PARECER JURÍDICO
PARECER JURÍDICO
1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS – CONTRATOS GERAIS:
Nos termos do que dispõe o parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, é possível classificar a pandemia da COVID-19 como um evento extraordinário e imprevisível, que não poderia ter sido contemplado pelos contratantes no momento da assinatura do contrato, configurando uma situação de caso fortuito ou força maior:
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“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
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Veja-se que a redação do artigo 393 do Código Civil é bastante genérica, haja vista que não conceitua e diferencia o caso fortuito da força maior. Contudo, fato é que seja considerada caso fortuito ou força maior, a pandemia da COVID-19, somada aos decretos de estado de calamidade pública nacional e de restrição de mobilidade urbana e impedimento de atividades não essenciais editados pelos governos estaduais e municipais, implica flagrantemente em um evento inevitável que impede a consecução da obrigação outrora assumida contratualmente.
Assim, como solução geral aos contratos, verificando-se onerosidade excessiva com vantagem extrema para uma das partes em detrimento da outra, a parte prejudicada poderá requerer judicialmente a resolução do contrato (artigo 478 do Código Civil) ou o reequilíbrio econômico do contrato (artigos 317 e 479 do Código Civil).
Contudo, em função da extensão dos efeitos do novo coronavírus (COVID- 19), que tem atingido tanto empresas contratantes quanto empresas contratadas, o recomendável seria a negociação entre as partes para a busca de soluções criativas, e que fossem justas para ambos, evitando-se o embate judicial onde a tese do caso fortuito e força maior poderia ser refutada em virtude de que a pandemia tem atingido tanto contratados quanto contratantes, repita-se.
2) CONTRATOS DE DEMANDA CONTRATADA DE ENERGIA ELÉTRICA:
Posto o fundamento inicial, qual seja, a pandemia de COVID-19 somada ao decreto federal de estado de calamidade pública e aos decretos estaduais e municipais de restrição à mobilidade urbana e impedimento de atividades não essenciais ser fortuito externo
– seja ele caso fortuito ou força maior, imperioso é saber os impactos que este fortuito possui nos contratos de demanda contratada de energia elétrica.
Assim, especificamente no tocante ao contrato de demanda contratada de energia elétrica, é importante verificar que alguns contratos desta natureza oferecem expressamente o benefício da suspensão das obrigações afetadas por força maior.
Nesses contratos, uma alternativa viável diante da COVID-19 seria solicitar a suspensão temporária dos efeitos da cláusula de volume mínimo até a normalização das atividades da empresa e, com a retomada, rever a quantidade mínima até a normalização da produção, com ou sem alguma compensação futura ao fornecedor do bem ou serviço.
Portanto, para casos com contratos análogos ao acima mencionado, a solução jurídica mais viável, por ora, é a suspensão dessa parte do contrato enquanto permanece a pandemia da COVID-19.
Já com relação aos contratos de demanda contratada de energia elétrica que não oferecem o remédio da força maior, é importantíssimo destacar que a demanda contratada de energia elétrica se regula pela Agência Nacional de Energia Elétrica, sendo certo que a Resolução Normativa 414/2010, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, não prevê a redução provisória de demanda contratada em situação de emergência, calamidade pública, caso fortuito ou força maior.
Assim, uma solução jurídica possível para esses contratos que não preveem a suspensão por força maior é uma representação da Federação a que o sindicato pertence em face da ANEEL, para que a agência reguladora solucione a questão das sobras de demandas contratadas e não utilizadas, como foi realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo na última sexta-feira – 27.3.2020.
Ante o exposto, aos contratos de demanda contratada de energia elétrica, diante da pandemia da COVID-19, tem-se duas soluções jurídicas, a saber:
i) contratos que preveem expressamente a suspensão: pode-se requerer a suspensão dessa parte do contrato enquanto perdurar a força maior e,
ii) contratos que não preveem a força maior: deve-se representar em face da ANEEL pedido de regulamentação de solução para a questão das sobras de demandas contratadas, destacando-se aqui que tal possibilidade é plenamente viável e plausível, tendo como exemplo a Portaria 128/2020 do Ministério de Minas e Energia que, quando instado, se posicionou sobre a “inclusão de custos fixos ao Custo Variável Unitário - CVU para geração de energia elétrica, de Usinas Termelétricas - UTEs a gás natural despacháveis centralizadamente, operacionalmente disponíveis e sem Contrato de Comercialização de Energia Elétrica vigente na data de publicação” da referida portaria.
3) CONTRATOS DE MERCADO LIVRE DE ENERGIA ELÉTRICA:
Superada a questão de que a pandemia da COVID-19 é força maior, nos termos do que dispõe o artigo 393 do Código Civil, cumpre esclarecer agora suas implicações nos contratos do mercado livre de energia elétrica.
Nesse sentido, destaca-se que no mercado livre de energia elétrica existe uma liberdade entre as partes no tocante às cláusulas contratuais, que podem ser formadas de forma bilateral. Sendo assim, para uma posição assertiva será necessária a análise de cada contrato celebrado a fim de verificar se foi estabelecida cláusula admitindo a força maior ou não e qual a solução dada pelo contrato nessas situações.
Portanto, nos contratos celebrados no mercado livre de energia elétrica, o princípio do pacta sunt servanda é mais rígido, haja vista, repita-se, a bilateralidade na elaboração do aludido contrato.
Por exemplo, no contrato de compra e venda de energia elétrica celebrado entre a COPEL Energia e a CIMOL Comércio e Indústria de Imóveis restou estipulado na cláusula
19 a possibilidade de não responsabilização da parte afetada pelas consequências do não cumprimento das obrigações durante o tempo de duração do fortuito externo. Observe-se:
O contrato ora analisado também prevê a possibilidade de suspensão, desde que dê notícias em no máximo 48 (quarenta e oito) horas sobre a força maior, bem como estabelece que a parte afetada adote as providências cabíveis para remediar ou atenuar as consequências de tal evento, visando retomar suas obrigações contratuais com a maior brevidade possível.
Nesse sentido, observe-se os parágrafos 2º e 3º do artigo 19 deste contrato:
Portanto, deve-se analisar detidamente cada contrato de mercado livre de energia elétrica a fim de verificar qual solução é dada em cada contrato para cada caso em específico. No caso da XXXXX x CIMOL é possível a suspensão do contrato e o afastamento de qualquer penalidade contratual enquanto durar a força maior.
Noutro giro, caso o contrato de mercado livre de energia elétrica seja silente quanto à solução em casos de ocorrência de força maior, verificando-se onerosidade excessiva com vantagem extrema para uma das partes em detrimento da outra, a parte prejudicada poderá requerer judicialmente a resolução do contrato (artigo 478 do Código Civil) ou o reequilíbrio econômico do contrato (artigos 317 e 479 do Código Civil), posto que isto é a regra geral para os contratos, conforme já exposto no ponto 1 deste parecer.
Ademais, importa destacar que a situação presente não guarda precedentes em jurisprudência nacional passada ou ainda tipificação na legislação aplicável, o que necessariamente induz à negociação entre as partes envolvidas para de boa-fé, buscar uma solução para um dilema inédito na aplicação do ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, no tocante a legitimidade dos sindicatos para promover ações em favor dos seus associados, é importante destacar que a Constituição Federal, em seu artigo 8º, III, admite somente a substituição processual dos sindicatos de categoria profissional aos seus associados. Contudo, existe um precedente no Superior Tribunal de Justiça que admite a ação civil pública proposta por sindicato de natureza diversa de categoria profissional, notadamente um sindicato de agricultores.1
Nesse sentido, o sindicado rural propôs ação coletiva de consumo para o questionamento de cláusulas inseridas em contratos de cédulas de crédito rural firmados individualmente pelos trabalhadores.
Nessa linha, deve-se destacar que o STJ entendeu que “o elemento que caracteriza um direito individual como coletivo é a presença de interesse social qualificado em
1 RECURSO ESPECIAL Nº 1.537.856 - MT (2015/0137541-5)
sua tutela, ou seja, a ampliação da esfera de interesse particular em virtude do comprometimento de bens, institutos ou valores jurídicos cuja preservação importe à comunidade como um todo.”
Dessa forma, diante do precedente criado pelo Superior Tribunal de Justiça em sua Terceira Turma, vislumbra-se a possibilidade de uma ação coletiva de consumo (ação civil pública) a ser proposta pelo sindicato com vistas a questionar a revisão dos contratos de mercado livre de energia dos seus associados por força maior caracterizada pela pandemia da COVID-19.
Sendo o que por ora nos cabia, colocamo-nos a disposição para maiores
esclarecimentos.
Em 1º de abril de 2020.
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Gerente da Unidade Jurídica da FINDES OAB13770ES