Das Cláusulas Confirmatórias nos Contratos de Adesão.
Das Cláusulas Confirmatórias nos Contratos de Adesão.
Perspetivas Acerca da Autorresponsabilidade do Aderente no Confronto dos Deveres de Informação do Predisponente
Xxxxxx Xxxxx xx Xxxx*
Resumo: Pelo presente estudo pretende-se discernir se as declarações subscritas pelos aderentes nos contratos de adesão que atestam o conhecimento integral do contrato e, dessa forma, o cumprimento dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação a cargo do predisponente têm, em homenagem à autorresponsabilidade de quem subscreve tais declarações, algum valor probatório, sendo nessa medida suficientes para o preenchimento do ónus da prova previsto no art. 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 446/85.
Palavras-chave: contratos de adesão; dever de comunicação e de informação; cláusulas confirmatórias; responsabilidade pré-contratual; princípio da autorresponsabilidade.
Sumário: 1. Introdução ǀ 2. Liberdade Contratual e Contratos de Adesão ǀ 2.1. Da Questão Xxxxxx xx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx-Xxx x.x 000/00 x 2.2. A Necessidade de Tutela do Aderente na Fase Pré-Contratual ǀ 3. O Dever de Informação Pré-Contratual Enquanto Obrigação Lateral e as Condições do seu Surgimento. A Relevância dos Deveres Pré-Contratuais Consignados no Decreto- Lei n.º 446/85 Perante o Princípio Geral da Boa-Fé ǀ 4. Os Deveres de Comunicação e de Informação a Cargo do Predisponente ǀ 4.1. O Princípio da Autorresponsabilidade do Aderente e a sua Relevância na Aferição do Cumprimento dos Deveres do Predisponente ǀ 4.2. O Problema da Validade das Designadas Cláusulas Confirmatórias ǀ 5. Síntese Conclusiva.
1. Introdução.
A posse de adequada informação é declaradamente um elemento imprescindível para a tomada de uma decisão correta, especialmente no tráfego negocial caracterizado pela realização de disposições patrimoniais. O ordenamento jurídico reconhece-o em várias latitudes, a ponto de o seu oposto – a formação de uma vontade negocial com base em pressupostos fácticos faltosos, a entroncar na figura do erro – desencadear vários vícios de vontade, fulminando o próprio negócio jurídico com a sanção da anulabilidade (vide os arts. 251.º e 252.º, ambos do Código Civil). Mas, mesmo superando a área da formação deficitária da vontade negocial, a informação pontifica como um dos principais vetores no Direito Contratual. A comprová-lo temos, desde logo, a emergência e autonomização, em setores especializados da vida quotidiana, de deveres de informação sobre os operadores económicos a favor da contraparte, quer durante a relação contratual, quer sobretudo durante a etapa de formação da vontade contratual (isto é, no decorrer da fase de negociações) - assim sucede, v. g., no setor dos seguros (arts. 18.º e ss. do Regime Jurídico do Contrato de Seguro)1, na atividade bancária (art. 77.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras)2 e na intermediação financeira (arts. 304.º, n.ºs 2 e 3, e 312.º do Código dos Valores Mobiliários)3.
* Advogado-Estagiário na Cerejeira Namora, Xxxxxxx Xxxxxx & Associados. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Mestrando em Ciências Jurídico- Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Endereço eletrónico: xxx@xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
1 Estas disposições são dotadas de uma imperatividade relativa, pelo que a sua estatuição pode ser afastada em benefício de um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro. Vide, por todos, XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx (coord.), Lei do Contrato de Xxxxxx Xxxxxxx, 3.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 98 e ss..
2 Acerca dos deveres de informação das instituições bancárias, por todos, SÁ, Almeno de,
Direito Bancário, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 81 e ss..
3 Sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros pela prestação de informações aos investidores, veja-se ENGRÁCIA ANTUNES, Xxxx, “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – Alguns Aspetos”, Caderno do Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, x.x 00, 0000, Xxxxxx, pp. 37-40, XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 305-306, e CÂMARA, Paulo, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 711 e ss..
Lateralmente a esta evolução verificada em setores especializados, dotada de uma ubiquidade subjetiva (em benefício de qualquer sujeito independentemente da veste em que atue no tráfego negocial), os deveres de informação – que, como se tem referido, consomem grande parte da área da responsabilidade pré-contratual nos contratos de consumo4 - assumem uma especial preponderância na conformação normativa da conduta exigível ao profissional durante a interação com os consumidores, credores de uma “prestação positiva oponível ao agente da actividade económica que fornece produtos e serviços no mercado do consumo”5. Efetivamente, em obséquio ao normativo constitucional do art. 60.º, n.º 1, da Lei Fundamental, o ordenamento português estabelece um complexo arco de deveres de informação sobre os agentes que atuam no mercado do consumo, nele vendendo bens ou prestando serviços. Com maior ou menor saliência na mens legislatoris, descortina-se o propósito do legislador de colmatar a assimetria de informação entre profissionais especializados e particulares6, pondo cobro a uma situação de vulnerabilidade7
4 De facto, os contratos de consumo raramente são antecedidos de qualquer negociação relevante, o que seria incomportável atendendo à dinâmica despersonalizada da economia moderna. A prática dos operadores económicos é, pelo contrário, a da predisposição unilateral de um dado conteúdo que o consumidor apenas se limita a aceitar ou rejeitar em bloco. A função regulatória servida pelos ditames da responsabilidade pré-contratual traduz-se assim na imposição ao contraente profissional de deveres e ónus de natureza informativa, franqueando à contraparte as condições materiais para o exercício consciencioso da autonomia privada. Neste sentido, vide XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, “Responsabilidade Pré-Contratual. Breves Anotações sobre a Natureza e o Regime”, in LEITE DE CAMPOS, Diogo (coord.), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 746.
5 Seguimos NEVES REBELO, Xxxxxxxx, “O Direito à Informação do Consumidor na Contratação à Distância”, in AA.VV., Liber Amicorum Xxxxx Xxxxx. A causa dos direitos dos consumidores, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 104. Vide os exemplos dos vários deveres de informação consagrados nas leis de consumo em ENGRÁCIA ANTUNES, Xxxx, Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 114.
6 A este respeito, cfr. XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, Julgar, n.º 21, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 202-209, e XXXXX XXXXXXXXX, J. J., e XXXXXXX, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 781.
7 Acerca da vulnerabilidade do consumidor, veja-se o bastante elucidativo estudo de PASSINHAS, Xxxxxx, “O Lugar da Vulnerabilidade no Direito do Consumidor Português”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 15, Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 2019, pp. 255 e ss.. Xx XXXX XXXXXXXX, Xxxx, A Protecção dos Consumidores nos Contratos Celebrados Através da Internet, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 65-66, lê-se que “um dos factores determinantes da fragilidade contratual do consumidor é justamente a sua falta de informação e de educação. O consumidor,
decorrente da contínua interação económica com sujeitos dotados de conhecimento técnico especializado, que debalde fazem um uso astucioso do mesmo em claro prejuízo da contraparte e dos seus interesses patrimoniais.
Embora se subscreva o propósito do legislador, colmatando pela heteronomia os abusos que uma autonomia forjada (existente apenas no plano jurídico) seria sub-repticiamente passível de acarretar ao contraente débil, deve- se, no entanto, alertar para a indesejável hipertrofia legislativa que a confluência de várias fontes normativas (cuja harmonização nem sempre o legislador conseguiu assegurar) tem originado. Efetivamente, sucede com frequência que a mesma relação jurídica queda-se na copa de vários diplomas legais8 e, na ausência de disposições que procedam à harmonização entre esses regimes aplicáveis, o destinatário das suas prescrições vê-se forçado ao cumprimento escrupuloso e olímpico de cada uma delas; o que, por seu turno, tem – qual acidente de uma técnica legislativa a precisar de ser revista - imerso os particulares num eflúvio de informação, dificultando a destrinça entre aquilo que é meramente acessório e o que é essencial para a formação esclarecida da vontade, prejudicando assim o próprio exercício do direito a ser informado9. A questão comporta especiais sensibilidades no âmbito da defesa do consumidor10, admitido como a relação de
frequentemente, não tem conhecimento nem dos seus direitos nem dos seus deveres; não tem a noção dos métodos de venda utilizados pelos fornecedores, nem capacidade para lhes resistir; não tem conhecimentos suficientes que lhe permitam, perante a proliferação da oferta, decidir em função da relação qualidade/preço, etc.”.
8 A este respeito, remetemos para NEVES REBELO, Xxxxxxxx, “O Direito à Informação do Consumidor na Contratação à Distância”, cit., pp. 107-108, onde se dá exemplo da aplicação simultânea do regime do comércio eletrónico, da contratação à distância e das cláusulas contratuais gerais. Outros tantos exemplos poderão ser dados.
9 Realçando a dificuldade de compatibilização entre as fontes legislativas, cfr. XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “O Direito à Não-Informação”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 9, Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 2015, pp. 45 e ss..
10 Assomam-se, como vimos, particulares necessidades de defesa da presumível parte débil da relação contratual (debilidade essa provocada, as mais das vezes, pela ausência de conhecimento). Relativamente às contingências da tutela do consumidor na sociedade moderna, e as perspetivas do seu ulterior desenvolvimento numa sociedade em estado de permanente mutação, remetemos para os estudos de XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “O Direito do Consumidor em Debate: Evolução e Desafios”, de XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, “O Futuro do Direito do Consumo”, e xx XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, “A Proteção do Consumidor na Sharing Economy”, todos eles in XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx (coord.), I Congresso de Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2016.
consumo se entrecruza com a “disparidade de informação entre o profissional e o consumidor” (quando não a total ignorância deste último)11, embora tal característica não lhe seja nem necessária nem exclusiva. De facto, embora seja um seu elemento natural, a posição funcional de consumidor não pressupõe necessariamente a falta de informação nem a posse de conhecimentos específicos típicos de quem atua no mercado obsta à assunção de tal veste12.
O paradigma instituído pela modernidade, pela industrialização e pela crescente especialização do trabalho é o da paulatina dilatação das clivagens de informação entre as partes nas mais vulgares relações do dia a dia. O ordenamento jurídico não poderá permanecer inerte, prescindindo de dar adequada resposta a este difuso fenómeno de alienação informativa do cidadão comum, sob pena das declarações negociais por estes prestadas o serem num ambiente de evidente enevoamento, pervertendo não só a espontaneidade e a liberdade da vontade pela qual canonicamente – segundo os dogmas clássicos do Direito Civil, que como veremos apenas anacronicamente se repercutem nas exigências do tráfego negocial do século XXI - se forma o contrato13, como sobretudo a fórmula de equilíbrio económico a que tendencialmente aspira toda a vinculação contratual recíproca14.
11 NEVES REBELO, Xxxxxxxx, “O Direito à Informação do Consumidor na Contratação à
Distância”, cit., pág. 111.
12 Um empresário pouco zeloso e solerte, alheio às especificidades do mercado em que opera e facilmente ludibriável no tráfego comercial não adquire, por causa disso, o qualificativo de consumidor. Do mesmo modo, um sujeito que adquire para fins pessoais o mesmo bem ou serviço que ele mesmo comercializa profissionalmente não deixará de ser, por força dessa circunstância, um consumidor. Neste sentido, XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, 6.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 32-33.
13 Como referiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 17.10.2013, proc. n.º 3109/09.1TBTVD.L1-2, para que seja passível de produzir os efeitos prático-jurídicos pretendidos, a declaração negocial “deve resultar de uma vontade esclarecida e livre, nos termos da qual o declarante se determina com inteiro conhecimento da situação de facto e de direito e sem fatores externos compulsivos”.
14 À partida, o Direito Civil é alheio a qualquer correção da fórmula do equilíbrio económico a que as partes chegaram, que assim está na livre soberania e disposição dos contraentes, em posição predileta para a autocomposição dos seus interesses. O negócio jurídico que preveja prestações desproporcionadas não está, só por isso, ferido de qualquer invalidade ou desprovido da sua normal eficácia (para uma discussão histórica e comparatística, veja-se KÖTZ, Hein, e XXXXXXXX, Xxxx, European Contract Law, Vol. I, Clarendon Press, Oxford, 1997, pp. 130-137). Não tendo o Código Civil acolhido o vetusto instituto da lesão (acerca deste instituto, e defendendo que apenas uma manifesta e ostensiva desproporção poderá inquinar o negócio, cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, José, Direito Civil – Teoria Geral, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pp. 252 e
Neste ensejo uma conceituada doutrina italiana afirma que a indução à celebração de um contrato com base em informações erróneas configura uma lesão da liberdade contratual do contraente, consequentemente passível de constituir o indutor em responsabilidade civil15, ao passo que entre nós XXXXX XXXXXXXX observa com inteira propriedade que “uma decisão verdadeiramente livre tem de ser esclarecida”16.
O presente estudo, contudo, não almeja providenciar por um panorama tão amplo do dever de informação à luz do ordenamento português, tarefa que já foi satisfatoriamente empreendida17. O seu objeto é certamente mais restrito, conforme a brevidade e o comedimento exigem. Circunscrevemos o nosso estudo ao domínio dos contratos de adesão – por si um campo bastante fértil para desenvolvimentos doutrinários -, cingindo-o a uma questão concreta que, no ensejo de lhe dar resposta, passamos a formular: para efeitos do cumprimento do dever de comunicação e de informação prescrito nos arts. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, que valor probatório terão as declarações escritas pelo aderente atestando a sua observância? É esta a indagação, com a qual os Tribunais já foram por várias vezes confrontados, a que pretendemos dar resposta.
2. Liberdade Contratual e Contratos de Adesão.
2.1. Da Questão Prévia do Âmbito de Aplicação do Decreto-Lei n.º 446/85.
ss.), salvo a intervenção de regimes particulares, como o negócio usurário (art. 282.º do Código Civil), a valoração da justiça do contrato é deixada ao livre critério das partes, em obséquio à tutela da autonomia privada e da correspondente a atuação a risco próprio imprescindível no tráfego negocial. Ao Direito Civil compete apenas assegurar que as declarações negociais produzidas pelas partes o foram livremente e com a devida consciência. Neste sentido, CARNEIRO DA FRADA, Xxxxxx X., Teoria da Confiança e Responsabilidade Xxxxx, xxxxx., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 488- 489.
15 XXXXXXX, Xxxxxxxxx, Trattato di Diritto Civile, Vol. III, CEDAM, Milano, 2010, pp. 144- 147, e XXXXXX, Xxxxxxx, Diritto Civile, Vol. V, Giuffrè, Milano, 1994, pp. 591-592.
16 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 371-372. Em igual sentido depõe NEVES REBELO, Xxxxxxxx, “O Direito à Informação do Consumidor na Contratação à Distância”, cit., pág. 113.
17 Para além da profusa monografia de XXXXX XXXXXXXX citada na nota precedente, veja- se, no direito italiano, BARCELLONA, Xxxxx, Trattato del Danno e della Responsabilità Xxxxxx, XXXX, Xxxxxx, 0000, em especial pp. 433 e ss..
Tratamos essencialmente de um problema de Direito Positivo. Mais que isso, de um problema de interpretação e aplicação de normas legais específicas, o que clama pelo seu devido enquadramento jurídico, a principiar pela delimitação do âmbito aplicativo do Decreto-Lei n.º 446/85 (doravante, apenas LCCG)18. A delimitação do perímetro deste regime legal é uma tarefa desempenhada pelo seu art. 1.º: aplica-se, como alude essa disposição, às “cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar” (n.º 1), bem como “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (n.º 2). Por seu turno, o n.º 3 faz incidir sobre quem apresenta as cláusulas19 o ónus de provar que determinada cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes, normativo esse que, a despeito do seu louvável propósito, antolha-se-nos permeável a abusos dos particulares, amiúde no desígnio de se escusarem ao cumprimento das suas obrigações contratuais.
Situamo-nos no âmago do “tráfego negocial de massas”20. Um perscrutar pelo art. 1.º da LCCG revela que o legislador visou abarcar as cláusulas pré-redigidas por um dos contraentes cujo conteúdo a contraparte não pôde influenciar nem disputar, cabendo-lhe apenas aderir – ou não – ao programa contratual que lhe é rigidamente apresentado. Neste sentido, XXXXXX XXXXXXXX avança que o Decreto-Lei n.º 446/85 se aplica “às cláusulas pré-elaboradas por uma das partes, que a outra não tenha tido a possibilidade de negociar”, a ser avaliado “tendo em conta o desequilíbrio entre as partes ou as circunstâncias da celebração do
18 Por todos, com múltiplas referências bibliográficas e jurisprudenciais, PRATA, Xxx,
Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 159 e ss..
19 “A referência àquele que pretenda prevalecer-se da norma, se interpretada literalmente, determina que o aderente que queira invocar a existência de uma cláusula tenha de provar que esta foi negociada. Esta solução não faz sentido, na medida em que o regime tem como objetivo prevenir os abusos da parte que impõe as cláusulas” (XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 118).
20 Como o refere XXXXX XXX XXXXXX, Xxxxxx, “A Tutela do Consumidor entre os Contratos de Adesão e as Práticas Comerciais Desleais”, Revista Eletrónica de Direito, n.º 1, Porto, 2016, pág. 7, e, com igual formulação, XXXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 5.a ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 106.
contrato”21. Aplica-se, assim, aos casos em que o sujeito contratual se limita a aderir passivamente ao texto contratual predisposto pela contraparte22, sem possibilidade de influir no seu conteúdo, ou pelo menos no seu núcleo essencial23. O tipo de relacionamento contratual que o legislador pretende disciplinar identifica-se através das características da pré-formulação, da generalidade (embora, como veremos infra, este requisito não seja essencial) e da rigidez/imutabilidade24, as quais as mais das vezes são reconhecíveis através da própria apresentação gráfica do clausulado (em formulário pré-impresso25). Como características acessórias ou naturais, que habitualmente acompanham este modelo de formação do contrato, mas que não lhe são imprescindíveis, enunciam-se a desigualdade entre as partes bem como a complexidade e a natureza formulária do clausulado26.
As características acima explicitadas colocam em crise os tradicionais cânones da formação do contrato. O programa contratual deixa de configurar uma concertação ou encontro de vontades – tal como era o paradigma no direito civil clássico27 – para se transmutar numa subscrição ou aceitação28 (ou até
21 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 117.
22 XXXXX, Xxxxxxxx, Diritto Privato, 5.a ed., G. Giappichelli Editore, Torino, 2016, pág. 824.
23 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.09.2018, proc. n.º 652/16.0T8SNT. L1-7. Salvo indicação em sentido contrário, todos os Acórdãos referenciados encontram-se disponíveis em xxx.xxxx.xx.
24 Cfr., entre tantos outros arestos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.05.2014, proc. n.º 2001/12.7TJLSB.L2-6. Enunciando estas e outras características, cfr. XXXXXX, Xxxxxx, “Cláusulas Contratuais Gerais”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 1, Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 1999, pág. 466, ENGRÁCIA ANTUNES, José, Direito do Consumo, cit., pp. 124- 125, XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, e XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 17, e SÁ, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 212-213.
25 No entanto, importa ter presente que a mera circunstância de o contrato ter sido apresentado através de impresso próprio não convoca automaticamente a aplicação dos ditames do Decreto-Lei n.º 446/85. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.1996, Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, 1996, pp. 84-86, no qual se sufragou que este diploma não é aplicável a um contrato de arrendamento pelo simples facto de o mesmo constar de um impresso editado por uma associação de proprietários.
26 XXXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, cit., pág. 110.
27 XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pp. 215 e ss., e XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, 12.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 243.
28 Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 01.02.2000, proc. n.º 877/99.
aquiescência29) à vontade negocial de outrem, não havendo assim qualquer liberdade de estipulação por parte do aderente30 ou sequer uma fase negociatória propriu sensu31 – e mesmo a liberdade de celebração, o último reduto da liberdade contratual, se vê facticamente coartada pela circunstância de a contratação estandardizada abranger a generalidade das atividades económicas imprescindíveis para a vivência em sociedade, não dispondo o aderente, realisticamente falando, de uma faculdade de dizer não32. Simplesmente, o contrato deixa de ser acordado, para passar a ser imposto33, o que leva certos autores a colocar em crise a própria índole contratual dos contratos de adesão, embora a tese que sufrague tal natureza continue a ser predominante34. Como contundentemente observa XXX XXXXX, “o contrato, tal como concebido – e mantido – nos quadros do liberalismo oitocentista, produto da autonomia privada,
29 XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 217.
30 Idem, ibidem. Veja-se, ainda, XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, Vol. III, Lisboa, 1986, pp. 740-741, XXXXXXX XXXXXX, Xxxx, Direito das Obrigações, 15.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 31, e XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Manual de Direito Bancário, 3.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 385. Como se pode ler em XXXXX XXXXXXXX, Nuno, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 235, “o conteúdo dos contratos de adesão é conformado unilateralmente: uma das partes define as cláusulas do contrato e a outra ou as aceita ou as recusa”.
31 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas
Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, cit., pág. 742.
32 Alertando para o facto de “a essa liberdade jurídica de celebração não [corresponder] sequer uma liberdade económica de celebração do contrato”, por em muitos casos estarmos perante bens ou serviços de que não se pode prescindir numa economia de massas, OLIVEIRA ASCENSÃO, José, “Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 60, Vol. II, Lisboa, 2000, pág. 574. Em sentido concordante, CRUZ, Vânia, O Abuso de Direito na Invocação da Não Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais, Dissertação de Mestrado, FDUP, Porto, 2015, pp. 10-11, e XXXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, cit., pág. 107.
33 XXXXXX, X. Massimo, Diritto Civile, Vol. III, 2.a ed., Xxxxxxx, Xxxxxx, 0000, pág. 344.
34 Para uma discussão acerca da natureza dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais, com especial enfoque comparatístico, remetemos para XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, cit., pág. 250, nota 2, e XXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, 2.a ed. atualizada e ampliada por Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 223-225. Em Itália, cfr. XXXXXX, X. Massimo, Diritto Civile, Vol. III, cit., pp. 344-346.
é uma realidade conceitual que desde há muito não tem qualquer correspondência
com a realidade do mercado”35.
A falência dos ditames clássicos da autonomia privada, da soberania e igualdade dos sujeitos na autocomposição dos seus interesses, obriga à intervenção legislativa em resguardo do contraente débil, repondo o equilíbrio desmentido pelas contingências da realidade económica. Concretizando a incumbência constitucional de repressão dos abusos do poder económico36, e com assumida influência do diploma homólogo alemão37, o legislador não se manteve petrificado, aguardando pelo surgimento das Diretivas europeias sobre o tema (como a Diretiva n.º 93/13/CEE, de 05 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores)38. Sucede, aliás, que o legislador luso não só se antecipou aos comandos normativos europeus, como foi mais além do que as instâncias de Bruxelas impuseram. Transcendendo aquele que é o escopo da legislação de proteção do consumidor – a relação de consumo39 - optou o legislador do Decreto-Lei n.º 446/85 por chamar à colação todo o tipo de relacionamento contratual estandardizado40, ainda que apenas entre empresas ou profissionais ou
35 PRATA, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pp. 6-7.
36 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas
Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, cit., pág. 737.
37 XXXXXX XXXXXX, Inocêncio, Manual dos Contratos em Geral, 4.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 317.
38 XX, Xxxxxx xx, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pp. 49 e ss..
39 Por todos, XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pp. 25 e ss..
40 Para melhor inteleção, pedimos de locado as esclarecedoras palavras de XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, 6.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 196: “enquanto as disposições mais relevantes da lei alemã (cfr. BGB, § 310) e a totalidade da Diretiva, bem como a maioria das leis que a transpuseram, se aplicam apenas a contratos de consumo, a lei portuguesa abrange em plenitude tanto os contratos de consumo (business to consumer; B2C) como quaisquer outros contratos, incluindo portanto contratos entre empresas (business to business; B2B), contratos de trabalho e contratos celebrados sem a intervenção de qualquer profissional. Todos estes contratos se integram no âmbito de aplicação da lei, embora o regime seja variável quanto ao rigor de controlo de licitude, que é mais exigente para os contratos de consumo”. Ainda nesta esteira, XXXXX XXXXXXX refere que nem a identificação do predisponente com a empresa nem a assimilação do aderente à figura do consumidor são elementos caracterizadores das cláusulas contratuais gerais (XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Xxxxxxxxx Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, pp. 180 e ss.). Quanto ao primeiro aspeto, o Autor salienta que “esta apropriação mimética, por particulares, de um modo de actuação típico da empresa, bem como, sobretudo, a sua extensão a todas as zonas e formas da actividade económica, são responsáveis por que o âmbito das c.c.g. tenha largamente extravasado do seu núcleo emblemático original – o da
até apenas entre particulares41, embora não queira isto implicar que a intensidade regulativa seja a mesma, como um sondar pelo elenco das cláusulas proibidas logo revela42.
A correta explicação do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 446/85 exige alguns desenvolvimentos acerca das expressões cláusulas contratuais gerais e contratos de adesão, por vezes usadas como locuções fungíveis e indistinguíveis quer na doutrina43, quer na jurisprudência. Embora haja entre elas uma clara
contratação em série levada a cabo por uma grande empresa. Dado normal, mas não essencial, da figura, a típica ligação desta técnica de contratar ao universo empresarial não reveste específico significado normativo, não ficando a aplicação do regime próprio das c.c.g. dependente da qualificação como empresa do seu utilizador” (idem, pp. 181-182). No que tange à não necessária identificação do aderente com o conceito legal de consumidor, o Autor, após aflorar que “a intervenção tuteladora do diploma não é desencadeada pela pertinência de um dos contraentes a um determinado grupo, definido em termos económicos, mas por um processo contratual (a utilização de c.c.g.) que o expõe a riscos típicos contra os quais necessita de protecção”, conclui que o Decreto-Lei n.º 446/85 “não é, pois, uma pura lei de protecção do consumidor, visando antes disciplinar genericamente um determinado modo de contratar, opondo-se aos abusos que ele propicia” (idem, pp. 184-185).
41 Veja-se, a este respeito, a jurisprudência exarada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.1997, proc. n.º 838/97. No doutrina, acerca da delimitação do perímetro subjetivo da regulamentação instituída pelo Decreto-Lei n.º 446/85, remetemos para XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 3, Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 2001, pp. 137-138, XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 116, e XXXXXXXX XXXXXXXX, José, Direito Civil – Teoria Geral, cit., pp. 246-248. Para a homóloga legislação italiana, veja-se, entre outros, XXXXX, Xxxxxxxxx, “Le Condizioni Generali di Contratto e I Contratti del Consumatore”, in XXXXXXXXX, Xxxxxx (coord.), I Contratti in Generali, 2.a ed., UTET, Torino, 2006, pág. 329, e XXXXX, Xxxxxxxx, Diritto Privato, cit., pág. 825. Numa perspetiva de Direito comparado, salientando a heterogeneidade das soluções adotadas nas legislações nacionais quanto à circunscrição ou não aos contratos de consumo, cfr. XXXX, Hein, e XXXXXXXX, Xxxx, European Contract Law, Vol. I, cit., pp. 143-144. Com grande desenvolvimento, veja-se ainda XXXXX XXXXXXXX, Nuno, “Contratos de Adesão nas Relações entre Empresas – Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Fevereiro de 2005 (Processo n.º 1575/05, 1.ª Secção)”, Revista da Universidade Portucalense, n.º 15, Universidade Portucalense, Porto, 2012, pp. 239-254.
42 XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 216. Em sentido análogo, XXXXX XXXXXXXX, embora rejeite que “o controlo destes contratos se paute, exclusivamente, por um critério categorial e finalista, de tutela do consumidor”, reconhece que “o fenómeno assume particular gravidade quando o aderente é um mero consumidor final de produtos ou serviços fornecidos por uma empresa” (XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, cit., pág. 734). Vide, ainda, ALPA, Xxxxx, “Il Recepimento della Direttiva Comunitaria sulle Clausole Abusive nei Contratti dei Consumatori”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 1, Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 1999, pp. 74-75.
43 Para a aclaração do sentido de cada uma dessas figuras jurídicas, veja-se, por todos, XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, cit., pp. 131 e ss..
afinidade, o que explica a sua frequente assimilação, correspondem a conceitos jurídicos diferentes. Um olhar pelas passagens preambulares da LCCG44 não encontra qualquer referência expressa aos contratos de adesão, nem uma leitura do regime descobre qualquer explícita menção aos mesmos. Porém, uma análise mais detida do diploma revela que, embora talvez não com a eloquência desejável no seu discurso, o legislador conhece ambas as figuras. Principiemos por um prévio enquadramento dogmático. Em obséquio à sagaz explicação de XXXXX XXXXXXXX, diremos que, quando se usa a expressão contratos de adesão, “atende-se mais ao modo como se forma o acordo, numa relação jurídica concreta, evidenciando-se melhor o papel que resta à contraparte, de mera adesão a um modelo previamente elaborado”; já a fórmula cláusulas contratuais gerais faz emergir o “modo como é preenchido o conteúdo de cada um dos múltiplos contratos singulares a celebrar no futuro, integrados, todos eles, por cláusulas unilateral e previamente definidas em termos gerais e abstractos”45. Em sentido praticamente idêntico, XXXXX XXXXXXX elucida que “com aquela [cláusulas contratuais gerais] visa-se, em primeira linha, o esquema contratual destinado a preencher o conteúdo uniforme de uma multiplicidade de contratos a celebrar no futuro, contratos que a última designação [contratos de adesão] tem precisamente em vista, salientando o peculiar modo de formação do consenso”46.
A dualidade de expressões não se antolha ser o mero resultado de um panorama diferente sobre a mesma paisagem, se assim nos for consentido dizer. Sem prejuízo da natural afinidade, existem diferenças substanciais, com repercussões de revelo. Em bom rigor, o que identifica o contrato de xxxxxx é a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez do seu programa contratual, o seu
44 Há, no entanto, quem considere preferível a fórmula cláusulas negociais gerais, de forma a abranger também os negócios jurídicos unilaterais. Neste sentido depõe OLIVEIRA ASCENSÃO, Xxxx, “Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa Fé”, cit., pág. 575.
45 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, cit., pág. 741. Em termos semelhantes, cfr. XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, cit., pág. 244.
46 XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, cit., pág. 134.
específico modo de formação nos termos do qual a contraparte não influi no seu conteúdo, limitando-se a anuir ou não a um dado objeto contratual; a generalidade e a abstração (ou melhor, a intenção uniformizadora47) não são elementos integradores desta figura - que só por si “não nos dá qualquer notícia do fenómeno da contratação reiterada (em massa, no seu âmbito mais típico)”48 -, mas antes das cláusulas contratuais gerais49. Embora seja habitualmente encarado como um fenómeno da contratação em massa, dirigido à regulamentação uniforme de relações jurídicas a estabelecer com um número indeterminado e indiferenciado de sujeitos50, o contrato de adesão não precisa de ser preparado para um número indeterminável de potenciais aderentes, podendo, in limine, ser gizado apenas para a uma situação particular, para um concreto sujeito e para um concreto objeto contratual. Pelo exposto, o contrato de adesão, sendo uma categoria mais ampla, pode ou não ser integrado por cláusulas contratuais gerais51, como pode ter
47 Como o refere XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, cit., pág. 174, ao enunciar as características essenciais das cláusulas contratuais gerais.
48 Idem, pág. 135.
49 As cláusulas contratuais gerais são, como se reporta na doutrina portuguesa, “proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adotou” (XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Xxxxxxxxx I, cit., pág. 199); em Itália, XXXXX xxxxxxx a seguinte definição: “predisposizione unilaterale di un testo contrattuale destinato ad essere utilizzato per regolare una serie indefinita di rapporti” (XXXXX, Xxxxxxxxx, “Le Condizioni Generali di Contratto e I Contratti del Consumatore”, cit., pág. 328).
50 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas
Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, cit., pág. 742.
51 Expressamente neste sentido, cfr. XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, O Contrato-Quadro no Âmbito da Utilização de Meios de Pagamento Electrónicos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 109, XXXXX XXXXXXXX, Xxxx, “Contratos de Adesão nas Relações entre Empresas – Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Fevereiro de 2005 (Processo n.º 1575/05, 1.ª Secção)”, cit., pág. 242, POÇAS, Xxxx, “Os Novos Requisitos Formais das Cláusulas Contratuais Gerais (Lei 32/2021): Implicações, em Particular, no Contrato de Seguro”, Revista de Direito Comercial, 2021, pp. 901-902, e XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, cit., pág. 136. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.04.1994, proc. n.º 9320484, sumariou-se: “II - As cláusulas contratuais gerais, existem conceptualmente, como tais, antes e independentemente da sua inclusão nos contratos que as acolhem, não sendo a sua utilização no plano atomístico de cada relação que as faz assumir essa qualidade. III - O recorte individualizado do clausulado da proposta de compra em apreço, especialmente concebido para uma singular operação comercial e, como tal, objecto de uma formulação em termos ajustados ao concreto quadro circunstancial, retira-lhe identificação plena com as cláusulas contratuais gerais”. A propósito, XXXXX XXXXXXXX distingue os contratos de adesão em sentido estrito (atribuindo- lhes três notas essenciais: a pré-disposição, a unilateralidade e rigidez) dos contratos de adesão em sentido amplo (dotados adicionalmente das características da generalidade e da indeterminação)
simultaneamente cláusulas inalteráveis e disposições específicas moldadas no interesse dos contraentes e por estes negociadas52. Além do mais, como vozes na doutrina têm assinalado, a elaboração das cláusulas contratuais gerais antecede e abstrai-se dos contratos em que eventualmente se poderão integrar, não tendo assim valor negocial enquanto não forem vertidas num contrato53. Não obstante, de modo a permitir a sua fiscalização preventiva, o ordenamento atribui-lhes uma existência e eficácia jurídicas mesmo antes da sua inclusão num qualquer contrato. Por tal razão, por forma a assegurar-se preventivamente a sua compatibilidade com os ditames da LCCG, o conteúdo das cláusulas contratuais gerais poderá ser judicialmente sindicado (ao abrigo da ação inibitória prevista no art. 25.º da LCCG) antes mesmo de serem efetivamente utilizadas54.
Com esta pequena excursão feita, afinados que foram os conceitos, assim se explica o sentido do n.º 2 do art. 1.º da LCCG, introduzido em 1999, ao chamar à copa do regime os contratos elaborados para uma situação particular (contratos ditos individualizados), mas cujo conteúdo foi disposto unilateralmente: é que nesse caso não nos confrontamos com contratos compostos por cláusulas
(XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 135). Ainda no desígnio de proceder à cabal delimitação dos conceitos, o Autor prossegue: “na verdade, em regra o contrato de adesão é concluído através de cláusulas contratuais gerais; mas pode acontecer que falte às cláusulas pré-formuladas o requisito da generalidade (ou o da indeterminação), caso em que haverá contrato de adesão (estando presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez) sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Estas últimas são previamente elaboradas, numa palavra, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que serão de adesão – mas tais contratos não deixarão de o ser se faltarem às cláusulas pré-formulados os requisitos da generalidade e indeterminação” (idem, pág. 136).
52 A esta categoria, passível de uma regulamentação diversificada de acordo com a índole das normas que constam do contrato, o Supremo Tribunal de Justiça tem chamado de “contrato de adesão individualizado” (Acórdão de 17.02.2011, proc. n.º 1458/056.7TBVFR-A.P.S1).
53 XXXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, cit., pág. 113.
54 XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Manual de Direito Bancário, cit., pág. 402. No xxxxxx xx XXXXXXX XXXXX, esta possibilidade de sindicância das cláusulas contratuais gerais independentemente da sua efetiva inclusão num contrato “significa que o legislador lhes atribui certa eficácia própria, fora da sua utilização concreta” (XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Síntese do Regime Jurídico Vigente das Cláusulas Contratuais Gerais, 2.a ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999, pág. 27). Em GUIMARÃES, Xxxxx Xxxxxx, O Contrato-Quadro no Âmbito da Utilização de Meios de Pagamento Electrónicos, cit., pág. 108, refere-se que “as cláusulas contratuais gerais ou condições gerais do contrato, antes da sua inserção num contrato, equivalem apenas a modelos de contratos, a protótipos – a contratos-tipo, de acordo com a doutrina francesa – sem qualquer valor negocial, apesar de poderem ser já objecto de um controlo judicial prévio com vista à averiguação da sua compatibilidade com o disposto na legislação que visa proteger o aderente”.
contratuais gerais, que são antes abrangidos pelo n.º 155. Em termos sinópticos, o n.º 1 do art. 1.º refere-se às cláusulas contratuais gerais, enquanto o n.º 2 se reporta aos contratos de adesão que não sejam integrados por cláusulas contratuais gerais56. O legislador teve assim em vista englobar todo o fenómeno de conformação unilateral do conteúdo contratual, independentemente de o mesmo se dirigir a uma gama indiscriminada e generalizada de sujeitos ou, pelo contrário, for esboçado apenas para uma situação particular57. O propósito do legislador não foi, porém, inteiramente bem conseguido. Tendo o n.º 2 do art. 1.º da LCCG sido introduzido em 1999, sem alterações significativas dos artigos subsequentes, a nova redação obriga o intérprete a reler os restantes preceitos em conformidade58.
2.2. A Necessidade de Tutela do Aderente na Fase Pré-Contratual.
Os contratos de adesão permitem que a lógica de uniformização, de celeridade e de racionalização do processo produtivo se estenda também às relações contratuais, com os inerentes benefícios59. Seria, de facto, incomportável numa economia moderna que uma empresa que celebre milhares de contratos de compra e venda os tivesse de negociar minuciosamente com cada adquirente, encetando uma fase negocial para cada relação jurídica que venha a estabelecer. A opção pelo modelo de formação do contrato assente na sua mera adesão, em detrimento dos moldes clássicos do pensamento civilístico, é, dessa forma, uma necessidade imperiosa e indeclinável dos operadores económicos que atuam no
55 XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Síntese do Regime Jurídico Vigente das Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pp. 20-21, e XXXXXXXX XXXXXXXX, José, Direito Civil – Teoria Geral, Vol. III, cit., pp. 244-246.
56 A rígida e unilateral redação dos contratos de adesão, embora sendo óbvias para contratos formados com base em cláusulas contratuais gerais, “precisam de mais afinação para serem compreendidas em relação a contratos individualizados”, como o refere XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, cit., pág. 213.
57 Conforme supra assinalamos, a lei portuguesa não introduz qualquer restrição subjetiva na delimitação do seu âmbito aplicativo, pelo que o campo de aplicação do Decreto-Lei n.º 446/85 “abrange quaisquer contratos de adesão, com cláusulas gerais ou individuais, independentemente de serem contratos de consumo ou outros contratos, incluindo contratos entre profissionais” (idem, pág. 216).
58 Idem, pp. 218-219.
59 XXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, cit., pp. 222-223.
mercado de consumo. A prévia redação do programa obrigacional oferece, adicionalmente, uma maior segurança e certeza jurídicas para os sujeitos abrangidos pela força vinculativa do contrato, já que eventuais litígios judiciais sempre seriam decididos conforme precedentes anteriormente exarados perante o mesmo clausulado. Tais benefícios, se são primariamente auferidos pelos grandes operadores económicos que redigem esses contratos, externalizam-se favoravelmente aos consumidores finais. Na verdade, se os operadores económicos se vissem forçados a suportar os custos adicionais que a negociação individualizada de um número quase infindável de contratos acarretaria, tal acrescida despesa se repercutiria sobre o preço final do bem ou serviço, fazendo-o subir exponencialmente60.
Dessa forma, o legislador não se opõe aos contratos de adesão ou ao manuseio de cláusulas contratuais gerais, antes o reconhece como sendo uma inevitabilidade do tráfego negocial de massas, intrínseco ao funcionamento da economia. No entanto, sem prescindir do antedito, a circunstância de as relações contratuais se revelarem tributárias de uma lógica fabril, mostrando-se impermeáveis aos interesses económicos ou às reivindicações da contraparte, acarreta para o aderente um duplo perigo que a lei, conhecendo, pretende aplacar. Dúplice perigo que é apanágio daquilo que XXXXXX TELLES sugestivamente entende ser o “inegável enfraquecimento da soberania do querer individual”61. Não deixando o contrato de adesão de ser propriu sensu um contrato, a vontade principal, subordinante ou soberana do autor das suas cláusulas impõe-se despoticamente sobre a vontade subordinada ou súbdita do aderente62, atribuindo-lhe um especial estatuto de vulnerabilidade. Como astutamente declara XXXX XXXXX XXXXXXXX, “o contrato de adesão é, em substância, um acto de autoridade”63.
60 KÖTZ, Hein, e XXXXXXXX, Xxxx, European Contract Law, Vol. I, cit., pág. 137.
61 XXXXXX XXXXXX, Inocêncio, Manual dos Contratos em Geral, cit., pág. 332.
62 Adotamos a formulação de XXXXX XXXXXXXX, Nuno, “Contratos de Adesão nas Relações entre Empresas – Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Fevereiro de 2005 (Processo n.º 1575/05, 1.ª Secção)”, cit., pág. 239.
63 Idem, pág. 241.
Descortina-se um primeiro perigo relativo ao efetivo conhecimento dos contornos da vinculação contratual assumida64, ao qual se assoma outro perigo incidindo sobre o próprio conteúdo de tal vínculo, frequentemente composto por cláusulas extremamente favoráveis ao predisponente, de cariz iníquo ou até abusivo; como refere XXXXXXX XXXXX, “ao lado da tutela da vontade, põe-se o problema da fiscalização do conteúdo das cláusulas ou condições gerais do contrato”65. Dado o objeto do presente estudo, será sobre aquele primeiro aspeto que nos focaremos. A circunstância de os contratos de adesão serem unilateralmente redigidos, desprovidos de uma fase negociatória onde as partes possam propiciamente digladiar os seus interesses e, as mais das vezes, incidirem sobre fragmentos da vida quotidiana de relativa complexidade técnica para o cidadão comum, comporta o risco de estes assentirem na sua vinculação a um esquema contratual que, para além de ser mais favorável para quem o redige, frequentemente lhes será imperscrutável66. “Há, portanto, problemas para o
64 Poderão as cláusulas contratuais gerais ser redigidas através de uma linguagem excessivamente técnica, inacessível ao comum público, ou poderão ter uma apresentação gráfica que se furta ao olhar do leitor. Por fim, poderá ainda acontecer – e frequentemente o sucede – que, sendo tais cláusulas lavradas por profissionais especializados, nomeadamente advogados, elas contenham obrigações ou ónus nas suas entrelinhas, insondáveis perante o leigo, ou até se munam de formulações astuciosas e capciosas que convidam o leitor a conferir-lhes uma interpretação que, afinal, não coincide com o seu sentido real. Tais riscos são potenciados pela inexistência de uma fase negocial propriamente dita, e assim de qualquer discussão sobre os termos do contrato. Como observa GALVÃO TELLES, “muitas vezes, nos refolhos das cláusulas habilidosamente conjugadas, aninham-se limitações profundas aos direitos do aderente, que só um exame excepcionalmente cuidadoso poderá evidenciar. Com grande frequência também, a adesão é conseguida por meio de agentes, que na mira da percentagem que lhes cabe, dão às cláusulas do contrato interpretação favorável ao cliente, diversa da real. E sobre tudo isto lembre-se que os contratos de adesão partem, muitos deles, de entidades com um monopólio de direito ou de facto, de maneira que os interessados, ou os celebram, embora sabedores dos perigos que eles envolvem, ou deixam de alcançar os bens ou serviços que por seu intermédio conseguiriam” (XXXXXX XXXXXX, Inocêncio, Manual dos Contratos em Geral, cit., pág. 314).
65 XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, cit., pág. 247. Em igual sentido se pronuncia XXXXXXX XXXXXX, Xxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, cit., pág. 31.
66 Conforme escreve MOURA DOS SANTOS, Xxxxxx, “A Tutela do Consumidor entre os Contratos de Adesão e as Práticas Comerciais Desleais”, cit., pp. 8-9, “a questão central neste âmbito prende-se com o facto de que na maior parte das vezes o aderente não se apercebe e, portanto, não pode ponderar, das cláusulas que lhe são prejudiciais pois estas disseminam-se num amplo conteúdo contratual, podendo estar lavradas com termos técnicos e conceitos jurídicos de difícil compreensão para não especialistas (o que coloca em causa a justiça material pretendida pelo Direito), em linguagem demasiado hermética, ou em caracteres de dimensão muito reduzida e, por não ter tempo suficiente para as ler e por confiar na contraparte e no conteúdo contratual, acaba
consumidor logo no plano do consentimento, por correr o sério risco de aderir – e, portanto – aceitar cláusulas que desconhece”67. Tal só por si reclama uma intervenção do legislador, cética em relação a um exercício meramente retórico ou formal da autonomia privada68 num domínio fáctico onde impera a assimetria funcional69. Essa intervenção concretiza-se, num plano pré-contratual, na imposição ao predisponente da obrigação de comunicar à contraparte (assuma ou não a veste de consumidor) todas as cláusulas que integrarão o contrato, bem como de informar plenamente o seu parceiro contratual sobre o conteúdo, o sentido e o alcance das mesmas, prestando todos os esclarecimentos razoáveis e acedendo a todas as dúvidas razoavelmente colocadas. Como se lê num aresto do Supremo Tribunal de Justiça, “posto que as cláusulas contratuais gerais não são fruto da livre negociação desenvolvida entre as partes, já que estão elaboradas de antemão e são objecto de simples subscrição ou aceitação pelo lado da parte a quem são propostas, a lei prescreve diversas cautelas tendentes a assegurar o seu efectivo conhecimento por essa parte e a defendê-la da sua irreflexão, natural em tais circunstâncias”70.
por subscrever. A debilidade do aderente mede-se ainda pelo facto de, sendo a iniciativa da elaboração das cláusulas da contraparte, esta aproveitar para imputar os riscos possíveis ao aderente, introduzindo cláusulas manifestamente iníquas e prevendo mesmo todas as vicissitudes contratuais, o que seria inconcebível em sede de negociações individuais”.
67 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “A Resposta do Ordenamento Jurídico Português à Contratação Bancária pelo Consumidor”, Boletim de Ciências Económicas, Vol. LVII, Tomo II, Coimbra, 2014, pág. 2329.
68 Sobre a tensão entre o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do Código Civil) e o princípio da justiça contratual, cfr. XXXXX XXX XXXXXX, Xxxxxx, “A Tutela do Consumidor entre os Contratos de Xxxxxx e as Práticas Comerciais Desleais”, cit., pág. 8, e a bibliografia aí citada. Com especial relevância, veja-se XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, cit., pp. 123 e ss..
69 A disparidade do poder contratual, embora recorrente na contratação estandardizada, não é um pressuposto da aplicação do regime que o Decreto-Lei n.º 446/85 institui, mas apenas um seu elemento natural. Como observa XXXXX XXXXXXX, embora em profícuo estudo de uma legislação já desatualizada, “o seu âmbito de aplicação está basicamente determinado pela ocorrência dos índices exteriores objetivos descritos no artigo 1.º - subscrição ou aceitação de cláusulas elaboradas de antemão para utilização generalizada -, sem qualquer necessidade de averiguar, em concreto, se tal se deve à pressão de uma situação material de inferioridade, ou antes a qualquer outra circunstância” (idem, pág. 140).
70 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.02.2000, proc. n.º 99A877. Pela sua loquacidade, poucas vezes encontrada na nossa escrita jurisprudencial, transcrevemos ainda o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.01.2010, proc. n.º 2791/08.1TBPBL.C1:
«I - Os problemas colocados pelos contratos de adesão são, fundamentalmente, de três ordens: no
É por entre estes meandros que o legislador, ciente do risco de particulares subscreverem irrefletida ou precipitadamente um contrato sem se inteirarem do real sentido da vinculação apresentada, impõe ao predisponente um duplo dever de comunicação71 e de informação ou esclarecimento das cláusulas que integram tais contratos, sob pena de, havendo um incumprimento ou cumprimento deficitário desses deveres, essas cláusulas serem excluídas dos contratos singulares (cfr. os termos conjugados dos arts. 5.º, 6.º e 8.º da LCCG), sem prejuízo da eventual responsabilidade civil a que haja lugar72. Embora a autonomização desses dois deveres pré-contratuais possa ser tida como um mero formalismo legal, que não reproduz qualquer diferença qualitativa assinalável73, a verdade é que, pelo menos em termos abstratos, se pode decantar o alcance de cada um desses xxxxxxx00, e
plano de formação do contrato, aumentam consideravelmente o risco de o aderente desconhecer cláusulas que vão fazer parte do contrato; no plano do conteúdo favorecem a inserção de cláusulas abusivas; no plano processual, mostram a inadequação e insuficiência do normal controlo judiciário, que actua à posteriori, depende da iniciativa processual do lesado e tem os seus efeitos circunscritos ao caso concreto. II - Em face disto, um controlo eficaz terá de actuar em três direcções: pela consagração de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir, um efectivo e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação contratual; pela proibição de cláusulas abusivas; e pela atribuição de legitimidade processual activa a certas instituições (como o Ministério Público) ou organizações (como as associações de defesa do consumidor) para desencadearem um controlo preventivo (que além de permitir superar a habitual inércia do aderente se mostra mais adequado à generalidade e indeterminação que caracteriza este processo negocial), isto é, um controlo sobre as “condições gerais” antes e independentemente de já haver sido celebrado um qualquer contrato». Conforme ainda se poderá ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.04.2019, proc. n.º 88/17.5T8VLC.P1, “a autonomia da vontade só poderá ser validamente exercida se a vontade da parte aderente ao contrato estiver devidamente formada, o que pressupõe, desde logo, um completo conhecimento do respectivo clausulado”.
71 Tem-se entendido, contudo, que não estamos perante um dever em sentido técnico- jurídico, mas antes perante um ónus (XXXX, Vânia, O Abuso de Direito na Invocação da não Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 22).
72 Diferente foi o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 15.11.2012, proc. n.º 246/10.3YRRLSB.S1, no qual se declarou que “a sanção para a violação do dever de informação, no regime das cláusulas contratuais gerais, afasta o regime da responsabilidade civil, sendo seu substituto”. No seguimento de PRATA, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pp. 226-227, tal entendimento merece a nossa inteira censura.
73 Realçando a complementaridade dos deveres de comunicação de informação, já que ambos visam “a eficaz apreensão da proposta contratual”, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.04.2018, proc. n.º 4/17.4T8PDL-A.L1-7.
74 Pronunciando-se acerca da distinção entre estes deveres, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.2019, proc. n.º 20183/17.0T8LSB.L1-7, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2017, proc. n.º 569/13.0TBCSC.L1.S1. No primeiro escreveu-se que “o dever de comunicação (…) corresponde ao dever que ao predisponente se impõe de facultar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais de modo que este tome conhecimento, completo e efetivo, do seu conteúdo; já o dever de informação (…) corresponde à explicação desse conteúdo quando
assim o cumprimento de um deles – nomeadamente o de comunicação - não implica o cumprimento do outro75.
3. O Dever de Informação Pré-Contratual Enquanto Obrigação Lateral e as Condições do seu Surgimento. A Relevância dos Deveres Pré-Contratuais Consignados no Decreto-Lei n.º 446/85 Perante o Princípio Geral da Boa-Fé.
Constitui um lugar comum, no moderno Direito Contratual, a afirmação de que durante todo o período da intersubjetividade negocial, inclusive na antecâmara da génese do contrato e mesmo nos momentos subsequentes à sua extinção, as partes deverão reciprocamente observar um certo padrão de diligência, lealdade, probidade e honestidade, juridicamente relevado através do princípio da atuação segundo a boa fé (arts. 227.º e 762.º, n.º 1, do Código Civil)76. Tais obrigações laterais, emergentes da vinculação às partes a um padrão qualificado de conduta, já têm sido proficuamente desenvolvidas na doutrina lusa, a propósito da descoberta da complexidade do vínculo interobrigacional77, não se justificando
não seja de esperar o seu conhecimento efetivo, com esclarecimento à outra parte, e de acordo com as circunstâncias, dos aspetos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados pelo aderente”. No segundo se referiu que “o dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo”, ao passo que o “dever de informar dirige-se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente”. Na doutrina, XXXXX XXXXXX explana que “a comunicação se dirige essencialmente à forma e à possibilidade de ter acesso ao contrato e a informação se dirige essencialmente à percepção do conteúdo do programa contratual” (XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 223).
75 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2019, proc. n.º 20183/17.0T8LSB.L1.S2.
76 XXXXX XXXXXXXX, Xxxx, Princípios de Direito dos Contratos, cit., pp. 161 e ss.. Sobre o princípio da boa fé, veja-se o estudo de XXXXXXXX, Xxxx, “À Volta do Princípio da Boa Fé”, Revista Ciências Empresariais e Jurídicas, Vol. I, n.º 26, 2015, pp. 33-87, e, bem assim, a monografia de XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Da Boa Fé no Direito Civil, 5.a reimp., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, em especial pp. 527 e ss..
77 Sem qualquer pretensão de exaustividade, veja-se as obras de XXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx, Cessão da Posição Contratual, reimp., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 335 e ss., XXXXXXXX DA FRADA, Xxxxxx X., Xxxxxxxxx e Deveres de Protecção, Coimbra Editora, Coimbra, 1994, pp. 36- 52, XXXXXXX XX XXXXXXX, Margarida, A Responsabilidade Civil do Banqueiro Perante os Credores da Empresa Financiada, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 76-93, XXXXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Lições de Responsabilidade Civil, Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 22-38, MENEZES CORDEIRO,
aqui um afloramento das mesmas. Apenas faremos um apontamento breve, perante o nosso objeto de estudo. Naturalmente que, cuidando nós de deveres que surgem num momento que precede a (eventual) adesão ao contrato, localizamo- nos no campo da responsabilidade in contrahendo, que o nosso Código Civil acolhe no seu art. 227.º. A posição assumida pelo ordenamento português é assim a da “existência de determinados deveres dos contraentes, relativos ao mútuo comportamento ao longo das negociações”78. Ora, não obstante a inexistência de qualquer vinculação contratual, “existe já, na fase das negociações, uma relação efectiva entre as partes, relação essa que tem efeitos jurídicos próprios e justifica que entre elas nasçam deveres de uma conduta honesta, leal e correcta”79. Tais deveres in contrahendo não configuram obrigações em sentido técnico80, nem encontram a sua fonte na autonomia privada das partes, antes visam dar o devido enquadramento deveral à relação especial que a fase preambular do contrato (in casu, não se diz fase negocial porquanto esta, rigorosamente falando, não existe nos contratos de adesão) cria81, ainda que o contrato não seja celebrado. Embora a
Xxxxxxx, Da Boa Fé no Direito Civil, cit., pp. 586 e ss., e XXXXXXX XXXXXX, Xxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, cit., pp. 119-122.
78 XXXXXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 15. Vide, sobre a culpa in contrahendo, XXXXX XXXXXXXX, Xxxx, Princípios de Direito dos Contratos, cit., pp. 227 e ss., XXXXXXXX DA FRADA, Xxxxxx X., Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., pp. 480 e ss., GRAÇA TRIGO, Maria, Anotação ao Artigo 227.º, in BRANDÃO PROENÇA, Xxxx Xxxxxx, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pp. 510-514, e, da mesma Autora, Responsabilidade Civil Delitual por Facto de Terceiro, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 176-181, e XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, cit., pp. 221 e ss..
79 FONTES DA XXXXX, Xxxxxxx, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano 4, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 370.
80 As partes podem, no livre exercício da sua autonomia privada, convencionar uma relação contratual em que o dever primário é, precisamente, a prestação de informação correta. Acerca dos designados contratos de informação, veja-se o estudo de XXXXXXX, Xxxxxx, “A Respeito da Responsabilidade Profissional por Conselhos, Informações e Pareceres com base no BGB”, trad. portuguesa por Xxxxxxxx Xxxxxxx, Revista de Direito e Economia, n.º 15, Coimbra, 1989, pp. 5-27.
81 Na Alemanha, onde a culpa in contrahendo não foi até à Reforma de 2002 objeto de disposição legal própria, a sua receção deu-se através do reconhecimento de que a relação dos sujeitos em negociação é uma “relação de confiança, de carácter quase-contratual, fonte de obrigações de lealdade, cuja violação dá lugar a responsabilidade contratual” (XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 23). XXXXXX, por seu turno, identifica o gérmen na culpa in contrahendo no § 242 do BGB, que prevê o princípio da boa fé. Finalizando uma abordagem histórico-dogmática sobre o instituto, a Autora acima citada sintetiza que “o fundamento jurídico da c.i.c. será a violação de
terminologia varie, tem-se genericamente entendido que os deveres acessórios de conduta, emergentes da regra de atuação segundo a boa fé (“omnipresente em todo o arco temporal da vida da relação”82), reconduzem-se a três quadrantes: deveres
um dever imposto pela boa fé, dever este que nasce em virtude de se ter criado entre as partes negociadoras uma vinculação jurídica especial, de acordo com a qual cada um deve comportar-se segundo é de esperar de uma honra participante no tráfego” (idem, pág. 31). A nosso ver, não entendemos que o fundamento da responsabilidade in contrahendo se localize na mera necessidade de tutela da confiança do parceiro negocial, justamente porque nem sempre se poderá razoavelmente dizer que a relação pré-contratual é uma relação de confiança, particularmente naqueles contactos negociais vulgares e do dia a dia. Pensemos exemplarmente, embora se conheçam vozes que rejeitam a sua recondução à responsabilidade pré-contratual (cfr., por exemplo, XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, cit., pp. 229-230) no célebre caso do linóleo: que relação de confiança se intercede entre um indiferenciado consumidor que entra num estabelecimento comercial e o seu proprietário? Na nossa ótica, nenhuma. Não se nos antolha de modo algum justificável que a confiança, enquanto categoria jurídica geradora de certos deveres a latere, possa emergir entre sujeitos que apenas por efémeras contingências estão em contacto. Não podendo o ordenamento jurídico copiosamente atribuir relevância jurídica a meras representações internas dos sujeitos (como se lê em CARNEIRO DA FRADA, Xxxxxx X., Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., pág. 46: “não é viável atribuir genericamente efeitos a expectativas como se elas correspondessem a realidades com o pretexto de se reportarem a situações indiciadoras dessas mesmas realidades”), a tutela das disposições pessoais e patrimoniais decorrentes da confiança concitada por outrem deve-se confinar a casos bastante circunscritos. Por outro lado, nem todo o comportamento humano se dirige à criação de uma situação de confiança com base na qual outrem poderá agir em conformidade. Da mesma forma que um condutor, quando trava diante um semáforo vermelho, fá-lo em cumprimento das normas legais de condução rodoviária e não com o propósito de induzir outro condutor a arrancar, acalentando a expetativa de que se irá manter parado (assim observa GERGEN, Xxxx X., “The Ambit of Negligence Liability for Pure Economic Loss”, Arizona Law Review, Vol. XLVIII, Arizona, 2006, pp. 754-755), também o pequeno comerciante que, por incúria, se coíbe de assinalar o piso escorregadio não está certamente a tentar concitar a confiança dos seus clientes de que xxxxxx xxxx está seco. A aplicação irrestrita do pensamento da confiança levaria a enquadramentos teoréticos bastante absurdos: também o visitante do armazém ferido por um bengaleiro que sobre ele caiu (GRAÇA TRIGO, Xxxxx, Responsabilidade Civil Delitual por Facto de Terceiro, cit., pág. 178) teria visto frustrada a sua expetativa de que tal não aconteceria… Afigura-se-nos, antes, que a razão justificativa da culpa in contrahendo se prende com a constatação de que, durante a antecâmara da génese contratual, as partes, em vista da eventual celebração de um contrato, se expõem (em maior ou menor medida) a riscos acrescidos nas suas esferas pessoal e patrimonial, em princípio inexistentes no indiferenciado contacto social, e à qual o ordenamento jurídico não pode ser alheio (aplicando, de outro modo, as regras da responsabilidade aquiliana). Estando um dos contraentes numa posição privilegiada de lesar os interesses do seu parceiro, justamente por causa desse contacto negocial ou social (por todos, quanto às raízes materiais por detrás da imposição de deveres de proteção in contrahendo, cfr. XXXXXXXX XX XXXXX, Xxxxxx X., Contrato e Deveres de Protecção, cit., pp. 240 e ss.), o princípio da boa fé impõe a este um padrão acrescido de diligência e de retidão na condução da sua pessoa durante a fase preambular do contrato, com vista à garantia da incolumidade dos interesses patrimoniais e pessoais da contraparte. Por todos, veja-se o profuso estudo de XXXXXXXXXX XX XXXXXXXX, Madalena, «Algumas Notas em Torno da “Relação Especial” e o Reposicionamento das Fronteiras da Responsabilidade Civil Obrigacional», in MENEZES CORDEIRO, Xxxxxxx, Código Civil: Livro do Cinquentenário, Vol. II, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 329-346.
82 XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, “Responsabilidade Pré-Contratual. Breves Anotações sobre a
Natureza e o Regime”, cit., pág. 748.
de informação, deveres de segurança e deveres de lealdade83. Dada a circunstância destes deveres não serem obrigações em sentido técnico nem muito menos corresponderem ao dever geral de abstenção que polariza o direito subjetivo absoluto (previsão básica de responsabilidade aquiliana ex vi art. 483.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil), a responsabilidade emergente da sua violação tem sido encarada, na doutrina, como uma terceira via intercalada entre o torto e o contrato84. Ulteriores desenvolvimentos furtar-se-iam ao escopo deste estudo.
Retomando a linha orientadora inicialmente esboçada, e pronunciando-nos agora em concreto acerca dos deveres pré-contratuais de informação, a vexata quaestio a ser resolvida consiste em saber em que medida os ditames da boa-fé poderão impor um livre fluxo de informação entre os contraentes durante o procedimento negocial. Trata-se, em suma, de determinar os exatos contornos do dever pré-contratual de informação, o seu âmbito aplicativo, tarefa que, respeitando à concretização de um conceito indeterminado (a boa fé in
83 Idem, pp. 750 e ss.. Quanto aos deveres acessórios de informação e a suscetibilidade de a sua violação fundar uma responsabilidade in contrahendo, veja-se a obra lapidar de XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, cit., pp. 355 e ss.. Com incidência sobre o problema específico da rutura das negociações, cfr. FONTES DA COSTA, Xxxxxxx, Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, em especial pp. 33-71. A jurisprudência sobre a temática é bastante profícua. Veja-se, inter alia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.11.2012, proc. n.º 4068/06.8TBCSC.L1.S1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2009, proc. n.º 08B3301, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2010, proc. n.º 1212/06.9TBCHV.P1.S1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.10.2017, proc. n.º 4042/12.5TJVNF.G1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2010, proc. n.º 369/05.0TBGLG.E1.S1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.11.2019, proc. n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, proc. n.º 2604/15.8T8LRA.C1.S1, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.1997, proc. n.º 98A516.
84 Para uma ilustração dos problemas de determinação do regime aplicável decorrente da violação de deveres acessórios de conduta in contrahendo, veja-se XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pp. 55 e ss., XXXXXXXX DA FRADA, Xxxxxx X., Uma «Terceira Via» no Direito da Responsabilidade Civil?, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 95 e ss., XXXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx, Ruptura de Negociações Pré- Contratuais e Cartas de Intenção, cit., pp. 63-71, e XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, “Responsabilidade Pré-Contratual. Breves Anotações sobre a Natureza e o Regime”, cit., pp. 745-767. Na jurisprudência, destacam-se os seguintes arestos: do Tribunal da Relação do Porto, de 03.05.2007, proc. n.º 0731945 (aplicação da presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do Código Civil); do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.09.2019, proc. n.º 2604/15.8T8LRA.C1.S1 (aplicação do prazo prescricional de três anos), de 21.12.2005, proc. n.º 05B2354 (aplicação da presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do Código Civil).
contrahendo), não se pode desligar da clarificação dos seus fundamentos materiais. Não se negando que, pelo menos em tese, “constitui um quase lugar comum afirmar que os sujeitos das negociações que antecedem o contrato devem, tanto na fase vestibular, como no da conclusão, participar à contraparte as circunstâncias que possam influir na decisão desta, instruindo-a, designadamente, acerca dos elementos susceptíveis de interferir com a validade e eficácia do futuro negócio”85, nem por isso se deverá olvidar que agir de boa fé não significa necessariamente agir no interesse exclusivo da parte contrária, especialmente no decorrer da fase negocial, onde é evidente a prossecução pelas partes de objetivos diametralmente opostos – como assertivamente observa ALMENO DE SÁ, “ao direito (…) não pode ser indiferente o facto de o contrato exprimir, no agir comunicativo, uma cooperação antagónica”86. O acesso a informação privilegiada ou a posse de conhecimentos técnicos qualificados inere aos comerciantes e aos profissionais especializados; se estes fossem, sem mais, obrigados a instruir a contraparte com vista a colocar-lhes em posição de completa igualdade, então perderiam a vantagem que os incentiva a agir no giro comercial e a adquirirem conhecimentos especializados, levando eventualmente ao entorpecimento do tráfego jurídico. A lei portuguesa contraria qualquer ideia de um dever geral de informação não só através dos meandros restritivos da responsabilidade por informações (art. 485.º do Código Civil)87 como sobretudo pela irrelevância do dolus bonus (art. 253.º, n.º
85 XXXXXX XXXXXX, Xxxx, “A Responsabilidade por Prospecto e a Responsabilidade Pré- Contratual. Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral, de 31 de Março de 1993”, in MENEZES CORDEIRO, Xxxxxxx, e AMARAL CABRAL, Xxxx, Aquisição de Empresas: Vícios na Empresa Privatizada, Responsabilidade pelo Prospecto, Culpa in Contrahendo, Indemnização, Ordem dos Advogados, [s. l.], 1993, pág. 210.
86 XX, Xxxxxx de, Responsabilidade Bancária, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 51. Igualmente destacando que o contrato é um “instituto assente num jogo de forças entre contraentes”, FONTES DA COSTA, Mariana, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, cit., pág. 368.
87 Na justificação da opção legislativa pela não ressarcibilidade de princípio das lesões decorrentes de informações inexatas, a doutrina portuguesa tem chamado à colação a “liberdade reconhecida ao recetor para decidir qual o comportamento a adotar” (XXX XX XXXXXXXX, Xxxx, Anotação ao Artigo 485.º, in BRANDÃO PROENÇA, Xxxx Xxxxxx (coord.), Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica, Lisboa, 2018, pág. 291), a obsequiosidade e a displicência com que as informações são fornecidas (XXXXXXX XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.a ed., 8.a reimp., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág.
2, do Código Civil)88. Todo o contrato se dissolve numa composição autónoma, espontânea e concertada de interesses conflituantes, e a fase preambular do mesmo evidencia, precisamente, uma concessão recíproca de posições em ordem àquilo que os contraentes entenderão constituir o equilíbrio contratual: v. g., é o comprador que pretende adquirir o bem pelo preço mais baixo; é o vendedor que o almeja alinear pelo preço mais vantajoso89. Por outro lado, não se deverá olvidar que a cada um compete a aquisição da informação cuja obtenção lhe seja possível com um mínimo de diligência, em cumprimento de um ónus de auto-informação90. Não pode assim o desleixo ou a falta de zelo de um sujeito que atua no tráfego ser corrigido por quem com ele interage, mediante a imposição a este de um dever de informação, qual dever de garante da negligência de terceiro; com XXXXXX, diremos que o dano que uma parte podia ter evitado mediante a adoção de um comportamento diligente não pode ser causalmente imputado ao comportamento da contraparte91. Apenas em casos de impossibilidade ou excessiva onerosidade – ou melhor, inexigibilidade - de procura da informação pelo declarante deverá o
550), ou até mesmo o próprio funcionamento do mercado livre (XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx,
Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, cit., pp. 34-35).
88 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, cit., pp. 230-231.
89 Seria completamente desenraizado da realidade obrigar o comerciante, sob os auspícios da boa fé in contrahendo, a confessar ao seu cliente que na loja ao lado encontraria o mesmo produto a um preço mais barato, ou que em breve se prevê um aumento da oferta que faça descer o valor do bem fornecido (para usar os ilustrativos exemplos de XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 83).
90 Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2006, proc. n.º 06A222, “não se inclui no dever de informação da contraparte implícito na regra de actuação segundo a boa fé do art.º 227º do Código Civil a obrigação de lhe dar a conhecer elementos ou circunstâncias a que qualquer pessoa tem acesso desde que actue com a diligência do homem médio”. Mais recentemente, o mesmo Tribunal admitiu que “o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento” (Xxxxxxx de 06.06.2019, proc. n.º 4447/17.5T8LRA.C1.S1, com idêntico sumário no Acórdão de 10.12.2019, proc. n.º 970/18.2T8STR.E1.S2, e no Acórdão de 09.05.2019, proc. n.º 7615/17.6T8LSB.L1.S2). Também SINDE XXXXXXXX reconhece que “o dever de informar termina no ponto em que uma parte não tem mais de se preocupar com os interesses da outra, portanto com respeito a circunstâncias que caiam inequivocamente na sua esfera de risco” (XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, cit., pág. 363). Sobre o ónus de auto-informação, veja- se, por todos, XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pp. 121 e ss..
91 XXXXXX, X. Massimo, Diritto Civile, Vol. III, cit., pág. 172.
ónus de auto-informação ceder92. No seguimento desta ratio, também não parece ser de impor globalmente um dever de correção quando se saiba que a contraparte labora em pressupostos fácticos erróneos93, salvo se com isso se comprometer a eficácia ou validade do negócio jurídico a celebrar94, e sem prejuízo também do
92 FONTES DA XXXXX, Xxxxxxx, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, cit., pp. 381-382.
93 Parece-nos, na verdade, ser excessivamente zeloso o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.1986, proc. n.º 074022, segundo o qual “quando uma das partes sabe ou deve saber que um facto - ignorado pela outra, mas que as regras de boa fe exigem que lhe seja revelado - pode conduzir ao abortamento das negociações, impõe-se que, sem demora, preste essa informação”. Claro que, a sufragar-se tal tese, sempre depois se haveria de indagar em que circunstância boa fé exigirá tal revelação…
94 A pressupor-se que a parte tem interesse em assegurar a perfeita validade e eficácia jurídicas do contrato que se pretende celebrar, e conhecendo nomeadamente a essencialidade do erro em que a contraparte labora (art. 247.º ex vi art. 251.º, ambos do Código Civil), incumbe-lhe esclarecer da sua má formação da vontade negocial. Antolha-se-nos até que, se não o fizer, o contraente incorre num abuso do direito, ao pretender, simultânea e incompativelmente, a eficácia do contrato que se celebrar e não ser obrigado a esclarecer a contraparte do erro juridicamente relevante que contamina a sua declaração de vontade, fulminando o negócio com a sanção da anulabilidade. Esta é, aliás, a solução do Direito italiano (cfr. XXXXXX, Xxxxxxxx, La Responsabilità Precontrattuale, Xxxxxxx, Xxxxxx, 0000, pp. 134-139), que no art. 1338.º do Codice Civile consagra um dever específico de comunicação de qualquer causa de invalidade do contrato. Em sentido contrário, porém, abonando que não há uma obrigação pré-contratual de, per si, desfazer o erro que vicie a vontade de um dos contraentes, embora realçando que caso a contraparte do errans não dissipe o erro deste sempre incorrerá numa hipótese de culpa do lesado caso sofra danos com a anulação do negócio, XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 101.
Situação próxima é a da indução negligente em erro (para uma aproximação ao instituto, cfr. XXXX XXXXX, Xxxxx, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 1379 e ss.). Não havendo intenção ou consciência de causar engano, está excluída a aplicabilidade do regime do dolo, restando apenas o do erro-vício. Caso estiverem preenchidos os requisitos do art. 247.º do Código Civil, o declarante cuja vontade negocial se formara deficientemente poderá anular ou reduzir o negócio celebrado, podendo igualmente creditar uma indemnização por responsabilidade in contrahendo da parte que lhe transmitiu uma informação errónea, desde que verificados os respetivos pressupostos. Resta, no entanto, saber que destino deverá ser dado ao negócio jurídico quando não estejam reunidos os pressupostos previstos no art. 247.º, desde logo o da cognoscibilidade, para o declaratário, da essencialidade (sobre esta noção, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.02.2017, proc. n.º 67/14.4T8OHP- A.C1, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.09.2008, proc. n.º 08A2265) do elemento sobre que incidiu o erro – não se exige, como se sabe, a desculpabilidade do erro ou o seu conhecimento por parte do declaratário (vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2010, proc. n.º 8004/07.6TBOER.L1-6). Certa doutrina considera que, havendo responsabilidade in contrahendo pela prestação negligente de informação errónea e que a simples vinculação ao contrato possa constituir, em tais casos, um dano, a forma de o ressarcir (atendendo ao princípio do art. 562.º do Código Civil) seria através da destruição ou modificação do contrato (veja-se, neste sentido, FONTES DA COSTA, Mariana, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, cit., pp. 389-390). Independentemente do mérito desta solução – que não se pode aqui desenvolver
– ela aparenta ser de rejeitar quando institua uma clara perturbação da segurança do mercado, como por exemplo nos negócios relativos à aquisição de valores mobiliários (a propósito, escrevendo que “uma correta compreensão do sistema jurídico-mobiliário reclama nomeadamente
regime do dolo (art. 253.º do Código Civil)95 ou do negócio usurário (art. 282.º do Código Civil). A natureza do negócio jurídico também poderá influir na conformação do dever pré-contratual de informação: em princípio, o padrão de retidão e de honestidade exprime-se com maior proeminência num negócio gratuito do que num negócio oneroso, atento o especial animus daquele; por outro, pretendendo-se a constituição de relações jurídicas assentes numa clara base fiduciária96, a bitola de retidão e de lealdade in contrahendo haverá de ser afinada em conformidade, assumindo maior intensidade.
O núcleo duro da boa fé em sede pré-contratual consistirá na proibição de a parte se socorrer de mentiras ou de embustes, de colocar o parceiro contratual
um exame mais exigente e restritivo quanto a uma relevância do erro-vício como causa de anulação de negócios aquisitivos dos valores mobiliários visados”, e assim aparentando rejeitar – por mera coerência – qualquer outra solução que permita a destruição casuística desses negócios, veja-se CÂMARA, Paulo, Manual dos Valores Mobiliários, cit., pp. 714-715). No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2004, proc. n.º 04B4349, o único que logramos identificar que atenda a este assunto, referiu-se que “a violação, na formação do contrato (culpa “in contrahendo”) desses deveres de boa-fé e lealdade (salvo na medida em que seja causa de vício da declaração de vontade da contraparte ou provoque a celebração de negócio usurário) não releva autonomamente como fundamento da anulabilidade do negócio”, tendo-se ainda salientado que “o fundamento da anulabilidade por dolo não consiste numa ideia de reparação do prejuízo sofrido pelo enganado”.
95 Como observa XXX XXXXXXX XX XXXXX, havendo dolo ativo, o declaratário que a provocou tem o dever de esclarecer o declarante tergiversado, sendo que o mesmo dever existirá nos casos de indução negligente em erro (XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré- Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 110). Para a relevância do dolo omissivo (art. 253.º, n.º 2, do Código Civil), a lei exige a prévia existência de um “dever de elucidar o declarante”, cuja fonte pode ser o princípio da boa fé in contrahendo (art. 227.º do Código Civil) – idem, pág. 112. E como referimos na nota pretérita, se o sujeito conhecer o erro da contraparte bem como a sua essencialidade, tem o dever de o esclarecer. Se verificados os demais requisitos prescritos no art. 253.º do Código Civil, o contraente que astuciosamente se aproveitar do erro do declarante, sem o corrigir conforme a boa fé impunha, verá o negócio celebrado anulado, para além de incorrer em responsabilidade pré-contratual.
96 Como as relações de curadoria e, em geral, de administração de interesses alheios, das quais decorrem uma “especial possibilidade de interferir danosamente nos interesses alheios” [CARNEIRO DA FRADA, Xxxxxx X., “A Business Judgement Rule no Quadro dos Deveres Gerais dos Administradores”, in XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, e CÂMARA, Paulo (coord.), A Reforma do Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 70]. Em construção paralela, XXX XXXXXXX XX XXXXX assinala que não existe um ónus de auto-informação quando o credor da obrigação de informação podia contar com a prestação espontânea desta pela contraparte, em razão do relacionamento que com ela tem. A Autora dá os casos dos “contratos que pressupõem uma confiança particular entre as partes”, como o mandato, o contrato de sociedade ou o contrato de trabalho, mas nem por isso deixa de observar que “a confiança legítima do credor poderá fundar- se, igualmente, na qualidade da contraparte”, como será o caso da existência de um laço familiar (XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, As Relações entre a Responsabilidade Pré-Contratual por Informações e os Vícios da Vontade (Xxxx e Xxxx), Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 28).
em equívoco, de o tergiversar quanto a certas qualidades do bem que se pretende vender ou do serviço que se visa prestar, de o influenciar capciosamente – enfim, de condutas passíveis de relevância jurídico-penal, por via do tipo penal da burla (art. 217.º do Código Penal)97. Trata-se do dever de verdade, constitutivo de uma obrigação de facto negativo, de não comunicação de informações inexatas sobre factos essenciais para a composição da vontade alheia98. Não parecendo ser controvertida a ilicitude do engano99, enquanto clara contravenção do padrão de retidão e honestidade imposto pela atuação segundo a boa fé, bem como da presunção de veracidade das informações transmitidas em sede negocial com que os contraentes deverão poder contar, as dificuldades assomam-se diante da questão de saber em que condições deverá um sujeito – no cumprimento de uma prestação de facto positivo - aceder aos pedidos de informação efetuar pela contraparte, ou até tomar a iniciativa no seu cabal esclarecimento; ou seja, sob que condições existe um dever de informação e de esclarecimento.
97 Sobre a relevância da conduta astuciosa para efeitos de imputação penal, vide XXXXXXX XXXXX, A. M., Anotação ao Artigo 217.º, in FIGUEIREDO DIAS, Xxxxx (coord.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 295 e ss., e XXXXX XX XXXXXXXXXXX, Paulo, Comentário do Código Penal, 3.a ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pp. 848-851.
98 FONTES DA XXXXX, Xxxxxxx, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, cit., pág. 375.
99 A proibição de enganar outrem vigora mesmo que a informação errónea for prestada espontaneamente, sem a prévia existência de um dever de informar. Dessa forma, quem voluntariamente (espontaneamente ou em resposta à solicitação da contraparte) presta uma informação ao seu parceiro negocial assume – em obséquio ao clima de confiança mútua que o relacionamento pré-contratual gere - a veracidade da informação transmitida, concomitantemente assumindo a inerente responsabilidade pelo seu teor deficitário. Como nos esclarece XXX XXXXXXX XX XXXXX, “a verdade é autonomamente devida para todas as informações comunicadas no decurso das negociações. A informação assim prestada foi-o por conta e risco de quem a prestou, logo, este terá de ser responsabilizado pré-contratualmente se o fez de forma inexacta, ainda que apenas negligentemente, caso os restantes pressupostos da responsabilidade pré-contratual se encontrem preenchidos. Neste caso, a responsabilidade por culpa in contrahendo não pressupõe um dever de informação” (XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violações dos Deveres de Informação, cit., pp. 72-73). Na doutrina italiana, MAGGIOLO, no desenvolvimento das estruturas de imputação por informações inexatas, chama à colação figuras como a ação a próprio risco, defendendo existir uma expressa assunção de uma esfera de risco quando o lesado requer de outrem uma informação. No entanto, se a informação inexata for prestada dolosamente, quer espontaneamente, quer a pedido, então o prestador dessa informação será chamado a ressarcir o dano provocado, já que ninguém corre o risco do dolo de outrem (MAGGIOLO, Xxxxxxxx, Il Risarcimento della Pura Perdita Patrimoniale, Giuffrè, Milano, 2003, pág. 328).
Reconhecendo-se que os deveres de informação têm uma “geometria variável”100, a carecer sempre de uma reflexão perante o circunstancialismo do caso e das suas especificidades, dever-se-á admitir a conatural limitação de qualquer resposta dada em abstrato. No entanto, critérios gerais são passíveis de serem redigidos, auxiliando o julgador perante o caso decidendum. A doutrina portuguesa tem, a este respeito, calcorreado por caminhos não muito distintos, advogando que apenas particulares circunstâncias poderão determinar um fluxo de informação relevante para a formação da vontade negocial, rejeitando enfaticamente um dever geral de informação pré-contratual101. Como sapientemente refere SINDE XXXXXXXX, «que um dever pré-contratual de fornecer à contraparte informação sobre todos os aspectos relevantes para a sua decisão, incluindo mesmo aqueles que a possam levar a afastar-se do projecto negocial, não pode ser afirmado com um carácter geral, resulta logo, em regra, da existência de interesses contrapostos. A cada qual cabe a oportunidade e o risco da escolha do parceiro contratual “certo” e do objecto da prestação mais apropriado aos seus interesses»102. Também na Alemanha se admite que um dever geral de informação pré-contratual esbarra com a natural oposição de interesses entre as partes103. Ainda nesta senda, XXXX XXXXXX XXXXXX reporta que “uma solução que se traduzisse em vincular as partes a trocarem um acervo completo de esclarecimentos relativos ao negócio desde o momento em que, com o primeiro contacto, se iniciassem os preliminares, inviabilizaria economicamente qualquer processo negociatório”104. Voltando a XXXXX XXXXXXXX, o Autor entende que a presença de um desnível de informação não basta, só por si, para justificar a imposição de um dever de contratar: “para que
100 Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.05.2020, proc. n.º 3888/17.5T8LRA.C1.
101 XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, “Responsabilidade Pré-Contratual. Breves Anotações sobre a
Natureza e o Regime”, cit., pág. 751.
102 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, cit., pp. 356-357.
103 XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 78.
104 XXXXXX XXXXXX, Xxxx, “A Responsabilidade por Prospecto e a Responsabilidade Pré-
Contratual. Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral, de 31 de Março de 1993”, cit., pág. 211.
um parceiro de negociações deva informar espontaneamente o outro, com isso defendendo ou curando de interesses alheios, é necessário que exista uma particular necessidade de protecção”105. Em sentido praticamente idêntico, ALMENO DE SÁ, após pugnar que uma obrigação geral de informar outrem está à partida em contradição “com o princípio geral de que é assunto de cada um gerir a sua própria esfera de liberdade”, remata que “terá de haver, por isso, uma particular contextura circunstancial ou uma específica constelação de interesses que imponha às partes, em articulação com as regras da boa fé, a obrigação de prestar certos esclarecimentos ou informações”106. Por seu turno, XXXXXXXX DA XXXXX afirma que os deveres pré-contratuais de esclarecimento “apenas têm espaço para se afirmar quando, tendo em conta as circunstâncias, for inexigível o esforço próprio de obtenção da informação relevante, nomeadamente pelas condições deficientes ou desfavoráveis em que a sua busca teria de operar (…). Entre os vários critérios a atender no estabelecimento de um dever de esclarecimento avulta, quer o desnível dos contraentes no acesso à informação relevante para a decisão de contratar, quer a verificação de uma relação de verdadeira dependência de um dos sujeitos das negociações com respeito ao outro”107. Por último, XXX XXXXXXX XX XXXXX refere que “para que o princípio da boa fé faça nascer um dever pré- contratual de informação, é necessário que exista uma desigualdade de informação dos contraentes e, ainda, uma especial necessidade de proteção da parte menos informada, conhecida ou, pelo menos, cognoscível pela parte obrigada a informar”108. Mas não basta a mera assimetria funcional e a necessidade de proteção da parte débil da relação contratual. Requer-se adicionalmente, em observância do ónus de auto-informação, que a informação pretendida não possa ser granjeada pelo sujeito nela interessada, se enveredar por um esforço razoável.
105 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, cit., pág. 360.
106 XX, Xxxxxx de, Responsabilidade Bancária, cit., pp. 51-52.
107 CARNEIRO DA XXXXX, Xxxxxx X., Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., pp. 486-487.
108 XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 138.
Destarte, como prossegue a Autora acima citada, “só será exigível à contraparte que informe a parte não informada, se esta tiver cumprido o seu ónus de auto- informação”109. Subindo um patamar adicional, XXXXXXX XXXXXX DA COSTA enuncia ainda que, mesmo que verificadas as circunstâncias precedentes, “poderá não haver dever de informação pré-contratual quando este é inexigível, em função dos meios utilizados pela contraparte titular da informação para a obter”110. De forma que não bastará que não seja exigível ao credor do (putativo) direito à informação obtê-la pelos seus próprios meios, reclamando-se ainda que seja exigível ao obrigado à informação fornecê-la. Trata-se, a nosso ver, de um critério introduzido para obstar a pedidos de informação meramente jactanciosos e desproporcionados, que eventualmente sempre poderiam ser sindicados à luz do abuso do direito (art. 334.º do Código Civil)111, corrigindo-se assim “eventuais disfunções do sistema”112.
No campo em que laboramos, não será preciso proceder a ulteriores indagações. Não obstante se reconhecer ser o Direito do Consumo o campo predileto para a responsabilidade in contrahendo por violação dos deveres de informação113, na disciplina relativa aos contratos de adesão é o próprio legislador
– dando por assente o desnível de conhecimento e a especial debilidade do aderente - a impor ao predisponente um duplo dever de comunicação e de informação (arts. 5.º e 6.º, ambos da LCCG). Dever esse que tem, dessa forma, uma
109 Idem, pág. 142. Também ALMENO DE SÁ refere que “a obrigação de se informar funciona como limite do dever de informar que recai sobre a parte contrária”. No entender do Autor, “não será, assim, curial falar, em princípio, de infracção deste dever, se o alegado desconhecimento podia ter sido facilmente suprido pela iniciativa da contraparte de interrogar o devedor sobre a circunstância ou circunstâncias em causa” (SÁ, Almeno de, Responsabilidade Bancária, cit., pp. 52- 53).
000 XXXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, cit., pág. 383.
111 Sobre a factíspecie do exercício do direito em desvio do seu fim social ou económico, remetemos para o nosso “O Abuso do Direito: Contributos para uma Hermenêutica do Artigo 334.º do Código Civil Português”, Julgar Online, 2020, pp. 41 e ss..
112 XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, As Relações entre a Responsabilidade Pré-Contratual por Informações e os Vícios da Vontade (Erro e Dolo), cit., pág. 37. Como, volvidas umas páginas, conclui a Autora, “mesmo que o ónus de auto-informação tenha sido observado, não será exigível que a parte informada revele o que descobriu através de uma diligência extraordinária” (idem, pág. 40).
113 Xxxx, a este respeito, XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pp. 148-150, em rodapé.
imediata fonte legal114, não sendo necessário o seu desvelar através do princípio civilístico da boa fé in contrahendo115. Embora, em conformidade com os critérios aventados pela doutrina, se possa extrair de tal regra de conduta a obrigatoriedade de o predisponente prestar ao aderente as informações por estes requeridas e que por sua autónoma aquisição este não possa prover, é significativa – desde logo para a solução de casos concretos – a postura do legislador em, “reconhecendo o desequilíbrio institucional entre contraentes, protege[r], através de normas legais, aqueles que dispõem, em princípio, de menos informação”116. Por outro lado, não sendo de modo algum crível que tais deveres, explicitados pelo legislador num contexto de presumível desnível económico e de acesso à informação117 (e, em geral, de particular vulnerabilidade da parte débil da relação contratual, incapaz de contribuir positivamente para o programa obrigacional), tenham a mesma amplitude que os decorrentes da mera boa fé, podemos dizer estar perante deveres
114 XXXXX XXXXXXXX, Xxxx, Princípios de Direito dos Contratos, cit., pág. 229.
115 Não obstante a sanção legalmente cominada para a violação desses deveres seja a exclusão das cláusulas dos contratos singulares, absolutamente nada – como supra mencionamos - afasta o recurso às regras gerais de responsabilidade civil, podendo o predisponente ser chamado a responder perante o aderente pelos danos a este causados (neste exato sentido, cfr. XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 159).
116 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, cit., pág. 231. Também em XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, e XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto- Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, cit., pp. 24-25, embora se refira que o princípio da boa fé exige a comunicação na íntegra dos projetos negociais e também que “sejam prestados os esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada”, assinala-se que a especificidade das cláusulas contratuais gerais levou o legislador a concretizar o dever de comunicação e de informação.
117 A este respeito confira-se AMARAL CABRAL, Xxxx, “A Responsabilidade por Prospecto e a Responsabilidade Pré-Contratual. Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral, de 31 de Março de 1993”, cit., pág. 211, onde se reconhece que o fator decisivo na génese dos deveres pré-contratuais de informação é a desigualdade no seu acesso. Confluindo com este entendimento, XXXXX XXXXXXX aflora que o critério para a operacionalidade dos deveres pré-contratuais de informação assenta “na assimetria cognitiva, na posição diferenciada das partes quanto a conteúdos informativos essenciais para opções contratuais esclarecidas, adequadas à satisfação dos interesses que levaram ao contrato” (XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx, “Responsabilidade Pré-Contratual. Breves Anotações sobre a Natureza e o Regime”, cit., pág. 752). Em sentido divergente, XXXXXXX XXXXXX DA COSTA entende que o critério de atuação dos deveres de informação deverá ser o da “salvaguarda do fim do contrato” (FONTES DA COSTA, Mariana, “O Dever-Pré Contratual de Informação”, cit., pág. 376).
pré-contratuais qualificados118, de acrescida intensidade, que vão para além do mero padrão de retidão e de probidade que se exige aos sujeitos na fase preambular do contrato e, assim, impõem aos sujeitos vinculados a tais deveres um padrão acrescido de diligência no que respeita à facultação das informações necessárias para que a contraparte tome uma decisão livre e esclarecida. Assim sendo, no que respeita ao cumprimento destes deveres, dever-se-á ser especialmente exigente e criterioso, especialmente em sede probatória, atenta a especial vulnerabilidade do aderente; no que tange ao seu inadimplemento, a bitola da culpa deverá ultrapassar o paradigma do bom pai de família, devendo se aferir pela conduta expetável de um profissional especialmente zeloso, de forma a poder-se valorar negativamente (desde logo para efeitos indemnizatórios) a simples negligência.
4. Os Deveres de Comunicação e de Informação a Cargo do Predisponente. Vejamos agora em pormenor a disciplina pré-contratual regulamentada no
Decreto-Lei n.º 446/85, começando com o dever de comunicação e prosseguindo com o dever de informação.
Quanto àquele, refere o legislador que as cláusulas “devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes”, “de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência” (art. 5.º da LCCG). O objetivo do legislador é o de
118 Alguns Autores assim o têm referido, por exemplo, a propósito dos deveres de informação no âmbito do contrato de seguro (CARNEIRO DA FRADA, Xxxxxx X., Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., pág. 491). Em sentido dissonante, veja-se, por exemplo, MORAIS ANTUNES, Xxx, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 155, onde se escreve que “o dever de informação consagrado não deve ser perspectivado como uma particularidade deste tipo de contratação, uma vez que resulta já da observância do princípio da boa fé na fase pré-contratual (cf., designadamente, o artigo 227.º do C. C., que serve de título normativo para o denominado dever de esclarecimento na fase de negociação), que impõe que as cláusulas contratuais sejam compreendidas por todos os sujeitos contraentes que se vinculem a uma dada prestação”. Para ANA PRATA, o art. 5.º da LCCG reafirma a obrigação de comunicação que já decorre do art. 227.º do Código Civil, e que sempre se imporia pela mera circunstância de, não deixando o contrato de adesão de ser uma convenção, é imprescindível para a sua formação que as partes conheçam os elementos sobre os quais manifestam o seu consentimento (PRATA, Xxx, Contratas de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 225).
assegurar um integral conhecimento pelo aderente das cláusulas que compõem o contrato de adesão (ou, como se diz nos Tribunais Superiores, “uma correcta e eficiente transmissão dos termos do contrato”119), evitando-se a inclusão no mesmo de cláusulas sub-reptícias ou ocultas, que um sujeito de mediana diligência não poderia ter detetado em condições normais, e que assim não foram tidas em conta no momento da emanação da declaração de vontade. Tratando-se de um dever apontado “à função básica de suportar a própria formação do consentimento”120, razões de ordem lógica impõem que a comunicação das cláusulas contratuais gerais anteceda a subscrição do contrato de adesão, não tendo qualquer valor jurídico a comunicação ex post facto das cláusulas121, como poderia suceder no caso da inserção das mesmas numa fatura122. No ensejo de se concretizar o alcance deste dever, tem-se aludido a fatores como a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláxxxxxx000, a qualidade em que intervém o aderente (profissional ou simples consumidor final)124 e a circunstância de entre as partes terem existido, ou não, relações contratuais prévias125. Importa ainda aquilatar do nível cultural e académico revelado pela contraparte, e assim da sua presumível
119 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.10.2008, proc. n.º 1589/07.9YXLBS.C1.
120 XXXXXXXX XXXXXXX, Xxxxx, Contrato de Seguro e Conduta dos Sujeitos Ligados ao Risco, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 697.
121 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2012, proc. n.º 7183/10.0TBMTS-A.P1, e XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx, Contratos I, cit., pág. 203.
122 XXXXXX, X. Massimo, Diritto Civile, Vol. III, cit., pág. 347.
123 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 125, e XXXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, cit., pág. 115. Na jurisprudência, atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.11.2009, proc. n.º 3181/07.9TJLSB.C1, e no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.03.2013, proc. n.º 306/10.0TCGMR.G1.
124 XXXXXX XXXXXXX, Xxx, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 132. O critério da qualidade da contraparte também tem particular relevância na delimitação dos deveres pré-contratuais de que as entidades bancárias são devedoras. Como refere ALMENO DE SÁ, “particular atenção haverá de ser dada, neste contexto, à circunstância de estar em causa um simples consumidor ou uma empresa que, no quadro da sua actividade, recorre normalmente aos serviços prestados pelas instituições bancárias, já que a modelação e intensidade do dever de informar não deixarão de ser condicionadas por tal factor. Na primeira hipótese, por seu lado, um papel fundamental na afirmação de um concreto dever do banco haverá seguramente que imputar- se à reconhecível inexperiência negocial ou falta de conhecimentos jurídicos do cliente, a implicar que aquele se esforce por tornar acessível a este o nível de informação necessário para a decisão de contratar, relativamente a pontos cuja intensidade de oneração e risco ele não consegue tipicamente alcançar com base no seu próprio estado de conhecimentos” (SÁ, Xxxxxx de, Responsabilidade Bancária, cit., pág. 70).
125 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.11.2006, proc. n.º 0635482.
perspicácia, havendo-se de se distinguir entre o docente universitário e o simples leigo126. Numa base casuística, outros fatores haverão de ser considerados127. A lei exige explicitamente que as cláusulas devam ser comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária, o que é insubsistente, v. g. e respetivamente, com a sugestão da sua consulta numa página de Internet128 ou com a sua apresentação nos momentos que imediatamente antecedam a decisão de subscrição do contrato. Quanto ao aspeto da comunicação com a devida antecedência, a mens legislatoris é compreensivelmente a de assegurar que ao aderente seja atribuído um precioso momento de introspeção acerca do mérito do programa obrigacional com que se defronta, que não seja induzido a precipitar-se. Sendo balizado por critérios de razoabilidade, o dever de comunicação não se compadece com um claro excesso nos elementos transmitidos ao aderente129, dificultando a este a perceção daquilo que é realmente importante ou, até, desencorajando a respetiva leitura – neste âmbito, o excesso equivale funcionalmente a incumprimento.
Processualmente, ao recair o ónus da prova do cumprimento do dever de comunicação sobre o predisponente130, é insuficiente para a satisfação de tal ónus
126 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2011, proc. n.º 1582/07.1TBAMT-B, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2015, proc. n.º 1737/12.7TBVCT-D.G1.S1.
127 Para um relance comparatístico, colhendo os contributos da doutrina germânica e norte americana, veja-se XXXXXXX XXXXX, Xxxxx, “Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais”, in AA.VV., Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Vol. II, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 512 e ss..
128 Expressamente neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.06.2012, proc. n.º 2527/10.7TBPBL.L1-2, onde se aludiu que “dar notícia de cláusulas contratuais gerais (que estão na página que se assina ou no verso dela) não é fazer a comunicação das mesmas exigida pelo art. 5 da LCCG”.
129 XXXXXX XXXXXXX, Xxx, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 131.
130 Contudo, o eventual incumprimento do dever de comunicação não pode ser conhecido oficiosamente pelo Tribunal, devendo ser invocado pelo aderente, com “alegação da factualidade donde flua tal infracção” (neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2006, proc. n.º 06B1016; acompanhando esta jurisprudência, veja-se ainda, do mesmo Tribunal, o Acórdão de 24.06.2010, proc. n.º 5611/03.0TVLSB.L1.S1). Como se pode ler, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.04.2010, proc. n.º 3214/06.6TVLSB.L1-6, “previamente à prova de que a «comunicação» e «informação» existiram, subsiste o ónus para quem se quer fazer prevalecer da violação desses deveres, da alegação, nomeadamente de que aderiu ao texto das cláusulas sem que o proponente lhe tenha «comunicado» ou prestado os devidos esclarecimentos”. Nesse sentido, impende sobre aquele que pretende a exclusão de uma cláusula do contrato singular o prévio ónus de alegação da falta de comunicação e informação (cfr., neste exato sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.04.2012, proc. n.º 6228/08.8TBVFR.P2, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.06.2019, proc. n.º
a mera afirmação de que este comunicou ao aderente as cláusulas do contrato, devendo concretizar a forma como procedeu a tal comunicação131, indicando desde logo (para se aquilatar da sua adequada antecedência) o momento da sua efetivação132.
Os Tribunais Superiores têm-se dividido quanto a saber se o prévio recebimento de uma minuta contratual é suficiente para que se possa dizer ter havido um conhecimento integral do conteúdo contratual133. Dúvidas não subsistem de que é completamente ilegítimo, sob pena de despojar esta obrigação pré-contratual de todo o seu sentido, extrair do mero facto de determinadas cláusulas constarem do contrato o conhecimento adequado das mesmas pelo aderente134. Nos contratos sujeitos a especiais exigências de forma, certa
348/18.8T8BRG.G1), o que poderá consistir, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2016, proc. n.º 3389/08.0TJCBR-A.C1.S1, na simples alegação de que o aderente não teve conhecimento das cláusulas que integram o contrato. Desde que alegada uma factualidade de onde decorra a celebração do contrato a despeito da falta de comunicação integral, adequada e antecipada das cláusulas que o compõem, o incumprimento de tal dever – com as suas legais consequência - pode ser conhecida pelo tribunal ad quem, em sede recursória, ainda que inovatoriamente em relação às matérias abordadas na sentença a quo (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.09.2008, proc. n.º 0833796). Por conseguinte, na ausência, em momento processualmente adequado, da alegação de quaisquer factos de onde possa defluir um incumprimento do dever de comunicação, forçosa se torna a conclusão de que a sua invocação em sede de alegações de recurso constitui uma questão nova, que se furta à cognição do tribunal superior (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.02.2010, proc. n.º 3214/06.6TBLSB.L1-6).
131 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.01.2013, proc. n.º 1889/080TBPRD-A.P1.
132 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2005, proc. n.º 0536250.
133 No sentido da sua insuficiência, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.01.1998, proc. n.º 872/97, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.04.2008, proc. n.º 0831231. Em sentido dissonante, defendendo que o cumprimento do dever de comunicação se basta “com a entrega da minuta do contrato, contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência que seja necessária – em função da extensão e complexidade das cláusulas -, na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão”, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.12.2009, proc. n.º 872/08.0TBCHV.P1, e, bem assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2010, proc. n.º 266/09.0TBLSD.P1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.01.2011, proc. n.º 4877/09.6TBGMR.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.11.2009, proc. n.º 872/08.0TBCHV.P1.
134 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2005, proc. n.º 0536250, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.04.2008, proc. n.º 0832041.
jurisprudência tem pugnado que basta a leitura da escritura pelo oficial público135, embora este entendimento não seja uniforme136.
Na doutrina, MORAIS ANTUNES expressamente refere não ser bastante que o predisponente se limite a inserir no clausulado contratual uma menção genérica segundo a qual “o aderente declara ter tido conhecimento de todas as cláusulas contratuais” ou qualquer outra fórmula semelhante137 - aspeto sobre o qual nos iremos deter com maior pormenor infra. Por seu turno, XXXXX XXXXXX rejeita que seja suficiente a mera disposição do texto contratual ao aderente, quando a sua leitura não permitir a um contraente de diligência comum a perceção do seu respetivo conteúdo138.
Tudo quanto acima se expôs é extensível, mutatis mutandis, à determinação do âmbito aplicativo do dever de informação ou de esclarecimento (art. 6.º da LCCG). Concretizando o que já resultaria dos preceitos gerais, o legislador explana que o dever de informar se executa “de acordo com as circunstâncias” (n.º 1), devendo ser atribuído particular relevo às habilitações académicas e ao nível cultural revelado pela contraparte139, à existência ou não de prévias relações contratuais entre as partes e, ainda, à circunstância de estarmos ou não perante uma relação de consumo140. A formulação usada no art. 6.º da LCCG, tornada
135 Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2013, proc. n.º 1566/11.5T2OVR-A.P1. Neste sentido também se pronuncia GUIMARÃES, Xxxxx Xxxxxx, “As Cláusulas Contratuais Gerais Bancárias na Jurisprudência Recente dos Tribunais Superiores”, in PESTANA DE VASCONCELOS, L. Xxxxxx (coord.), II Congresso de Direito Bancário, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 204. Como assinala a Autora (loc. cit.), “os objectivos associados à forma e, por maioria de razão, à exigência de um documento autêntico, de potenciar a reflexão, defender as partes contra a sua ligeireza ou precipitação e evitar vontades negociais fúteis ou imponderadas, não têm sido contestados pela doutrina e estão, inclusive, na base de uma certa tendência legislativa de intensificação do formalismo contratual, verificada, nomeadamente, em legislação de protecção do consumidor”.
136 No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2016, proc. n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, sufragou-se o entendimento de que “o dever de atempada comunicação, face à sua identificada ratio, também não fica preenchido com as declarações constantes na escritura de que, no dia da sua celebração, esta foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo”.
137 XXXXXX XXXXXXX, Xxx, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 130.
138 XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 222.
139 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 132.
140 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.11.2006, proc. n.º 0635482.
cristalina pela contraposição entre os seus números, descobre que foi propósito do legislador instar o predisponente a adotar uma posição proativa, tomando a vanguarda e a iniciativa na aclaração da contraparte141, em vez de assumir a veste de um mero recetor das perguntas formuladas pela contraparte acerca do objeto negocial142. Ao acedermos à teleologia da norma – e do regime jurídico em geral – entendemos defluir do seu âmbito protetor a não obrigatoriedade de o aderente procurar motu propriu o seu cabal esclarecimento quanto às vicissitudes do contrato a celebrar, não havendo em princípio a cargo deste um qualquer ónus de auto-informação143/144, sem prejuízo da natural diligência que sempre será devida.
141 Assim se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2010, proc. n.º 2963/07.6TVLSB.L1.S1. Na literatura especializada, veja-se, por todos, XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 223, onde se esclarece que o dever de informação tem duas componentes, uma de prestação espontânea de esclarecimentos (n.º 1) e outra de responder às solicitações dirigidas pelo aderente relativas a esclarecimentos razoáveis (n.º 2).
142 A formulação das pertinentes perguntas é uma atividade cognitiva que pressupõe, desde logo, um mínimo de conhecimento acerca do assunto em discussão, do qual o aderente em princípio não disporá. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2015, proc. n.º 109/13.0TBMLD.P1.S1, no qual se observara que “a pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o «sujeito passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo acto, quase sempre de natureza mecânica, de não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõe algum estudo e reflexão sobre o respectivo texto”.
143 A obrigação de se informar – entendida como limite funcional ao dever de informação - não se deverá abstrair das condicionantes fácticas que tornam a sua realização impraticável (rectius, inexigível), demandando um esforço olímpico da parte interessada na aquisição da informação. O ordenamento jurídico não poderá certamente reclamar de particulares que estes, no desenrolar do seu quotidiano, se tornem especialistas nos mais diversos campos do saber. Algo de diferente haverá de ser dito acerca dos sujeitos que atuam na veste de profissionais, que atuam no tráfego negocial a seu próprio risco, e a quem em todo o caso não poderá de ser imputada a ausência da perspicácia que caracteriza o bom profissional. No domínio da proteção dos consumidores, não se nos afigura defensável a imposição a estes de uma obrigação de se informarem quanto ao teor do contrato a celebrar; a ubiquidade com que o dever de informação aparece nas múltiplas legislações de proteção do consumidor logo depõe contra uma tal obrigação.
144 Talvez por isso seja mais adequado referir que no art. 6.º da LCCG se consagra não um dever de informação, mas antes um dever de esclarecimento. Sobre a diferença conceptual entre os dois deveres, refere-nos XXXXXXX XX XXXXX, Xxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, cit., pág. 70, que enquanto o dever de esclarecimento “pressupõe um cumprimento espontâneo por parte do devedor”, aquele “refere-se ao dever de prestar informações no seguimento de questões colocadas pelo credor da informação”. Formulando idêntica distinção, cfr. XXXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx, “O Dever Pré-Contratual de Informação”, cit., pág. 374, e XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, cit., pág. 359, nota 65. O conceito de esclarecimento pode, contudo, ser incluído no de informação em sentido lato, pelo que usaremos as expressões indistintamente.
O dever de informação previsto no art. 6.º da LCCG inclui no seu núcleo uma obrigação de correção do aderente, quando o predisponente se aperceba que este labora em erro, independentemente de saber se esse erro é passível ou não de fulminar a declaração negocial emitida. À semelhança do que anteriormente vimos para o dever de comunicação, embora o ónus da prova do cumprimento do dever de informação/esclarecimento incida sobre o predisponente145, deverá ser a contraparte a alegar um mínimo de factualidade de onde se possa inferir da possível violação de tal dever146. Os Tribunais têm, contudo, sido particularmente atentos à invocação desesperada do incumprimento do dever de informação147, qual subterfúgio ou ultima ratio do aderente para se furtar ao cumprimento das suas obrigações contratuais. Como explicitamente se referiu num Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, “a defesa do consumidor não pode ir tão longe que tudo lhe tenha de ser explicado, como se fosse uma criança grande e inapta, mesmo aquilo que é simples, óbvio e não tem carácter técnico, criando-se, dessa maneira, uma insegurança jurídica inversa, em que tudo é juridicamente impugnável”148.
145 Esta solução não resulta explicitamente da letra da lei, mas é uma pacífica decorrência da teleologia do regime legal (neste sentido, veja-se MORAIS ANTUNES, Xxx, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 156, e XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 224).
146 Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, proc. n.º 03B1384, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2006, proc. n.º 1016/06. Naturalmente que, conforme se aclarou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2012, proc. n.º 1379/09.4TBGRD-A.D1.S1, incumbirá ao aderente provar quais os aspetos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava e quais os esclarecimentos que solicitara.
147 Veja-se, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.2008, proc. n.º 08A1287, em cujo sumário se pode ler: “II) – O dever de informação previsto no diploma que regula as cláusulas contratuais gerais (ccg) dever ser exercido de acordo com as circunstâncias do contrato, mormente o seu conteúdo, importando ponderar que o aderente, pelo simples facto de o ser, não pode prevalecer-se de qualquer omissão do dever de informação cometido ao proponente. III) – Tal dever de informar pauta-se pelo tipo contratual em causa e pelas circunstâncias da contratação. IV)
– Contenderia com as regras da boa-fé exigíveis aos contraentes, mesmo no âmbito de contratos de adesão, se o aderente pudesse, sem mais, invocar o dever de informação, por mais claro que fosse o clausulado contratual e o ambiente em que negociou. V) - No caso de um empréstimo concedido por um Banco, não constando do contrato cláusulas envolvendo um exigente conhecimento de conceitos técnico-jurídicos, ou uma complexa teia de direitos e deveres recíprocos a demandar exigente esforço interpretativo, o dever de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das obrigações assumidas”. Em igual sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.07.2009, proc. n.º 600/05.2TCFUN.L1-8.
148 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.09.2010, proc. n.º 1295/04.6TBMFR-6.
4.1. O Princípio da Autorresponsabilidade do Aderente e a sua Relevância na Aferição do Cumprimento dos Deveres do Predisponente.
O tronco comum entre o dever de comunicação e o dever de informação não termina aqui. Com particular relevo para a questão aqui empreendida, tem-se reconhecido que tais deveres não excluem a existência de um princípio de autorresponsabilidade por banda do aderente, enquanto materialização do padrão de diligência que um sujeito medianamente razoável (o bom pai de família do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil149) deverá adotar no tráfego negocial. Como nota XXXXXX XXXXXXXX, “se as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária e o destinatário nada fizer para os conhecer, como lhe cabe, nomeadamente, mas não só, recebendo e lendo o documento que lhe é apresentado, estas integram o contrato”150. Daqui se conclui que, embora os deveres de comunicação e de informação se dirijam a permitir ao aderente um efetivo conhecimento do programa obrigacional, o seu cabal cumprimento abstrai- se do ulterior comportamento do aderente, que sempre poderá negligenciar ou ignorar a informação que lhe é fornecida. A este respeito observa XXXXXXXXX XXXX XXXXX que o cumprimento do dever de comunicação não exige que o aderente venha a ter um efetivo conhecimento das cláusulas em causa, mas apenas a sua cognoscibilidade151.
De facto, permitir que a contraparte pudesse, simplesmente, fechar os olhos às cláusulas que se lhe afigurassem desfavoráveis, com o propósito de pugnar pela sua exclusão do contrato, seria no limite autorizar um comportamento abusivo, na
149 XXXXXXX XXXXX, Xxxxx, “Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 533.
150 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 127. Semelhante entendimento corresponde ao ensinamento da doutrina tradicional italiana: vide XXXXX, Xxxxxxxxx, “Le Condizioni Generali di Contratto e I Contratti del Consumatore”, cit., pág. 335. Por conseguinte, refere-se que o predisponente, para cabal cumprimento do dever de comunicação, apenas tem de provar ter encetado uma atividade idónea a permitir que o aderente, usando de uma normal diligência, tenha conhecimento do programa contratual que lhe é apresentado (idem, pág. 337).
151 XXXX XXXXX, Xxxxxxxxx, “O Contrato de Trabalho de Adesão no Código de Trabalho: Notas sobre a Aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais ao Contrato de Trabalho”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 5, Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 2003, pág. 258.
modalidade de tu quoque (art. 334.º do Código Civil). Não pode, pois, o aderente prevalecer-se da sua própria incúria, lançando-a sobre o predisponente com vista à obtenção de um resultado que a lei manifestamente veda. Como se lê num Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, “apesar de a lei impor ao contraente que impõe as cláusulas o ónus de as comunicar ao outro contraente, exige-se também que este adopte um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo dessas cláusulas”152. Num aresto da Relação de Lisboa, sumariou-se que “a imposição ao utilizador do ónus de comunicação das ccg tem como correlativo, do lado do aderente, a necessidade de adoção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível, a qual se afere à luz do critério abstrato da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa”153. Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça louvavelmente esclareceu que como “o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em visto o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas”, este não pode “invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento, a existir, apenas resultou da sua falta de diligência”154. Assim se entende o alcance prático da configuração dos deveres de comunicação e de esclarecimento como obrigações de meios e não de resultado155, consabido como a
152 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.09.2010, proc. n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.
153 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.04.2018, proc. n.º 4/17.4T8PDL-A.L1-7.
154 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2011, proc. n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.05.2013, proc. n.º 309.11.8TVLSB.L1-7, mencionou-se assertivamente que “o cumprimento dos deveres de comunicação e informação que recaem sobre o predisponente não dispensa o outro contratante de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Por isso, o contratante não pode invocar o desconhecimento de cláusulas, visando eximir-se ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento resultou do facto de não ter lido o contrato, antes de o aceitar e assinar, quando o podia ter feito”. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Guimarães de 17.12.2014, proc. n.º 420/12.8TBBCL.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.12.2009, proc. n.º 872/08.0TBCHV.P1.
155 Neste sentido, XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, e XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, cit., pág. 25, e XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx, “Direito à Informação no Âmbito do Direito do Consumo. O Caso
consecução do objetivo a que se propõem tais deveres – o efetivo conhecimento do programa contratual pelo aderente – sempre dependerá de um impulso pessoal e interior deste em aceder à informação que lhe é transmitida, não sendo concebível que se possa alijar uma manifesta falta de diligência do aderente sobre o predisponente.
Por estes caminhos se trilhou em ordem ao reconhecimento de um princípio de autorresponsabilidade do aderente. Os deveres legais de comunicação e de esclarecimento não terão tanto em vista garantir a este um efetivo conhecimento do programa obrigacional, mas sim assegurar que são estabelecidas as condições necessárias para que um aderente medianamente diligente e solerte possa, querendo, aceder a esse conhecimento – o que se satisfaz, segundo XXXXXXX XXXXX, “desenvolvendo uma actividade considerada razoável”156. O ónus de auto- responsabilidade do aderente não deverá subverter, porém, aquelas que foram as opções traçadas a nível legislativo, que apontam no claro sentido de ser sobre quem submete a outrem um contrato de adesão que recaem exigências especiais de promoção do seu efetivo conhecimento à contraparte. Entendimento em sentido contrário, como se tem reconhecido, “conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente”157.
4.2. O Problema da Validade das Designadas Cláusulas Confirmatórias.
Específico das Cláusulas Contratuais Gerais”, cit., pág. 211. Na jurisprudência dos Tribunais Superiores, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.05.2021, proc. n.º 2930/18.4T8AGD- A.P1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2018, proc. n.º 857/08.7TVLSB.L.1.S2, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.04.2019, proc. n.º 88/17.5T8VLC.P1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20.02.2020, proc. n.º 954/14.0TJVNF.G1.
156 XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Síntese do Regime Jurídico Vigente das Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 21. Ainda nesta sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.09.2010, proc. n.º 165/08.3TBSTR-A.E1.
157 Citamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2016, proc. n.º 1262/14.1T8VCT- B.G1.S1.
Chegamos, dessa forma, ao cerne da questão. Acima dissemos que, a despeito dos deveres de comunicação e de informação que a lei faz impender sobre o predisponente, ao aderente será sempre exigível que deposite um mínimo de diligência no tráfego negocial. Resta agora saber se o princípio da autorresponsabilidade do aderente permite atribuir qualquer valor (nomeadamente probatório) às declarações, por este assinadas, de que lhe foram transmitidos todos os elementos informativos necessários ao cabal exercício da sua autonomia privada. De facto, não é de todo incomum que as empresas, quando confrontadas com acusações de incumprimento das suas obrigações pré- contratuais, juntem aos autos tais declarações, subscritas pela contraparte, no ensejo de as mesmas servirem, só por si, como prova do seu cumprimento.
A tais declarações usualmente se consigna o nome de cláusulas confirmatórias, expressão que realça a circunstância, desde logo, de muitas delas surgirem no próprio clausulado contratual. Trata-se, na lição de ALMENO DE SÁ, de uma cláusula “através da qual se atesta que a contraparte do utilizador concorda com a inclusão no contrato de determinadas condições gerais, sem atender minimamente aos requisitos de incorporação legalmente exigidos”158. Para melhor inteleção, vejamos, em jeito sincopado, alguns exemplos práticos dessas cláusulas ou declarações: “o aderente declara estar plenamente conhecedor do conteúdo e do risco da operação, confessando terem sido prestados pelo banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de o aderente, no caso de evolução desfavorável das condições de mercado, poder registar uma perda financeira líquida com a operação”159; “Declaro(amos) que tomei(amos) conhecimento de todas as cláusulas
158 SÁ, Almeno de, Xxxxxxxxx Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pág.
246. Noutra obra, o Autor define as cláusulas de confirmação aquelas «estipulações em que o cliente “confirma” ou declara terem-lhe sido entregues as condições gerais do banco ou delas ter tomado conhecimento ou ainda terem-lhe sido prestados todos os esclarecimentos necessários» (Direito Bancário, cit., pp. 39-40).
159 Surge no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.2017, proc. n.º 1961/13.5TVLSB.L1.S1.
constantes neste contrato, nomeadamente, as que constam no verso do mesmo”160. A especificidade destas cláusulas – que tem assim levado a doutrina e a jurisprudência a questionar a sua validade – reside na circunstância delas eliminarem “as exigências legais que recaem sobre o utilizador para que a celebração de determinado contrato implique simultaneamente a vigência das condições gerais por aquele visadas”161.
A este respeito, os Tribunais Superiores não têm adotado uma posição em uníssono. Em certos casos, já se decidiu que “terá de ser o cliente, que assina uma declaração a dizer que tem perfeito conhecimento e inteiramente aceita, pelo que dispensa a sua leitura a ter de vir a provar o contrário do que afirma nessa declaração - no sentido de inverter o ónus da prova dos factos contrários à declaração”162. Em sentido contrário, tem sido entendimento uniforme da Relação
160 Surge no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2011, proc. n.º 1097/04.0TBLLE.E1.S1.
161 XX, Xxxxxx xx, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pág. 246.
162 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.12.2017, proc. n.º 2159/16.6T8VCT-D.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.05.2017, proc. n.º 2679/15.0T8BCL.G1. No sentido da eficácia probatória das cláusulas confirmatórias, cfr. ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.12.2016, proc. n.º 107/13.4TBCDN-A.P1 (onde se sumariou que os deveres de comunicação e de informação “mostram-se cumpridos quando o locatário negoceia um contrato de locação financeira, subscreve a correspondente proposta e apõe a sua assinatura no respectivo formulário após as condições particulares e uma declaração no sentido de que tomou conhecimento delas e das condições gerais constantes no verso do mesmo contrato que lhe foram lidas e explicadas e que declarou aceitar”), e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.11.2015, proc. n.º 224/14.3TVLSB.L1-2 (onde se sumariou: «Desde que o destinatário das cláusulas contratuais gerais subscreve a declaração de que “previamente ao acto de preenchimento desta proposta, tomei perfeito conhecimento do conteúdo da informação fornecida no Prospecto informativo o qual contém toda informação prévia à celebração do contrato legalmente exigida, anexo a esta proposta, que aceito e do qual me foi dado um exemplar, tendo-me sido facultadas todas as informações de que necessitava para a sua compreensão, ficando esclarecido quanto à natureza do produto que estou a subscrever”, é de considerar feita a prova do cumprimento dos deveres de comunicação e informação relativos a cláusulas contratuais gerais»). No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2016, proc. n.º 1961/13.5TVLSB.L1-1, adotou-se uma posição intermédia, que atende à complexidade das cláusulas em jogo. Para o Tribunal, «constando do documento de “Confirmação de contrato de permuta de taxa de juro”, após o local destinado à assinatura do banco réu e a anteceder a assinatura do legal representante da autora, ter esta declarado estar plenamente conhecedora do conteúdo e do risco da operação, tendo-lhe sido prestado pelo Banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para a tomada consciente da decisão de contratar, tal circunstância, conjugada com a existência prévia de duas reuniões entre as partes, permite concluir terem sido prestados à autora todas as informações e esclarecimentos, excepto no que toca às cláusulas que contêm expressões de elevada sofisticação e rigor técnico, que pressupõem, além do mais, uma importante formação económica–financeira».
de Lisboa o de que “as cláusulas que dizem que os aderentes tiveram conhecimento e aceitaram as CCG (cláusulas confirmatórias ou de confirmação) têm, quando muito e observada que seja uma série de exigências, um valor de princípio de prova da comunicação dessas CCG, que teria de ser corroborado por outros meios de prova”163; sem prejuízo, em recentíssima decisão se negou às cláusulas confirmatórias sequer um valor como simples princípio de prova164. Para a Relação do Porto, uma cláusula confirmatória é nula, ficando, em todo o caso, destituída de qualquer relevância jurídica165. Em novel decisão da Relação de Xxxxx, afirmou- se que uma cláusula inserta no contrato através da qual o aderente admite ter tomado conhecimento do contrato não substitui os deveres de comunicação e de informação e é absolutamente proibida nas relações com consumidores xxxxxx000. Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça abonou pela tese de que as cláusulas confirmatórias – caso não sejam absolutamente proscritas, por se estar no domínio das relações com consumidores – estão quando muito sujeitas à livre apreciação do julgador167. Nas instâncias europeias, o Tribunal de Justiça da União Europeia já decidiu no sentido de que, nos contratos de crédito aos consumidores, a Diretiva europeia se opõe a que, “em razão de uma cláusula‑tipo, o julgador deva considerar que o consumidor reconheceu a plena e correta execução das obrigações pré‑contratuais que incumbem ao mutuante, uma vez que assim tal cláusula implica uma inversão do ónus da prova da execução das referidas obrigações suscetível de comprometer a efetividade dos direitos reconhecidos pela Diretiva
163 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.05.2021, proc. n.º 12753/19.7YIPRT.L1-2, podendo-se ainda ver, com semelhante formulação, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.07.2020, proc. n.º 2268/19.0T8LSB.L1-2, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.09.2017, proc. n.º 9065/15.0T8LSB-2. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.06.2012, proc. n.º 2527/10.7TBPBL.L1-2, sumariou-se que “a cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando esta, tais ccg serão excluídas também por força do art. 8/d) da LCCG”. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.10.2016, proc. n.º 28382/15.2YIPRT.L1-2, refere-se que as cláusulas confirmatórias atentam contra o disposto no art. 21.º, n.º 1, al. e), da LCCG, sendo por isso nulas nos contratos com consumidores finais.
164 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.01.2021, proc. n.º 26321/17.5T8LSB.L1-2.
165 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.2012, proc. n.º 359/06.6TBARC-A.P1.
166 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.10.2020, proc. n.º 641/08.8TBPSR-A.E1.
167 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.2017, proc. n.º 1961/13.5TVLSB.L1.S1.
2008/48”168. Nos Tribunais Arbitrais de Xxxxxxx, a posição sufragada também tem sido a da negação de qualquer valor probatório às cláusulas confirmatórias169.
Importa decidir. O problema sub judice é conexo com o da inclusão no contrato das cláusulas situadas tipograficamente após o lugar da aposição da assinatura, que o legislador proíbe expressamente no art. 8.º, al. d), da LCCG. De facto, não raramente as cláusulas confirmatórias são inseridas como forma de atestar o conhecimento do aderente da totalidade das cláusulas que compõem o contrato, ainda que situadas graficamente após o local da assinatura. Surge assim a questão de saber se tais cláusulas derrubam o disposto no art. 8.º, al. d), da LCCG. Os nossos Tribunais têm, num movimento que acompanhamos, afincadamente rejeitado a validade dessas cláusulas, pugnando que “a exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes, se sobrepõe à declaração em que o aderente afirma ter tomado conhecimento e aceitar as condições, pelo que estas são inválidas e excluídas dos contratos”170. Dessa forma se minimiza o “risco de uma aceitação meramente aparente”171 de cláusulas insertas em lugar posterior ao da assinatura dos contraentes, protegendo assim o aderente contra a inclusão no contrato de cláusulas-surpresa ou inesperadas. Descortinam-se, no entanto, e sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça, decisões jurisprudenciais em sentido contrário172. Tudo compulsado,
168 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 18.12.2014, proc. n.º C-449/13 (CA Consumer Finance, S. A., vs. Xxxxxx Xxxxxxx e o.), in xxx.xxxxx.xxxxxx.xx.
169 Cfr. a Decisão do Tribunal Arbitral do Consumo de 31.08.2015, proc. n.º 1148/2015, in
170 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.03.2013, proc. n.º 2624/10.9YXLSB.L1-7; a não atribuição de qualquer relevância à cláusula pela qual o aderente declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às cláusulas que constam fisicamente após as assinaturas dos contraentes resulta ainda patente do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.02.2016, proc. n.º 8732/12.4TBBRG.A.G1, e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.01.2010, proc. n.º 08B3798.
171 Pedimos de locado a expressão usada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.04.2010, proc. n.º 215/10.3YRLSB-7.
172 Por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2011, proc. n.º 1097/04.0TBLEE.E1.S1, sumariou-se o seguinte: «III - Se as cláusulas gerais se encontram formalmente inseridas no verso de um contrato, após as assinaturas dos outorgantes, constando antes do local onde foram apostas as assinaturas a declaração: “Declaro(amos) que tomei(amos) conhecimento de todas as cláusulas constantes neste contrato, nomeadamente, as que constam no verso do mesmo”, o autor, que assinou o contrato, não podia razoavelmente desconhecer a
estamos com aquela jurisprudência – francamente maioritária – que rejeita que a lex imperativa do art. 8.º, al. d), da LCCG173, atenta a sua ratio, possa ser subvertida através de uma cláusula geral manifestamente padronizada e estandardizada. O princípio da autorresponsabilidade do aderente, lançado para a defesa da validade e eficácia de tais cláusulas, não é suficiente, tanto mais que – como assinalamos supra – tal princípio tem em vista corrigir eventuais disfunções do sistema decorrentes de uma conduta descuidada ou incuriosa do aderente, evitando que se possa assacar a outrem as consequências negativas do seu próprio desleixo, e não perturbar as opções de índole protecionista e interventiva tomadas pelo legislador, quer no que respeita à distribuição do onus probandi, quer no que respeita às exigências de inserção das cláusulas nos contratos singulares. Ademais, como refere XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX, “a remissão para outro local, que não o texto incluído antes da assinatura das partes, leva a que se torne mais difícil para o aderente conhecer todo o clausulado contratual, ainda que a remissão seja para o verso da folha, e, sobretudo, vem perturbar uma ideia de completude do texto contratual especialmente importante quando estamos perante um contrato que não foi negociado por uma das partes”174.
São poucos entre nós os Autores que dedicaram alguma literatura às cláusulas confirmatórias. XXXXX XXXXXXXX, reconhecendo ser “prática corrente
declaração que assinou, se agisse com a normal diligência. Nestas situações não terá aplicação o disposto no art. 8.º, al. d), da LCCG. IV - Desde que idoneamente alertado para a existência das cláusulas impressas no verso do contrato, o eventual desconhecimento das mesmas só pode imputar-se ao aderente a título de descuido ou negligencia. V - Perante o evidente conhecimento das cláusulas pelo autor – que as leu e só depois assinou – constituiria manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, vir depois, quando ocorreu desentendimento entre as partes, peticionar-se a nulidade das cláusulas gerais que antes se aceitaram». No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2005, proc. n.º 05B282, citado inclusive no aresto precedente, decidiu-se que “para que as Condições Gerais, contidas no verso do contrato, vinculam o mutuário impõe-se que este expressamente refira deles ter conhecimento através de declaração como, por exemplo, a seguinte: «depois de tomar conhecimento, declaro aderir a todas as condições que precedem bem como no verso do contrato»”.
173 No sentido de que as normas atinentes à incorporação das condições contratuais nos contratos singulares são normas imperativas, cfr. XX, Xxxxxx xx, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pág. 247.
174 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, “As Cláusulas Contratuais Gerais Bancárias na Jurisprudência Recente dos Tribunais Superiores”, cit., pág. 206.
entregarem os bancos uma declaração, que os clientes assinam, onde se afirma terem aqueles cumpridos os deveres de informação a que estão adstritos, ao mesmo tempo que os clientes declaram conhecer e compreender o sentido e o alcance do contrato que subscrevem”, e conquanto admitindo que “uma declaração dessas, por si só, pode não chegar como meio de prova de que os deveres de informação a que o banco está adstrito foram adequadamente cumpridos”, considera que, numa solução justificada pelo princípio da autorresponsabilidade, “essa declaração inverte, em princípio, o ónus da prova”175, competindo ao subscritor dessa afirmação provar o contrário do que nela afirma. Em sentido oposto, depondo intrepidamente contra a validade das cláusulas de confirmação, surge a voz de XXXXXX XX XX000, bem como, mais recentemente, a de MORAIS CARVALHO177 e ANA PRATA178. Acompanhamos estes últimos autores, pelas razões que ora explicitaremos.
Vejamos, desde logo, que o art. 5.º, n.º 3, da LCCG, ao deslocar o limiar do ónus da prova do cumprimento do dever de comunicação e de informação179 para o predisponente, mais não é senão um afloramento do preceito do art. 342.º do Código Civil180. Ora, se fossemos a admitir, como xxxxxxx XXXXX XXXXXXXX, que uma declaração pelo qual um particular atesta ter tido conhecimento integral do programa contratual inverte o ónus da prova quanto ao cumprimento dos deveres pré-contratuais a cargo do predisponente, então estaríamos a assacar ao aderente a prova (diabólica) de um facto negativo (a não comunicação ou o desconhecimento das cláusulas que integram o contrato de adesão). Consabidas as
175 XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “A Resposta do Ordenamento Jurídico à Contratação Bancária pelo Consumidor”, cit., pág. 2331.
176 SÁ, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pp. 245 e ss..
177 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 128.
178 PRATA, Xxx, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, cit., pág. 256.
179 Como acima referimos, a distribuição do ónus da prova quanto ao cumprimento do dever de informação não resulta explícito na lei portuguesa, mas há unanimidade na aplicação do mesmo regime previsto para o dever de comunicação.
180 Neste sentido se posicionam XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 129, XXXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, Manual de Direito Bancário, cit., pág. 387, e XXXXXX XXXXXX, Inocêncio, Manual dos Contratos em Geral, cit., pág. 320.
dificuldades epistemológicas da prova de que algo não aconteceu, sempre esbarraríamos na proibição constante dos termos conjugados dos arts. 344.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, ambos do Código Civil, que vedam que por convenção inter partes se possa inverter o ónus da prova quando essa torne excessivamente difícil a uma das partes o exercício da sua posição jurídica181. Para além disso, caso as cláusulas confirmatórias constem do próprio contrato de xxxxxx e, nesse conspecto, estejam submetidas ao regime de controlo substantivo previsto nos arts. 15.º e ss. da LCCG, então não se poderá olvidar que, nas relações com consumidores finais, são nulas as cláusulas que cominem alterações aos critérios de repartição do ónus da prova [art. 21.º, al. g), da LCCG]182. XXXXXX XXXXXXXX igualmente descortina num “documento previamente elaborado em que [o aderente] admita terem sido cumpridas as exigências legais no que respeita à comunicação e ao esclarecimento das cláusulas” uma infração dos arts. 19.º, al. d), e 21.º, al. e), da LCCG183.
Mesmo não consignando a tais declarações um efeito tão impressivo (qual o da inversão do ónus da prova)184 e, as mais das vezes, determinante na resolução da lide processual, vemo-nos timoratos em relação à valência das mesmas como meio de prova do cumprimento das obrigações de comunicação e de informação.
181 Sobre a inversão do ónus da prova, cfr. XXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxxxxxx, Os Meios de Prova em Processo Civil, 3.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 46-48.
182 Expressamente realçando este aspeto, veja-se SÁ, Almeno, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pp. 249-250, e, na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.1994, proc. n.º JSTJ00027520.
183 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 128. Em sentido contrário, ALMENO DE SÁ não considera que as cláusulas confirmatórias se inscrevam na previsão da al. d) do art. 19.º da LGCC. Para o Autor, tal norma “parece manifestamente ter em vista ficções de declaração no âmbito da execução do contrato e não no que concerne à respectiva conclusão ou à incorporação de cláusulas no contrato singular” (SÁ, Almeno de, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, cit., pág. 251).
184 Daqui não decorre que, em setores determinados, não possa haver presunções do cumprimento do dever de comunicação e/ou de informação. É o que sucede, a título de exemplo, no regime dos contratos de crédito a consumidores. Caso ao mutuário seja antecipadamente entregue a ficha sobre “Informação Normalizada Europeia em Matéria de Crédito a Consumidores” a que se reporta o art. 6.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 133/2009, devidamente preenchida, presume-se o cumprimento dos requisitos de informação a cargo do mutuante (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.03.2012, proc. n.º 614/11.3TBVCD.P1, e, do mesmo Tribunal, o Acórdão de 06.02.2018, proc. n.º 127651/16.2YIPRT.P1; na doutrina, cfr. XXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx de, Crédito aos Consumidores. Anotação ao Decreto-Lei n.º 133/2009, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 48).
Desde logo, será frequente que a assinatura de tal declaração tenha lugar nos momentos que imediatamente antecedam a subscrição do contrato. Não haverá, pois, lugar nem tempo para uma verdadeira introspeção do consumidor relativamente ao conteúdo contratual que lhe é apresentado185, condição indispensável para o correto exercício da autonomia privada. Ao que acresce que outras tantas vezes tais cláusulas confirmatórias serão assinadas na presença da contraparte, numa sua sede, sucursal ou escritório, sob o semblante inquiridor de um seu funcionário, perante quem o aderente ver-se-á naturalmente intimidado ou constrangido, precipitando-se na declaração da sua vontade. A situação é em toda factualmente análoga àquela que justifica o regime dos contratos celebrados fora do estabelecimento186.
Constitui ainda uma lapidar constatação que a legislação de proteção dos consumidores emana de uma clara desconfiança em relação às tradicionais valências da autonomia privada187, paulatinamente eclipsadas por constrangimentos de ordem fáctica. Nesse conspecto, e sempre que o contrato de adesão for, simultaneamente, um contrato de consumo, ancorar o valor probatório de uma declaração mediante a qual se atesta o conhecimento integral do contrato em causa no mero argumento (porventura fantasioso) de que é o produto da livre e espontânea vontade do declarante é, no mínimo, introduzir uma clara disfunção no sistema jurídico. Constatado como a liberdade contratual do particular vê-se globalmente coartada nos contratos de adesão, a espontaneidade da subscrição das
185 O aderente pode, talvez com excesso de ingenuidade, acalentar a expetativa de que tem pleno conhecimento do programa contratual, assinando uma declaração nesse sentido, só para, volvido certo período de tempo e havendo uma perturbação na execução do contrato, ver essa expetativa gorada… Admitindo que o consumidor é titular de um autêntico direito de reflexão, veja- se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2009, proc. n.º 2/09.1YFLSB.
186 Conforme evidencia XXXXXX XXXXXXXX, o especial fator de desproteção do consumidor quando celebra um contrato fora do estabelecimento promana da especial “situação de fragilidade originada pela pressão a que pode estar sujeito” (XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 205). Vemos, pois, que o legislador não é alheio a esta eventual pressão a que o consumidor possa estar sujeito.
187 Cfr., a este respeito, XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx, Manual de Direito do Consumo, cit., pág. 46, e ENGRÁCIA ANTUNES, Xxxx, Direito do Consumo, cit., pág. 15.
cláusulas confirmatórias – elas mesmo de cariz manifestamente estandardizado188
- deve sempre ser encarada com algum ceticismo, especialmente diante contratos tecnicamente complexos, quer pelo seu objeto contratual, pela extensão das suas cláusulas ou pela forma como estas se apresentam redigidas189.
Em suma, a seriedade com que a sindicância do dever de comunicação e de informação nos contratos de adesão é levada a cabo pelos nossos Tribunais – o que revela, ademais, o seu caráter qualificado em relação àquelas que já seriam as decorrências do princípio da boa fé in contrahendo (art. 227.º do Código Civil) – depõe contra a atribuição de qualquer valor probatório às mencionadas cláusulas de confirmação, podendo as mesmas servir, quando muito, de princípio de prova190. Note-se ainda que, a nível processual, o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação não constitui matéria de facto, mas antes matéria de Direito191, não podendo assim ser levados à atividade instrutória que se desenrola durante o decorrer do processo e, subsequentemente, incluídos qua tale no rol de factos dados ou não como provados192: comunicar e informar são conceitos do foro
188 Se o regime dos contratos de adesão se dirige a colmatar os efeitos nefastos da designada “estandardização contratual” (feliz expressão que podemos encontrar no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.09.2020, proc. n.º 2304/17.4T8VNF-A.G1), o que se concretiza, desde logo, mediante a imposição ao predisponente de deveres pré-contratuais bastante específicos destinados a permitir um exercício esclarecido e informado da vontade negocial do aderente, antolha-se-nos que atribuir qualquer valor probatório às cláusulas de confirmação seria franquear a entrada pela janela do mal que se quis evitar que entrasse pela porta.
189 A este argumento também XXXXX XXXXXXXX é permeável. O Autor, conquanto capitaneando a tese mais radical da inversão do ónus da prova, não deixa de reconhecer que “é claro, no entanto, para concluir, que se deve ser prudente nesta matéria, devendo ser-se especialmente cauteloso se, por exemplo, o declarante afirma ter conhecido e compreendido perfeitamente expressões de elevada sofisticação e rigor técnico, que pressupõe, além do mais, uma importante formação económico-financeira, quando a formação dele não passou da instrução primária (…). É sempre indispensável, pois, uma particular atenção pelo caso concreto” (XXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx, “A Resposta do Ordenamento Jurídico à Contratação Bancária pelo Consumidor”, cit., pp. 2331-2332).
190 Sobre a noção de princípio de prova, cfr. XXXXX XX XXXXXXX, Xxxx, A Ação Declarativa Comum, 3.a ed., Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 222.
191 Acerca da distinção entre a matéria de facto e de Direito, veja-se, por todos, ABRANTES XXXXXXXX, Xxxxxxx, PIMENTA, Xxxxx x XXXXX XX XXXXX, Xxxx Xxxxxx, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.a ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 26 e ss.. Na jurisprudência, cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2019, proc. n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1.
192 Como se alerta no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03.11.2016, proc. n.º
1070/13.7TBBJA.E1, “porque não constituem matéria de facto, os conceitos de direito, os juízos
jurídico, não naturalístico, que apenas poderão ser preenchidos mediante a aportação dos factos demonstrativos dos termos em que se procedeu à aclaração da contraparte, em função dos quais o julgador aquilatará do cumprimento dos requisitos exigidos pelos arts. 5.º e 6.º da LCCG. Dessa forma, declarações subscritas pelos aderentes que, sem mais, atestam o cumprimento dos deveres pré- contratuais por banda dos predisponentes, para além das várias condicionantes que fazem duvidar da sua espontaneidade, não têm qualquer eficácia probatória, já que contendem com aspetos jurídicos e não factuais.
Tudo compulsado, estamos em crer que, embora o princípio da autorresponsabilidade imponha ao aderente uma atuação diligente e cuidadosa, de forma a não se poder prevalecer da sua própria incúria com vista a pugnar pelo incumprimento dos deveres pré-contratuais que incidem sobre o predisponente, tal princípio não tem como consequência nem justifica alijar sobre a parte débil da relação contratual o risco de subscrever irrefletidamente uma declaração padronizada de que conhece e compreende os termos da vinculação assumida. Admitir solução em contrário seria perverter a ratio que impregna os arts. 5.º e 6.º da LCCG, autorizando-se à inclusão nos contratos singulares de cláusulas sem se saber ao certo se quanto a elas houve uma efetiva comunicação e informação. Caso tais cláusulas confirmatórias constem do próprio programa contratual – como amiúde sucede – então aos obstáculos acima enunciados acresce ainda a circunstância de estarmos perante cláusulas abusivas. Se as declarações constarem de um documento autónomo, subscritas até num momento posterior ao da adesão ao contrato, então em princípio não haverá fundamento para chamar à colação o controlo substantivo do Decreto-Lei n.º 446/85; no entanto, sempre subsistirão os múltiplos óbices à atribuição de qualquer valor a tais declarações. Sob especiais cautelas (provando-se, v. g., que tais declarações foram assinadas sem o pesar de qualquer pressão exterior, no decorrer de um período razoável de tempo que permita ao seu subscritor uma emissão conscienciosa da sua vontade, etc.) poderá
conclusivos e os juízos de valor estão subtraídos ao crivo da prova e, caso tenham sido dados como provados, devem considerar-se não escritos”.
ser atribuído valor probatório às declarações que certifiquem a ocorrência da concreta atividade destinada ao cumprimento dos deveres de comunicação e de informação, tal como o prévio recebimento da minuta do contrato, a realização de reuniões presenciais ou a resposta às questões colocadas.
5. Síntese Conclusiva.
O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e dos contratos de adesão convoca especiais dificuldades perante os quadros do Direito Civil clássico, cujos cânones viam no contrato uma concertação espontânea e equilibrada de interesses em oposição. As contingências da economia moderna e do tráfego negocial de massas vieram colocar em crise tal modelo tradicional, sendo cada vez mais frequentes a celebração de contratos sem qualquer fase negocial, que assim se apresentam como o produto unilateral da vontade de um sujeito, em princípio um operador económico. Este novo modelo de contratação – assente na mera subscrição ou adesão – acarreta especiais perigos para o aderente, que o legislador, ao reconhecê-los, pretende diminuir a possibilidade da sua ocorrência, fazendo incidir sobre o predisponente especiais deveres de comunicação e de informação. Sendo frequente, como prova do cumprimento desses deveres, a aportação para os autos de uma declaração subscrita pelo aderente nos termos da qual este admite terem-lhe sido prestados todos os esclarecimentos relativamente ao contrato a celebrar, cujo conteúdo lhe é assim inteiramente conhecido, ponderosas razões – sobretudo associados à manutenção da lógica do sistema – levam-nos a pugnar pela inerente ineficácia de tais cláusulas confirmatórias, não se dispensando o predisponente de carrear outro tipo de prova atinente ao cumprimento dos deveres que sobre si incidem.