SENTENÇA
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1040986-29.2014.8.26.0053
Classe - Assunto Procedimento Comum - Contratos Administrativos
Requerente: Estado de São Paulo e outro
Requerido: Concessionária de Rodovias Tebe S/A
Este documento foi liberado nos autos em 14/07/2016 às 17:01, é cópia do original assinado digitalmente por XXXXXXXXX XXXXX XX XXXXXX. Para conferir o original, acesse o site xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx, informe o processo 1040986-29.2014.8.26.0053 e código 2200DE2.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Xxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx
Vistos.
Trata-se de ação declaratória ajuizada pelo ESTADO DE SÃO PAULO e AGÊNCIA REGULADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DE TRANSPORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO – ARTESP em face de
CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS TEBE S/A, objetivando a declaração de nulidade do termo aditivo modificativo (TAM) nº 11/2006, do contrato de concessão nº CR/001/1998, determinando-se que o reequilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão tenha por base a receita efetiva, nos termos da lei e do contrato. Sustentou, para tanto, que firmou com a requerida, em 02/03/1998, o contrato de concessão do lote 3 de rodovias estaduais, com prazo inicial de vigência de 240 meses. Em 21/12/2006 foi firmado o TAM nº 11/06 que prorrogou por 84 meses o contrato original no intuito de recompor em favor da requerida o equilíbrio econômico financeiro da avença, estendendo o prazo do contrato para 324 meses. Todavia, o TAM apresenta vícios insanáveis, uma vez que não contou com a prévia oitiva da Consultoria Jurídica da Artesp, juntando-se pareceres da Consultoria Jurídica da Procuradoria Geral do Estado que não guardavam exata relação com o assunto ou com a análise sobre os termos e condições em que se pretendia efetuar o equilíbrio. Ademais, utilizou-se como base para se reestabelecer o equilíbrio o valor da receita fícta e não o da receita real, como rotineiramente procedido pela Artesp e como previsto no contrato e no edital. Afirmaram que o TAM desviou-se de sua finalidade porque causou desequilíbrio em desfavor do Estado e potenciais prejuízos aos usuários das rodovias, o que foi constatado pela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, contratada para verificar a correção na execução dos contratos. Diante do que fora apurado, instauraram-se, administrativamente, apuração preliminar e
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processo administrativo de invalidação do TAM, em que foram observados o contraditório e o devido processo legal, visando verificar se a recomposição proporcionou ganhos à concessionária, além do devido, e por via de consequência lesão ao Erário estadual e aos usuários, concluindo-se a existência de prejuízo na ordem de R$ 118,6 milhões para 2012. Juntaram documentos (fls. 35/1234).
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A fls. 1243 o sigilo na tramitação do feito foi negado.
Citada, a requerida contestou (fls. 1254/1429) para arguir, em preliminar, a falta de interesse de agir e a prescrição; no mérito, afirmou que o TAM 11/06 observou as disposições contidas no contrato de concessão, além do que a mera existência de ganhos excedentes do concessionário não induz ilegalidade da avença e que a verificação no sentido que o acordo foi financeiramente oneroso para o Poder Público não é suficiente para invalidar o negócio jurídico, sob pena de se afrontar os princípios da moralidade, da lealdade contratual e da segurança jurídica. Ademais, a manutenção da avença é imperiosa para se observar a estabilidade das relações contratuais e da confiança na legitimidade dos atos estatais. Discorreu sobre as falhas da metodologia adotada pela FIPE, pedindo a improcedência. Subsidiariamente, pediu a substituição do TAM invalidado por outro.
Houve réplica (fls. 1438/1451).
Instadas sobre provas, as autoras pediram o julgamento no estado e a requerida pedia a prova documental, pericial e oral (fls. 1452; 1454 e 1455/1458).
Manifestação do Ministério Público a fls. 1463/1469 pela extinção do feito, em razão da falta de interesse de agir das autoras.
Novas manifestações das partes a fls. 1473/1499 e 1500/1503.
Saneador proferido às fls. 1504/1508, que afastou as preliminares de falta de interesse, prescrição e estabeleceu como ponto controvertido a validade da metodologia utilizada na TAM 11/06 que utilizou demanda proposta e não a real. Foi deferida prova pericial, e nomeado omo perito Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx, já estabelecidos os quesitos do juízo.
Contra o despacho saneador, a FESP interpôs recurso de agravo retido (fls 1513/1522) quanto ao termo inicial para prescrição fixado e de instrumento (fls 1523/1548), em que discute a determinação de produção de prova pericial.
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1897/1902).
Apresentados quesitos pelos autores (fls. 1549/1896) e pelo réu (fls.
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A ré também interpôs recurso de agravo retido (fls. 1905/1923) contra a
rejeição das preliminares arguidas e postulando a produção de prova testemunhal. Quesitos apresentados pela ré às fls. 1924/1946.
Contrarrazões de agravo retido da ré (fls. 1949/1951).
Quesitos foram parcialmente aprovados (fls. 167), decisão contra a qual a ré opôs embargos de declaração (fls. 1971/1979), que tiveram o provimento negado (fls. 1982). Interposto, assim, recurso de agravo de instrumento (fls. 1986/2004).
Estimativa de honorários periciais (fls. 1955/1966), as partes se manifestaram (fls. 1970 e 1980/1981).
Perito se manifestou sobre impugnação a sua estimativa de honorários (fls. 2015/2023). Facultado o contraditório, autora se manifestou às fls. 2036/2037 e a ré às fls. 2038/2039.
XXXX informou que foi dado provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu produção de prova pericial (fls. 2043/2048), tornando prejudicada a prova a ser produzida. Não há informação de transito em julgado da decisão proferida em sede de julgamento de agravo.
A ré juntou prova pericial produzida em outro processo (fls. 2068/2116). A FESP postulou pela sua não consideração.
O Ministério Público pugnou pela extinção da ação, sem apreciação do mérito (fls. 1463/1469), que foi reiterada a fls. 2052.
É o relatório. Fundamento e decido.
As preliminares já foram afastadas, portanto passo à análise do mérito.
1. Das questões em debate.
Pretende a autora anula o termo aditivo e modificativo (TAM) nº 11/2006 (fls. 323/328), que prorrogou contrato de concessão por 84 meses, como forma de recomposição, a favor da requerida, do equilíbrio econômico financeiro, assinado em fase
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de transição governamental, sem prévia oitiva da Consultoria Jurídica da ARTESP, como seria necessário, nos termos do que dispõe o artigo 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93.
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Além disto, segundo as autoras, foram encartados no expediente administrativo visando o termo de aditivo e o reequilíbrio, pareceres da Consultoria Jurídica da Procuradoria Geral do Estado que não guardavam exata relação com o assunto, ou mesmo análise sobre os termos e condições em que se pretendia efetuar o reequilíbrio. Referidos pareceres se limitavam à análise do cabimento de realizar o reequilíbrio pela forma de prorrogação de prazo de contrato de concessão e sobre a não aplicabilidade, nos contratos de concessão, do limite de 25% para aditivos.
Ainda, o termo de aditivo tomou por base para cálculo do reequilíbrio o valor da receita fictícia e não o valor da receita real, como rotineiramente procedia a ARTESP ao celebrar termos aditivos.
A ARTESP já havia reconhecido administrativamente o desequilíbrio, decorrente de diversos fatores, como perda de receita, majoração do CONFINS e do PIS, alteração do ISSQN, adequação de investimentos, todos já sanados em TAM anteriores, após o devido cálculo.
O novo TAM, ora impugnado, se baseia nos fatores de desequilíbrio "mudanças da legislação tributária" e "atos do poder concedente", mas não se apoia em cálculos para o reequilíbrio, e assim viola o disposto no artigo 9º, §3º, da Lei Federal nº 8.987/95.
Entende a ré que agiu dentro da mais estrita legalidade, e que a alteração, nestas alturas, das cláusulas contratuais, feriria o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança. Os critérios utilizados para os reajustes obedeceram aos contratos e a conclusões da comissão . Ademais, em nenhum momento lhe foi permitida a produção de provas, e sem as mesmas não há fundamento para a alteração do TAM, já que não foi comprovado nenhum vício contratual.
2. Das concessões de rodovias e o reequilíbrio financeiro.
A concessão de rodovias é instituto relativamente novo no Brasil, e ainda
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não temos parâmetros consolidados para as revisões contratuais. Há necessidade de conjugar diversos fatores, às vezes conflitantes, como a necessidade de se garantir o lucro para as empresas, bem como sua capacidade de investimento, e tarifas justas ao contribuinte.
Matéria de 2015 na Carta Capital abordou o problema e a questão em jogo neste processo:
"Os elogios dos usuários às boas condições de algumas vias são acompanhados de críticas aos pedágios extorsivos, que pesam no bolso dos donos de automóveis e passageiros de ônibus e reduzem a competitividade dos transportadores de cargas. A tarifa média em São Paulo, onde foram concedidos 3,5 mil quilômetros de rodovias em 1998 e 1,8 mil quilômetros em 2008, é de 12,76 reais por 100 quilômetros, atrás apenas do Rio de Janeiro (12,93 reais) e acima da média brasileira (9,04 reais). Os contratos assinados pelo ex-governador Xxxxx Xxxxx garantem atualmente às empresas, entre elas as maiores empreiteiras do País, uma lucratividade não encontrada em outros investimentos de infraestrutura.
As condições econômicas desfavoráveis da época do início das concessões, com juros e dólar altos, são a justificativa do estado de São Paulo para aceitar uma taxa interna de retorno média de 19,3% ao ano para as concessionárias, mais do dobro dos 8,9% adotados nas concessões federais em 2007. Permanece sem explicação, entretanto, a não renegociação dos contratos com a mudança do ambiente de negócios, que não justificava mais porcentuais daquela magnitude. Pesa nas tarifas o critério de escolha, na licitação, do maior valor de outorga pago pelas concessionárias ao estado, em detrimento do custo baixo do pedágio. O governo paulista arrecadou em dois lotes de rodovias 14,7 bilhões de reais em valores correntes. No primeiro lote, o impacto na tarifa é de, aproximadamente, 10%, segundo concluiu a Comissão Parlamentar de Inquérito implantada na Assembleia Legislativa de São Paulo em 1999.
O modelo pautado na modicidade tarifária, adotado no governo Lula a partir de 2007, significou uma contraposição à fórmula paulista. Extinguiu-se a cobrança de outorga, baixou-se a taxa interna de retorno e definiu-se como critério de classificação a proposta de tarifa mais baixa. O formato atraiu a espanhola OHL, que arrematou cinco dos sete lotes leiloados.
Não demorou muito para os atrasos de obras essenciais evidenciarem a incapacidade de a empresa realizar os investimentos e as fragilidades do novo modelo. A OHL se desfez das concessões no fim de 2012, um ano depois do prazo da entrega das obras, não cumprido. Segundo a companhia, a demora na liberação de licenças ambientais e os constantes pedidos do Poder Público para mudanças no projeto causaram os seus problemas. Outra explicação é a tarifa excessivamente baixa, insuficiente para arcar com os custos das obras.
No mesmo ano, os contratos da OHL foram assumidos pela Arteris, controlada pela espanhola Abertis, a maior concessionária de rodovias do mundo, e os prazos foram prorrogados para 2017. Depois da assinatura, em 2013, de termos de ajuste de
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conduta com as concessionárias que apresentavam atrasos, a Agência Nacional de Transportes Terrestres garante que 79% das obras previstas estão concluídas ou em execução.
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Os problemas levaram os governos a rever o desenho das suas concessões. São Paulo adotou um modelo híbrido em 2008, de combinação do critério do menor pedágio com o pagamento de outorga, mas não obteve uma tarifa significativamente mais baixa. O preço por 100 quilômetros, de 13,65 reais nas concessões da década de 1990, ficou em 10,62 reais. Os questionamentos levantados pela segunda CPI do Pedágio da Assembleia Legislativa de São Paulo, instalada em 2014, não provocaram a revisão dos contratos antigos.
Uma medida de 2006 do governo paulista aumentou ainda mais os ganhos das concessionárias. A prorrogação do contrato de 10 das 12 empresas por até oito anos gerou um ganho indevido de 2 bilhões de reais até 2012, segundo a Agência de Transportes do Estado de São Paulo. Para o órgão regulador, os critérios usados para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos resultaram em aumento da taxa interna de retorno das empresas. A TIR da Autoban passou de 19,78% para 20,25%. O ex-governador Xxxxxxx Xxxxx, que assumira o mandato no lugar de Xxxxxxx Xxxxxxx, licenciado para concorrer à Presidência da República, disse à época não saber o conteúdo da prorrogação que assinou. O caso continua em análise e há questionamentos na Justiça, afirma a Artesp.
No leilão de 2013, o governo federal adotou novas exigências. Fixou tarifas-teto mais altas e condicionou o início da cobrança de pedágio à duplicação de 10% da rodovia. Segundo Xxxxx Xxxxxxx, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Xxx Xxxxxx, o formato é mais equilibrado, por perseguir a modicidade tarifária sem inviabilizar o investimento. “A exigência de um desembolso da concessionária antes da cobrança da tarifa forçou a formação de consórcios financeiramente fortes, com capacidade de realizar as obras necessárias.” O pedágio de 2,64 reais/100 km na BR-163, concessão arrematada pela Odebrecht, e o de 2,85 reais das BRs 060, 153 e 264, concedidas à Triunfo, entre Brasília e Belo Horizonte, confirmam o avanço em relação ao modelo antigo, representado na tarifa média de 12,76 reais nas rodovias de São Paulo.
Para Xxxxx Xxxxx, professora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, o governo federal corrigiu os erros da rodada anterior ao estabelecer requisitos mais rigorosos em relação às responsabilidades dos concessionários. Nas próximas concessões, ela prevê, porém, a necessidade de investimentos maiores e dificuldade em manter baixos os pedágios. Propõe o uso da Parceria Público- Privada, para garantir segurança jurídica à contrapartida do governo. Segundo Xxxxxxx, a PPP não resolve o problema da desconfiança do setor privado em relação ao orçamento público. A melhor solução, diz, está no formato das concessões adotado em 2013. Para a Associação Brasileira de Concessões de Rodovias, não há um modelo melhor que o outro, pois depende dos objetivos do governo e das características do projeto. A entidade prevê investimento 55 bilhões de reais em concessões no País nos próximos cinco anos. A intenção do Planalto era licitar neste ano mais cinco trechos de rodovias. O ajuste fiscal coloca, porém, os planos em compasso de espera.
Da matéria jornalísica, extrai-se que, no Brasil, desde que as concessões para
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rodovias foi instituída não se chegou a um critério claro para os reajustes de contratos, o que traz uma insegurança jurídica para o investidor e um risco, para o administrador, de lhe ser imputados atos de improbidade administrativa, porque em determinado momento, em razão da posição que ocupa, terá que fazer opções "às cegas", na falta de estudos e critérios confiáveis.
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3. Dos princípios constitucionais e legislação incidente.
Na falta de estudos e critérios mais confiáveis, não resta outra solução ao operador de direito, a não ser se apoiar em nas leis e na Constituição, às vezes com comandos bastante genéricos também, quando colocadas diante da situação concreta.
No caso dos autos, discute-se contrato administrativo cujo item 24.2 da cláusula 24 estabelece que "sempre que haja direito à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, essa recomposição será implementada tomando como base os efeitos dos fatos que lhe deram causa, na forma como foram considerados nas projeções financeiras" (fls. 304), o que de fato aponta para uma recomposição real das perdas contratuais, mas baseadas em projeções financeiras.
A cláusula contratual está em consonância com disposto no artigo 65, I, d, da Lei Federal nº 8.666/93:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - por acordo das partes;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Ao comentar referido dispositivo legal, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, esclarece que a "a garantia constitucional se reporta à relação original entre encargos e vantagens. O equilíbrio exigido envolve essa contraposição entre encargos e vantagens, tal como fixada
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por ocasião da contratação", não sendo relevante assegurar a posição lucrativa da empresa (Comentários à Lei de Licitações e contratos Administrativos, 14ª ed., p. 775).
O reequilíbrio econômico-financeiro tem guarida no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que estabelece:
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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Já no que pertine à tutela do equilíbrio econômico-financeiro, a questão é mais complexa, tendo em vista os termos vagos empregados pela lei: o que significariam fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. Qual seria esta justa retribuição a ser garantida?
A jurisprudência já chegou a algumas conclusões. Para o TCU, o relevante tem sido "a busca da preservação da vantagem (desconto) oferecida pela licitante vencedora e que permeou os termos originais da contratação" (Acórdão nº 865/2006, Plenário, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx).
Ainda, a tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar a própria administração, porque se os particulares tivessem que arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, teriam que formular propostas mais onerosas (Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Ob.Cit., p. 776).
Não justificam o reequilíbrio econômico-financeiro: 1) ausência de elevação dos encargos do particular; 2) ocorrência do evento antes da formulação das propostas; 3) ausência de vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos do contratado; 4) culpa do contratado pela majoração dos encargos (Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Ob.Cit., p. 777).
Enfim, a jurisprudência ainda é bastante casuística, e os critérios ainda um pouco incertos, o que dá azo às mais diversas interpretações dos fatos pelo poder público.
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4. Do fato litigioso.
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Em 2011, a ARTESP, insatisfeita com os termos do aditivo firmado, contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, entidade conceituada e de notória especialização, que concluiu sobre possíveis inconsistências na metodologia e no cálculo de recomposição do equilíbrio dos contratos de concessão havida no último trimestre de 2006, tendo como aspectos abordados até então cálculos de tributos não previstos no momento da apresentação da proposta original ou que tiveram alíquotas majoradas ao longo do contrato, bem como da perda de receita decorrente da aplicação parcial do índice de reajuste das tarifas de pedágio em 2003, e indicou que para o cálculo da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de 2006 levou-se em consideração a demanda da proposta e não a demanda real, o que tornou o reequilíbrio efetuado maior do que a perda sofrida pela concessionária.
A autora aduz ter optado pela via judicial para a anulação em razão da necessidade de estabilização da relação jurídica, não esgotando, portanto, a via administrativa.
Mas a ré informa que o TAM em questão foi julgado regular pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) por decisão proferida em 13/07/2010 (fls. 751/763) no processo TC 016086/026/98
No curso do processo administrativo, a ré tentou a produção de prova pericial independente para confrontar tecnicamente o relatório da Fipe. O pedido foi indeferido pela Artesp, o que motivou a ré a impetrar mandado de segurança para este fim. A liminar foi concedida pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública (processo nº 1010884 -58.2013.8.26.0053. Entretanto, o então Presidente do Tribunal de Justiça, Des. Xxxx Xxxxxxx, deferiu pedido de suspensão de liminar. Consequentemente, o processo administrativo foi concluído sem a produção da prova requerida pela concessionária.
Não é requisito de discussão da validade do contrato no Poder Judiciário o
esgotamento da via judicial. Conforme ensinamento de Odete Medauar:
Com efeito, nenhuma das atribuições do Tribunal de Contas apresenta- se como jurisdicional. Uma das bases significativas deste entendimento
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se encontra no seguintes: conforme o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, nenhuma lesão de direito poderá ficar excluída da apreciação do Poder Judiciário e qualquer decisão do Tribunal de Contas, mesmo no tocante à apreciação de contas de administradores, pode ser submetida ao reexame do Poder Judiciário, se o interessado considerar que seu direito sofreu lesão; assim ausente se encontra, nas decisões do Tribunal de Contas, o caráter de definitividade ou imutabilidde dos efeitos, inerente aos atos jurisdicionais (Controle da Administração Pública. São Paulo, RT, 3ª ed., 2014, p. 154).
Assim, a Administração tem autonomia, com o fim de preservar o interesse público, de realizar estudos sobre contratos firmados em desconformidade com a lei, não sendo ilegal o pedido de invalidação do TAM, não se vislumbrando nenhuma violação à LC 709/93 ou ao papel exercido pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Porém, no caso dos autos, está claro que foram formulados dois estudos diferentes, com critérios diferentes. Nenhum está certo, e nenhum está errado, pela falta de um parâmetro prévio fixado para se proceder ao reajuste.
No momento da repactuação, o administração seguiu um critério que lhe foi
apresentado.
Os pareceres da PGE de fls. 412-414,proferido pela Subprocuradora Geral
Xxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx, 415-420, pela mesma Procuradora do Estado, e 421-730, assinado por Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx, são genéricos, proferidos por profissionais da área jurídica sem conhecimento específico da área econômico-financeira, e portanto que se limitaram a analisar os aspectos jurídicos do termo de aditivo.
Os pareceres jurídicos, sabe-se, servem para cumprir um requisito legal, mas não suprem a falta de debate técnico prévio, que deveria existir em cada administração, debate este que deveria ser registrado nos processos administrativos para que o gestor, ao fazer a sua escolha, estivesse ciente das possibilidades e das consequências de cada das alternativas.
O processo administrativo preenche, neste contexto, todos os requisitos formais, não havendo como, do ponto de vista formal, reconhecer qualquer vício que enseje sua anulação. Tanto o estudo técnico anterior ao TAM quanto o estudo técnico posterior, realizado pela FIPE padecem do mesmo problema: são dois estudos autoritários, firmados com base em critérios não debatidos pelos interessados, e a substituição de um
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pelo outro apenas se justificaria, porque, a posteriori, os critérios adotados pelo primeiro TAM não trazem para o poder público o lucro que o mesmo entende que deveria auferir com os contratos.
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O TAM de fato cumpriu os requisitos legais e que a constatação superveniente pelo poder público de que o acordo se mostrou financeiramente oneroso para o poder público não é suficiente para invalidar o negócio jurídico, sob pena de sacrificar de todo os princípios da lealdade contratual e da segurança jurídica.
E ao contrário do afirmado, não houve violação ao item 24.2 da cláusula 24 (fls. 304), que é claro ao estabelecer que "sempre que haja direito à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, essa recomposição será implementada tomando como base os efeitos dos fatos que lhe deram causa, na forma como foram considerados nas projeções financeiras" , ou seja, no momento do reequilíbrio, devem ser levados em consideração os efeitos deste contrato, conforme projeções financeiras, cujos parâmetros, como afirmado por Xxxxxx Justen Filho, deve ser a própria proposta administrativa. Se a primeira proposta não foi vantajosa para a administração, seus aditivos devem refletir a mesma desvantagem, e não alterar este equilíbrio primeiramente firmado.
Como se verifica no termo de aditivo juntado aos autos, fls. 326, como recomposição foi formalizado um desconto de 50% do valor mensal do ônus fixo, devido pela contratada, num montante, no período entre março de 2007 e fevereiro de 2018, de R$ 133 mil reais mensais. Isto a partir de proposta advinda do próprio Conselho Diretor da ARTESP (fls. 325), aprovado pelo Secretário do Estado de Transportes (fls. 325).
Ocorre que, como apontado pelo próprio FIPE a fls. 346, "a concessionária afirma que o relatório da FIPE, por se basear nos valores efetivos, e não nos valores de proposta, não possui consonância com a previsão editalícia e contratual que fixou o equilíbrio contratual da concessão e o parâmetro para sua eventual recomposição", e está correta, pois este é o critério legal.
A FIPE entende que seus critérios são os corretos, porque já foram utilizados em outros termos aditivos. Mas este não é critério legal. Se foi aceito pelas partes, mas não preenche os requisitos legais, pode ser questionado, na medida em que não
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é um critério suficiente para manter o equilíbrio contratual da concessão e o parâmetro para sua eventual recomposição da proposta editalícia.
Este documento foi liberado nos autos em 14/07/2016 às 17:01, é cópia do original assinado digitalmente por XXXXXXXXX XXXXX XX XXXXXX. Para conferir o original, acesse o site xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx, informe o processo 1040986-29.2014.8.26.0053 e código 2200DE2.
A decisão de revisão pela administração sem amparo num debate técnico mais substancial, baseado apenas num outro laudo unilateral elaborado com novos critérios para o equilíbrio econômico-financeiro não atende à necessidade de uma estabilidade dos contratos administrativos. Para tanto é necessário critérios claros para o reequilíbrio contratual, com transparência e debate, por parte dos interessados.
Assim, em caso de omissão contratual, como talvez seja o caso, ante a novidade da concessão de rodovias, antes de se fixar critérios aleatórios, os mesmos devem ser discutidos publicamente, com transparência, o que não ocorreu no caso. Ao final, verifica-se uma discricionariedade administrativa totalmente desamparada de dados mais concretos a fundamentar o ato administrativo, que assim perde legitimidade, pois: 1) primeiro, apresenta alguns critérios e firma o TAM com base nestes critérios, elaborados inclusive por comissão de monitoramento das concessões e permissões de serviços públicos, antecessora da ARTESP (fls. 345); 2) depois, muda de ideia e contrata a FIPE para elaborar novo parecer, como novos critérios, sem nenhum prévio debate; 3) busca a revisão contratual sem prévio debate e procura firmar os novos critérios também sem nenhum debate e sem produção de prova pericial, insurgindo-se contra a produção da mesma tanto na esfera administrativa, que gerou o mandado de segurança já mencionado, como neste processo, com a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que tinha deferido a produção de provas pela concessionária.
Ora, como rever o contrato aleatoriamente, após a sua execução praticamente integral, por uma decisão unilateral, baseada na mudança de opinião do administrador?
O princípio da segurança jurídica foi expressamente encampado pela Constituição Federal, em seus artigos 5º, XXVI e 103-A, §1º, e tem como intenção assegurar à sociedade um elemento capaz de protegê-la de um ambiente institucional instável, mas só será plenamente realizado com a efetiva transparência nos fundamentos da decisão administrativa, o que não ocorreu neste caso.
A falta de fundamentação nos critérios adotados pela Administração
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inicialmente acabou abrindo espaço para a mesma, depois, mudar de ideia, gerando uma inadmissível insegurança jurídica.
A administração tem tanta ciência de que sua revisão de ofício ofende a ordem pública que optou por obter a chancela do Poder Judiciário para tanto.
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Mas não há fundamento nem legal nem contratual para a revisão pretendida. O art. 9º, §4º da Lei n.º 8.987/1995 estabelece que, em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o Poder Concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração. É isto que foi feito, e agora a revisão da revisão, após o contrato estar quase plenamente executado, configuraria numa violação ao dispositivo legal.
Já na cláusula 29.9 se fixa que a recomposição do equilíbrio econômico- financeiro do contrato, efetuada nos termos do item anterior, será, relativamente ao fato que lhe deu causa, única, completa e final, para todo o prazo do contrato e deverá ser previamente aprovada pelo poder concedente. Novamente, com o aditivo assim foi feito, e se não houvesse este prévio acordo, a concessionária poderia ter optado por não renovar o contrato. Agora, que não lhe resta mais esta opção, a alteração das cláusulas contratuais tem contornos de má-fé contratual.
A administração pretende a revisão com fundamento no princípio do interesse público e no princípio da legalidade.
No caso dos autos, conforme se verificou, foi cumprido o princípio da legalidade quando da elaboração do TAM impugnado. Mesmo que assim não fosse, e admitindo-se que as cláusulas contratuais admitiriam nova interpretação, à luz de um novo parecer, no direito administrativo contemporâneo, o princípio da indisponibilidade do interesse público vem sendo mitigado, e é Xxxxxxx Xxxx quem procura esclarecer as situações em que ocorre este mitigação1, distinguindo dois graus de interesse público: o substantivo, que diz respeito aos fins visados pela Administração, e o adjetivo, que diz respeito aos meios disponíveis para atingi-lo, sendo que apenas o substantivo é indispensável.
Como exemplo desta mitigação, menciona os diversos TACs firmados com o
1 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo, p. 96.
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poder público, concluindo que nas últimas décadas, a supremacia do interesse público em tese cedeu à supremacia dos princípios fundamentais constitucionais, bem como aos princípios da boa fé objetiva e princípio da confiança legítima.
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Sem dúvida, nos dias atuais não é possível levar ao extremo o princípio da supremacia do interesse público, revendo contratos cujo equilíbrio econômico-financeiro se mostre inadequado ao poder público, sem que se demonstre um erro administrativo ou a improbidade administrativa dos gestores, e apenas com base em revisão de critérios por conveniência e oportunidade, pois há situações em que uma posição intransigente implica em má gestão de recursos públicos e violação aos princípios da eficiência e da boa administração.
Com estes fundamentos, julgo a ação improcedente. Condeno a autora, em razão da sucumbência, ao pagamento de custas e honorários, que fixo em 20% do valor da causa.
P.R.I.
São Paulo, 13 de julho de 2016.