pretendem o equilíbrio contratual e a proteção ao consumidor, somente por meio do desenvolvimento do crédito é que, em uma economia capitalista, se pode promover o desenvolvimento. Há muito se associa a oferta de crédito ao desenvolvimento econômico, como comprovam os estudos de Xxxxxxxxxx. No entanto, se o contrato passa a ter função social, não afastando a privaticidade do contrato ou a publicização do direito privado, mas dando a "unidade de produção à empresa, no quadro econômico de uma nação, como um veículo de riquezas, mobilizando matérias-primas e produtos intermediários, comprovando e vendendo produtos e serviços, recolhendo impostos, assalariando empregados, enfim, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade". 63
A função social do contrato bancário incide sobre e condiciona o exercício da atividade empresarial, por meio de sua oferta e de sua completude. Assim, o contrato bancário, tanto por força do novo Código Civil (LGL\2002\400) como da Carta de 1988, deve preencher tais requisitos a fim de promover o desenvolvimento equilibrado.
Por conseguinte, o contrato deve ser respeitado não em face do que já se considerou uma "eclipse contratual", mas por oposição, dando força à sua função social, que é exatamente o seu mandamento constitucional. Aqui, por oportuno, é mais importante a oferta de moeda e de crédito do que o seu desaparecimento.
O que deve ser lembrado é que estamos assistindo ao deslocamento do centro de preocupação do direito: está-se abandonando a mera vinculatividade individual do contrato para perquirir os efeitos das declarações da vontade, na sociedade, sob a égide do desenvolvimento. É isso que se pretende, sem dúvida, quanto ao contrato bancário.
Em sua obra Riqueza das nações, Xxxx Xxxxx escreveu, no século XVIII, algo que nos parece relevante hoje:
"Quem quer que ofereça uma troca de qualquer tipo, está propondo de fato isto: me dê aquilo que quero e dar-te-ei aquilo que deseja. Tal é o sentido da troca e desta forma que obtemos a maior parte do que necessitamos. Não é, pois, da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar, mas pela consideração que eles têm do próprio interesse pessoal".
(1) Ver Projeto de Lei do Deputado Xxxxxx Xxxxx (PTB-SP) para adiar a vigência do novo Código Civil (LGL\2002\400). Cf. O Estado de S. Xxxxx, 12.12.2002.
(2) Ver comentários de Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, presidente da OAB Nacional: "A lei é um retrocesso. Alertamos o Poder Público há meses sobre os problemas que a nova lei pode gerar, além do acúmulo de processos no Judiciário" ("OAB é contra a vigência do Código Civil (LGL\2002\400)", Valor Econômico, 08.01.2003). Xxxxxx Xxxxxx é mais enfático: "A lei faz gelar a espinha de qualquer analista capaz de compreender suas possíveis conseqüências na economia" ("O novo Código Civil (LGL\2002\400) e a economia". Valor Econômico, 09.01.2003. p. E-2).
(3) Xxxxxx Xxxxx. "Espírito da nova lei civil". O Estado de S. Xxxxx, 04.01.2003: "Como se vê, é sob múltiplos aspectos que se comprova a modernidade da nova lei civil, talvez a mais atualizada de nosso tempo".
(4) O tema foi abordado por Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx em "O Código do Consumidor e o Código Civil (LGL\2002\400)", Valor Econômico, 23.04.2002, p. E-2.
(5) Inscrito no Título III - Do adimplemento e extinção das obrigações, Livro I, Das obrigações, Parte especial, Secção III - Do objeto do pagamento e sua prova.
(6) Xxxxxxx Xxxxx. Contratos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
(7) Xxxxxx Xxxxxxx. Lombard street. Londres: Wiley Investment Classics. p. 129. Reprodução do original de 1873. No original: "Credit is the disposition of one man to trust another". Tradução do autor.
(8) Xxxxxx Xxxxxxx. Contratos bancários. 2. ed. São Paulo: Leud, 1997.
(9) Xxxxx Xxxxxx Xxxxx. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993. vol. I, p. 63.
(10) Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 93.
(11) Oportuno é o comentário de Xxxxxx Xxxxxx em relação ao tema: "Como o Código é tratado em cláusulas gerais, aumenta a liberdade dos juízes e a jurisprudência será fundamental para a justiça". Valor Econônico, 24.09.2002, p. E-1.
(12) Xxxxxx Xxxxxx. Valor Econônico, 12.01.2003, p. E-2.
(13) Xxxxx Xxxxxx. "Da oportunidade da Codificação Civil". Revista do Advogado 68/29, ano XXII.
(14) Xxxxxxx Xxxx. "O contrato: passado, presente e futuro". Revista da Associação dos MagistradosBrasileiros, ano IV, n. 8, 2000.
(15) Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. vol. III.
(16) Idem, ibidem, p. 109.
(17) Xxxxxx Xxxxxx Xxxx. Cláusula rebus sic stantibus. Uma breve abordagem. Em[xxx.xxxx.xx].
(18) Xxxxx X. da Silva Passos. "Cláusula rebus sic stantibus. Teoria da imprevisão". RT 647/53, ano 78, set. 1989.
(19) Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 145.
(20) Xxxxxxx Xxxx. Obrigações e contratos. 13. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 255.
(21) Xxxxxxx Xxxx. "A teoria da imprevisão e as peculiaridades do direito bancário". Revista de DireitoBancário, ano 1, n. 2, maio-ago. 1998.
(22) Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. "Teoria da imprevisão e revisão judicial dos contratos" . RT, Fasc. Cível, São Paulo: RT, ano 85, n. 733, nov. 1996.
(23) Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. "Teoria da imprevisão e revisão judicial dos contratos" . RT 733/110, Fasc. Cível, São Paulo: RT, ano 85, nov. 1996.
(24) Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. "Teoria da imprevisão: sentido atual". RT 679/18 (DTR\1992\161), ano 81, maio 1992. Afirma ainda o autor que "no período clássico do direito romano, o princípio da fidelidade ao contrato não era invulnerável, porque se deixava submeter à base objetiva do negócio concluído, o que se prova com e.g. a condictio causa data non secuta. A condictio prevalecia em todos os casos de enriquecimento sem justa causa, entre eles a non secuta. Nos contratos do ut facias, facio ut des e facio ut facias, que consistiam na transferência de um encargo do accipiens, a condictio era aberta, se tal encargo futuro não se concretizasse. É a lição de Pompônio (D. 50, 17, 206), segundo a qual a ninguém é lícito aumentar o seu patrimônio em detrimento de outrem".
(25) Idem, ibidem, p. 20.
(26) Xxxxxxx Xxxx. "O princípio pacta sunt servanda, a teoria da imprevisão e a doutrina
das dívidas de valor". Ajuris 64/386, ano XXII, jul. 1995.
(27) Xxxxxx Xxxxxxxxx. Direito civil, n. 8, vol. 3.
(28) A maior exceção do regime de direito romano vem do direito francês: somente a Xxx Xxxxxxx, de 21.05.1918, o excepciona. A França se mostra retraída quanto ao revisionismo. Mas, em situações anômalas e especiais, concedeu-se emergencialmente redução judicial de certos fundos de comércio. Segundo Bittar, op. cit., "a própria jurisprudência francesa jamais abraçou a tese da imprevisão como subentendida nos contratos, tendo sido coerente, pelo menos na metade deste século".
(29) "Art. 1.458. A resolução não pode ser demandada se a onerosidade superveniente entra no risco normal do contrato".
(30) Em alguns proferimentos, Xxxxxx Xxxxx listou outros, mas sempre se referindo a estes como os principais. Ver Xxxxxx Xxxxx, O projeto do novo Código Civil (LGL\2002\400), São Paulo: Saraiva, 1999.
(31) Idem, ibidem.
(32) Xxxxxxx X. X. xx Xxxxx. "A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo Código Civil (LGL\2002\400)brasileiro". Revista Jurídica 294/32-47, abr. 2002.
(33) Ver art. 131, do CCo (LGL\1850\1) não mais em vigor: "(I) - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; [...]".
(34) Xxxxxxx Xxxx. "A revisão dos contratos". ValorEconônico, 26.12.2002. p. B-2.
(35) Segundo Xxxxxxx Xxxx, "o que o legislador quis pois resguardar é, de um lado, o valor real das prestações, que não pode ser esvaziado pela inflação, e, de outro, o equilíbrio contratual inicial que deve ser mantido durante toda a execução do acordo firmado pelas partes. Trata-se de dar ao contrato um caráter dinâmico que se justifica pela fase de instabilidade e de mudanças rápidas que o Brasil e o mundo atravessam. Em vez de considerar as prestações das partes numa visão estática e literal, que pode ensejar iniqüidades, devemos garantir o equilíbrio das situações dos contratantes de modo que o vínculo entre eles existente no momento em que o acordo das partes foi celebrado". "O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras". RT 666/11, abr. 1991.
(36) A. F. Xxxxxxxx Xx. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 230.
(37) Para uma visão do assunto, ver Xxxxxxx Xxxxx, Law of agency, Londres: Cavendish Press, 1998.
(38) STJ, REsp 9.144-MG, Min. Xxxxxx Xxxxx (relator), Registro 91047414. Muitos foram, no entanto, os críticos de tais prerrogativas. Quem melhor as sumarizou foi o Prof. Xxxxxxxxxx, ao indagar se "não seria mais consentâneo com a liberdade da iniciativa privada
- reconhecidas a profissionalidade e a autonomia do representante - deixar que as dissoluções contratuais por culpa do representado se resolvessem em perdas e danos, de acordo com as normas comuns do direito obrigacional?". W. Bulgarelli. Problemas de direito empresarial moderno. São Paulo: RT, 1989. p. 118.
(39) Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. "Os contratos de crédito na legislação brasileira de proteção ao consumidor". Revista de Direito do Consumidor 18/57, ano 2, abr.-jun. 1996.
(40) Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit.: "O novo Código Civil (LGL\2002\400) não suprime ou derroga qualquer dos princípios do estatuto do consumidor. Lembre-se, ademais, que a Lei do Consumidor consagra um microssistema, dentro de um compartimento que a doutrina denomina [de] direito social, a meio caminho entre o direito público e o direito privado. Desse modo, ainda que se admita que algum princípio do novo Código Civil (LGL\2002\400) conflite com o Código de Defesa do Consumidor, este último prevalecerá. Assim ocorre com os microssistemas em geral, como por exemplo na Lei do Inquilinato".
(41) Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxx. "Consumidor e sistema financeiro". Revista de Direito doConsumidor 22/94-95, abr.-jun. 1997.
(42) Sobre o tema, exaustivamente debatido, ver nosso artigo: Xxxxx Xxxxx. "Atividade bancária e o Código de Defesa do Consumidor". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 120/76-89, ano 39, out.-dez. 2001.
(43) Xxxxxxx Xxxx. "O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras". RT 666/17, abr. 1991, nota 15: "Xxxxxxx Xxxx, Direito civil - Parte geral, 6. ed., 1989, p. 54. Posição divergente é encontrada em alguns dos tribunais superiores, como na 4.ª T. STJ, REsp 57.974-RS, j. 25.04.1995: 'Os bancos como prestadores de serviços especialmente contemplados no art. 3.º, § 2.º, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. [...] Ainda, 3.ª Câm. Cív. TAPR. ApCív 119669000, j. 09.02.1999. 'Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, inclusive de financiamento rural'".
(44) Xxxxxxx Xxxx. "A teoria da imprevisão...", cit., p. 55.
(45) STF, Tribunal Pleno, RE 62.933-SP, rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxxx, RTJ 44/431, apud Xxxxxxx Xxxx, "A teoria da imprevisão...", cit.
(46) Idem, ibidem, p. 56.
(47) San Tiago Dantas. Programa de direito civil. vol. II, p. 96. Apud Márcio Klang. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. p. 17.
(48) Disponível em:[xxx.xxx.xxx.xx].
(49) Xxxx Xxxxx. Op. cit.
(50) Xxxxx Xxxxxxxxx. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. p. 193.
(51) Idem, ibidem.
(52) Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. p. 347-348. Apud Arnoldo Wald. "A teoria da imprevisão...", cit., p. 58.
(53) Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. p. 347-348. Apud Arnoldo Wald. Op. cit., p. 58.
(54) A correspondência é dada no art. 1.092 do atual Código: "A parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos".
(55) Seção II, Da cláusula resolutiva; Cap. II, Da extinção do contrato do Tít. V - Dos contratos em geral.
(56) Xxxx Xxxxx. Op. cit.
(57) Conselho Superior da Justiça. Ver[xxx.xxx.xx].
(58) Xxxx Xxxxx. O contrato. Trad. Xxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988. p. 262.
(59) Apud Xxxxxxx Xxxxxxxx. "Mayores costos, imprevisión, indexación". In: Xxxxxxx X. Barra et al. Contratosadministrativos. Buenos Aires: Astrea, 1982. t. I.
(60) Xxxxxxx Xxxxxx. Teoria geral da lesão nos contratos. p. 91.
(61) Xxxxxx Xxxxxx; Xxxxxx Xxxx. Law & Economics. Boston: Longman, 1999. p. 167.
(62) Xxxx Xxxx analisa com percuciência: "Que a nossa Constituição de 1988 é uma Constituição dirigente, isto é, inquestionável. O conjunto de diretrizes, programa e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela conferem o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade. O seu art. 170 prospera, evidenciadamente, no sentido de implantar uma nova ordem econômica". Xxxx Xxxx. A ordem econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros. p. 199.
(63) Xxxxxxx X. Xxxxxxxx; X. X. Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Das Sociedades Anônimas no direito brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1979. p. 297.