CONTRATOS CELEBRADOS POR TELEFONE: sabe em que circunstâncias fica obrigado?
CONTRATOS CELEBRADOS POR TELEFONE: sabe em que circunstâncias fica obrigado?
1. Definição de contrato à distância: “qualquer contrato relativo a bens ou serviços celebrado entre um fornecedor e um consumidor, que se integre num sistema de venda ou prestação de serviços a distância organizado pelo fornecedor que, para esse contrato, utilize exclusivamente uma ou mais técnicas de comunicação a distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração”.
2. Tratando-se de um contrato à distância celebrado com o recurso ao telefone, celebrado depois de 13 de Junho de 2014, rege na circunstância a Lei dos Contratos à Distância (DL 24/ 2014, de 14 de Fevereiro).
3. O contrato só será válido e eficaz se fornecedor e consumidor cumprirem determinados requisitos, a saber, os constantes do n.º 7 do artigo 5.º, como segue: “Quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, excepto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efectuado pelo próprio consumidor.”
4. Duas hipóteses se perfilam, pois:
4.1. Se o impulso inicial tiver sido dado pelo fornecedor (isto é, se a iniciativa pertencer ao fornecedor), o contrato só será válido e eficaz se o consumidor assinar a oferta ou enviar o seu consentimento por escrito ao fornecedor.
4.2. Se o impulso inicial tiver cabido ao consumidor (ou seja, se a iniciativa partir, de modo inequívoco, do consumidor; não basta um mero aproveitamento de telefonema a denunciar, por exemplo, uma avaria), aplicar-se-á na vertente hipótese a regra do n.º 1 do artigo 6.º da LCD, a saber, “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve confirmar a celebração do contrato à distância no prazo de cinco dias contados dessa celebração e, o mais tardar, no momento da entrega do bem ou antes do início da prestação do serviço.”
4.3. De pouco importa que haja ou não gravações das conversas havidas com o consumidor: as regras supra enunciadas não poderão ser afastadas.
5. De qualquer forma, diz o n.º 2 do invocado artigo 6.º, que: “A confirmação do contrato a que se refere o número anterior realiza-se com a entrega ao consumidor das informações pré-contratuais previstas no n.º 1 do artigo 4.º em suporte duradouro.”
6. Ora, a confirmação pressupõe a entrega ao consumidor, afinal, do clausulado integral do contrato, que, entre outras, contém as seguintes menções:
“a) Identidade do fornecedor de bens ou do prestador de serviços, incluindo o nome, a firma ou denominação social, o endereço físico onde se encontra estabelecido, o número de telefone e de telecópia e o endereço electrónico, caso existam, de modo a permitir ao consumidor contactá-lo e comunicar com aquele de forma rápida e eficaz;
(…)
c) Características essenciais do bem ou serviço, na medida adequada ao suporte utilizado e ao bem ou serviço objecto do contrato;
d) Preço total do bem ou serviço, incluindo taxas e impostos, encargos suplementares de transporte, despesas postais ou de entrega ou quaisquer outros encargos que no caso caibam;
(…)
g) O preço total, que deve incluir os custos totais, por período de facturação, no caso de um contrato de duração indeterminada ou que inclua uma assinatura de periodicidade;
(…)
j) Quando seja o caso, a existência do direito de [desistência] do contrato, o respectivo prazo e o procedimento para o exercício do direito com entrega do formulário de livre resolução (desistência) constante da parte B do anexo à Lei dos Contratos à Distância, do qual faz parte integrante;
l) Quando seja o caso, a indicação de que o consumidor suporta os custos da devolução dos bens em caso de exercício do direito de livre resolução e o montante desses custos, se os bens, pela sua natureza, não puderem ser devolvidos normalmente pelo correio normal;
m) A obrigação de o consumidor pagar ao prestador de serviços um determinado montante, proporcional ao serviço já prestado, sempre que o consumidor exerça o direito de[desistência] depois de ter apresentado o pedido de fornecimento imediato;
n) Quando não haja direito de [desistência], nos casos previstos na lei, a indicação de que o consumidor não beneficia desse direito ou, se for caso disso, as circunstâncias em que o consumidor perde o seu direito de desistência;
(…)
p) A duração do contrato, quando não seja indefinida ou instantânea, ou, em caso de contrato de fornecimento de bens ou prestação de serviços de execução continuada ou periódica ou de renovação automática, os requisitos da denúncia, incluindo, quando for o caso, o regime de contrapartidas estabelecidas para a cessação antecipada dos contratos sujeitos a períodos contratuais mínimos;
(…)
t) A duração mínima das obrigações dos consumidores decorrentes do contrato, quando for o caso;
(…)
z) A possibilidade de acesso a um mecanismo extrajudicial de reclamação e recurso a que o profissional esteja vinculado e o modo de acesso a esse mesmo mecanismo, quando for o caso.”
7. Definição de suporte duradouro: “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada.”
Será exactamente desta forma que o fornecedor cumpre as obrigações a seu cargo de molde a que o contrato se tenha por válido e eficaz.
8. O contrato será naturalmente nulo por falta de forma, de acordo com o artigo 220.º do Código Civil: “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”).
9. E ainda que o contrato pelo telefone seja válido, em qualquer das hipóteses, haverá ainda a outorga de um período de reflexão de 14 dias, de harmonia com o que prescreve a alínea j) do n.º 1 do artigo 4.º, constante do ponto 6 supra, e do artigo 10.º da LCD.
10. Sendo válido, se das cláusulas não constar o período dentro do qual o consumidor possa exercer o seu direito de desistência, disporá então o interessado de 12 meses para o fazer contados do termo do prazo inicial (dos 14 dias).
11. Se o fornecedor não anexar ao contrato o “formulário de desistência”, o prazo para o efeito passa a ser também de 12 meses a contar do termo prazo inicial (dos 14 dias): 12 meses que acrescem aos 14 dias. E não 14 dias.
12. E se, por hipótese, do contrato constar uma cláusula que imponha ao consumidor a renúncia ao “direito de desistência” (o que começa a suceder em determinadas circunstâncias, por estranho que pareça… ou talvez não!), dado que os direitos conferidos ao consumidor e impostos como deveres ao fornecedor são imperativos, prevalece o prazo de 12 meses para o exercício de tal direito, nas condições já enunciadas (o prazo para se “dar o dito por não dito”).
apDC – associação portuguesa de Direito do Consumo
Projecto “Cidadão Esclarecido, Consumidor Precavido”, com o apoio “Fundo para a Promoção dos Direitos dos Consumidores”