Temporary teachers: flexibilization of contracts and teacher’s work conditions
Professores temporários: flexibilização das contratações e condições de trabalho docente
Temporary teachers: flexibilization of contracts and teacher’s work conditions
XXXXXXXX, Denize Cristina Kaminski1 ABREU, Claudia Barcelos de Moura2
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo analisar o fenômeno da contratação temporária de docentes na Educação Básica da rede pública do estado do Paraná. A contratação especial é uma forma atípica de admissão, para atender às necessidades temporárias de excepcional interesse público. Entretanto, essa modalidade tem se constituído, nos últimos anos, em uma prática cada vez mais recorrente. Buscou-se, neste estudo, compreender as possíveis causas do uso recorrente dessa prática de contratação no magistério paranaense e como ela tem impactado as condições de trabalho docente. Os resultados evidenciam que os professores contratados pelo Processo Seletivo Simplificado não possuem os mesmos direitos que os estatutários admitidos mediante concurso, não gozam de estabilidade profissional, não têm acesso ao plano de carreira e nem aos demais benefícios historicamente associados ao magistério público. Esse tipo de contratação caracteriza-se pela constante incerteza profissional, além da minimização dos direitos trabalhistas, o que tem causado precarização das condições de trabalho dos profissionais submetidos a este regime. Assim, é possível afirmar que a contratação temporária dos docentes da Educação Básica da rede pública estadual paranaense emerge de um contexto mais amplo, que, por sua vez, reflete as tendências atualmente presentes no mundo do trabalho, as quais, mediante inúmeras mediações, se associam ao movimento de reestruturação produtiva do sistema capitalista.
Palavras-chave: Professores temporários; Condições de trabalho docente; Magistério público.
Abstract
This study aims to analyze the phenomenon of temporary employment of teachers in the Public Education of the State of Paraná. The special procurement is an atypical form of admission, to attend the temporary needs of exceptional public interest. However, this method has become in recent years a practice increasingly recurring. This study sought to understand the possible causes of the recurrent use of this hiring practice in public education in Paraná and how it has impacted the working conditions of teachers. The results show that teachers hired by the Simplified Selection Process does not have the same statutory rights as a public admission worker, they have no job security, no access to career plan nor the other benefits historically associated with public teaching. This type of contract is characterized by constant professional uncertainty, and minimizing labor rights, which has caused deterioration of working conditions of professionals subject to this procurement regime. Thus, we can say that the temporary teachers of Public Education of Paraná emerge from a broader context, which in turn reflects the trends currently present in the working world, which, through numerous mediations, it is associated to the movement of productive restructuring of the capitalist system.
Keywords: Temporary teachers; Teacher’s work conditions; Teaching public.
1 Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Pedagoga e docente na Educação Básica e no Ensino Superior na Faculdade de Campina Grande do Sul (FACSUL). E-mail: <xxxxxx_xxxxx@xxxxxxx.xxx>.
2 Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).E-mail: <xxxxxxxxxxxxxxx@xxxx.xx>.
Trabalho & Educação | Belo Horizonte | v.23 | n.2 | p.129-139 | mai-ago | 2014 |129|
Introdução
O processo de reestruturação produtiva,3 em curso a partir da década de 1970 nos países centrais e desde o final da década de 1980 no Brasil, tem causado alterações significativas na organização do trabalho, conforme apontam estudos acerca das mudanças contemporâneas no mundo do trabalho.
De acordo com pesquisadores da área, as implicações decorrentes do processo de reestruturação do modo de produção capitalista têm causado diversas consequências como: flexibilização dos processos e mercados de trabalho (HARVEY, 1992); fragmentação, complexificação e diversificação da classe trabalhadora, enfraquecimento do poder sindical e aumento do trabalho precarizado e terceirizado (ANTUNES, 1999, 2005, 2006); substituição de um Estado intervencionista por um modelo neoliberal com redução da intervenção estatal (SANTANA; RAMALHO, 2003); aumento do desemprego na década de 1990 (XXXXXXXX, 2000; XXXXXXXX, 2001); ampliação de ocupações com baixa remuneração, o que vem causando queda na taxa de desemprego na primeira década dos anos 2000 (XXXXXXXX, 2012), entre outras características que têm repercutido diretamente sobre a classe trabalhadora.
Se, no início desse processo, a força de trabalho industrial sentiu os principais impactos; ao longo das últimas décadas, os trabalhadores dos mais diversos setores da economia passaram a vivenciá-los. Nesse cenário, em relação à organização do trabalho, entre outros elementos, há o predomínio da flexibilização dos contratos trabalhistas que, em muitos casos, tem gerado precarização das condições de trabalho. Tal situação afeta a classe trabalhadora como um todo, inclusive os profissionais do campo educacional, uma vez que o trabalho docente não está dissociado das relações sociais que perpassam a sociedade, pois, embora possua especificidades, apresenta características comuns a outras atividades laborais.
Desse modo, “o trabalhador da educação não está imune às mudanças pelas quais passa o conjunto dos trabalhadores”. Logo, os docentes “também estão submetidos às duras regras do jogo do mundo da produção capitalista” (XXXXXX; MACIEL, 2011, p.160).
Considerando as relações de trabalho presentes na sociedade atual, o docente do setor público, por ser funcionário estatutário aprovado em concurso, tinha por garantia a estabilidade em seu emprego e melhores condições de trabalho. Todavia, com a tendência atual de flexibilização das leis e dos contratos trabalhistas, intensificam- se as contratações temporárias, inclusive na área educacional, como é o caso dos professores da Educação Básica da rede pública estadual do Paraná contratados em regime temporário, os quais não possuem vínculo empregatício, podendo ser desligados a qualquer momento, conforme cesse a necessidade do Estado.
Embora não haja diferenças significativas em relação ao trabalho realizado por
3 Grosso modo, a reestruturação produtiva pode ser entendida como “um conjunto de mudanças no âmbito da produção e do trabalho, através de inovações tecnológicas, da implementação de novos padrões de gestão e organização do trabalho e do estabelecimento de novas relações políticas entre o patronato e os sindicatos” (DRUCK; XXXXXX, 2002, p.111-112).
temporários e efetivos, Xxxxxx e Xxxxxx (2011) acreditam que as condições de trabalho dos professores temporários são mais precárias que as dos concursados, por serem contratados para suprir a falta de professores em decorrência de aposentadoria, óbito, saúde ou licença, mas principalmente devido ao represamento de concursos públicos. O professor temporário é comumente sobrecarregado, ficando assim “sem as devidas condições de tempo para estudo, de remuneração para manutenção da vida, sem expectativa de continuidade do seu trabalho, ou em poucas palavras, sem condições de trabalho necessárias” minimamente (XXXXXX; XXXXXX, 2011, p.162), o que tende a incidir negativamente sobre o trabalho pedagógico desenvolvido por estes profissionais, por inúmeras situações como: formação inconclusa, ausência de vínculo com a instituição, entre outros aspectos inerentes à admissão temporária.
Mudanças no mundo do trabalho e suas repercussões no setor público educacional
Diante das mudanças processadas no interior do mundo do trabalho, a partir da crise capitalista dos anos 1970, emergem novas formas de contratação, as quais paulatinamente vêm atingindo trabalhadores dos mais diversos setores da economia. De acordo com Xxxxxx (1998, p.514), “a precarização do emprego se inseriu na dinâmica atual da modernização e é consequência dos novos modos de reestruturação produtiva e da luta pela competitividade”.
A fim de minimizar as consequências das sucessivas crises do sistema capitalista, emergiu a reestruturação produtiva que se repercutiu sobre os diversos setores da economia; na esfera pública, destaca-se a Reforma de Estado como o principal elemento decorrente desse movimento de reestruturação, em consonância com as políticas neoliberais,4 tendo como resultado o desmonte dos serviços públicos, devido à diminuição do papel do Estado, bem como a intensificação de privatizações, terceirizações e contratações esporádicas, com o objetivo de reduzir os gastos estatais.
De acordo com Xxxxxx e Xxxxxx (2011), as mutações no interior do processo produtivo, a fim de possibilitar a retomada dos patamares anteriores de acumulação capitalista, se efetivaram no âmbito da produção (reestruturação produtiva), no âmbito da política e da ideologia (neoliberalismo), na esfera do Estado (estabelecimento do Estado Mínimo), no mundo do trabalho (redução dos postos de trabalho, por conta da automação, dos contratos e das condições de trabalho precarizados, etc.) e no âmbito dos vínculos sociais (individualismo exacerbado, barbárie social, etc.), pois, “em suma, reestrutura-se e reorganiza-se a esfera produtiva e todos os âmbitos que dela derivam, em consonância com a expectativa econômica de superação de mais uma crise cíclica do capitalismo e reestabelecimento da acumulação” (XXXXXX; XXXXXX, 2011, p.168).
4 Para Mollo (2008) o neoliberalismo concebe o sistema de preços de mercado como eficiente e regulado, sendo que o Estado mostra-se necessário apenas para garantir essa hegemonia do mercado. Nesse sentido, o Estado é visto pela ortodoxia neoliberal como um alocador ineficiente de recursos; ademais, a intervenção estatal é entendida como ineficaz e distorcida, e, por isso, deve respeitar as iniciativas privadas, que necessitam de liberdade de atuação nos diferentes mercados.
Conforme expõe Vasapollo (2006, p.45), “a nova organização capitalista do trabalho é caracterizada cada vez mais pela precariedade, pela flexibilização e desregulamentação, de maneira sem precedentes para os assalariados”. Na acepção do autor, trata-se de um mal-estar no trabalho, pois os trabalhadores têm seus direitos desregulamentados, vivem sob apreensão constante, com medo de perderem seus postos de emprego. Trata-se, desse modo, de um processo que precariza a totalidade da vida social.
Nesse sentido, o processo de reestruturação produtiva favoreceu o desenvolvimento de uma série de medidas que possibilitaram a flexibilização das contrações e a intensificação das admissões em regime especial, inclusive em âmbito público.
De acordo com Xxxxxxxxx e Xxxxx (2009, p.155), ao abordar a situação do magistério brasileiro atualmente, é impossível deixar de problematizar a baixa remuneração e as péssimas condições de trabalho a que estão submetidos os professores; além disso, é comum mencionar o desprestígio do magistério, “que não tem atraído o interesse das novas gerações, causando o decréscimo do número de inscritos nos processos de seleção para os cursos de licenciatura”; as autoras ainda alertam para a proliferação de estudos acerca de doenças decorrentes do exercício da docência. Tais questões evidenciam problemas na área.
O professor da rede pública paranaense que é contratado por tempo determinado é um potencial desempregado, pois, ao ser dispensado de suas funções, em geral ao término do ano letivo, fica sem trabalho e, consequentemente, sem salário, à espera de recontratação. No ano seguinte depende de novas convocações, a partir das demandas da rede para ser novamente admitido. Assim, a rotatividade dos professores temporários é alta, o que evidencia a não continuidade do trabalho pedagógico, pois cada novo ano letivo representa uma incógnita na vida profissional do temporário, que não sabe em que escola irá atuar e se será recontratado. Inferimos que essa situação pode incidir negativamente sobre a qualidade do ensino ministrado na rede.
Dentre as variáveis de análise indicativas de precarização das condições de trabalho dos docentes temporários, podemos destacar inúmeras situações comuns a estes profissionais como: atuação em área distinta da formação profissional; formação inadequada ou inconclusa; grande quantidade de escolas e elevada carga horária de trabalho; desenvolvimento de ocupações profissionais extras; distinção/ discriminação no local de trabalho; tempo de contratação como temporário; ausência de sindicalização e participação de organizações e lutas de classe; insegurança; incerteza quanto ao futuro profissional; instabilidade no emprego; rotatividade; desvalorização profissional e social.
De acordo com Xxxxx (2007, p.114-115), “a precarização possui um sentido de perda de direitos acumulados no decorrer de anos pelas mais diversas categorias de assalariados”. Assim sendo, considerando-se que o professor temporário não tem acesso aos mesmos direitos historicamente conquistados no âmbito do magistério público, é possível inferir que o mesmo atua efetivamente sob condições precárias de trabalho.
As condições de trabalho e de emprego docente e o professor temporário da Educação Básica da Rede Pública do Estado do Paraná
A docência sofre atualmente um processo contínuo de desvalorização e precarização, no que se refere à questão salarial e às condições de trabalho; entretanto, é possível depreender que, apesar de os docentes efetivos e temporários realizarem trabalhos iguais ou similares, o docente temporário, devido ao seu vínculo empregatício instável e à rotatividade, inerente à sua contratação, acaba tendo sua condição de trabalho mais precarizada, se comparado com os estatutários, diante da incerteza sobre seu futuro profissional e da dúvida constante quanto à continuidade de seu trabalho na(s) escola(s) em que atua.
A existência de diversos vínculos empregatícios no âmbito do magistério público representa estratificação e fragmentação da classe, pois, embora efetivos e temporários sejam professores da rede estadual, por possuírem diferentes vínculos trabalhistas, não comungam dos mesmos interesses e não lutam pelos mesmos ideais, o que enfraquece o poder reivindicatório e a organização da categoria.
Embora o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal determine que a investidura em cargo ou emprego público exige aprovação prévia em concurso público, o inciso IX permite a realização de contratações atípicas, a fim de atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, por período que não ultrapasse o limite máximo de dois anos.
Como foi possível perceber nesta pesquisa, o contrato do professor temporário paranaense tem duração efetivamente de, no máximo, dois anos, pois, encerrado este prazo, elabora-se um novo contrato. Porém essa forma de interpretação, por parte dos órgãos de gestão do Estado do Paraná, constitui-se numa maneira de prorrogar o prazo estabelecido legalmente, manobra esta que claramente intenciona burlar a legislação vigente.
Diante dessa situação, é possível afirmar que uma contratação por período superior a dois anos não representa necessidade temporária de excepcional interesse, mas trata- se de uma necessidade permanente que exige a abertura de vagas efetivas, todavia, este aumento de vagas em âmbito público está submetido à intensa burocracia.
Contraditoriamente, percebe-se que, mesmo a contratação sendo a título precário, há afinal certo reconhecimento, por parte do Estado, dos serviços prestados por este profissional, pois seu tempo de trabalho temporário lhe garante pontuações em novos Processos Seletivos Simplificados ou mesmo em concursos públicos.
Segundo informações oficiais disponíveis no site da Secretaria de Educação do Paraná,5 mesmo com as últimas nomeações realizadas,6 no mês de novembro de 2012, havia 75.021 professores (incluindo pedagogos) contratados na rede pública
5 Informação disponível em: <xxxx://xxx0.xx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxx_xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx?xxxx00&xxxx0000>. Acesso em 7 jan. 2013.
6 Convém esclarecer que o concurso realizado em 2007 teve seu prazo de validade expirado em março de 2012. Assim sendo, até que se homologue o resultado do novo concurso promovido em maio de 2013, as vacâncias e substituições serão supridas somente por contratações temporárias, o que tende a elevar novamente a quantidade de admissões esporádicas.
estadual. Destes, 51.699 professores, ou seja, 69% eram concursados; e os 23.322 profissionais restantes, ou seja, 31% possuíam vínculo temporário. Todavia, se observarmos os dados individuais de alguns municípios e/ou núcleos regionais, é possível constatar que muitas vezes, em alguns casos, o número de temporários ultrapassa a quantidade de efetivos.
Essa amplitude numérica evidencia que, quase um terço dos profissionais da rede pública paranaense não possuía contratos estáveis, o que nos leva a questionar se a Constituição vem sendo cumprida, pois esse percentual não corresponde a uma situação excepcional, mas trata-se de uma contingente expressivo, em decorrência da priorização da contratação temporária por diversos mandatos governamentais consecutivos. Assim, é possível inferir que a contratação em regime especial tornou- se uma situação constante no quadro do magistério público paranaense.
Aquilo que era para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público torna-se regra, prática absolutamente normal por parte do Estado. Ao tornar- se normal não há porque implementar ações coletivas para mobilização, discussão, questionamento e embates em relação ao quadro que está instalado e que vem se consolidando ano a ano [...]. É certo que essa forma de contrato apresenta-se como opção interessante ao contratante, no caso o Estado, já que sem aumentar o número de servidores públicos efetivos mantém em funcionamento a instituição pública. Isto diz respeito ao estabelecimento do propalado Estado Mínimo brasileiro (VIEIRA; MACIEL, 2011, p.160).
Faz-se necessário ressaltar ainda que não há uniformidade nas formas de contratação temporária no Brasil, visto que a Constituição Federal determina que cada ente federado elabore leis para disciplinar a contratação em regime especial, o que acaba gerando situações ainda mais precárias em alguns estados do país, intensificando a fragmentação da categoria. Segundo Xxxxxx (2010), a maioria das redes públicas de ensino em todo o país admite, em seu quadro de pessoal, professores contratados em caráter temporário.
A admissão temporária não é um fenômeno recente na realidade do magistério brasileiro, surgiu muito antes do processo de reestruturação produtiva. De acordo com Xxxxxxxxx e Xxxxx (2009, p.69), a “instituição de concursos para a seleção de docentes inicia-se quando a tarefa do ensino é assumida pelo Estado, durante as Reformas Pombalinas em Portugal e suas colônias [...], o processo de seleção de professores iniciou-se em 1760”. As autoras pontuam que, após a aprovação no concurso, o cargo era vitalício, a menos que o professor decidisse mudar de localidade, perdendo o direito de lecionar. Portanto, a estabilidade do vínculo empregatício, que é uma das principais características das relações de trabalho docente no setor público, garantida mediante aprovação em concurso, tem suas origens no período colonial.
Assim, evidencia-se que, desde o século XVIII, os concursos públicos foram instituídos como uma necessidade obrigatória para a prática da docência, todavia, fatores como a falta de profissionais habilitados, abriram brecha para o estabelecimento de lacunas na legislação, possibilitando a contratação de professores substitutos desde aquela época.
A aprovação em concurso era determinante para a constituição da identidade dos professores, uma vez que proporcionava certa estabilidade e permanência no cargo, sempre que a escola não fosse fechada por falta de frequência. Desse modo, era fundamental que houvesse concursos de seleção com certa regularidade, pois os professores substitutos e interinos tinham uma situação mais frágil, na dependência das relações com os chefes políticos locais. Temos, desde o século XVIII, momentos em que a maioria dos docentes é de substitutos ou interinos, a que se segue a realização de concursos, motivada em grande parte por protestos dos docentes. Vale observar que a situação de substituto ou interino era favorável às acomodações de acordo com as inclinações e simpatias dos políticos locais, o que contribuía para que os concursos não se realizassem com a frequência devida (VICENTINI; LUGLI, 2009, p.73-74).
Essa informação evidencia que a contratação de professores com vínculo temporário, assim como a morosidade na realização de concursos públicos, não é um fenômeno contemporâneo.
Com o estudo da constituição histórica da profissão docente no país, é possível perceber que a contratação interina/temporária, sem a aprovação em concurso público, está prevista em lei desde o século XVIII, a fim de suprir a falta de profissionais concursados. Assim sendo, evidencia-se que essa situação tem origens históricas, alterando-se suas condições e nomenclaturas, mas basicamente ambas as formas de contratação são mantidas na educação pública desde o surgimento de um sistema educacional no Brasil.
Embora a legislação no país sempre tenha feito referência à necessidade de aprovação em concurso público para ingresso de docentes na educação pública, as brechas na lei que regulamentam a admissão de temporários eram [e ainda são] constantes, a fim de garantir o atendimento de necessidades de excepcional interesse público.
Pode-se depreender também que, nos primórdios da implantação de um sistema educacional no país, a causa das contratações temporárias era, sobretudo, a carência de docentes habilitados; entretanto atualmente esse fenômeno possui determinações diferentes, visto que, muitas vezes, aprovados em concurso público permanecem como temporários por anos.
Dessa forma, a gravidade da situação estudada reside na priorização da contratação de docentes com vínculo temporário em detrimento da nomeação de efetivos, em conformidade com as tendências neoliberais de contenção de gastos estatais, bem como da economia nos investimentos nas áreas sociais, em comparação a outras áreas mais “rentáveis” (FRIGOTTO, 1984); assim, podemos afirmar que uma das possíveis razões para a insistência do Estado em admitir profissionais não concursados vincula-se à tendência neoliberal de redução de despesas da máquina estatal.
Dentre as principais causas para justificar que o professor temporário aceite submeter- se a esse tipo de contratação, mesmo sabendo da insegurança do seu vínculo empregatício, é o fato de que o contrato em regime especial é visto, muitas vezes, como uma possibilidade de ingresso na carreira, sobretudo para os graduandos e recém-formados; além disso, esta é uma das formas mais fáceis de inserir-se no Estado, diante da ausência/morosidade de concursos. Assim, evidencia-se que o temporário, muitas vezes, não percebe a precariedade de seu vínculo, entendendo-o
como uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho, devido à necessidade de sobreviver, por constituir uma classe que efetivamente vive do seu trabalho.
Acerca das razões que levaram à intensificação das admissões temporárias, de acordo com as informações aqui expostas, diversos são os motivos que permitem explicar tais contratações, é possível perceber que um conjunto de elementos culminou no quadro presente na atualidade.
Conforme entrevista realizada com a ex-gestora responsável pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, dentre as principais causas que justificam a ampliação da admissão de temporários na rede estadual atualmente destacam- se os seguintes elementos: inconstitucionalidade da empresa Paranaeducação (pois os profissionais admitidos pela referida empresa foram recontratados pelo Processo Seletivo Simplificado); alterações na grade curricular estadual (a ampliação de algumas disciplinas exigiu mais admissões, sem necessariamente haver concursos na área); aumento da demanda escolar (atendimento de segmentos que antes não eram de responsabilidade da rede estadual); alargamento da jornada escolar (o que exigiu um maior contingente de profissionais na rede); necessidade constante de suprir vacâncias de forma imediata (diante de licenças, afastamentos e outras situações excepcionais de curta duração); Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (que licencia professores efetivos da sala de aula para o desenvolvimento de pesquisas); Lei de Responsabilidade Fiscal (que limita os gastos públicos, de tal forma que as despesas com pessoal não pode exceder 60% da receita corrente do Estado); morosidade dos concursos públicos; decisões governamentais (pela não realização de concursos e/ou chamamento de aprovados para preencher vacâncias de cargos).
Assim sendo, claro está que não há como atribuir a uma única causa a intensificação das contratações temporárias em âmbito público, uma vez que existem diversas situações que conduziram à recorrente utilização dessa forma de admissão e necessitam ser analisadas dialeticamente em seu conjunto.
Entretanto, embora seja possível perceber que há inúmeras variáveis que justifiquem o fenômeno da contratação precária, em última instância, podemos inferir que o fator econômico é determinante nessa prática, pois a admissão de temporários torna-se mais econômica para o Estado em longo prazo, uma vez que estes profissionais não têm acesso aos planos de carreira, às progressões e gratificações, de tal forma que seu salário sempre se restringirá ao valor mínimo da tabela de vencimentos do magistério paranaense; além disso, esses benefícios concedidos aos estatutários também são contabilizados como despesas com pessoal, o que tende a ampliar os gastos, tornando maior a pressão com relação à Lei de Responsabilidade Fiscal sobre o Estado.
A contratação temporária permite reduzir as despesas estatais com pagamento de pessoal, em conformidade com as tendências neoliberais de minimização de gastos nas áreas sociais, porém os trabalhadores arcam com as principais consequências dessa opção política do Estado, sendo severamente impactados por essa situação, tendo suas contratações precarizadas, assim como suas condições de trabalho, o que incide negativamente sobre suas vidas e carreiras.
Porém, com o que foi aqui exposto, é possível afirmar que mesmo reconhecendo que as admissões em regime especial sejam precárias, percebe-se que elas não serão abolidas da rede pública estadual paranaense, pois situações atípicas, como licenças e afastamentos, não permitem a abertura de novos cargos, o que exige contratações desse caráter, a fim de garantir a oferta do serviço público em questão por um determinado período de tempo.
Mesmo com a previsão da contratação de mais de 13 mil professores estatutários com o novo concurso realizado em 2013, de acordo com o Jornal Gazeta do Povo7 de 19/11/2012, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná declarou que, ainda assim, continuará a contratar profissionais pelo Processo Seletivo Simplificado (PSS), embora pretenda diminuir o contingente numericamente. A justificativa é que esse profissional temporário precisa ser mantido por conta da necessidade de suprir a falta esporádica de professores. Entretanto, para que seja válido o amparo legal, de acordo com o inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, é necessário que a proporção dessas admissões seja a menor possível.
Considerações finais
Com as pesquisas realizadas, constou-se que as condições de trabalho do professor temporário da rede pública da Educação Básica do Estado do Paraná mostram-se efetivamente precarizadas, devido à instabilidade de seu vínculo empregatício, da incerteza quanto ao seu futuro profissional e da rotatividade a que esse profissional está submetido, o qual é demitido ao final de cada ano letivo, sem garantias de posterior recontratação no ano seguinte, dependendo da demanda de vagas ofertadas nos diferentes estabelecimentos de ensino.
Trata-se, pois, de uma forma de contratação prejudicial para o professor temporário, que não usufrui dos mesmos direitos e benefícios que os estatutários, muito embora ambos trabalhem lado a lado nas escolas públicas da rede estadual. É um regime de trabalho que não garante estabilidade profissional, pois, ao término do contrato, o docente se torna um desempregado, necessitando aguardar o próximo ano letivo, sem saber se conseguirá emprego e para qual escola irá, não recebendo remuneração neste período, o que se configura uma situação de desvalorização para esse profissional e de precarização das suas condições trabalhistas.
Diante desse evidente aviltamento das condições de trabalho e de emprego dos professores temporários paranaenses, inferimos que alguns aspectos inerentes à contratação em regime especial podem incidir negativamente sobre a qualidade do ensino ministrado na rede, como: admissão de bacharéis e graduandos, possibilidade de atuação em área distinta da formação, fragmentação de carga horária, ausência de continuidade do trabalho pedagógico, entre outros aspectos.
O fato de o Estado recorrer à contratação temporária como forma de poupar gastos deve ser analisado no âmbito do fenômeno do neoliberalismo e da reestruturação
7 Informação disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxx.xxxxx?xxx0&xxx0000000&xxxxXxxx-xxxxx-xxxx- para-portugues-e-matematica#ancora>. Acesso em 19 nov. 2012.
produtiva, visto que essa prática traz graves consequências para o trabalhador. Tal situação vem exigindo da classe trabalhadora, dos sindicatos que representam seus interesses e da própria sociedade civil novas formas de organização e reivindicação, a fim de buscar melhores condições de trabalho que garantam estabilidade e profissionalização aos professores paranaenses.
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Data da submissão: 02/07/2013 Data da aprovaião: 11/08/2014