THE CONTRACT OF INTERMITTENT WORK IN THE
O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NA REFORMA TRABALHISTA BRASILEIRA: contraponto
com o modelo italiano
THE CONTRACT OF INTERMITTENT WORK IN THE
BRAZILIAN LABOUR REFORM: counterpoint to the Italian model
XXXXXXXX, Xxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxx*
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Constituição Federal Brasileira, 1988).
Resumo: O contrato de trabalho padrão é firmado entre as partes por prazo indeterminado. Nesse tipo de contrato o empregado, além de ter seu ganho previsto, vai se especializando e melhorando a qualidade do seu serviço, e, pensando em conhecimento, é interessante que tal trabalhador fique mais tempo na empresa, pois há ganho na sua produtividade. A ideia do contrato intermitente rompe essa lógica: mantém-se o vínculo de subordinação do contrato padrão, mas se permite a utilização da mão de obra de forma descontínua, o que diminui o ganho pessoal do empregado e também sua efetiva produtividade e especialização. Tomando esta premissa, o artigo faz uma reflexão sobre a aplicação do contrato de trabalho intermitente a partir da Lei n. 13.467/2017 e apresenta o modelo regulador feito pela legislação italiana, que foi fonte de inspiração para o legislador brasileiro.
Palavras-chave: Reforma trabalhista. Trabalho intermitente. Direito comparado.
*Juíza do Trabalho, titular da 2ª Vara de Franca/SP, TRT da 15ª Região. Bacharel, Mestre em Direito e Professora Assistente no Departamento de Direito Privado, de Processo Civil e do Trabalho da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - FCHSS - Unesp/SP. Doutoranda em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Facoltà La Sapienza em Roma, Itália.
Abstract: The standard employment contract is signed between both parties for an indeterminate period. In this type of contract the employee, besides having his expected earnings, is specializing and improving the quality of his service, and, thinking about knowledge, it is interesting that such employee will stay longer in the company, for there is a gain in his productivity. The idea of the intermittent contract breaks that logic: it keeps the subordination bond of the standard contract, but allows itself to use labour in a discontinuous way, which diminishes the employee’s personal gain and also his effective productivity and specialization. With that premise, the article makes a reflection about the applicability of the intermittent work contract from Law n. 13.467/2017 and presents a regulatory model made by the Italian legislation, which was a font of inspiration for the Brazilian legislator.
Keywords: Labour reform. Intermittent work. Comparative Law.
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
O interesse pelo estudo do contrato de trabalho intermitente nasceu de uma curiosidade contínua que deriva de um paradoxo.
Por um lado temos a realidade do trabalhador que necessita de ganhos previsíveis e constantes para fazer frente às suas necessidades cotidianas, bem como atividades empresariais que necessitam de tra- balhadores continuamente aptos e treinados para a produção de bens e serviços em um modelo econômico que exige cada vez mais eficácia e efi- ciência em prol da produtividade e competitividade.
De outro lado, temos a autorização legal para que o contrato de trabalho seja firmado sem continuidade, de modo intermitente, o que significa imprevisibilidade de ganho para os trabalhadores e, como con- sequência imediata, o rompimento da linha de continuidade que deve existir para atualização constante e melhoria da qualidade profissional dos trabalhadores, ou seja, a atualização cotidiana realizada no local de trabalho em razão do acompanhamento das atualizações dos modos de produção de bens e serviços.
Em que pese o atual estágio de desenvolvimento do mercado de trabalho e seus novos modos de organização1, ainda hoje, para a imensa
1Tenhamos em mente a gig economy e sua atuação através do sistema denominado crowdwork. A expressão inglesa gig economy é utilizada para se referir a um modelo econômico cada vez mais difuso, onde não existe prestação de trabalho de modo contínuo, realizado de modo precário, mas se trabalha sob demanda. Esse modo de trabalho tem sido alavancado através das plataformas digi- tais (crowdwork). Tal modelo de plataformas digitais criadas para “desintermediação” no mundo do trabalho tem como principal exemplo o da plataforma de transporte conhecida como Uber (do qual deriva o vocábulo uberização, utilizado em diversos contextos). Existem hoje várias plataformas digitais utilizadas para “desintermediação” de prestação de serviços dos mais diversos tipos. Cite-se, como exemplo, a plataforma helpling, na área de limpeza residencial em vários países, a saber: nos Emirados Árabes, Austrália, Alemanha, França, Países Baixos, Itália, Singapura, Reino Unido e Irlanda. Link de acesso à plataforma italiana: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xx>. Acesso em: 1º jul. 2017.
maioria dos trabalhadores, a forma comum de trabalho corresponde ao contrato de trabalho subordinado, a tempo pleno e por prazo indeter- minado (contrato standard), que seja apto a garantir, no final do mês, um mínimo de estabilidade econômica.
As constantes inovações tecnológicas que estão ao centro da 4ª Revolução Industrial, chamada revolução cibernética (CPS - Cyber Physical System, caracterizada pela automação e interconexão na produção de bens e serviços), e as sucessivas alterações dos processos produtivos que podem garantir competitividade em um mundo globalizado, onde a concorrência é cada vez maior, exigem que qualquer atividade empresarial tenha, para a adequada produção de bens e serviços, trabalhadores que detenham conhecimentos atualizados a respeito dos processos produtivos.
Tais conhecimentos exigem a permanência de trabalhadores no local de trabalho, tanto pelo conhecimento que se adquire simples- mente pela execução da tarefa, quanto pelas constantes modificações do processo produtivo.
Neste cenário, surge a ideia de rompimento desta lógica com a criação de uma tipologia contratual que, mantido o vínculo de subordi- nação típico da contratação standard, permite a utilização descontínua do tempo de trabalho, com reflexos diretos sobre os ganhos oriundos do tra- balho e na sua profissionalização, sob o ponto de vista do seu afastamento da situação de aprendizado permanente dentro da empresa.
A primeira justificativa para a quebra do paradigma do con- trato de trabalho standard encontra-se no impacto das sucessivas crises econômicas nos processos produtivos que, em busca de maior efetividade e competitividade, organizam de modo diverso o tempo de trabalho (con- tratos a tempo parcial, horários flexíveis, jornadas diferenciadas) com o objetivo imediato de reduzir os custos de produção.
Quanto à questão da utilização diferencial do tempo de tra- balho do empregado subordinado, o advento da tecnologia e a larga utilização da comunicação em rede com conexão automática e instantâ- nea otimizaram a utilização do teletrabalho e do smart work2, que, como modalidades de execução do contrato de trabalho subordinado, serviram para ultrapassar a barreira do confinamento do trabalhador a um único local físico comandado pelo empregador. Quanto ao smart work, revela-se a possibilidade de uma nova organização do trabalho, entregando-se ao trabalhador a plena gestão do lugar e do tempo de trabalho.
Paralelamente a esta nova forma de administração do tempo de trabalho que, por um lado, poderia servir para auxiliar o trabalhador a administrar a tênue fronteira de conciliação entre tempo de trabalho e tempo dedicado à sua vida pessoal (sem deixar de lado a problemática do direito à desconexão), mas, por outro lado, o mantém vinculado a um contrato de trabalho standard, vemos nascer a ideia da prestação de traba- lho de modo intermitente, que rompe esse paradigma.
2Referência à Lei n. 81/2017, de 22 de maio de 2017, que regulamentou, no modelo italiano, o
smart work ou lavoro agile.
Essa ruptura significa criar uma terceira espécie de tempo na vida do trabalhador: aquele que está entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo que ele dedica à sua vida pessoal, mas que permanece em um limbo temporal, ou seja, não é utilizado efetivamente para a atividade laborativa, nem pode ser livremente utilizado para sua vida pessoal3.
Este terceiro tempo, que para o trabalhador poderia significar uma disponibilidade permanente (embora não aproveitável pelo empre- gador), não possui fácil enquadramento jurídico. Poderia este tempo ser remunerado se, por algum modo, o trabalhador permanecer aguardando o chamado para o trabalho, ou sofrer qualquer tipo de restrição à sua vida pessoal ou ao seu direito de livre locomoção em razão de possível chamado para a atividade laborativa. Como exemplo temos aquele traba- lhador que pode ser solicitado a manter-se sóbrio ante a possibilidade de ser acionado para a atividade laboral dentro de um determinado arco tem- poral, ou aquele que não pode ausentar-se de um determinado perímetro.
Por outro lado, este tempo de espera do trabalhador, via de regra, não é remunerado se o trabalhador possui ampla liberdade de dispor livremente do tempo e do espaço que tem à disposição.
No entanto, ainda nesta última hipótese, o trabalhador que mantém um contrato de trabalho subordinado passa a viver em uma espé- cie de espera permanente para prestação do trabalho (e se vê tolhido da ampla liberdade pessoal em face desta mesma expectativa), o que é plena- mente justificável em razão da necessidade de auferir ganhos suficientes para sustento próprio e de sua família.
No direito brasileiro, até o advento da atual Lei n. 13.467/2017 o trabalhador vinculado a um empregador através de contrato de trabalho subordinado, seja a tempo determinado ou indeterminado, deveria ter em seu contrato a previsão expressa do tempo destinado ao trabalho, e se dentro deste tempo o trabalho não fosse disponibilizado, o mesmo deveria ser pago como tempo de efetivo trabalho, salvo as exceções previamente previstas em lei.
Resta saber como se dará, no nosso meio, a aplicação do contrato de trabalho intermitente a partir da Lei n. 13.467/2017. Para uma reflexão preliminar, o presente estudo apresentará as linhas gerais da previsão legis- lativa brasileira e, como contraponto, apresentará como a legislação italiana regula o modelo, até mesmo porque esta teria sido uma das inspirações do legislador brasileiro.
2 O TRABALHO INTERMITENTE NO MODELO BRASILEIRO
O projeto original (PL 6.363/20054), que propôs a adoção desta modalidade contratual, apontava para a necessidade de modernizar a
3Essa ideia de tempo diferencial do trabalhador vem tratada de modo geral por Xxxxx Xxxxxxxx na monografia sobre Contrato de Trabalho Intermitente, discutindo a questão no modelo português. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/0>. Acesso em: 15 jul. 2017.
4Íntegra do Projeto disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxx- tegra?codteor=987012>. Apensado ao Projeto que foi aprovado, ao final, dando origem à Lei n. 13.467/2017. Acesso em: 1º ago. 2017.
legislação trabalhista com a finalidade de acompanhar as alterações no mundo do trabalho.
Fundava-se na existência de trabalhadores que não possuíam interesse em trabalhar a semana toda, seja para obter outros ganhos finan- ceiros, seja para preparação intelectual ou profissional em outras áreas, bem como na existência de atividades econômicas que não demandariam um número fixo de empregados em tempo integral.
A ideia do legislador seria coordenar ambos os interes- ses. Xxxxxxxx, também, a necessidade de validar contratos de trabalho atípicos firmados para atividades descontínuas. O projeto citava, ainda, os modelos legais de Portugal e da Itália como paradigmas de regulamen- tação desta espécie contratual.
Em que pesem as alterações no texto original, que deram origem ao texto aprovado, objeto de análise, é importante resgatar a origem do pro- cesso legislativo, e não apenas por um interesse meramente histórico, mas porque desta justificativa deve também partir o intérprete a fim de verificar se a regulamentação proposta seria hábil a atingir o fim a que se destina.
2.1 Conceitos de intermitência e de trabalho intermitente (trabalho a tempo alternado e trabalho a chamada)
A primeira questão a ser analisada refere-se ao significado do termo intermitência.
Segundo o dicionário Xxxxxxx, intermitente é o “que apresenta interrupções ou suspensões; não contínuo” (XXXXXXXX, 2010, p. 1174).
Pois bem.
O texto legal aprovado traz a permissão legal para utilização do contrato intermitente no art. 443 da CLT, ao prever que:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
Já a definição do que pode ser considerado trabalho intermi- tente veio inserida no § 3° do mesmo dispositivo legal, a saber:
§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subor- dinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independen- temente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação específica.
Constata-se de imediato que se trata, sem sombra de dúvidas, de um contrato de trabalho subordinado. Trata-se, outrossim, de contrato
por prazo indeterminado, já que o contrato por prazo determinado, como exceção à regra, precisa de autorização específica para sua formalização que, no caso, não foi prevista pelo legislador.
A primeira questão se que levanta, a partir da definição legal, é a respeito de que tipo de contrato de trabalho intermitente o legislador desejou inserir na legislação brasileira.
Isto porque o contrato de trabalho intermitente deve ser considerado o gênero do qual derivam inicialmente duas modalidades contratuais: o contrato de tempo alternado (que deve distinguir períodos de prestação laborativa e períodos de inatividade) e o contrato a chamada (no qual cabe ao empregador, unicamente, a gestão do tempo de trabalho de acordo com as necessidades empresariais).
Na legislação portuguesa estão previstas ambas modalida- des, como nos ensina Xxxxx Xxxxxxxx0, ao distinguir as duas espécies de contratação possíveis através de contratos de trabalho intermitentes pre- vistos no Código do Trabalho Português de 2009:
Se, para além do quantum, também é previamente definido o quando da prestação de trabalho, estamos perante a submodalidade de trabalho alternado, em que as partes estabelecem o início e o termo de cada período de trabalho (cfr. art. 159º, n. 1, 1ª parte). O ritmo de inter- mitência é previsível e está programado no contrato.
Se o quando da prestação não é antecipadamente determinado e o trabalhador se obriga a responder às solicitações do empregador (art. 159º, n. 1, in fine), o ritmo da intermitência é imprevisível ou irregular, pois a prestação do trabalhador depende do chamamento do empregador. Trata-se da submodalidade de trabalho à chamada.
Embora o § 3º do art. 443 da CLT traga previsão da existência de períodos alternados de trabalho e disponibilidade (contrato de tempo alternado), o art. 452-A, § 1º, da CLT estabelece que o empregador con- vocará o empregado para o trabalho por qualquer meio de comunicação eficaz, informando qual será a jornada, com pelo menos 3 dias de antece- dência (contrato a chamada).
Desta distinção evidencia-se uma relevante questão jurídica.
Isto porque, quando o legislador brasileiro estabelece como característica do contrato intermitente a alternância entre trabalho e ina- tividade, não se pode pensar em um contrato de zero hora, ou seja, um contrato no qual o trabalhador jamais seja acionado ao trabalho.
Como definir, então, os períodos de trabalho e de inatividade?
Aqui teríamos, em princípio, duas opções.
A primeira seria celebrar o contrato de trabalho intermitente de tempo alternado, no qual o empregador deve estabelecer os períodos
5Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/0>. Acesso em: 14 ago. 2017.
de prestação de trabalho e os de inatividade no ato da contratação. A situação seria possível em atividades intermitentes nas quais o empregador sabe, antecipadamente, quando a atividade será desenvolvida, a exemplo das atividades de shows, espetáculos, casas de entretenimento e afins.
A segunda opção seria celebrar o contrato de trabalho inter- mitente a chamada, no qual o empregador, embora não saiba de antemão quando o trabalhador poderá ser acionado, deve trazer uma previsão mínima e máxima de ativação do trabalhador (mínima no sentido de obri- gar-se à convocação daquele empregado para o trabalho, e máxima no sentido de evitar o desvirtuamento da norma que exige, na sua origem, a intermitência). Aqui teríamos o exemplo de empresas que organizam eventos e, via de regra, dependem de contratações externas para exercício da atividade empresarial.
2.2 Atividades que podem se utilizar do trabalho intermitente: quanto ao
ramo de atividade e quanto à duração da mesma atividade
O art. 443, § 3º, da CLT estabelece que o contrato de trabalho intermitente pode ser utilizado independentemente do tipo de atividade do empregado ou do empregador, excetuando-se apenas os aeronautas, regidos por legislação específica.
Ainda que o dispositivo legal não tenha limitado o uso do contrato intermitente a determinadas atividades (comércio, serviços, turismo, hotelaria etc.) ele também não estabeleceu critérios quanto à ati- vidade do empregador, ou seja, se ela também deve estar caracterizada pela intermitência.
À primeira vista pode parecer que o contrato poderia ser utili- zado indistintamente, seja pelo ramo de atividade ou pelas características próprias de cada atividade: perenes ou intermitentes.
A ampliação do uso do contrato de trabalho intermitente, sem vinculação à intermitência da própria atividade do empregador, porta consigo diversas questões jurídicas de grande relevância que tornam inviável tal interpretação ampliativa e não encontra respaldo na análise sistemática da legislação laboral.
Embora a justificativa do Projeto de Lei n. 6.363/2005 trouxesse como fundamento para inserção da possibilidade do contrato de trabalho intermitente as atividades empresariais nas quais pode não ser exigida a prestação de serviços de modo contínuo, o texto final aprovado nada disse a respeito.
Observa-se que a definição do contrato de trabalho intermi- tente é efetuada pela intermitência na prestação de serviços, ou seja, o empregador poderia, por uma interpretação sumária da norma, contratar empregados intermitentes em quaisquer atividades, ainda que contínuas.
No entanto, não parece ser esta a interpretação adequada do novo texto legal. Tal decorre do fato de que a intermitência, na presta- ção dos serviços, deve necessariamente estar vinculada à intermitência
da atividade desenvolvida pelo empregador. E tal constatação decorre exatamente da análise dos requisitos que informam a caracterização do contrato de trabalho subordinado.
O contrato de trabalho intermitente, tal qual apresentado pelo legislador, considera como trabalho subordinado aquele realizado de modo intermitente. Tal significa um redesenho da relação de traba- lho subordinado até então existente na nossa legislaçao trabalhista. Se até a aprovaçao da Lei n. 13.467/2017 a intermitência era considerada apta a afastar a relação de trabalho subordinado (que, na forma do art. 3° da CLT exige a não eventualidade), o novo desenho legal permite que, no sentido contrário, a prestação de trabalho intermitente não seja mais vista como empecilho ao reconhecimento da relação empregatícia subordinada.
O que queremos dizer é que, se a interpretação seguir no sen- tido de que qualquer atividade, ainda que contínua, possa se utilizar da prestação de serviços intermitentes, todo e qualquer trabalho intermitente prestado será considerado trabalho subordinado, caso o elemento que afaste a caracterização do contrato de trabalho subordinado seja, única e exclusivamente, a intermitência da prestação de serviços.
É exatamente por isso que o limite para o trabalho intermitente deve ser estabelecido em razão da atividade intermitente do empregador, e não pela intermitência da prestação de serviços.
Para exemplificar este raciocínio, verifique-se um exemplo concreto, ou seja, aquele que envolve a situação do diarista em trabalho doméstico.
A Lei Complementar n. 150/2015 definiu, em seu art. 1°, como empregado doméstico aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa, pessoal e de finalidade não lucrativa à família, no âmbito residencial desta, por mais de 2 dias na semana.
Assim, restaram fora da proteção da lei do trabalho doméstico todos os trabalhadores que laboram 2 dias por semana ou menos, e, da leitura do dispositivo legal, observa-se que o único critério que afasta a aplicação da lei é a intermitência da prestação laboral dentro da atividade contínua do empregador doméstico.
Com a nova disposição trazida pela Lei n. 13.467/2017, que considera trabalho intermitente aquele realizado independentemente da atividade do empregador e do trabalhador, não se pode excluir da apli- cação legal o trabalho doméstico, pelo princípio segundo o qual onde o legislador não distinguiu não cabe ao intérprete fazê-lo.
Além disso, o art. 19 da mesma Lei Complementar n. 150/2015 estabelece que, observadas as peculiaridades do trabalho doméstico, a ele também se aplicam as disposições da CLT.
Ora, se assim o é, não existe mais a figura do empregado doméstico diarista que, unicamente por não conter o requisito da con- tinuidade, e propriamente em razão da intermitência de sua prestação laborativa, era excluído da proteção laboral.
Por esta linha interpretativa, como não se indaga da intermi- tência da atividade desenvolvida pelo empregador e como a lei define que ela se aplica independentemente da atividade deste, sendo aplicá- veis ao trabalho doméstico as disposições da CLT, aquele trabalhador que labora dois dias por semana ou menos em âmbito residencial não pode mais ser afastado da proteção legal e, forçosamente, deverá ser conside- rado um trabalhador intermitente, com a proteção legal respectiva para este tipo de contrato.
E a partir deste exemplo, ao contemplar a possibilidade do tra- balho intermitente em qualquer atividade do empregador, sem vinculação à intermitência da própria atividade, chega-se facilmente à conclusão que todas as prestações de serviços afastadas da proteção laboral unicamente em razão de sua intermitência passam a ser enquadradas como contratos de trabalho subordinados intermitentes, e não mais como trabalho autô- nomo (quando presentes os demais requisitos legais do art. 3° da CLT).
É claro que, assim sendo, o que se pode é vislumbrar a regularização de todas as relações irregulares de trabalho (conhecidas popularmente como “bicos”) que, subordinadas, pessoais e a pagamento, apenas se distinguiam das relações de trabalho standard porque eram intermitentes.
Uma outra questão estaria no fato de que tais trabalhadores intermitentes devem ser computados dentro do número de empregados da empresa para efeito de cálculo das cotas legais (aprendizes e pessoas com deficiência). A utilização em larga escala de tais contratos de trabalho inter- mitentes, sem qualquer limitação quanto à atividade empresarial (quanto à sua intermitência) implicará imediatamente no acréscimo de tais cotas.
Assim, ainda que para regularizar atividades irregulares de trabalhadores, parece ser mais adequada a limitação das atividades nas quais o contrato de trabalho intermitente pode ser firmado vinculan- do-o à intermitência da atividade do empregador, evitando-se que este contrato seja utilizado como supedâneo do contrato standard e, com isso, precarizar a situação legal dos trabalhadores que laboram em atividades contínuas.
2.3 O contrato de trabalho intermitente: requisitos legais, chamado ao tra- balho e consequências da recusa, tempo de inatividade e tempo à disposição
O art. 452-A determina que o contrato de trabalho inter- mitente deve ser celebrado por escrito e especificar o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário-mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, seja em contrato intermitente ou não.
Prevê também que o empregador deve efetuar a convoca- ção do trabalhador para prestação dos serviços por qualquer meio eficaz, informando qual a jornada com antecedência de pelo menos 3 (três) dias (§ 1°), bem como o prazo de um dia útil para que o empregado responda
ao chamado, presumindo-se, do silêncio, a recusa (§ 2°). Referida recusa, contudo, não descaracteriza a subordinação para este específico tipo de contrato de trabalho (§ 3°).
Caso o trabalhador manifeste aceitação pela oferta de trabalho, qualquer uma das partes que a descumprir, sem justo motivo, deve pagar à outra parte, em 30 dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remune- ração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo (§ 4°).
Por fim, estabelece que o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o empregado prestar serviços a outros contratantes (§ 5°).
Quanto à necessidade da forma escrita para o contrato de tra- balho intermitente, observa-se que tal exigência constitui requisito formal para sua validade, ou seja, onde o trabalhador não tenha firmado o con- trato escrito com os requisitos legais, restará caracterizado contrato de trabalho standard, ou seja, contrato de trabalho subordinado por prazo indeterminado e a tempo pleno.
No tocante à convocação para o trabalho, o legislador torna necessária a comunicação ao trabalhador com no mínimo de 3 (três) dias de antecedência, informando qual a jornada de trabalho, concedendo ao empregado um dia útil para dizer se aceita ou não a oferta de trabalho. Pontue-se que no modelo legal brasileiro o empregado não está obrigado a aceitar a proposta de trabalho, podendo recusá-la sem necessidade de jus- tificar a recusa. O prazo de um dia útil para dizer se aceita ou recusa, pelo que se depreende do texto legal, deve ser contado a partir do momento em que o trabalhador recebe o convite.
A lei não estabelece períodos mínimos ou máximos de traba- lho a cada chamado e, por isso, em tese, poderia o empregador efetuar o chamado sem qualquer limitação. O problema da mínima jornada está relacionado à remuneração mínima diária do trabalhador e, quanto ao máximo, à possibilidade de desvirtuação do contrato intermitente (caso o mesmo se estenda por grandes períodos temporais).
Uma das questões de maior problemática está na previsão de multa a ser quitada pelo trabalhador caso o mesmo, tendo aceitado a pro- posta de trabalho, deixe de comparecer sem motivo justificado. Primeiro porque a lei não estabelece quais seriam as justificativas aceitáveis para o empregado deixar de comparecer ao trabalho. Podemos pensar, por xxx- xxxxx, nas hipóteses legais do art. 473 da CLT, mas, no entanto, nestes casos, tendo aceitado o empregado o chamado, estaria o empregador obrigado a pagar o salário respectivo, conforme dispõe a própria norma, por tratar-se de períodos de ausências justificadas.
Outra questão refere-se à multa imposta ao trabalhador na hipótese de aceite do chamado e não comparecimento ao trabalho sem qualquer justificativa, já que, caso não tenha havido outro chamado aceito no período de referência do pagamento (trinta dias), quando se pudesse pensar em compensação (prevista na lei, embora discutível), não poderia o empregado arcar com qualquer pagamento. Uma intepretação possível
do dispositivo seria a de que o empregador apenas pode cobrar a multa do trabalhador no prazo de 30 (trinta) dias, e não além deste, já que o prazo é fixado como prazo limite para possível compensação. Teríamos aqui um outro caso de decadência previsto no direito do trabalho brasileiro.
Por fim, a lei estabelece que o período de inatividade não será considerado como período à disposição do empregador, já que neste o empregado pode prestar serviços a outros contratantes.
Deste dispositivo derivam duas questões.
A primeira relativa à efetiva inatividade, ou seja, para que não se caracterize tempo à disposição, o empregado não pode sofrer nenhuma limitação, seja em sua vida pessoal, seja em sua liberdade ampla e irres- trita de locomoção.
A segunda, relativa à possibilidade de trabalhar a outros con- tratantes quanto à questão que envolve a possibilidade do trabalhador desenvolver atividades laborais para empresas concorrentes a seu empre- gador. Caso o empregador resolva limitar o âmbito de possibilidade de trabalho do empregado quanto a outros contratantes concorrentes seus, poderia-se pensar, em alguns casos de extrema especialização do traba- lhador, em impossibilidade do exercício de sua liberdade de contratar e, com isso, estabelecer-se a possibilidade de ser considerado tempo à dispo- sição aquele no qual o empregado foi impossibilitado de celebrar outros contratos de trabalho.
2.4 Verbas trabalhistas devidas no contrato de trabalho intermitente
O art. 452-A, § 6º, prevê que ao final de cada período de prestação de serviço o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração; II - férias proporcionais com acrés- cimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado, e V - adicionais legais. Estabelece que o recibo de pagamento deve trazer a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas mencionadas (§ 7°).
Quanto aos recolhimentos das contribuições previdenciárias e do depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, determina que ficarão a cargo do empregador, com base mensal, fornecendo ao empregado o comprovante de tais recolhimentos (§ 8°).
Por fim, estabelece que o empregado tem o direito de usu- fruir férias de um mês nos doze meses subsequentes, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador (§ 9°). No tocante ao pagamento da remuneração, embora o disposi-
tivo legal mencione que o pagamento é devido ao final de cada período de prestação de serviços, tal disposição deve estar em consonância com o art. 459 da CLT, que estabelece que qualquer que seja a modalidade de traba- lho, a periodicidade máxima é de 30 (trinta) dias, com pagamento até o quinto dia útil do mês subsequente quando fixado mensalmente.
No tocante à previsão de pagamento das férias proporcionais acrescidas de 1/3 a cada período laborado, resta evidente a inconstitucio- nalidade da norma. Isto porque, caso o pagamento das férias proporcionais acrescidas de 1/3 for efetuado a cada período laborado, corre-se o risco de criarmos a figura do gozo de férias anuais sem qualquer pagamento, o que é evidentemente inconstitucional, por violar frontalmente o disposto no art. 7°, XVII, da Constituição Federal de 1988. Observe-se que o § 9° do art. 452-A traz expressa previsão legal do direito ao xxxx xx xxxxxx xxxxxx xx 00 (xxxxxx) dias, mas, no entanto, não existe gozo de férias sem a respec- tiva remuneração acrescida de 1/3 contemporâneos ao gozo, conforme se depreende da clareza da norma constitucional mencionada.
Some-se a esse raciocínio que o art. 611-B, inciso XII, inclui as férias anuais de trinta dias, remuneradas e acrescidas de 1/3, no rol dos direitos aos quais é vedada alteração via negociação coletiva, o que rea- firma a tese de inconstitucionalidade.
2.5 Efeitos das negociações coletivas sobre os contratos de trabalho intermitentes previstos na Lei n. 13.467/2017
O art. 611-A, trazido pela Lei n. 13.467/2017, estabelece que a convenção coletiva e o acordo coletivo terão prevalência sobre a lei quando dispuserem, dentre outros, sobre o trabalho intermitente (inciso VIII).
Desta disposição legal observa-se que o legislador reservou à negociação coletiva importante papel no que diz respeito à nova figura contratual. Pela negociação coletiva pode-se pensar em suprir várias das lacunas legais, dentre elas a limitação da celebração de contratos de trabalho intermitentes a apenas algumas atividades dentro de determinada categoria, podendo chegar até à sua proibição, dependendo do ramo de atividade.
Outra questão que poderia ser regulada pela negociação cole- tiva seria a limitação subjetiva quanto ao uso de tal contrato, limitando-se sua celebração apenas àqueles trabalhadores que possuem dificuldades de inserção no mercado de trabalho, como jovens, trabalhadores acima de determinada idade ou aposentados, mantendo-se protegido o mercado de trabalho para os trabalhadores em plena idade produtiva.
Problemas maiores também podem ser solucionados via negociação coletiva, a exemplo das situações em que o trabalhador, por motivo de doença, deva permanecer afastado do trabalho quanto ao período de interrupção do contrato de trabalho (os primeiros quinze dias). A negociação coletiva pode estabelecer, no caso de períodos de inatividade, qual empregador ficaria responsável por seu pagamento.
Em casos de acidente de trabalho com afastamento superior a 15 (quinze) dias, outra questão a ser solucionada está relacionada à garan- tia da estabilidade no emprego, que desde o nascedouro implica uma ideia de sustento do trabalhador em busca da plena recuperação. A nego- ciação coletiva poderia estabelecer garantia mínima de remuneração no período da estabilidade, evitando-se, com isso, que o trabalhador sofresse
discriminação através do não chamado ao trabalho, permanecendo em inatividade durante todo o período de estabilidade.
Outra situação de maior interesse seria a previsão de uma remuneração mínima para os períodos de inatividade do trabalhador (indenização de disponibilidade), nas hipóteses nas quais o trabalhador permaneça vinculado à obrigatoriedade de prestar os serviços quando chamado, desde que o trabalhador não esteja comprometido a prestar ser- viços a outro contratante.
Por outro lado, o art. 611-B, trazido pela Lei n. 13.467/2017, estabelece que constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou redução de vários direitos, e dentre eles citamos os seguintes, de especial interesse ao con- trato de trabalho intermitente: VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remu- nerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; XVI - aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVIII - adicio- nal de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador.
Observa-se do rol acima que o trabalhador intermitente terá direito ao adicional noturno independentemente da jornada contratada com seu empregador, bem como direito ao salário-família integral e ao repouso semanal remunerado sem qualquer limitação.
O direito ao pagamento do trabalho extraordinário também fica garantido, restando à contratação coletiva ou individual estabelecer, sob os novos critérios da reforma trabalhista, o limite da jornada diária do trabalhador.
Como já mencionado linhas atrás, o direito ao número de dias de férias devidas ao empregado (30), bem como o gozo de férias com pagamento de, pelo menos um terço além do salário normal também estão fora dos limites da negociação coletiva.
O direito às licenças paternidade e maternidade restam intocá- veis pela negociação coletiva, motivo pelo qual este gozo deve ser garantido pelo empregador intermitente, acrescido da estabilidade decorrente da licença-maternidade, obviamente. As condições desta garantia ainda care- cem de regulamentação, podendo ser objeto de negociação coletiva.
Pouco importa o tempo de trabalho a cargo do empregador intermitente para observância do aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 (trinta) dias, norma que não poderá ser negociada pelas entidades sindicais.
Do mesmo modo, o trabalhador intermitente que laborar em atividades penosas, insalubres ou perigosas tem direito ao adicional
respectivo, sem qualquer possibilidade de negociação coletiva a respeito, bem como fica garantido o dever do empregador de manter o seguro contra acidentes de trabalho, a seu cargo.
Esta nova modalidade contratual precisará de aprofundada reflexão para sua assimilação e, principalmente, para que seus contornos possam atender aos requisitos mínimos de sustentabilidade do modelo, seja para empregados, seja para empregadores.
A regulamentação que virá, seja por via legislativa, seja por via negocial, deve fixar qual o modelo que se pretende adotar:
a) para garantir a possibilidade de regularização de contratos de trabalho irregulares de todos os trabalhadores, em todas as atividades dos empregadores (os falsos autônomos), mas com a devida cautela para evitar a simples substituição de contratos standards por contratos intermi- tentes (precários por natureza);
b) para possibilitar o ingresso no mercado de trabalho de cate- gorias que, historicamente, possuem dificuldade de inserção no mercado de trabalho, a exemplo de jovens e aposentados, e
c) dar oportunidade de trabalho diferenciado àqueles que desejam conciliar seu tempo de trabalho e sua vida pessoal, mas dire- cionados aos que já possuem uma fonte de sustento (aposentados, por exemplo), àqueles que tenham maior poder aquisitivo ou de grande espe- cialização, cujos ganhos intermitentes não prejudiquem seu sustento.
No entanto, o legislador, como vimos, afirma que o modelo jurídico italiano para o contrato de trabalho intermitente seria utilizado como uma das inspirações para o modelo brasileiro. A seguir, uma breve análise do modelo italiano.
3 O TRABALHO INTERMITENTE NO MODELO ITALIANO
No ordenamento jurídico italiano o contrato de trabalho intermitente, ou contrato de trabalho a chamada, como é popularmente conhecido, nasceu com o Decreto Legislativo n. 276/2003, com o objetivo de introduzir novas modalidades flexíveis de contratos de trabalho.
Atualmente, o mesmo é tratado pelo art. 13 e seguintes do Decreto Legislativo n. 81/20156, um dos decretos que regulamentam o conjunto de leis italianas denominado Jobs Act (Lei n. 183/2014), cujo objetivo primordial é promover reformas na legislação laboral italiana.
Referido Decreto Legislativo n. 81/2015, no § 1o do art. 13, define contrato de trabalho intermitente como o contrato, também a tempo determinado, mediante o qual um trabalhador se coloca à disposição de um empregador que pode utilizar da prestação de trabalho de modo
6Decreto na íntegra disponível em italiano no link: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxx/ id/2015/06/24/15G00095/sg>. Acesso em: 15 jul. 2017.
descontínuo ou intermitente, segundo as exigências individuais estabe- lecidas pelos contratos coletivos, também com referência à possibilidade de desenvolver prestações de trabalho em períodos predeterminados no arco temporal de uma semana, de um mês ou dentro de um ano. Na falta de contrato coletivo (leia-se negociação coletiva), os casos de utilização de trabalho intermitente serão individuados através de decreto do Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais.
Nos parágrafos seguintes do mesmo artigo, o Decreto esta-
belece que:
[...]
§ 2º O contrato de trabalho intermitente pode ser firmado com indivíduos com menos de 24 anos de idade, desde que a prestação laborativa se desenvolva até a idade completa de 25 anos de idade e com mais de 55 anos;
§ 3º Em cada caso, com exceção dos setores de turismo, empresas destinadas a serviços direcionados ao público7, e de espetáculos, o contrato de trabalho intermitente é admitido, para cada trabalhador com o mesmo empre- gador, por um período complessivamente não superior a quatrocentas jornadas de trabalho no arco tempo- ral de três anos solares. No caso de superamento de tal limite, o contrato se transforma em contrato de trabalho a tempo pleno e indeterminado;
§ 4º Nos períodos nos quais não venha utilizada a presta- ção laborativa intermitente, o trabalhador não tem direito a nenhum tratamento econômico ou normativo, salvo se tenha garantido ao empregador a disponibilidade a responder às suas chamadas, caso no qual é devida a indenização de disponibilidade prevista no art. 16;
§ 5º As disposições deste contrato não se aplicam aos contratos de trabalho com a administração pública.
O art. 14, § 1°, veda a utilização do trabalho intermitente nas
seguintes situações:
a) para a substituição de trabalhadores no exercício do direito
de greve;
b) nas unidades produtivas nas quais tenha ocorrido, nos seis
meses anteriores, dispensa coletiva na forma dos arts. 4 e 24 da Lei n. 223 de 23 de julho de 19918, que tenha atingido trabalhadores contratados nas mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente, ou
7Na definição italiana de serviços direcionados ao público encontram-se as atividades de pensões, pensionatos, dormitórios, banhos públicos, restaurantes, bares, cafés, jogos lícitos, lan house, entre outros da mesma espécie.
8No caso do art. 4 a lei refere-se a empregados que são colocados em mobilidade e, na impossibi- lidade de readmissão de todos pelo empregador, este pode optar pela dispensa coletiva. Já o art. 24 diz respeito a dispensa coletiva motivada pela necessidade de redução de pessoal.
junto a unidades produtivas nas quais tenha havido suspensão do tra- balho ou redução do horário de trabalho em regime de cassa integrazione guadagni9, que atinjam trabalhadores que exercem as mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente;
c) pelos empregadores que não tenham efetuado a avaliação dos riscos, conforme previsto na norma de tutela da saúde e da segurança dos trabalhadores.
O art. 15 estabelece a forma escrita para celebração do con- trato de trabalho intermitente, que deve prever:
a) duração e hipóteses, objetivas e subjetivas, que autorizam a estipulação do contrato conforme art. 13;
b) cabimento e modalidade da disponibilidade, eventual- mente garantida pelo trabalhador, e do relativo tempo de pré-aviso da chamada do trabalhador, que não pode ser inferior a um dia útil;
c) tratamento econômico e normativo que será aplicado ao trabalhador para a prestação de trabalho desenvolvida e relativa indeni- zação de disponibilidade, quando prevista;
d) formas e modalidades, com as quais o empregador tem o direito de solicitar a execução da prestação de trabalho, bem como méto- dos de detecção de desempenho;
e) periodicidade e modalidade de pagamento da retribuição e da indenização de disponibilidade;
f) medidas de segurança necessárias em relação ao tipo de ati- vidade prevista em contrato.
Prevê também que, ressalvadas previsões mais favoráveis dos contratos coletivos, o empregador deve informar com periodicidade anual, aos representantes sindicais empresariais ou à representação sin- dical unitária, sobre a utilização dos contratos de trabalho intermitentes.
Para efeito de fiscalização e regularidade, o mesmo disposi- tivo prevê que, antes do início da prestação de trabalho ou de um ciclo integrado de trabalho de duração não superior a trinta dias, o empregador deve comunicar sua duração à Direção Territorial do Trabalho competente no território, através de SMS ou correio eletrônico. Através de decreto do Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais, e de acordo com o Ministro para a Simplificação e Administração Pública, eles podem ser informados da utilização do contrato através de outros meios de comunicação, depen- dendo do desenvolvimento tecnológico. Em caso de descumprimento de tais obrigações, é aplicável sanção administrativa que vai de 400 euros a
2.400 euros em relação a cada empregado para os quais a notificação não é efetuada. Não se aplica, no caso, o procedimento de alerta previsto no art.
9Cassa integrazione guadagni refere-se à possibilidade de pagamento de uma prestação econô- mica pelo INPS a favor de trabalhadores com contrato de trabalho suspenso ou que estejam em jornada reduzida, por motivos empresariais, na forma da lei.
13 do Decreto Legislativo de 23 de abril de 2004, n. 124 (similar ao sistema brasileiro da dupla visita no caso de fiscalização trabalhista).
Já o art. 16 trata da indenização de disponibilidade, estabele- cendo que a medida da indenização mensal de disponibilidade, divisível em cotas horárias, é determinada pelos contratos coletivos e não pode ser inferior ao valor fixado pelo Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais, ouvidas associações sindicais comparativamente mais representativas no plano nacional. Estabelece no § 2º que esta indenização não é computada para efeito de cálculo de direitos previstos em lei ou contrato coletivo. Já o § 3º dispõe que a indenização de disponibilidade está sujeita a contri- buições previdenciárias pelo seu valor efetivo e, no caso, não se aplica a matéria relativa ao mínimo contributivo previdenciário.
No § 4° estabelece que, em caso de doença ou outro evento que torne o trabalhador temporariamente indisponível a responder à chamada, o trabalhador deve informar tempestivamente a seu emprega- dor especificando a duração do impedimento, durante o qual não faz jus à indenização de disponibilidade. Quando esta obrigação não for cum- prida, o trabalhador perde o direito à indenização por um período de quinze dias, salvo diversa previsão dos contratos individuais.
A recusa injustificada de atender à chamada pode constituir motivo de dispensa e levar à restituição da quota de indenização de dis- ponibilidade relativa ao período sucessivo à recusa.
A recusa injustificada de responder à chamada pode consti- tuir motivo de dispensa e levar à restituição da cota de indenização de disponibilidade relativa ao período que se segue à recusa (§ 5°).
Através de decreto do Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais, de acordo com o Ministro da Economia e das Finanças, deve ser estabelecido o teto remuneratório convencional de referência, em relação ao qual o trabalhador intermitente pode pagar a diferença de contribuição para os períodos nos quais ele recebeu um valor remuneratório inferior a tal limite ou se beneficou apenas da indenização de disponibilidade infe- rior ao mesmo (§ 6°).
A lei estabelece, no art. 17, quais são os princípios de não dis- criminação aplicáveis com relação ao trabalhador intermitente, ou seja: o trabalhador intermitente não pode receber, para os períodos trabalhados e em igualdade de funções desenvolvidas, um tratamento econômico e nor- mativo complexivamente menos favorável a respeito do trabalhador de mesmo nivel (§ 1°); o tratamento econômico, normativo e previdenciário do trabalhador intermitente deve ser proporcional em razão da prestação laborativa efetivamente desenvolvida, em particular no que diz respeito à retribuição global e de cada componente desta, inclusive férias e em maté- ria de doença e infortúnio, licença gestante e licença-paternidade (§ 2°).
Para efeito de cálculo do quantitativo de trabalhadores dentro da empresa, quando este critério for utilizado por disposições de lei ou de contrato, o trabalhador intermitente deve ser computado dentro do
quadro de empregados em proporção ao horário de trabalho efetiva- mente desenvolvido a cada semestre (art. 18).
Observa-se, da lei atual italiana, que a matéria foi regulada de modo muito mais detalhado que a proposta brasileira, atentando-se para efeitos importantes da mesma dentro da relação empregatícia, que não deve ser utilizada como substituição de mão de obra permanente, o que resulta claro com a limitação do número de jornadas laborativas do trabalhador intermitente e vedação de seu uso por empresas que tenham efetuado recentes dispensas coletivas. Ao mesmo tempo, apresentou preo- cupação com relação a seus efeitos dentro do conjunto de outras normas, a exemplo das previdenciárias.
O objetivo primordial da norma italiana está centrado na regularização de contratos informais, sistematicamente utilizados por empregadores que desejam ocupar apenas saltuariamente a mão de obra disponível. Ainda que o desejo também esteja ligado ao fomento da ocupação, é sabido que este tipo de medida legislativa não cria postos de trabalho, mas tem o condão de possibilitar a regularização das relações de trabalho irregulares em curso.
Xxxxx Xxxxx00, ao apresentar estatística do trabalho intermi- tente no modelo italiano, menciona que no primeiro trimestre de 2017 os trabalhadores laboraram em média apenas 10 dias por mês. Por isso, men- ciona que, da parte dos trabalhadores, esta norma contribuiu rapidamente para aumentar o número de trabalhadores pobres, e a longo período para aumentar o número de aposentados pobres. Esclarece, citando Xxxxxxx, que por trabalhadores pobres devem ser entendidos aqueles que, embora traba- lhando grande parte do ano, não recebem o suficiente para ficar acima da linha de pobreza e que estão em aumento também nos países avançados, onde se encontram processos similares aos encontrados na Itália: a pres- são pela redução dos salários, ou as empresas se transferem para outros países, como Indonésia ou Moldávia, que atua em conjunto com uma desre- gulamentação do mercado de trabalho, que coloca a ocupação por prazo indeterminado e a tempo pleno como um privilégio reservado a uma minoria. Quanto aos aposentados pobres, refere-se aos trabalhadores que, efetuando pequenas contribuições previdenciárias, podem contar com uma aposentadoria correspondente, a grosso modo, a 30% do salário médio11.
10SACCO,2017.Disponívelem:<xxxx://xxx.xxxxxxx00.xxxxxx00xxx.xxx/xxx/xxxxxxxXxxxxx/0000-00-00/ il-ritorno-lavoro-intermittente-115213.php>. Acesso em: 1º ago. 2017.
11Tradução livre. Texto no original em italiano: “I lavoratori a chiamata sono stati impiegati nel primo trimestre del 2017 per una media di 10 giorni al mese. Dalla parte dei lavoratori questa norma contribuisce nel breve periodo ad accrescere la quota dei lavoratori poveri, e, a lungo periodo, quella dei pensionati poveri. ‘I lavoratori poveri sono coloro che pur lavorando una gran parte dell’anno, non guadagnano abbastanza per restare al disopra della linea della povertà. Essi sono in aumento in tutti i paesi avanzati, in forza di processi analoghi a quelli che vediamo attuarsi in Italia: la pressione per il contenimento dei salari, altrimenti l´impresa si trasferisce in Indonesia o in Moldavia, unita alla deregolazione del mercato del lavoro, che sta tramutando l´occupazione di durata indeterminata e ad orario pieno in un privilegio riservato a una minoranza. Quanto ai pensionati poveri, sono quelli che, versando gli scarsi contributi che è possibile versare quando si passa da un lavoro a termine all’altro, magari con ampi intervalli tra i due, potranno contare su una pensione corrispondente grosso modo al 30% d´uno stipendio medio’. (Gallino 2004)”.
Tal constatação ganha relevância quando se observa que não existe salário-mínimo geral previsto no ordenamento jurídico italiano. É papel das entidades sindicais a fixação dos salários convencionais aplicáveis, segundo normas específicas referentes aos sindicatos pro- porcionalmente mais representativos, dentro do modelo de pluralidade sindical. Desta feita, sem um mínimo garantido, a aposentadoria pode ser auferida em valores inferiores ao mínimo convencional, já que este não obriga o ente previdenciário.
Em resumo, este panorama geral da legislação italiana de base para o trabalho intermitente evidencia, de plano, que o modelo brasileiro, por demais genérico, pouco se assimila a uma de suas supostas inspira- ções legislativas.
4 CONCLUSÕES
Analisada a proposta legislativa brasileira, em confronto com a lei em vigor no modelo italiano, percebe-se, imediatamente, que o legis- lador brasileiro não se atentou para a garantia do necessário equilíbrio que deve existir entre a previsão deste novo modelo contratual e o sis- tema jurídico trabalhista, complessivamente considerado.
O modelo brasileiro previu que, dentro das negociações coletivas, será possível regulamentar livremente o contrato coletivo, indi- cando no art. 611-A da CLT que as negociações, no que dizem respeito ao trabalho intermitente, sobrepõem-se às normas legais, ainda que com os limites do art. 611-B, conforme já mencionado.
Sob o ponto de vista estritamente jurídico, esta nova moda- lidade contratual, como tal, necessitará de ampla regulamentação sob vários aspectos, o que poderá ser efetuado via negociação coletiva ou através de normas legais.
Tal será necessário a fim de que esta nova modalidade con- tratual possa servir ao fim ao qual se destina, na forma da justificativa do projeto de lei originário, ou seja, como efetivo instrumento de coordenação entre os interesses dos trabalhadores que desejem laborar sem vinculação a tempo pleno e para os empregadores que, efetivamente, desenvolvam atividades que possam necessitar de mão de obra sem rígida previsibili- dade. Apenas neste caso a norma poderia ser aceitável.
Neste caso, a norma genérica que prevê a possibilidade de uso do trabalho intermitente para qualquer atividade, sem qualquer limitação quanto à sua utilização (seja quanto às atividades, seja quanto ao número máximo de horas, dias ou meses de trabalho dentro de um determinado arco temporal), arrisca substituir contratos de trabalho standards por con- tratos formalmente precários. Neste caso, o trabalhador ficaria à mercê do empregador quanto à gestão de seu tempo de trabalho e arriscaria, acima de tudo, viver em uma situação de espera permanente com obriga- ção moral de resposta (natural para o empregado subordinado), tornando
inconciliável sua vida pessoal e sua vida profissional, aliada à absoluta imprevisibilidade de xxxxxx para sustento próprio e de sua família.
A manutenção do contrato intermitente para qualquer ati- vidade (empresarial ou não - eis que a lei não fez distinção entre elas) pode ter o efeito benéfico de regularizar todo e qualquer trabalho, no qual a ausência de trabalho subordinado venha a ser definida pela even- tualidade ou não continuidade da prestação laborativa. No entanto, um modelo com tal amplitude arrisca tornar-se substituto dos contratos de trabalho standards, e, com isso, tornar regra a precarização típica deste tipo de contratação, seja para empregados, seja para empregadores.
Neste viés de precarização dúplice do contrato de trabalho intermitente temos a questão da profissionalização e treinamento contí- nuo do trabalhador subordinado. A profissão é o maior patrimônio que o trabalhador possui no mercado de trabalho. Assim, se ele permanece afastado do processo produtivo de bens e serviços será impossível acom- panhar a evolução de sua profissão, a não ser que se mantenha vinculado a programas de formação profissional.
Do mesmo modo, certamente se encontrará sujeito aos riscos no desenvolvimento das atividades laborais em maior grau do que os trabalhadores regulares, que permanentemente estarão nos locais de trabalho.
Para o empregador, essa desatualização do trabalhador implica, certamente, prejuízos na sua performance profissional, seja do ponto de vista da produtividade, seja do ponto de vista da qualidade da prestação de seu trabalho.
Uma solução possível seria a previsão da obrigação sistemática de atualização profissional dentro do contrato de trabalho intermitente, obrigando o empregador a conceder ao empregado atualização profissio- nal dentro dos períodos de disponibilidade, com a previsão de pagamento diferenciado para as horas dedicadas à referida atividade, utilizando-se como parâmetro, por exemplo, a disposição do art. 476-A da CLT.
A possibilidade de limitação subjetiva para utilização do trabalho intermitente poderia servir para garantir acesso ao mercado de trabalho de trabalhadores que, historicamente, possuem maior dificuldade de entrada, a exemplo dos jovens em busca da primeira oportunidade de trabalho, ainda vinculados às suas famílias e em fase de estudos universitários ou profissionalizantes, ou dos trabalhadores acima de determinada idade. No modelo italiano, como visto, é utilizado o parâmetro de 55 anos.
No caso brasileiro, esta medida poderia auxiliar os emprega- dos aposentados por tempo de contribuição que gostariam de manter-se vinculados a empregos ativos, mas fora de contratos a tempo pleno, via- bilizando a conciliação entre vida pessoal e profissional, considerando-se que, neste caso, estes trabalhadores, em tese, já têm garantida remunera- ção mínima através da aposentadoria.
Do ponto de vista previdenciário para os trabalhadores inter- mitentes, e aqui a regulamentação deve necessariamente ser efetuada através de lei, é imperioso traçar um novo modelo de contribuição para os trabalhadores intermitentes criando-se um modelo diferenciado, seja de contribuição, seja de garantias de benefícios previdenciários (auxílios, aposentadorias, licença gestante, por exemplo), a fim de viabilizar a con- tribuição e o pagamento dos salários de benefícios.
Quanto às normas legais que utilizam-se do quantitativo de trabalhadores de uma determinada empresa ou unidade produtiva para fixação de deveres a cargo do empregador, ou cotas de contratação, a exis- tência do trabalhador intermitente impactará, certamente, o cálculo final. Necessário o estabelecimento de regras que definam essa questão, já que, se o trabalhador não labora integralmente para o empregador, em tese seu cômputo deveria ser efetuado de modo proporcional ao tempo de trabalho disponibilizado. No modelo atual este cômputo será sempre integral, inde- pendentemente de estar o trabalhador em disponibilidade ou em trabalho. Por fim, resta mencionar que o contrato de trabalho intermi-
tente certamente não será utilizado para substituir os contratos de trabalho por tempo determinado, simplesmente porque o custo empresarial deste é inferior ao do contrato de trabalho intermitente, eis que para este estão garantidas a indenização por despedida arbitrária e o aviso-prévio de 30 dias, figuras inexistentes nos contratos por prazo determinado.
Pontue-se que o contrato de trabalho intermitente é uma nova forma de contratação e, na técnica legislativa, está prevista logo após o contrato de trabalho por tempo determinado (art. 443, §§ 2º e 3º, da CLT). Tal deixa claro, de início, que são duas figuras distintas entre si e não intercambiáveis.
A celebração de contrato por prazo determinado está limitada, pela legislação brasileira, a causas específicas elencadas no art. 443, § 2°, da CLT, referentes a serviços transitórios ou que por sua natureza justi- fiquem a predeterminação do prazo, atividades empresariais de caráter transitório ou contrato de experiência. Além destes, temos o contrato de aprendizagem (art. 428 da CLT) e o contrato de safra no meio rural (Lei n. 5.889/1973, art. 14, parágrafo único).
Estes casos têm em comum a periodicidade programada da utilização da mão de obra, mas que é temporária por si só, até mesmo porque existe a limitação legal de 2 (dois) anos para este tipo de contratação.
No caso do contrato de trabalho intermitente, no modelo desenhado pelo legislador brasileiro, temos, em princípio, atividades perenes que podem ser intermitentes. Ainda que se possa pensar no con- trato de trabalho intermitente a tempo alternado (a exemplo das casas de shows, teatros ou espetáculos), a atividade não é temporária, mas apenas intermitente (que se repete sem visar um ciclo fechado de existência da mesma atividade). Diferencia-se da sazonalidade exatamente porque nesta temos ciclos precisos de ocorrência do evento (exemplo da safra
anual de produtos agrícolas), o que não ocorreria na intermitência, que deveria estar vinculada a uma demanda específica, mas imprevisível ou de difícil previsibilidade.
Por fim, tratando-se o contrato por prazo determinado de exceção à regra geral dos contratos trabalhistas (por prazo indetermi- nado), sequer as negociações coletivas poderão prevê-lo, já que tal matéria está fora do rol do art. 611-A da CLT, trazido pela Lei n. 13.467/2017, que, por ser restritivo, é absolutamente taxativo.
Em linhas gerais estas são as primeiras indagações a respeito deste novo modelo contratual brasileiro que, certamente, necessitará de muitas adequações, negociais e/ou legislativas, para se mostrar minima- mente viável, a fim de atender, nos seus limites, os objetivos fundamentais constitucionais mencionados no texto de epígrafe do presente.
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