EXCERTOS
A AÇÃO DIRETA NA GARANTIA DE COISAS
MÓVEIS
XXxxx Xxxxx*
Fundador e primeiro presidente da AIDC – Associação
Internacional de Direito do Consumo Fundador e presidente da apDC – Associação Portuguesa de
Direito do Consumo
EXCERTOS
“Os direitos de resolução do contrato e de redução adequada do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao consumidor”
“Se o consumidor se propuser resolver o contrato por o veículo automóvel se apresentar com uma deficiente pintura numa das portas ou se houver visivelmente sinais de riscos mais ou menos profundos, haverá manifestamente abuso de direito”
“Sem prejuízo do regime das condições gerais dos contratos (impropriamente denominado, entre nós, como das cláusulas contratuais gerais), o acordo pelo qual se exclua ou limite antecipadamente o exercício do direito de regresso só produz efeitos se for atribuída ao seu titular uma compensação adequada”
75
I. Preliminares
1. A quem cumpre primacialmente a obrigação de garantia
A obrigação de garantia cabe, em primeira linha, ao fornecedor.
Xxxxx, a própria lei o diz, no seu artigo 3º, sob a epígrafe “entrega do bem”:
1 – O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 – As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem- se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.1
Não têm, pois, cabimento as escusas sistemáticas de tantos fornecedores que intentam “sacudir a água do capote”, como sói dizer- se, ao escudarem-se no fato de não serem produtores, de lhes não ter cabido o fabrico do produto, enjeitando destarte o cumprimento da garantia sempre que acionada pelo consumidor.
Aliás, a obrigação religa-se à que se plasma no n. 1 do artigo 2º do normativo aplicável ao prescrever-se que “o [fornecedor] tem o dever de entregar ao consumidor bens que se [mostrem] conformes com o contrato de compra e venda (e com os mais contratos abarcados pela disciplina legal em análise, a saber, o de empreitada, o de outras prestações de serviço e o de locação tanto mobiliária como imobiliária, ou seja, na derradeira hipótese o arrendamento urbano, como se denomina entre nós)2.
Mas a obrigação que impende sobre o fornecedor surge naturalmente aureolada de deveres complementares, como os que se contemplam no artigo 4º, a saber,
– a de que seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
76
– a de que tratando-se de bens imóveis, a reparação ou a substituição se concretizem dentro prazo razoável, tendo em conta a natureza da desconformidade e,
– tratando-se de bem móvel, num prazo máximo de 30 dias,
em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
A expressão «sem encargos» se reporta às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão de obra e material.
Os direitos de resolução do contrato e de redução adequada do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao consumidor. Acresce que o consumidor pode exercer qualquer dos direitos enunciados, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Constituirá obviamente abuso de direito se exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de que se trata. Assim, se o consumidor se propuser resolver o contrato por o veículo automóvel se apresentar com uma deficiente pintura numa das portas ou se houver visivelmente sinais de riscos mais ou menos profundos, haverá manifestamente abuso de direito.
2. A obrigação supletiva de garantia
Recai, a título excepcional, sobre o produtor a obrigação supletiva de garantia.
A lei é expressa em estabelecê-lo no n. 1 do seu artigo 6º: “sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o fornecedor (directo), o consumidor que haja adquirido coisa não conforme pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição.”
Tal só se não verificará se se manifestar impossível ou desproporcionado ante o valor que o bem teria não fora a assinalada desconformidade, a sua importância e a possibilidade de a solução alternativa se concretizar sem grave inconveniente para o consumidor.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
77
Repare-se que o direito se circunscreve à reparação da coisa e à substituição. Ao consumidor é vedado brandir perante o produtor quer a redução adequada do preço quer a resolução do contrato, outros dos remédios previstos por lei. E percebe-se o alcance da medida: o efeito relativo do contrato na sua relação imediata consumidor/fornecedor inibirá remédios que só o contrato poderá consentir. Ao passo que a reparação e a substituição estarão ao alcance do produtor atentas as leges artis e a imputação direta da não conformidade a si mesmo. Mas
mister será que o fornecedor, ante uma tal faculdade, em si mesmo excepcional, não subverta o sentido e alcance da norma, remetendo o consumidor para o produtor, quantas vezes em lugar remoto e inacessível, a fim de ser reintegrado no seu direito.
Aliás, ainda que em situações comezinhas, há notícia de que os fornecedores empontam sistematicamente,
O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe
é entregue
perante a singular exigência da garantia, os consumidores para os produtores para que reivindiquem deles os direitos que a lei estabelece primacialmente devam ser exigidos do fornecedor.
Em exemplo recente, uma multinacional cujo objeto negocial é a comercialização de eletrodomésticos escusou-se perante o consumidor que se apresentara com um computador pessoal, ali adquirido, com uma avaria na tampa, que não abria, alegando que se tratava de uma não conformidade que só o produtor poderia solucionar. Contatado o produtor nipónico, para uma direção central na Europa, veio a escusar-se de análogo modo – e contra legem – aduzindo que uma avaria do estilo estaria fora do âmbito de aplicação da garantia!!!
Aliás, a opção cabe ao consumidor, que não ao fornecedor, como se evidenciou, podendo o consumidor – perante a recusa – pôr naturalmente termo ao contrato se a tanto a denúncia da não conformidade for tempestiva e no segmento temporal de dois anos, que é o prazo de garantia das coisas móveis, como no caso.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
78
3. A ação direta: a exceção
A ação direta é excepcional. Só há, no ordenamento jurídico pátrio, uma situação em tudo similar – a do regime jurídico da responsabilidade do produtor por produtos defeituosos que repousa no DL 383/89, de 6 de novembro3. É algo de excepcional, como se alude, em razão da natureza relativa do contrato e seus efeitos.
Mas, à semelhança do que ocorre no regime da responsabilidade objetiva do produtor, há um rol de exclusões, que o dispositivo em vigor acautela4.
Com efeito, o produtor pode, nos termos do n. 2 do artigo 6º, opor- se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos seguintes fatos:
a) resultar a não conformidade exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua utilização, ou de má utilização;
b) não ter colocado a coisa em circulação;
c) poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que a não conformidade não existia no momento em que colocou a coisa em circulação;
d) não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua atividade profissional;
e) terem decorrido mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação5.
E, no n. 3, se prescreve que “o representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor”, sendo-lhe igualmente aplicável o rol de exclusões que vem de enunciar-se.
Na solidariedade se estende também a mancha de causas de exclusão arroladas no passo precedente ao representante do produtor na área do domicílio do consumidor.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
79
II. O direito de regresso
1. Cumprimento voluntário da obrigação de garantia
O fornecedor que haja, a justo título, provido qualquer dos remédios exigidos pelo consumidor (reparação, substituição, redução adequada do preço…) e bem assim aquele contra quem foi exercido o direito de regresso gozam de análogo modo de direito de regresso contra o produtor a quem adquiriram a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício de tais direitos.
A lei prescreve ainda que o disposto no n. 2 do artigo 3º aproveita também ao titular do direito de regresso, contando-se o respectivo prazo a partir da entrega ao consumidor.
Ora, o n. 2 do artigo 3º estabelece o que segue: “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”
O demandado, in casu o distribuidor intermédio ou o produtor, pode, porém, afastar o direito de regresso se provar que a não conformidade inexistia quando procedeu à entrega da coisa ou, se a ocorrência for posterior à entrega, que tal não fora por si causado e, por conseguinte, lhe não ser imputável.
Sem prejuízo do regime das condições gerais dos contratos (impropriamentedenominado, entrenós, comodascláusulascontratuais gerais), o acordo pelo qual se exclua ou limite antecipadamente o exercício do direito de regresso só produz efeitos se for atribuída ao seu titular uma compensação adequada. Por forma a que não haja uma qualquer situação de locupletamento injusto, de enriquecimento sem causa.
2. Ação de cumprimento da obrigação de garantia instaurada contra o fornecedor
Quer a ação de cumprimento da obrigação seja deduzida pelo consumidor perante tribunal judicial como perante tribunal arbitral, ante a controvérsia gerada em torno da garantia por si reclamada (e
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
80
a pretensão resistida pela contraparte), qualquer dos meios se tem como adequado para a tutela dos direitos em geral reconhecidos aos consumidores. De assinalar, porém, que os tribunais arbitrais são de uma via só, acessíveis aos consumidores – e tão só –, não podendo os fornecedores deduzir, por conseguinte, reconvenção.
Para o efeito da observância dos remédios ao alcance do consumidor na refração da relação jurídica de que se trata ante o produtor, qualquer das vias – a jurisdicional e a não jurisdicional – são adequadas para a tutela da posição jurídica do consumidor.
Usando o consumidor qualquer das vias contra o fornecedor, do mesmo passo poderá este, por razões de economia processual e de conexão do petitum et causa petendi, aproveitar o impulso processual para deduzir pretensão contra o produtor, seu fornecedor direto ou qualquer dos intermediários do comércio.
3. O direito de regresso deduzido na ação de cumprimento da obrigação de garantia
O fornecedor pode, nos termos do n. 1 artigo 8º da Lei das Garantias dos Bens de Consumo, exercer o direito de regresso na própria ação interposta pelo consumidor.
A Lei mandava, no n. 2 do artigo, aplicar com as necessárias adaptações o disposto no n. 2 do artigo 329º do Código de Processo Civil. Ora, com a aprovação do Novo Código de Processo Civil, o dispositivo correspondente é o do artigo 317, cujos termos se enunciam
como segue, sob a epígrafe “efectivação do direito de regresso”:
1 – Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
2 – No caso previsto no número anterior, se apenas for impugnada a solidariedade da dívida e a pretensão do autor puder de imediato ser julgada procedente, é o primitivo [demandado] logo condenado no pedido no despacho saneador, prosseguindo a causa entre o autor do chamamento e o chamado, circunscrita à questão do direito de regresso.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
81
O direito de ação comporta, porém, limitações temporais.
O fornecedor goza, contudo, do direito de regresso neste passo previsto durante cinco anos a contar da entrega da coisa pelo produtor ou distribuidor intermédio.
O fornecedor deve exercer, todavia, o seu direito no prazo de dois meses a contar da data da satisfação do direito ao consumidor, sob pena de caducidade.
O prazo de cinco anos suspende-se, no entanto, durante o processo movido pelo consumidor e em que seja também parte o fornecedor.
III. A ação de regresso
1. Exercício autónomo
O fornecedor que haja satisfeito as legítimas pretensões dos consumidores no quadro das garantias, se não for reembolsado dos dispêndios efetuados voluntária e tempestivamente, poderá, em dados prazos, propor autonomamente ação de condenação contra o produtor ou distribuidor intermédio, se for o caso6.
Poderá fazê-lo se acaso nas relações inter partes o produtor ou o distribuidor intermédio se recusar a satisfazer quanto o fornecedor despendeu para acudir ao consumidor reclamante7.
É certo que, por razões de economia processual e de nexo causal entre ações, poderá fazê-lo, como noutro passo se assinala na ação interposta pelo consumidor. Mas nada o impede de o fazer autonomamente.
Claro que há prazos cuja observância se impõe, como a seu tempo se revelará. E o fato não é despiciendo, tanto mais que no seu encadeamento, por razões de segurança jurídica, pode o fornecedor ver afetado o seu direito se não agir diligentemente contra o produtor ou o distribuidor intermédio.
2. Exercício na ação interposta pelo consumidor
Neste passo, cumpre remeter o leitor para quanto se prescreve no ponto 3 do capítulo precedente.
Aliás, em ordem à efetivação do direito de regresso, avulta como incidente de instância o do chamamento, ora vertido no artigo 317 do
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
82
Código de Processo Civil, para, por um lado, se operar o reconhecimento de um tal direito e, por outro, se consubstanciar a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, como diz a lei processual, se acaso tiver de satisfazer, como em regra se observa, a totalidade da prestação.
3. Caducidade do direito de ação
A ação caduca se o produtor arguir e carrear para os autos prova bastante, nos termos da alínea e) do n. 2 do artigo 6º do diploma em análise, segundo a qual hajam decorrido já, à data dos fatos, mais de dez (10) anos sobre a colocação da coisa em circulação no mercado de consumo.
Nesta como noutras hipóteses (no devido lugar enunciadas) naufragará a ação instaurada pelo consumidor contra o produtor, subsistindo a garantia exigível ao fornecedor direto se forem acautelados os prazos previstos no artigo 5º para as coisas móveis: dois (2) meses para a denúncia dos fatos constitutivos da não conformidade e dentro dos dois (2) anos contados da entrega da coisa ao consumidor, ponto que deverá ser obviamente acautelado no momento em que decida socorrer-se da ação direta.
Se o fornecedor tiver satisfeito os direitos reivindicados pelo consumidor, a ação caduca ainda se acaso deixar de exercer o seu direito (o direito de regresso) nos dois (2) meses subsequentes ao tempo em que tal satisfação houver ocorrido.
Há ainda um outro prazo em que convém atentar em detrimento do fornecedor, para que possa fazer circular as mercadorias, escoando- as: o direito de regresso está condicionado ainda, por outro lado, pelo período de cinco (5) anos contados da entrega da coisa ao fornecedor pelo produtor ou distribuidor intermédio.
Tal prazo – o de 5 (cinco) anos – suspender-se-á, porém, durante a pendência dos autos instaurados pelo consumidor contra o fornecedor direto do bem, nos termos do artigo 8º da Lei das Garantias dos Bens de Consumo (DL 67/2003, de 8 de abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/2008, de 21 de maio).
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
83
Notas
* Xxxxx Xxxxx. Fundador e primeiro presidente da AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo. Fundador e president da apDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo. Director do CEDC – Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra. Fundador e director da RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo. Fundador e presidente do Conselho de Direção da Revista Luso-Brasileira de Direito de Consumo.
1. Aliás, em conformidade com a Diretiva 1999/44/CE, de 25 de maio, do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros, que reza nos seus consideranda 9 e 10, respectivamente, o que segue:
(9) Considerando que o vendedor deve ser directamente responsável perante o consumidor pela conformidade dos bens com o contrato; que é essa a solução tradicional consagrada na ordem jurídica dos Estados-Membros; que, não obstante, o vendedor, nos termos do direito nacional, deve gozar de um direito de reparação perante o produtor, um vendedor anterior da mesma cadeia contratual, ou qualquer outro intermediário, salvo se tiver renunciado a esse direito; que a presente directiva não prejudica o princípio da liberdade contratual entre o vendedor, o produtor, um vendedor anterior ou qualquer outro intermediário; que as normas que regem o modo como o vendedor pode exercer esse direito de reparação são determinadas pela legislação nacional;
(10) Considerando que, em caso de não conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato…
2. Cfr. o artigo 1023 do Código Civil que estabelece o seguinte: “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.”
3. No preâmbulo do diploma se consagra “o princípio fundamental de responsabilidade objectiva do produtor, desenvolvido em sucessivas normas. É a solução preconizada pela doutrina como a mais adequada à protecção do consumidor na produção técnica moderna, em que perpassa o propósito de alcançar uma justa repartição de riscos e um correspondente equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor.”
4. No artigo 5º do DL 383/89, de 6 de novembro, é ainda assim extenso o rol de exclusões, a saber,
O produtor não é responsável se provar:
a) que não pôs o produto em circulação;
b) que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação;
c) que não fabricou o produto para venda ou qualquer outra forma de distribuição com um objetivo económico, nem o produziu ou distribuiu no âmbito da sua atividade profissional;
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
84
d) que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;
e) que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detectar a existência do defeito;
f) que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à concepção do produto em que foi incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo.
5. Há também neste particular uma similitude com o regime jurídico da responsabilidade do produtor por produtos defeituosos, já que nos termos do artigo 12º, sob a epígrafe “caducidade” se estabelece imperativamente que, “decorridos 10 anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, caduca o direito ao ressarcimento, salvo se estiver pendente acção intentada pelo lesado”.
6. A Diretiva 1999/44/CE, noutro passo referenciada, prescreve no seu artigo 4º, sob a epígrafe “direito de regresso”, o seguinte: “Quando o vendedor final for responsável perante o consumidor pela falta de conformidade resultante de um acto ou omissão do produtor, de um vendedor anterior da mesma cadeia contratual, ou de qualquer outro intermediário, o vendedor final tem direito de regresso contra a pessoa ou pessoas responsáveis da cadeia contratual. O responsável ou os responsáveis contra quem o vendedor final tem direito de regresso, bem como as correspondentes acções e condições de exercício, são determinados pela legislação nacional.”
7. Xxxxx Xxxx Xxxxx, in “O direito de regresso do vendedor final de bens de consumo” (Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 2002 Ano 62
– Vol. I – Jan. 2002), em momento anterior ao da transposição da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, expendia as considerações cuja transcrição segue:
“Pode dizer-se que o direito português vigente – aliás, como a grande maioria das ordens jurídicas europeias – não prevê, actualmente, qualquer figura dirigida especificamente à tutela da posição do vendedor final em face do problema suscitado. Nem no Código Civil nem na Lei de Defesa dos Consumidores se consagra, na verdade, qualquer direito de regresso do vendedor final.
Na falta de estipulação adrede, o vendedor que tenha substituído ou reparado a coisa que padece de um defeito imputável ao fabricante ou a um anterior elemento da “cadeia contratual” apenas poderá dirigir-se contra o seu vendedor (única pessoa com quem tem uma relação contratual) e invocar os seus direitos como comprador. Tal reparação nos termos de cada contrato pode, porém, estar excluída, como vimos, não só pelo decurso do tempo (sem que o vendedor final o pudesse ter impedido), como por cláusulas contratuais, ou pela ausência de culpa de um dos vendedores. E daqui resultará a imposição ao vendedor final – ou ao elemento da “cadeia contratual” que não consiga exercitar tal “regresso” – do prejuízo por defeitos imputáveis a outra pessoa.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
85
Este resultado também não parece poder ser evitado através de outras formas, em que se poderia pensar, de responsabilizar o produtor, os vendedores anteriores ou qualquer intermediário perante o vendedor final – como é o caso da responsabilidade extracontratual e dos institutos do enriquecimento sem causa e da gestão de negócios (ou do recurso a um hipotético regime geral dos contratos de gestão de interesses alheios).
Pode, pois, dizer-se que o problema do direito de regresso do vendedor final de bens de consumo não encontra resposta satisfatória de iure condito no nosso direito. Reconhecendo que nem sempre é fácil determinar qualquer deve ser a sua solução, cremos, porém, tratar-se de um problema relevante
– pelo menos, na medida em que se considere injusta, por se situar fora do âmbito dos riscos próprios da actividade empresarial do vendedor final (ou por contrária a um princípio geral segundo o qual não deve ser imposta a ninguém a responsabilidade por danos causados por outrem), a imposição, a este vendedor final, por especificidades da protecção legal do último adquirente, dos prejuízos resultantes de defeitos causados por outra pessoa (constituindo tal resultado como que um “reverso” indesejado das normas de protecção do consumidor, que podem sobrecarregar pequenas e médias empresas e comerciantes em nome individual).
Referências
XXXXX, Xxxxxxx. Compra e Venda de Coisas Defeituosas – A venda de coisas defeituosas no Código Civil. A venda de bens de consumo, Porto, 2005.
XXXXXX XX XXXXX, Xxxx. Responsabilidade Civil do Produtor, Livraria Almedina, Coimbra, 1999. Compra e Venda de Coisas defeituosas, Conformidade e Segurança, 4. ed. Coimbra, 2006.
. Venda de Bens de Consumo – Decreto-Lei 67/2003, Diretiva 1999/44/ CE, Coimbra, 2010.
XXXXXXX, Xxxxx-Xxxxxxx. A transposição da Diretiva sobre compra e venda de bens de consumo para o direito alemão, Estudos do Direito do Consumidor, n. 3, Coimbra, 2001, p. 49-67.
XXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da. Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo, Cadernos de Direito Privado, n. 21, Porto, 2008, p. 3-20.
. Apontamentos sobre a garantia de conformidade na venda de bens de consumo, RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n. 43, 2005, p. 11-27.
Direção-Geral do Consumidor, Guia das Garantias na Compra e Venda (versão actualizada), autoria Xxxxxxx Xxxxxxx et alii, atualização: Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, Lisboa, 2009, passim.
XXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxx. Orientações de política legislativa adoptadas pela Diretiva 1999/44/CE sobre venda de bens de consumo. Comparação com o Direito português vigente, Themis, Vol. II, n. 4, 2004, p. 109-120.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
86
. Questões a resolver na transposição da Diretiva e respostas dadas no colóquio, Themis, ano II, n. 4, 2004, p. 219-222.
XXXXX, Xxxxxx. Directive 1999/44 du 25 mai 1999 sur certains aspects de la vente et des garanties des biens de consommation, EDC, n. 2, 2000, p. 159- 180.
XXXXX, Xxxxx. Da Garantia das Coisas Móveis Duradouras, RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo, Coimbra, n. 58, 2008, p. 28-42.
GRAVATO XXXXXX, Xxxxxxxx. “A Alternatividade dos Meios de Defesa do Consumidor no Caso de Desconformidade da Coisa com o Contrato de Compra e Venda”, Liber Amicorum Xxxxx Xxxxx. A Causa dos Direitos dos Consumidores.
Instituto do Consumidor. Cumprimento Defeituoso do Contrato de Compra e Venda, Vários, distribuição: Livraria Almedina, 2002.
XXXXXXX XXXXXX, Xxxx. O Novo Regime da Venda de Bens de Consumo,
Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. II, Lisboa, 2005, p. 37-73.
. “Caveat Venditor? A Diretiva 1999/44/CE do Conselho e do Parlamento Europeu sobre a Venda de Bens de Consumo e as garantias associadas e as suas implicações no regime jurídico da compra e venda – Estudos em homenagem do professor doutor Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, vol. I, 2002.
XXXX XXXXX, Xxxxx. Conformidade e Garantias na Venda de Bens de Consumo, a Diretiva 1999/44/CE e o Direito Português, Estudos de Direito do Consumo, n. 2, 2000, p. 197-331.
. Reflexões sobre a transposição da Diretiva 1999/44/CE para o Direito Português, Themis, ano II, n. 4, 2001, p. 195-218.
. Responsabilidade Civil e Garantias no âmbito do Direito do Consumo
– o direito de regresso do vendedor final de bens de consumo, ROA, ano 62, I, 2002.
. Dano da Privação do Uso, Estudos de Direito do Consumidor, n. 8, Coimbra, 2007, p. 229-273.
XXXXX XXXXXXX, Xxxxx. Desconformidade e garantias na venda de bens de consumo: a Diretiva 1999/44/CE e a Convenção de Viena de 1980, Themis, ano II, n. 4, Coimbra, 2001, p. 121-144.
PEGADO XXX, Xxxxx. Conformidade e Garantias na Venda de Bens de Consumo. A Diretiva 1999/44/CE e o Direito Português, Forum Iustitiae, n. 8, 2000, p. 50 e ss.
XXXXX X XXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx. Venda de bens de consumo – Breves Considerações sobre os Meios de Defesa do Consumidor no Caso de Desconformidade da Coisa com o Contrato de Compra e Venda, Verbo Jurídico, Lisboa, Janeiro de 2014, passim.
XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx. Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Coimbra, 2001.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016
87
. Empreitada de bens de consumo – A transposição da Diretiva n. 1999/44/CE pelo Decreto-Lei 67/2003, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. II, Lisboa, 2005, p. 11-35.
XXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx xxx. Os direitos dos consumidores em casos de desconformidade da coisa comprada e a sua articulação com o abuso de direito, Lisboa, 2011.
XXXXX XXXXXXXX, Xxxxx. Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à venda e às garantias dos bens de consumo, Revista Jurídica da Universidade Moderna, vol. I, 1998, p. 461-479.
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. VI | n. 24 | DEZEMBRO 2016