Contratos Atípicos e os Princípios Gerais do Direito Contratual
Contratos Atípicos e os Princípios Gerais do Direito Contratual
Xxxxxxx Xxxxxxxxxx*
RESUMO
Os contratos representam a formalização das relações comerciais entre os homens. Sem embargo, é um dos meios mais eficientes de circulação de riquezas. Os Princípios Gerais do Direito Contratual, particularmente: o da boa-fé objetiva, o da função social do contrato e da onerosidade excessiva acrescidos da velocidade de comunicação e divulgação da informação presentes nas redes sociais são instrumentos de suma importância para o sucesso e eficiência dos contratos. O presente trabalho trata do estudo dos contratos atípicos, sob a égide dos Princípios Gerais do Direito Contratual e da importância do preenchimento das lacunas geradas pela ausência de informações relativas às regras aplicáveis sobre a matéria ainda no Código Civil de 2002.
Palavras-chave: Contratos Atípicos. Princípios Gerais de Direito Contratual. Princípio da Boa-fé objetiva. Princípio da Função Social dos Contratos. Princípio da onerosidade excessiva.
ABSTRACT
The contracts represent the formalization of trade relations between men. Nevertheless, it is one of the most efficient movement of wealth. The General Principles of Contract Law, in particular: the objective good faith, the social function of contract and the excessive burden of the increased speed of communication and dissemination of information present in the social networking tools are critical to the success and efficiency of contracts. The present work deals with the study of atypical contracts, under the aegis of the General Principles of Contract Law and the importance of filling the gaps created by the absence of information relating to the rules on the matter still in the Civil Code of 2002.
Keywords: Atypical Contracts. General Principles of Contract Law. Principle of Good Faith objective. Principle of Social Function of Contracts. Principle of Charging Excessive.
* Advogado, Consultor Jurídico, Professor de Ciência Política e Teoria do Estado das FMU,
1. Histórico e Conceito
Os usos e costumes das sociedades onde nasceram delimitavam os primeiros contratos, que, certamente eram informais. Para os romanos 1 os contratos que não figurassem expressamente no rígido sistema de Direito dos Quirites, não gozavam de proteção jurídica e eram chamados de pactos. Tal situação persistiu entre os romanos até a época do Imperador Xxxxxxxxxx.
O progresso, as inovações tecnológicas e as necessidades socioeconômicas forjaram o nascimento de várias espécies de contratos, algumas difíceis de serem regulamentadas representando o diverso e imprevisível cotidiano das relações humanas. Neste contexto evolutivo natural, a liberdade de contratar antecedeu o princípio da autonomia da vontade, que na esfera contratual revolucionou os meios jurídicos e amenizou os excessos de formalismo herdados dos costumes romanos. Consolidou-se, destarte, um princípio geral, segundo o qual, quando duas pessoas contratavam obrigações mútuas e uma delas cumpria a sua, surgia, simultânea e naturalmente para a outra, a obrigação de contraprestar, devendo cumprir a sua parte da mesma obrigação.
O contrato atípico ou inominado originou-se da condictio ob rem dati (ob causam datorum) ou causa data, causa non secuta do Direito Romano, que era uma ação destinada a obter a restituição do que se dava a outra parte, no cumprimento do contrato, que podia se estender àquela, em que ocorria doação, configurando assim os primeiros abrandamentos do rígido sistema romano, conferindo aos pactos força de contratos2.
A natural e bem-vinda liberdade de contratar abriu novos horizontes às partes, que, diante das novas tecnologias e suas respectivas decorrências jurídico-econômicas foram naturalmente criando novas formas de contratos, conforme suas necessidades, ampliando assim, o elenco de convenções inéditas, paralelamente aos contratos
mencionadas circunstâncias que, a força contratual nasce do poder de uma das partes exigir da outra, o implemento de uma obrigação, desde que tenha cumprido a sua. Infere-se ainda que as obrigações representam a parte essencial dos contratos, a ponto de determinar sua natureza jurídica. Com efeito, pode-se definir obrigação como sendo a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, e deve cumprir determinada prestação pessoal positiva, ou negativa, cujo eventual inadimplemento enseja ao credor a possibilidade de executar o patrimônio do devedor, a fim de satisfazer seus interesses.
Observa-se a necessidade de, ao aplicar a terminologia nominados(atípicos) ou inominados aos contratos, deve-se fazê-lo com a devida ressalva da doutrina, pois, muitas vezes, o contrato tem nome, em determinado ambiente de sua utilização, e não é considerado nominado, em razão de não se encontrar devidamente regulamentado em lei. É preferível a referência aos contratos como típicos e atípicos, até porque os primeiros ajustam-se, ao contrário dos atípicos, em qualquer dos tipos contratuais estabelecidos em lei. O Código Civil italiano, em seu artigo 1.322, §2º define como inominados ou, atípicos, todos os contratos que ainda não pertencem aos tipos que possuem disciplina particular, desde que realizem interesses merecedores de proteção pelo ordenamento jurídico vigente.
Na dicção de Xxxxxx Xxxxxxxxx 3 nominados, ou típicos, são os contratos que recebem da lei, denominação própria e submetem-se a regras pormenorizadas. Por seu turno, são considerados inominados, ou atípicos aqueles que a lei não disciplina expressamente, mas que são permitidos, quando lícitos, em virtude do princípio da autonomia privada. Surgem na vida cotidiana impostos pela necessidade da formalização do comércio jurídico para atender as novas tecnologias que inovaram as relações comerciais. Para Xxxxxxx Xxxxxx Lisboa 4 , contratos atípicos ou inominados são os
tradicionais. Decorre, naturalmente de
3 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito Civil, dos contratos e
1 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. p. 122.
2 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. op. cit., p. 120, 125.
das declarações unilaterais da vontade. p. 34, n. 16.
4 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual Elementar de Direito Civil, v 3, p. 87.
A abundante diversidade da possibilidade de contratar dificulta a regulamentação das formas contratuais, originando, por consequência, o criativo e fértil exercício das partes no campo da liberdade, que se espera, condicionada aos princípios gerais do direito contratual, a fim de não escravizar o homem, mas sim, garantir o equilíbrio e a harmonia entre as relações sociais. A denominação doutrinária “inominados” atribuída aos contratos não regulamentados por legislação específica, não nos parece a mais adequada, sobretudo considerando-se o fato de que todas as espécies contratuais possuem nomes. Assim referidos contratos serão, doravante, por convenção, preferencialmente tratados como “contratos atípicos”.
Com efeito, contratos atípicos são aqueles não disciplinados pelo Código Civil ou qualquer outra legislação extravagante. Objetivamente, carecem de regulamentação específica. Em nosso sistema, a fim de preencher as lacunas criadas em decorrência de mencionada ausência de regulamentação específica, a doutrina e a jurisprudência se utilizaram de princípios ou cláusulas gerais do direito contratual, alguns, expressamente enfatizados no novel Código Civil de 2002 e que serão analisados no presente estudo, como: o da boa-fé objetiva, art.422; o da função social do contrato, art. 421; e o da vedação à onerosidade excessiva, art. 478.
Nessa dimensão assume especial importância a cautela da vontade das partes na aplicação das normas contratuais nos contratos atípicos, sobretudo, pelo fato de não haver regulamentação legal, a fim de fazerem valer as mesmas, desde que não contrariem os princípios gerais de direito, os bons costumes, a moral e as normas de ordem pública.
2. Classificação
Tarefa não das mais simples é a classificação dos contratos atípicos. A doutrina tem se mostrado tolerante às teses apresentadas, em reconhecimento ao esforço
exercido pelas profundas pesquisas de renomados jurisconsultos. O tema é tão relevante que tem sido debatido no plano internacional gerando propostas científicas dignas de reflexão no mundo jurídico pátrio e no direito comparado.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxx 5 classifica os contratos atípicos em sentido estrito, ou puro. Inclui entre eles, aqueles que contenham conteúdo completamente estranho aos tipos legais, por exemplo, o contrato de garantia, e aqueles que contenham apenas alguns elementos estranhos aos legais. Sem embargo, outros, com função prevalente, são legais, como, por exemplo, o contrato de bolsa simples. Outro tipo lembrado por Messineo são os contratos atípicos mistos, formados por elementos legais, todos conhecidos e dispostos em combinações distintas. Considerando-se várias figuras contratuais típicas, podem, conforme classificação de Messineo, os contratos atípicos mistos ser encontrados entre si em relações de coordenação ou subordinação. Por fim, leciona Messineo ser mencionada classificação, a de variação mais numerosa, composta por contratos unitários, a mais rigorosa, original e a mais aceita.
Nas lições de Orlando Gomes6, contrato misto é aquele que decorre da combinação de elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada em lei. Caracteriza-os a unidade de causa. Segundo o autor baiano7 os contratos atípicos são subdivididos em: contratos atípicos propriamente ditos e contratos atípicos mistos. Os contratos atípicos propriamente ditos, consoante a ótica doutrinária são definidos como aqueles ordenados para atenderem a novos interesses. Não são disciplinados especificamente na lei, reclamam disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem, livremente, sem terem como paradigma qualquer padrão contratual pré-estabelecido.
Preleciona Álvaro Villaça Azevedo8 que a mesma classificação corresponde aos contratos atípicos singulares, definidos como
5 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Dottrina generale Del contratto. p. 226.
6 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização e notas de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. p. 104.
7 Idem, p. 105.
8 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. op. cit., p. 138.
figuras atípicas individualmente consideradas. Ensina que os contratos atípicos mistos formam um conjunto de várias avenças que se somam e que se integram de modo indissociável, não tendo cada qual vida própria; é, portanto, uma contratação única, complexa e indivisível. Apresentam-se com contratos ou elementos somente típicos; com contratos ou elementos somente atípicos e com contratos ou elementos típicos e atípicos. Já os contratos coligados na ótica do mesmo autor, são dois ou mais contratos que guardam sua individualidade própria sendo compostos de várias contratações autônomas, mas ligadas por um interesse econômico específico.
Na atividade empresarial são classificados, entre outros, como atípicos os contratos de publicidade, o de hospedagem, o de cessão de clientela, a joint venture, etc.
3. Exegese no Código Civil de 2002
Verifica-se um consenso doutrinário sobre a aplicação de determinados princípios gerais de direito contratual aos contratos atípicos, conforme determina o art. 425 do Código Civil vigente, dentre eles a Função Social do Contrato (art. 421), a Boa-fé objetiva (art. 422) e a Vedação à onerosidade excessiva (art. 478).
O princípio da autonomia da vontade, acrescido pelos princípios gerais de direito contratual, previamente apresentados, fundamentam a celebração de contratos atípicos conforme dispõe a dicção do art. 425 do novo Código Civil: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Xxxxxx Xxxxx 9 , considerado pela corrente doutrinária majoritária como o principal mentor do novo Código Civil brasileiro, atribuiu grande importância ao tema, e entendia que referido dispositivo realça a função social do contrato, consequência natural da função social da propriedade, assim lecionava: “A propriedade não é um direito absoluto, ela tem uma função social e uma função econômica, e é dentro dessa objetividade axiológica que se deve processar a interpretação do Direito. Não haveria como consolidar a função social da
9 XXXXX, Xxxxxx. In: Novo Código Civil brasileiro – o que muda na vida do cidadão. Palestra realizada na Câmara dos Deputados em 04/06/02.
propriedade sem que, ao mesmo tempo, se consagrasse a função social do contrato”.
A boa-fé objetiva, considerada princípio geral amplamente aplicado ao direito contratual, plasmada no art. 422 do novo Código Civil, trata-se também, de uma cláusula geral, modelo de conduta social. Nesta condição colabora para determinar o comportamento devido pelas partes contratantes. Funciona bem como instrumento limitador ao exercício de direitos subjetivos.
Para Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx 10 permanecem do Código anterior os princípios da liberdade contratual; a obrigatoriedade dos efeitos (o contrato faz lei entre as partes); a relatividade dos efeitos contratuais, que não prejudica nem beneficia terceiros (res inter alios acta, allis nec nocet prodest nec). A vontade comum dos contratantes é o ponto central. Nesse diapasão a boa-fé objetiva, bem como a solidariedade, são consideradas pelo novo diploma legal, como princípios sociais.
Prosseguindo na análise de Xxxxxxx Xxxxxxxxx, considera-se como falha do novo Código, a ausência de regulamentação sobre os contratos de franquia, de leasing e, principalmente, nenhuma regra sobre contratos coligados. Sublinha-se ainda, a ausência no art. 422, de disposição sobre comportamento pré-contratual, inexistente na fase anterior à conclusão, bem como, na fase pós-contratual. O clássico exemplo sobre a importância da observância do princípio da boa-fé, inclusive na fase pós-contratual, mencionado por Xxxxxxxxx, vale ser reproduzido, particularmente pelo caráter didático e esclarecedor para o tema em epígrafe.
10 XXXXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxxx. Novo Código Civil brasileiro – o que muda na vida do cidadão Palestra realizada na Câmara dos Deputados em 04/06/02.
valia seis vezes o valor do terreno. O comprador estava muito satisfeito com aquela situação, até quando, o mesmo vendedor comprou o terreno em frente, foi à Prefeitura, obteve licença para a mudança do projeto de zoneamento e construiu naquele local um edifício suficientemente alto para atrapalhar a vista, do agora vizinho de frente. Apesar de haver terminado a transação de compra e venda, o comportamento do vendedor caracterizou evidente falta de boa-fé. Nos tribunais europeus a boa-fé é efetivamente exigida, também na fase pós-contratual. Conclui o professor Xxxxxxxxx, posição com a qual concordamos integralmente, afirmando categoricamente não se tratar de interpretar o que foi dito, mas o que não foi dito, e demonstrando a importância da obediência ao princípio da função social do contrato, assim materializou o fato: “O contrato não é mais um átomo exclusivo dos contratantes, mas, sim, uma molécula, porque interessa a toda a sociedade”.
Xxxxxxx Xxxxxxxx 11 considera a boa-fé objetiva, contemplada pelo Código Civil de 2002 como a mais célebre das cláusulas gerais. Entende-se por meio da boa-fé objetiva o que é fato, o que é psicológico, o que é virtude, o que é moral. Defende a presença do princípio vigilante do aperfeiçoamento do contrato, não só no patamar de existência, mas também nos planos de validade e de eficácia. Consoante Xxxxxxx Xxxxxxxx, a boa-fé deve estar presente nas negociações que antecedem à conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na conclusão e na sua interpretação, e deve, inclusive, prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio contratual, se necessário.
Baseado em texto elaborado durante a Idade Média, por Xxxxxxxx, cujo conteúdo dispunha sobre a aplicação da teoria da condictio causa data causa non secuta, conseqüência da teoria romana conhecida como teoria da imprevisão, o princípio da
11 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novo Código Civil brasileiro
– o que muda na vida do cidadão. Palestra realizada na Câmara dos Deputados em 04/06/02.Palestra realizada na Câmara dos Deputados em 04/06/02.
vedação à onerosidade excessiva determinava que o contrato devesse ser formalmente cumprido, baseado na imutabilidade das condições externas, presentes no ato da contratação. Havendo eventual alteração dessas condições dever-se-ia, proporcionalmente, alterar a execução do contrato.
Inserido na Seção IV do Código Civil, sob o título: “Da resolução por Onerosidade Excessiva”, o art. 478 consagra o princípio da vedação à onerosidade excessiva prevendo a resolução do contrato nos casos dos contratos de execução continuada ou deferida, quando a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá, o devedor pedir a resolução do contrato. Determina, ainda, referido dispositivo legal, que os efeitos da sentença, que a decretar, retroagirão à data da citação.
Versão moderna da cláusula rebus sic stantibus, utilizada para amenizar o excessivo rigor francês, aplicado pelo princípio do pacta sunt servanda, a teoria da imprevisão encontrou no sistema pátrio grande resistência em sua efetiva aplicação, particularmente por não haver disposição expressa na lei que a autorizasse. A jurisprudência pátria demonstra em grande parte de enunciados mencionada resistência à aplicação da teoria da imprevisão. Nesse sentido, manifestou-se a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco em parecer exarado por seu relator, Desembargador Djaci Xxxxxx, que exigia para aplicação da referida teoria, fosse o evento modificador das circunstâncias iniciais do contrato de forma “excepcional, extraordinária, imprevista e imprevisível”. Condicionava o nobre relator a aplicação da teoria da imprevisão à mudança extremamente sensível e chocante sobre o ambiente em que se formou a voluntas contrahentium devendo cada caso ser examinado em si mesmo, no tempo e no espaço sob o critério da eqüidade. A teoria da imprevisão não foi aceita em decisões de casos de aumento de salário, de alta de custo de materiais ou de reajuste de preço, com resistência de aplicação confirmada pela admissibilidade de sua efetiva
aplicação pela 5ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, sendo relator o Ministro Xxxxx Xxxxxxx, manifestando-se claramente à época pela excepcionalidade de sua aplicação.
Nesse diapasão mostrou-se pacífica a jurisprudência, quanto a inaplicação da teoria da imprevisão no caso de inflação. Assim acolhendo a tese do Código Civil Italiano, o novo Código Civil brasileiro, por meio de seu art. 478 consagra, apesar de certa resistência de aplicação, demonstrada pela posição jurisprudencial de nossos tribunais, a teoria da imprevisão, perdendo o legislador a oportunidade de acolher simplesmente a vedação à onerosidade excessiva. Com efeito, concorda-se com a posição adotada por renomados doutrinadores quanto à suficiência da comprovação do desequilíbrio econômico do contrato, a fim de que ele possa ser modificado, em razão da simples ocorrência da onerosidade excessiva.
A posição doutrinaria majoritária é pela aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, apenas nos contratos comutativos, conforme consta do texto do art. 478 do Código Civil vigente. Dentre outros, os principais requisitos necessários para a aplicação de referido princípio são: contrato de execução diferida ou sucessiva; alteração substancial das condições econômicas no momento da execução, comparando-se com as presentes no momento da celebração; onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem excessiva para o outro, e imprevisibilidade daquela modificação.
A efetiva aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, decorrência da teoria da imprevisão tornou-se relevante quanto mais se verificou a importância que a implicação do desequilíbrio na economia do contrato afeta o conteúdo da juridicidade, apesar da já mencionada resistência apresentada pelos tribunais pátrios, em razão de ausência de disposição expressa na lei que a autorizasse. Vale observar que sua aplicação está vinculada, como determina o próprio dispositivo legal do novo Código Civil, aos contratos de execução diferida, definidos como aqueles que dependem de evento futuro. Nestes tipos é imprescindível a existência de um hiato temporal que se inicia no momento
da contratação e vai até o efetivo cumprimento da obrigação, pois é quando deve ocorrer o fato excepcional imprevisível e estranho ao ambiente da negociação existente no momento da efetiva contratação. Mencionado fato deve acarretar prejuízo excessivo a uma das partes, com explicita e extrema vantagem para a outra, ensejando seu enriquecimento ilícito. Verifica-se nesses casos a flagrante quebra do equilíbrio contratual, indicando afetação no conteúdo jurídico do contrato.
4. Propostas de emendas
“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Percebe-se pela leitura preliminar do texto, a insuficiência da abordagem ao controvertido tema. Por um lado verifica-se a indefinição da licitude conferida às partes que desejarem estipular contratos atípicos, por outro, a fragilidade e imprecisão, formal e quantitativa, atribuída às normas gerais fixadas no dispositivo legal. Delegou o legislador, a responsabilidade para apontar e definir as anunciadas normas à hermenêutica jurídica.
objetivando coibir o uso dos contratos atípicos como instrumentos de opressão ou de enriquecimento ilícito de uma das partes, fato abominado pelo Direito.
Pelo exposto, e a fim de colaborar para o aperfeiçoamento da regulamentação dos contratos atípicos, resta como segue nossa proposta, representada em negrito, para alteração da redação do atual artigo 425:
“Art. 425. As partes podem utilizar-se dos contratos atípicos, observados sua função social, a boa-fé, a vedação à onerosidade excessiva e as normas gerais fixadas neste Código”.
Prosseguindo em consonância com a exposição doutrinária, previamente apresentada, sugere-se a seguinte redação para o art. 422, do novo Código Civil:
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na fase pré-contratual do contrato, em sua conclusão e execução, bem como em sua fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé”.
Por seu turno, com relação à aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, consagrado pelo artigo 478, do novo Código Civil, e considerando-se:
i. a importância da obediência ao princípio da função social do contrato, a fim de, uma vez celebrado ser cumprido, sugere-se a substituição do termo resolução por revisão;
ii. a posição do laesio enormis do direito romano e a fim de flexibilizar a controvertida recepção da teoria da imprevisão, de difícil aplicação no direito pátrio, conforme anteriormente demonstrado, sugere-se suprimir o termo imprevisíveis;
iii. a inadequação de redação, substituir o termo devedor por parte prejudicada, ou parte lesada como ensina Nelson Borges12: “No que se refere ao direito das partes
12 XXXXXX, Xxxxxx. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. p. 683.
o texto legal não admite dúvidas: ‘parte lesada’ poderá ser tanto o devedor como o credor. Por essa razão critica-se o dispositivo nacional, que depois de falar, corretamente em partes, sem qualquer justificativa termina por estender o benefício a apenas uma delas (devedor), ao falar em excessiva onerosidade, que não tem qualquer relação com o credor”;
iv. considerando-se por derradeiro, a expressão: “[...poderá o devedor pedir a resolução do contrato.]”, constante do art. 478 do texto original, do novo diploma legal, transparecendo a intenção do legislador em beneficiar apenas o devedor com o direito de solicitar a resolução do mesmo, sugere-se a seguinte redação para o art. 478:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes tornar-se excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários, poderá a parte prejudicada pedir a revisão do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Apesar da boa vontade demonstrada em respeitar o princípio do equilíbrio contratual, insistiu o legislador em determinar que o princípio da vedação à onerosidade excessiva é de uso exclusivo do devedor, conforme anteriormente verificado no texto original do art. 478, subtraindo assim do credor o direito de exercê-lo. Agravou, ainda mais o status do credor, punindo-o, injustificadamente, ao designá-lo como réu e impondo-lhe todo o ônus da revisão na relação contratual, em consonância com o estabelecido pela redação original do art. 479.
Sumariando, não se justifica a utilização do termo réu, inadvertidamente atribuído ao credor, no corpo do artigo 479. Com este procedimento o legislador transfere ao credor todo o ônus da inexecução, relativa ou absoluta, contrapondo-se assim ao princípio do equilíbrio contratual. Parece evidente a
obrigação e interesse mútuos do devedor e do credor na tentativa do restabelecimento do equilíbrio contratual, já que, por acontecimento extraordinário, qualquer das partes pode ser vítima da obrigação de pagamento de prestação excessivamente onerosa. Diante do exposto recomenda-se a substituição do termo réu atribuído ao credor por: parte excessivamente beneficiada, restando como segue a redação sugerida para o art. 479:
“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se a parte excessivamente beneficiada a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
5. Conclusão
Verificou-se ao longo do presente que, historicamente, as relações econômicas e comerciais, representadas pelos contratos, passaram por várias influências atingindo, contemporaneamente, relativo equilíbrio. Percebe-se um conflito velado, jurisprudencial e doutrinário sobre os contratos atípicos, variando entre o rigor francês exigido pelo pacta sunt servanda e a relativização proposta pela cláusula rebus sic stantibus, consagradora da teoria da imprevisão. Predomina a formalidade do cumprimento da obrigação contratual, sobretudo para preservar a função social do contrato, admiti-se a revisão contratual, particularmente nos casos de prejuízo excessivo de uma das partes, e a conseqüente possibilidade de enriquecimento ilícito da outra, fato inaceitável diante dos princípios gerais do Direito.
O aumento, em profusão, da diversidade e modalidades de negócios na sociedade contemporânea, particularmente os decorrentes das novas tecnologias, representados pelo comércio eletrônico, ensejou o surgimento e a progressiva utilização de contratos não previstos pelo direito positivo. Apesar de utilizados desde os tempos do antigo direito romano, conhecidos então, como inominados, os contratos não regulamentados por legislação específica são atualmente conhecidos como contratos atípicos e
representam significativa parcela da instrumentalização das relações econômicas.
A ausência ou, frágil regulamentação específica correspondente ao manuseio e efetiva aplicação sobre os contratos atípicos obedecem a determinados princípios e cláusulas gerais de direito sedimentadas e pacificadas pela doutrina. Assim, além dos princípios convencionais, pilares fundamentais do Direito, como o da igualdade, da segurança jurídica, da vontade das partes, da liberdade contratual, entre outros, os contratos atípicos receberam do legislador do novo Código Civil tímida, porém, pontual e inédita atenção. Percebe-se um sutil consenso doutrinário e jurisprudencial sobre a aplicação dos princípios e das consideradas, por alguns, como verdadeiras cláusulas gerais pairando sobre os contratos atípicos, objetivamente a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a vedação à onerosidade excessiva.
De fato, a previsão legal sobre contratos atípicos foi, timidamente, contemplada apenas pelo art. 425 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Xxxxxx, a nosso ver, o legislador a excepcional oportunidade de explorar e ampliar, detalhando, aprofundando uma análise mais apurada sobre a crescente e inexorável ampliação das relações econômicas geradas por formas inéditas de contratar, inerentes aos contratos atípicos. Instrumento assaz relevante para o direito positivo pátrio, carece mencionado instituto de uma explícita e ampla regulamentação legal que balize seu correspondente funcionamento e classificação, a fim de traduzir sua constante e progressiva presença nas relações comerciais, econômicas e sociais. Ao tentar fazê-lo, o legislador positivou a regulamentação do complexo tema de maneira superficial e desencontrada. Extrapolou no formalismo, ao indicar a resolução dos contratos atípicos como solução única, contrariando frontalmente a orientação
básica da função social dos contratos, premissa exaustivamente festejada pela Comissão elaboradora do novo Código Civil. Falhou flagrantemente ao atribuir responsabilidades e deveres apenas ao credor, de maneira inadequada, quando inadvertidamente lhe atribui o título de réu.
A predominante intenção de consolidar o caráter social, efusivamente anunciada na publicação do novo diploma legal, representada particularmente pela obediência ao princípio da função social do contrato, decorrência do princípio constitucional da função social da propriedade, tornou-se o principal limite à liberdade contratual, em virtude da necessidade de atender-se o interesse coletivo acima do individual. Devido a sua relevante natureza econômica e patrimonial e à sua função circulante de riquezas, o contrato deve, inexoravelmente, garanti-la, a fim de, preliminarmente, atender sua relevante função social.
O evento natural da maior incidência de ocorrência da desvantagem de uma das partes, nos contratos atípicos, é decorrência natural da falta de previsão legal, permitindo o indesejado florescimento de tendências insidiosas de partes que agem de má-fé, ensejando a instauração de um campo fértil para imposição de desigualdades. Sem embargo, sugere-se a aplicação rígida e destemida de princípios gerais do direito contratual e cláusulas como: o da boa-fé objetiva, o da função social do contrato e o da onerosidade excessiva, sobre os contratos atípicos, a fim de se evitar que, a irrestrita liberdade de contratar, corifeu da relação contratual, não se transforme em laboratório para o surgimento de instrumentos de opressão ou de enriquecimento ilícito de uma das partes contratantes, fato inaceitável para a melhor prática do Direito.
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REFERÊNCIAS
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