BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo traçar algumas breves considerações sobre o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. Para tanto, não se teve o escopo de analisar pormenorizamente todas às características peculiares que esse contrato especial possui diante do direito do trabalho. A sua abordagem se inicia, em uma perspectiva histórica, em uma avaliação da natureza existente do vínculo entre atleta e clube de futebol.
É nessa senda, portanto, que se observa que nos primórdios da profissionalização do futebol no Brasil, a natureza da relação entre jogador e agremiação caminhou nas trilhas do direito civil, caracterizando-se como uma locação de serviços. Houve nesse período, entretanto, alguns doutrinadores sustentando a existência de um novo liame de natureza desportiva, em razão da evolução e conquista da autonomia do Direito Desportivo.
Contudo, foi com a edição da Lei 6.354/76 (já revogada) que a voz da doutrina majoritária ecoou no ouvido do legislador, tornando, por força de lei, que a relação entre jogador de futebol e agremiação se depreende em uma índole trabalhista. Mais tarde com a Lei 9.615/98, também conhecida como Lei Pelé, a natureza laboral do pacto em tela se tornou mais forte, ficando claro o vínculo empregatício como em qualquer outra relação, havendo, entretanto, algumas regras especiais, em razão das peculiaridades inerentes da profissão. Assevere-se, por oportuno, que algumas dessas regras serão abordadas no presente trabalho, com o escopo de trazer ao leitor uma abordagem da especialidade existente no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol.
1 Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Advogado da União. Pós graduado em Direito Público e em Direito Tributário.
2. O surgimento do profissionalismo no futebol brasileiro
Em sua gênese nacional, o futebol foi destinado apenas à elite, porém à medida que os clubes foram percebendo a paixão do povo pelo esporte, o fenômeno foi ficando cada vez mais lucrativo, indicando a possibilidade de profissionalização. O futebol, no início do século XX, era praticado em competições entre empresas e indústrias, contudo, no momento em que o atrativo e as vantagens cresceram, os operários mais qualificados no esporte passaram a perceber uma quantia, espécie de gratificação, por sua participação nos jogos da sua empresa.
No entanto, membros e dirigentes dos clubes eram resistentes à idéia de pagamento para recompensar os atletas que não eram “bem nascidos”. Defendiam, a todo custo, o amadorismo, utilizando como discurso os ideais olímpicos, a solidariedade e o respeito mútuo3. Nessa esteira, para se ter uma idéia de como essa resistência era sustentada pelas agremiações, vale a pena transcrever a declaração do presidente do Clube de Regatas do Flamengo, que assim disse:
2 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Evolução e disciplina do contrato de trabalho do jogador de futebol no Brasil. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador, OAB, Seção do Estado da Bahia, a.1, vol.1, t.2, 2002.
3 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p. 27
4 XXXXXX, Xxxxxxxx, apud XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p.34
O futebol, portanto, viveu seu período de preconceito. Inclusive, ressalte-se que por muito tempo foi proibido à participação de negros nas competições, fato este combatido pelo Clube de Regatas Vasco da Gama, que selecionou cinco jogadores negros em seu plantel, no ano de 1932, sendo campeão estadual daquele ano.
O futebol acabou cada vez mais se popularizando e gerando receitas para os clubes. Contudo, a manutenção do amadorismo acabava por prejudicar os jogadores que não conseguiam sobreviver com os parcos pagamentos promovidos pelas suas agremiações. Essa situação, no entanto, se tornou insustentável quando a Europa e alguns países da America do Sul se profissionalizaram e passaram a assediar os atletas brasileiros. Como os valores pagos pelos clubes estrangeiros eram muito superiores, não lhes restavam outra opção senão dirigir-se, a maioria, ao velho continente.
Nesse panorama, com os grandes futebolistas desaparecendo (o êxodo para o exterior), muitas vezes sem comunicar nada ao clube, tendo em vista que não havia qualquer vínculo com os mesmos, o futebol brasileiro passou a perder seu atrativo, diminuindo as receitas dos clubes. Assim, em 23 de janeiro de 1933 o Rio de Janeiro adotou o profissionalismo como forma de organização de seu futebol.5 O exemplo foi seguido por outros estados, sendo que a primeira partida profissional ocorreu no dia 12 de março de 1933 entre São Paulo e Santos, na qual o tricolor paulista venceu a partida por 5 a 1, sendo o primeiro gol profissional marcado pelo atacante são-paulino Friedenreich6.
O profissionalismo no Brasil passou a ser irreversível. Contudo, em seus primeiros anos foi marcado por muitos conflitos políticos, envolvendo as Federações de São Paulo e Rio de Janeiro, porém após a década de 30, se iniciou o período de consolidação, sendo o esporte regulamentado, dando surgimento ao direito desportivo brasileiro.
Observe-se que nessa década de 30, foi o período marcado pelo Estado Novo, havendo uma vasta regulamentação no âmbito trabalhista para os trabalhadores em geral, porém categorias, como a dos atletas profissionais de futebol, a lei foi omissa, deixando a deliberação nas mãos da Confederação Nacional dos Desportos. Registre-se que pata
5 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p. 34
6 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Evolução e disciplina do contrato de trabalho do jogador de futebol no Brasil. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador, OAB, Seção do Estado da Bahia, a.1, vol.1, t.2, 2002.
todos os efeitos, o contrato entre clubes e jogadores era de locação de serviços. O Estado controlava o esporte, mas não intervinha no ajuste entre atletas e agremiações, perfilhando a livre negociação, tão prejudicial aos esportistas.7
Hodiernamente, o direito desportivo tem se evoluído e desenvolvido a cada dia mais, fazendo surgir, inclusive um novo ramo do direito autônomo e independente, com vista a uma didática que já pode ser ingressada nos currículos universitários. Já no campo das relações trabalhistas, o tema também tem se evoluído, sobretudo após a edição da Xxx Xxxx (Lei 8.672/93) e a Lei Pelé (Lei. 9.615/98), marcando uma nova disciplina legal especifica aos atletas profissionais.
3. A organização do desporto nacional
O desporto, segundo o dicionário Vocabulário Jurídico8, é o “conjunto de exercícios físicos praticados com método, individualmente ou em equipes”. É, portanto, a prática esportiva, que visa o bem estar e a qualidade de vida do indivíduo. O fenômeno do esporte remonta-se desde os tempos primitivos, compreendendo em inúmeros significados para o ser humano, porém é na atualidade que sua figura ganhou uma maior dinâmica e importância, uma vez que já se entendeu que o esporte pode ser utilizado como fonte de transformação social.
7 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p. 43
8 XXXXX, de Xxxxxxx x. Vocabulário Jurídico/atualizadores: Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx. Rio de Janeiro, 2006, p. 451
9 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Direito Desportivo: novos rumos. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2004, p. 2/3
Nessa esteira, registre-se que no Brasil há cerca de 112 modalidades desportivas, sendo o futebol a mais praticada e difundida entre a população10. É, hoje, o esporte de paixão nacional, porém em tempos de jogos Pan- americanos, Olímpicos (Rio 2016) e Mundiais, exige-se do Estado maior atenção ao desporto em geral.
Outrossim, foi com a edição da Carta Política de 88 que o desporto se deparou com um cenário de maior respeitabilidade, conquistando sua autonomia jurídico-desportiva e libertando-se da submissão aos organismos estatais,12 conforme estabelece o art. 217 e seus incisos, in verbis:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não- formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
10 Ibdem, p. 6
11 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo: LTR, 2000, p. 42
12 XXXXXX, Xxxxxxx xxx Xxxxxx. Desafios do direito desportivo frente à modernização das relações jurídico- desportivas. In: Revista da Faculdade de Direito Xxxxxx Xxxxxx, X.00, Xxxx Xxxxxxxxx: Xxx Xxx, 0000.
Ademais, saliente-se que o fato do deporto de alto- rendimento ter gerado o interesse cada vez maior do público, atraindo o aporte de capitais e negócios, provocou uma melhor organização das praticas desportivas pelas entidades envolvidas, visto que tal situação reclama, indubitavelmente, clareza e transparência.
É nesse passo, portanto, que se entende que a organização do desporto ainda carece de maiores regulamentações, embora nos últimos anos tenha havido grandes conquistas, sobretudo, após a Constituição de 88, a qual indicou um novo modelo de organização do desporto brasileiro, realçando a sua autonomia em face das antigas intervenções estatais.
Em mesmo sentido, incumbe ressaltar que foi com a edição da Xxx Xxxx que o desporto nacional ganhou ainda mais destaque, indicando que a sua prática poderá ser realizada de maneira formal ou não-formal. A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade. Já a prática desportiva não-formal é caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes. (art. 1º da Lei 9.615/98)
O desporto, ainda, é reconhecido sob as manifestações: educacional, de participação e de rendimento. No primeiro, a prática do desporto ocorre nos sistemas de ensino com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer (art. 3º, inciso I, Lei 9.615/98).
No segundo caso, o desporto é praticado de modo voluntário com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes, promoção de saúde e educação, assim como para a preservação do meio ambiente (art. 3º, inciso II, Lei 9.615/98).
Já o desporto de rendimento, possui suas regras previstas na Lei 9.615/98, tendo como finalidade, dos seus praticantes, obter resultados e integrar pessoas e comunidades do país e estas com as de outras nações, conforme estabelece o inciso III, do art. 3º da Lei Pelé. A referida lei, ainda, no seu parágrafo único, prevê que o desporto de rendimento poderá ser organizado e praticado de modo profissional e não-profissional.
Com efeito, nos termos do dispositivo em comento, o desporto profissional caracteriza- se pela remuneração pactuada, em contrato formal de trabalho, entre o atleta e a entidade desportiva. Alerte-se, todavia, que se proibi a prática do profissionalismo quando se tratar de desporto educacional, nos estabelecimentos de 1º e 2º graus ou superiores; desporto militar e em se tratando de menores até a idade de dezesseis anos completos (art. 44 da Lei 9.61/98).
O desporto não-profissional, ao seu turno, será identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido, entretanto, o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. Os atletas não profissionais com idade superior a vinte anos não poderão participar de competições profissionais, conforme prevê o art. 43 da Xxx Xxxx.
Diante de todo esse panorama, tem-se que a legislação brasileira traz uma normatização geral para todas as modalidades desportivas. Todavia, para efeito dessa pesquisa, haverá realce, quase que exclusivo, da pratica desportiva de futebol profissional. Assim, em análise da legislação supra, pode-se dizer que a espécie esportiva supramencionada se encaixa, exatamente, como uma pratica desportiva formal, de rendimento e profissional. Da mesma forma, seus atores principais, os atletas profissionais de futebol, acompanham essa caracterização, possuindo as mesmas peculiaridades que a sua modalidade desportiva.
Em homenagem a boa didática, tem-se o seguinte esquema:
ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
PROFISSIONAL
NÃO- PROFISSIONAL
DE RENDIMENTO
EDUCACIONAL
DE PARTICIPAÇÃO
DESPORTO
4. Disciplina normativa
Ao se falar da disciplina normativa na seara do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, deve-se ter sempre em mente, em primeiro lugar, a previsão constitucional sobre o assunto. Nessa esteira, é cediço que a Carta Política de 88 conferiu um novo tratamento ao trabalho, dedicando-lhe tratamento especial previsto como um Direito Social. De mesma maneira, consagrou-se a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III), demonstrando ter o Brasil adotado um novo modelo jurídico. Com isso, o tratamento dado ao atleta profissional de futebol, em relação aos seus direitos trabalhistas, encontrou-se albergado como direito social.
Já no âmbito do desporto, ao atleta profissional foi conferido, pelo art. 217, o dever do Estado em fomentar as práticas desportivas formais, havendo tratamento diferenciado entre o desporto profissional e não-profissional. Como já registrado anteriormente, foi com o dispositivo em comento que o Brasil rompeu com a subordinação do desporto ao Poder Público, passando a ter sua autonomia jurídica- desportiva.
De outra sorte, como forma de regulamentar a matéria, foi editado a Xxx Xxxx e posteriormente a Xxx Xxxx, marcando uma nova disciplina legal ao desporto nacional. Em verdade, embora a Lei Xxxx tenha sido posterior, ainda vige, no que couber, algumas regras previstas pela Lei Zico.
Ademais, vale à pena lembrar que a Lei 9.615/98 foi destinada a disciplinar o desporto em geral, embora se tenha homenageado um dos maiores jogadores de futebol do mundo, o Xxxxx Xxxxxxx do Nascimento - Pelé. Interessante comentário sobre o assunto foi feito por Xxxxxx Xxxx Xxxxx, que assim consignou:
Ainda quanto a Lei Pelé, nos termos do art. 94, os arts. 27, 00-X, 00, 00, 00, 00, 00, 00 e o § 4º do art. 41 serão obrigatórios para os atletas e as entidades de prática profissional de futebol.).
Também não se pode olvidar que aos atletas são aplicadas as regras das Federações Estaduais, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), da Federação Internacional de Futebol (FIFA), da Confederação Sul- americana de Futebol (Conmebol), assim como as regras disciplinares prevista no Código Brasileiro Disciplinar de Futebol, (Portaria MEC nº 702/81, com alterações das Portarias do MEC nº 25/84 e 328/87); no Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportiva, (Portaria MEC nº 629/86, com alterações da Portaria MEC nº 877/86 e 60/91 do Secretário dos Desportos) e Portaria MEC nº 531/85, que cuida das normas sobre o controle da dopagem nas partidas de futebol.
13 XXXX XXXXX, Xxxxxx. In: Direito Desportivo. 1.ed., Campinas: Editora Mizuno, 2000, p. 183
De outra sorte, ressalte-se que a Portaria IDESP nº 108/98, que aprovou o modelo padrão do contrato de trabalho de atleta profissional de futebol e a Portaria IDESP nº 109/98, que aprovou o modelo de contrato padrão para o atleta profissional de nacionalidade estrangeira, não mais vigoram no ordenamento, visto que os arts. 34 e 37 da Xxx Xxxx foram revogados com a Lei nº 9.981/00.
Ainda nesse espeque, é cediço que as normas celetistas também são aplicadas aos esportistas profissionais, adequando para as questões peculiares de cada profissão como é o caso dos atletas profissionais de futebol. Nessa esteira, conforme bem analisa Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, não se aplicam os arts. 451 e 452, os quais disciplinam regras atinentes à prorrogação e renovação de contrato. Nesse caso, o contrato do atleta pode ser prorrogado por mais de uma vez e a sua renovação não está sujeita a interstício de seis meses entre os dois contratos14. Ademais, impossível seria ainda o emprego do art. 453, que trata de soma de períodos descontínuos, uma vez que o contrato do atleta é sempre por prazo determinado, tendo, inclusive, o TST já se posicionado sobre o assunto.15
De mesma maneira, não se aplica o art. 477 da CLT, que trata da rescisão de contrato por prazo indeterminado, tendo em vista que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é sempre a termo. Nesse sentido, observe que, por conseqüência e por força do art. 30 da Lei 9.981/00, o art. 445 também não se aplica, visto que este dispositivo restringe o prazo do contrato a termo pelo período máximo de dois anos16. Já na lei 9.981/00 foi estipulado que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol teria vigência nunca inferior a três meses nem máxima de cinco anos.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, ainda, explica que o art. 461 da CLT, que trata da equiparação salarial, também não poderia ser aposto, vez que “não há possibilidade de
14 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 2.ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 74
15 TST, XX 000/00, Xxxxx, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, 10.07.83
16 TST, RR 1748/2003-023-01-00.9, Relator Ministro: Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, 6ª Turma, 26/11/2008. “[...] O objetivo da Xxx Xxxx foi assegurar ao atleta liberdade profissional. Seu art. 30 estabelece que o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos, e em seu parágrafo único afasta expressamente a regra do art. 445 da CLT, segundo a qual o contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de dois anos. [...]”
Veja-se, portanto, que a aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas será realizada quando em consonância, principalmente, com a Lei Pelé, além evidentemente com a Constituição.
5. Natureza jurídica do vínculo entre atleta profissional e clube de futebol
Como visto em tópico anterior (2.1), o jogador de futebol, em 1933, deixou o amadorismo vigente no Brasil e passou a viver sob a égide do profissionalismo. A partir daquela data, tal circunstância se tornou irreversível, vez que os clubes se beneficiaram de sobremaneira com a escolha de profissionalizar o futebol. No entanto, a mesma realidade não poderia ser assemelhada aos atletas, os quais embora fossem considerados atletas profissionais, não eram considerados trabalhadores, status este somente conferido pela Lei 6.354/76 (já revogado) e referendado pela Lei 9.615/98. Até a edição dessas leis, muitas foram às discussões envolvendo a seara, visto que não havia uma regulamentação expressa e específica sobre o assunto.
Nesse passo, emergiram-se três correntes no intuito de tentar explicar a natureza jurídica do contrato entre o atleta profissional e sua agremiação esportista de futebol. Para a primeira corrente, tratava-se de um contrato atípico de natureza civil. Para a segunda, seria um contrato de vínculo desportivo, como um novo ramo autônomo e específico do direito. E para a terceira corrente, a natureza do vínculo entre clube e o jogador profissional, nada mais era do que um contrato de índole trabalhista.
Em verdade, como serão estudadas a seguir, todas as correntes possuíam seus pontos de convergência, como também os seus preceitos inconciliáveis, sendo que a solução para o tema somente foi possível com uma intervenção legal, como acontecera, visto que a divergência e a importância prática da matéria eram enormes.
5.1 Natureza Civil
17 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. op.cit., p. 74
Em defesa dessa corrente, não foram poucos aqueles que lançaram inúmeros argumentos a seu favor, tendo como seu maior expoente Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, que com escritos datados de 1950, sustentava a índole civilista dos contratos ajustados entre as agremiações e os atletas profissionais de futebol.18
Para tanto, baseavam-se em uma categórica comparação entre os jogadores de futebol e os demais trabalhadores regidos pela CLT. Utilizavam como paradigma os acidentes de trabalho, o direito de greve, o modo de contratação, aspectos quanto à idade, quanto à figura do atleta e dentre outras.
Nessa esteira, analisava que um trabalhador comum, se sofresse um acidente em seu local de trabalho, haveria a configuração de acidente de trabalho. O mesmo, no entanto, não poderia ocorrer com o atleta profissional de futebol, que por não existir qualquer regulamentação legal, segundo os defensores dessa corrente, jamais poderiam invocar a figura do acidente de trabalho.
Também utilizavam como fulcro o fato do clube ser uma entidade civil sem fins lucrativos, enquanto as empresas, contratantes de mão-de-obra laboral, tinham suas atividades destinadas a perseguir o lucro. Evidentemente que na atualidade tal argumentação não encontraria mais respaldo legal, visto que a Xxx Xxxx já autorizou os
18 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p. 52
19 Ibdem, p. 53
clubes a se tornarem verdadeiras sociedades comerciais (art. 27, inciso I, II e III, Lei 9.615/98).
Até em relação à idade houve a manifestação da doutrina, pois os obreiros regidos pela CLT não possuíam qualquer restrição etária para seu labor, havendo, em contrapartida, proibição de contratação de esportistas após os 35 anos (Deliberação nº 4/43 do Conselho Nacional de Desportos). Hoje, esclareça-se, não vige mais qualquer limitação de idade.
Contudo, o maior argumento que se propagava a favor dessa corrente referia-se a forma de contratação, que era por tempo determinado, escapando da regra de indeterminação esculpida na Consolidação Trabalhista e se caracterizando como um contrato de índole civil. Nesse desiderato, sustentavam que o contrato em tela era de locação de serviços (locatio operarum), regulado pelo art. 1.216 e seguintes do Código Civil de 1916, conforme ocorria antes do regime da CLT, tendo em vista que esse mesmo diploma nada tratou sobre o assunto.
Os “Contratos de Esporte”, como eram chamados, seriam um gênero da espécie Contratos de Locação de Serviços, o qual era caracterizado como um ajuste oneroso, sinalagmático perfeito, comutativo, intuitu personae, individualizado pelas suas peculiaridades, correspondendo a um verdadeiro pacto sui generis.20 Essa foi a realidade que prevaleceu, portanto, até 1976 quando a lei tratou a matéria de modo diverso (trabalhista).
5.2 Natureza Desportiva
20 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p. 52
21 Ibdem, p. 55
Inúmeros foram os argumentos apresentados, inclusive legais. Nesses termos, sustentaram a tese com base no art. 43 do Decreto- lei nº 3.199/41 e no art. 5º do Decreto- lei nº 5.342/43, ambos in verbis:
Decreto – lei nº 3.199/41.
Art. 43. Cada confederação adotará o código de regras desportivas de entidade internacional a que estiver filiada, fá-lo-á observar rigorosamente pelas entidades nacionais que lhe estejam direta ou indiretamente vinculadas.
Decreto- lei nº 5.342/43
Art. 5º. As relações entre atletas profissionais ou auxiliares especializados e as entidades desportivas regular-se-ão pelos contratos que celebrarem submetendo-se estes às disposições legais, às recomendações do Conselho Nacional de Desportos e as normas desportivas internacionais.
Com efeito, pelos dispositivos supramencionados, o jogador além de se submeter às normas diretivas da agremiação desportiva, também estava obrigado às regras das federações estaduais, nacionais ou internacionais. “Essa submissão seria chamada de sujeição desportiva22”. O atleta, embora criasse um vínculo contratual com a sua agremiação, estaria também sujeito a outras entidades no âmbito desportivo, descaracterizando qualquer das outras relações existentes no direito (trabalhista ou civilista).
Noutro quadrante, outro aspecto também recorrente, referia-se ao caráter de exclusividade, visto que o atleta somente poderia dispor a sua energia laboral a apenas
22 Ibdem, p. 57
23 Ibdem, p. 55
24 XXXXX, Xxxxx, apud, XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo: LTR, 2000, p. 56
um clube, havendo, conseqüentemente, uma única “sujeição desportiva”. Em contrapartida, o trabalhador comum poderia exercer a sua atividade laboral em mais de uma relação individual de trabalho.
Da mesma forma que a corrente civilista, sustentava que o contrato do atleta profissional (chamado de contrato desportivo) era de tempo determinado, havendo, de sorte, um distanciamento com as regras estabelecidas pela CLT25. O pacto, entretanto, de natureza desportiva, de acordo seus defensores, encaixava-se impecavelmente no sistema jurídico, pois em todos os demais ramos do direito seria encontrado termos inconciliáveis.
Seria o Direito Desportivo, para seus adeptos, um novo ramo do direito, autônomo e independente, capaz de regular perfeitamente a relação entre jogador, clube e associações desportivas estaduais, nacionais e internacionais.
Desse modo, se observa evidente que a tese ventilada não arregimentou muitos simpatizantes, sobretudo quando os decretos-leis foram revogados, porém a discussão sobre o tema foi bastante relevante, inclusive para se conferir maior destaque ao Direito Desportivo.
Noutro quadrante, insta salientar, que atualmente o vínculo desportivo (§ 2º do art. 28 da Lei 9.615/98), que nada tem haver com o esposado pela corrente em comento, é uma exigência de norma administrativa desportiva, sendo consolidado como um vínculo acessório ao contrato de trabalho. Esse liame, que nasce com o registro do contrato laboral na entidade de administração, é, portanto, o elemento autorizador da prática regular e formal de uma modalidade. O atleta, então, que pratica uma modalidade sem esse vínculo desportivo, está realizando uma atividade lúdica. Ademais, é esse vínculo o único elemento que pode ser alcançado pela Justiça Desportiva26.
5.3 Natureza Trabalhista
25 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Xxxxxxx Xxxxxxxxx, O atleta profissional e o direito desportivo. In: Esporte Direito. Xxxxxx Xxxxxx x Xxxxx (coordenador), Salvador: Gráfica Trio, 2004.
26 PANHOCA, Heraldo Xxxx. In: XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx (coordenador). Curso de Direito Desportivo Sistêmico. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 124/125
Outra corrente a respeito do tema lastreou seus fundamentos em defesa da natureza trabalhista do vínculo entre o jogador profissional e a agremiação desportiva. O peruano Xxxxx Xxxxx Cosmópolis, nesse contexto, observou que o contrato em tela possuía todos os elementos caracterizadores da relação de trabalho, tornando-se claro o caráter laboral do vínculo entre atleta e clube.
Nesses raciocínio, consignou o seguinte pensamento:
Uma dessas subcorrentes afirmava que o atleta profissional de futebol estava integralmente amparado pela legislação trabalhista, definindo-se, para todos os efeitos, como empregado, nos termos do art. 3º da CLT. Possuía, assim, todos os direitos e deveres como qualquer outro trabalhador comum, uma vez que não estava incluso no rol do art. 7º do diploma consolidado, que exclui algumas categorias profissionais da incidência da lei celetista, como é o caso dos empregados domésticos, trabalhadores rurais, funcionários públicos e servidores de autarquias paraestatais.
Outra sub-tese argumentava que o futebolista profissional, embora estivesse amparado nas normas do diploma trabalhista, não se caracterizava como empregado strictu senso, mas, sim, equiparado ao empregado em cargo de confiança. Com isso, o atleta não possuía o direito a estabilidade (art. 492 - àquela época ainda vigente), porém tinha em mãos o art. 497, que conferia à indenização em dobro quando despedido sem justa causa.
27 COSMÓPOLIS, Xxxxx Xxxxx. El régimen laboral del deportista profesional. In: Esporte Direito. Xxxxxx Xxxxxx x Xxxxx (coordenador), Salvador: Gráfica Trio, 2004.
28 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. op.cit., p. 57/64
Observe que a situação tendia a uma certa lógica, pois ônus excessivo aos clubes seria imposto caso um jogador fosse considerado estável, isto é, jamais poderia ser rescindido seu contrato pela livre vontade do empregador.
Por fim, mas não menos importante, destaque-se a presença de uma terceira subcorrente sobre o tema, que inclusive prevaleceu na jurisprudência nacional até a edição da Lei 6.354/76. Seus defensores equiparavam o atleta profissional aos artistas de teatro e congêneres, nos termos do já revogado parágrafo único do art. 507 da Consolidação das Leis Trabalhistas, não lhes sendo aplicados os preceitos relativos à renovação dos contratos a termo.
Pelo visto, a questão envolvendo a natureza jurídica do pacto entre atleta e clube, gerou grande celeuma doutrinaria e jurisprudencial, sendo que cada posição adotada implicaria em diversas outras discussões e conseqüências práticas sobre a matéria.
Com efeito, a solução foi conferida pela Lei 6.354/76, que, embora revogada, tratou das relações de trabalho do atleta profissional de futebol, prevendo logo em seus dois primeiros artigos o seguinte:
Art . 1º Considera-se empregador a associação desportiva que, mediante qualquer modalidade de remuneração, se utilize dos serviços de atletas profissionais de futebol, na forma definida nesta Lei.
Art . 2º Considera-se empregado, para os efeitos desta Lei, o atleta que praticar o futebol, sob a subordinação de empregador, como tal definido no artigo 1º mediante remuneração e contrato, na forma do artigo seguinte.
Dessa forma, todo clube de futebol que, mediante remuneração, se utilizar dos serviços do atleta profissional será considerado empregador. De igual maneira, todo aquele que praticar futebol, sob a subordinação de um clube, mediante remuneração, será considerado empregado.
Dessa feita, a Lei supramencionada, articulando os seus arts 1º e 2º, tornou claro que o vínculo do atleta profissional de futebol com sua agremiação esportiva, é uma relação de emprego como outra qualquer, havendo, entretanto, algumas regras especiais, em razão das peculiaridades inerentes da profissão.
O jogador profissional, portanto, estaria incluso nas normas gerais da legislação trabalhista, sendo mais tarde contemplado também com o sistema da Previdência Social, conforme a Lei nº 5.939/73 (revogada pela Lei nº 9.528/97).
Xxxxx Xxxxxx, de maneira minuciosa, assim escreveu sobre o assunto:
“A Lei nº 6.354, de 2 de setembro de 1976, definitivamente encerrou a questão da natureza jurídica do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. Normatizando aquilo que já vinha se consolidando de forma jurisprudencial nos tribunais, toda entidade que contratasse profissionalmente um jogador d futebol seria considerada empregador. Da mesma forma, todo aquele que praticasse o futebol mediante remuneração seria considerado empregado. Assim a relação clube-atleta inseria-se na definição dos arts. 2º e 3º da CLT, tornando-se, por força de lei, uma relação de emprego, amparada por todo o sistema de proteção ao trabalho. Os jogadores de futebol ganhavam um status que já pertencia à grande maioria dos trabalhadores brasileiros, com um intervalo de mais de três décadas. Durante mais de 30 anos, para muitos, referir-se ao atleta como “empregado” era apenas uma metonímia jurídica, um termo fora do contexto no mundo do Direito. A lei eliminou as interpretações. A nova categoria, como todas as outras, agora estava submetida às normas gerais da legislação do trabalho e da Previdência Social.29”
Não obstante, não se deve perder de vista que embora fosse válida o festejo acerca da solução legal sobre o tema, o mesmo não ocorreu em relação à manutenção da figura do passe, manifestadamente contrario aos preceitos trabalhistas de livre exercício profissional.
Segundo o art. 11 da Lei 6.354/76 (já revogado), o passe é “a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes”. Era o chamado vínculo desportivo. Observe, nessa esteira, que o jogador, até mesmo após o fim de seu pacto, possuía um vínculo com o clube, de maneira que a sua transferência para outra agremiação somente seria possível com a liberação daquela, geralmente onerosa, visto que o seu valor teria como objetivo ressarcir o clube pela perda de um jogador para outro clube30.
29 Ibdem, p. 60/61
30 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 2.ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 83
Era um verdadeiro cerceamento a liberdade de trabalho, impedindo o livre exercício laboral do atleta, não sendo exagerado dizer que havia um nítido conteúdo escravagista31. Contudo, embora na redação original da Xxx Xxxx (Lei 8.672/93) houvesse previsão de sua extinção, foi com a Lei Pelé (art. 28) que a libertação do atleta profissional de futebol ocorreu, adequando a realidade do esportista com os novos ditames estabelecidos pela Constituição.
Domingos Sávio Zainaghi sobre o tema assim consigna:
“O que deveria evitar é a especulação sobre o “passe”, tornando-o fonte de lucro. [...] Empresas a meias consideram o atleta coisa integrante de seu patrimônio comerciável [...]
Acerte-se, ainda, que a Lei 9.615/98 (Xxx Xxxx) além de consolidar a inserção do atleta profissional no campo dos direitos trabalhistas (contrato de emprego) e ter eliminado a malfadada figura do passe, também se alinhou a nova Carta Política, sobretudo no que tange a competência da Justiça Desportiva em apreciar as demandas da relação de emprego dos atletas.
Até antes da mencionada Lei, todas os conflitos, de qualquer natureza, envolvendo atletas deveriam primeiramente ser apreciadas pela Justiça Desportiva, sob pena de extinção do processo sem exame do mérito por carecer dos pressupostos válidos da ação. Contudo, a Lei Pelé, no seu art. 50 e seguintes, regulamentou o comando constitucional do art. 217,§ 1º, restringindo a atuação da Justiça Desportiva aos conflitos de ordem disciplinar.
Nestes termos, as demandas envolvendo relação de emprego dos atletas profissionais e seus clubes, teriam competência para processamento e julgamento na Justiça do Trabalho. A obrigatoriedade de prévio acionamento da Justiça Desportiva não era mais admitida, pois impedia o livre acesso ao Poder Judiciário. As demandas subordinadas a
31 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Evolução e disciplina do contrato de trabalho do jogador de futebol no Brasil. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador, OAB, Seção do Estado da Bahia, a.1, vol.1, t.2, 2002.
32 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho dos jogadores de futebol. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8º Região, v.36, n.70, jan/jun. Belém: Tribunal Regional do Trabalho, 2003.
5.4 Conclusão
Não obstante houve uma grande celeuma sobre o tema, emergindo-se correntes doutrinarias que tentaram explicar a natureza do pacto entre jogador profissional e agremiação, perfilhando-se as correntes de natureza civil, desportiva e trabalhista, foi com a edição da Lei 6.354/76, posteriormente consolidada com a Lei 9.615/98, que se concluiu pela natureza laboral do pacto.
Nesse sentido, vale à pena transcrever o art. 28, caput, da Lei 9.615/98, que assim dispõem:
Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
Observe, ainda, acerca dos dispositivos imediatamente mencionados, combinados com os arts. 1º e 2º da Lei 6.354/76 (já revogado) e arts. 2º e 3º do diploma consolidado, que a relação ventilada possui todos os elementos caracterizadores do vínculo empregatício.
Nessa esteira, se torna muito claro perceber que o serviço em tela é sempre prestado pelo atleta profissional de futebol, pessoa física ou natural, em caráter personalíssimo, vez que não se admite a sua substituição, até mesmo pelas qualidades técnicas de cada desportista. Ademais, afirma-se ser uma relação não- eventual, pois o ofício é realizado de maneira habitual, continua e permanente.
Não se pode perder de vista, ainda, que a relação se pauta em uma obrigação onerosa, tendo em vista que o atleta recebe a sua contraprestação pelos serviços prestados ao clube. Além disso, encontra-se presente a alteridade, pois os riscos da atividade desenvolvida são atribuídos aos clubes. Logo, tendo o atleta laborado, independente da
33 TST, AIRR - 34431/2002-900-01-00.8, Relator Ministro: Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, 6ª Turma, 14/05/2008.
agremiação ter auferido lucros ou prejuízos, as parcelas salariais serão devidas ao esportista.
De mais, ressalte-se o elemento da subordinação jurídica, pois ao atleta, em função de seu contrato de trabalho, cabe acatar as ordens34 e determinações emanadas, podendo o empregador (clube) aplicar penalidades em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas, inclusive, procedendo a descontos salariais, hipótese esta excepcional no ordenamento, permitida, contudo, em face dos esportistas profissionais.
6. Peculiaridades especiais do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol
Como já repetido, o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol carrega consigo um nítido vínculo empregatício, como qualquer outra relação de emprego. No entanto, a relação entre atleta e clube se perfaz com algumas regras especiais, em razão das peculiaridades inerentes da própria profissão.
Cuida-se, nesse momento, em tecer alguns comentários sobre determinadas regras especiais do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol à luz dos ditames constitucionais, assim como da Lei 9.615/98, sendo que houve grandes alterações pela Lei 12.395/11.
De mais, adverte-se que não se pretenderá esgotar o tema, mas se buscará também abordar alguns assuntos que envolvam a figura contratual estudada no capítulo anterior, o contrato de licença de uso da imagem, sobretudo no que se referem às verbas que irão incidir quando este é utilizado para burlar a legislação trabalhista.
34 Art. 35 da Lei 9.615/98. “São deveres do atleta profissional, em especial: I - participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas; II - preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva; III - exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportiva.”
6.1 Sujeitos e Capacidade
Serão empregados os atletas que praticar futebol sob a condição de subordinação ao clube, mediante remuneração. Já o empregador será aquela associação desportiva que, mediante remuneração, se utilize dos serviços de atletas profissionais de futebol. O contrato, portanto, é bilateral, tendo como sujeitos o atleta profissional e a sua agremiação esportiva.
No que tange a capacidade das partes, há que se levar em conta, preliminarmente, a seguinte situação: O indivíduo de 14 (quatorze) a 16 (dezesseis) anos incompletos que pratica uma atividade desportiva de futebol, será considerado atleta não- profissional. Observe que a lei trouxe uma idade mínima de 14 anos para a prática regular de uma atividade desportiva, mormente tenha a FIFA estabelecido idade menor -12 anos. Tem- se entendido que o dispositivo supramencionado norteou-se pelas normas de diretrizes e bases educacionais, bem como no Estatuto da Criança e Adolescente, tendo Heraldo Xxxx Xxxxxxx dito o seguinte sobre o assunto:
“Nas normas da FIFA, resta patente o permissivo para iniciação desportiva regular (competitiva) quando da idade de 12 anos. Em outras modalidades observa-se até com menor idade. Entendemos que essa “prática competitiva” em tenra idade é extremamente danosa ao regular desenvolvimento da criança em todos os sentidos e deve ser combatida, a criança deve brincar. Até 13 anos completos ela é uma educanda, não uma atleta.
Atualmente, com a Lei 12.395/11, que alterou o art. 29 da Xxx Xxxx, a entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com ele, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, cujo prazo não poderá ser superior a 5 (cinco) anos.
35 PANHOCA, Heraldo Xxxx. In: XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx (coordenador). Curso de Direito Desportivo Sistêmico. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 126
rendimentos por conta e por meio de contrato de natureza civil, consoante prevê o art. 28-A da Lei Pelé. Nesse caso, o vínculo desportivo do atleta autônomo com a entidade de prática desportiva resulta de inscrição para participar de competição e não implica reconhecimento de relação empregatícia.
6.2 Forma e Duração
Nada obstante o art. 443, caput, da CLT permita que os trabalhadores em geral pactuem contrato tácito, expresso, escrito ou verbal, o art. 28 e 29 da Lei 9.615/98 preveem que o contrato do atleta profissional de futebol deverá ser necessariamente expresso e escrito.
Noutro quadrante, impende ressaltar que a regra para a duração dos contratos, é que sejam ajustados por tempo indeterminado, atendendo-se, assim, aos princípios da continuidade da relação de emprego e da norma mais favorável36. Dessa forma, quando o contrato for por prazo determinado deverá existir expressa previsão legal excepcionando a regra da indeterminação prevista na CLT.
Nessa esteira, aponte-se que a própria consolidação trabalhista prevê no seu art. 443, § 2º, hipóteses de contrato a termo. Outras situações são previstas na Lei 9.601/98. No caso dos futebolistas, o art. 30 da Lei 9.615/98 prevê que “o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”.
É, em suma, o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol: solene e por tempo determinado.
36 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 6ª.ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 522 37 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Evolução e disciplina do contrato de trabalho do jogador de futebol no Brasil. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador, OAB, Seção do Estado da Bahia, a.1, vol.1, t.2, 2002.
6.3 Jornada de trabalho
O art. 6º da Lei 6.354/76 previa que o horário normal de trabalho do atleta profissional de futebol seria organizado de maneira a bem servir ao adestramento e à exibição do esportista, não excedendo, porém, de 48 (quarenta e oito) horas semanais. Acontece que o art. 96 da Lei 9.615/98 revogou o mencionado dispositivo sem, contudo, delimitar qualquer jornada de trabalho do jogador de futebol.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00 e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, sobre o assunto, entendem que a intenção do legislador ao revogar o supramencionado art. 6º, foi excluir a limitação de jornada para os atletas profissionais de futebol, em razão das peculiaridades que envolvem a função.
No entanto, não parece ser correta, data vênia, o entendimento esposado pelos mencionados autores, pois não havendo norma específica sobre o assunto, aplicam-se as normas gerais da legislação trabalhista.
Desse modo, nos termos do art. 7º, inciso XIII, da Carta Magna brasileira a jornada de trabalho normal não será superior a oito horas diárias nem quarenta e quatro semanais, não trazendo qualquer exceção, importando dizer ainda que legislação infraconstitucional somente poderá disciplinar jornada em inferior. Com efeito, o mesmo deve ocorrer com os jogadores de futebol profissional, pois não havendo norma específica disciplinando jornada inferior, serão aplicados os comandos constitucionais sobre o assunto.
A Lei 12.395/11 acabou com a celeuma e trouxe alteração no art. art. 28, §4º, inciso VI da Lei Pelé de sorte que a jornada de trabalho desportiva será de 44 (quarenta e quatro) horas semanais.
6.4 Remuneração
38 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. op.cit., p. 88
39 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. Horas Extras no Contrato do Jogador de Futebol. Brasília: JTB Jornal Trabalhista Consulex, 2 de abril de 2001, ano XVIII, nº 857.
A remuneração, em sentido amplo, caracteriza-se como o pagamento de salários e gorjetas. O salário, conforme explica Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, “é o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador em função do contrato de trabalho.40”. De acordo com o próprio autor, o salário se subdivide em modalidades, sendo o salário- base a parcela mais relevante entre todas no âmbito da relação de emprego.
A CLT, nesse espeque, arrola no art. 457, § 1º, todos os pagamentos que integram o salário. De semelhante modo, a Lei 9.615/98, no seu art. 31, §1º, estabelece que são considerados como salário: “o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.” Evidente que se aplica o 457, §1º subsidiariamente, contudo, há de se ressaltar que os atletas profissionais de futebol percebem, como peculiaridade da profissão, pagamentos intitulados de luvas e “bichos”.
As luvas traduzem a importância paga pelo empregador ao atleta pela assinatura do contrato. É, portanto, um pagamento antecipado para viabilizar o contrato de trabalho. Já os “bichos” são os pagamentos feitos aos atletas por ocasião dos resultados positivos (vitoria ou empate), visando a compensação e estimulação dos jogadores41. Dessa feita, conforme o entendimento jurisprudencial dominante do Tribunal Superior do Trabalho, o pagamento de luvas e “bichos” são considerados verbas de natureza salariais42.
Assim, compreende-se na remuneração global devida ao atleta, o salário, bem como tudo aquilo que lhe integra, nos moldes do art. 31, §1º da Xxx Xxxx, os valores a título de direito de arena, que conforme estudado no capítulo anterior corresponde a uma parcela salarial na modalidade de comissão, direito de interpretação (quando oneroso), também analisado anteriormente e os pagamentos relativos ao contrato de licença ao uso da imagem. Quanto a esse último, ressalte-se que a sua utilização fraudulenta, remeterá a considerá-lo como salário, o que, provavelmente, produzirá reflexos nas diferenças de hora extraordinária, adicional noturno, RSR, FGTS, 13º salário e terço constitucional.
6.5 RSR
40 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op.cit., p.683
41 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. op.cit., p. 80
42 TST - RR - 467125/1998.5, Relator Juiz Convocado: Xxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx, 1ª Turma, DJ 09/07/2004; TST - RR 266807/1996 - 3ª T. - Rel. Min. Xxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx - DJU 21.2.1997
Nos moldes assegurados no art. 7º, XV da CF/88 todo trabalhador tem direito ao repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Evidente que o atleta profissional por desempenhar atividades físicas de alto rendimento, merece ainda mais estar tutelado por tal direito. Contudo, como a maioria das suas apresentações ocorrem nos domingos ou feriados, é plenamente possível a compensação, conforme a Lei 605/49, de sorte que o seu não cumprimento pela agremiação empregadora valerá o seu pagamento em dobro.
Nesse sentido, a previsão da Xxx Xxxx é que o repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana, consoante art. 28, §4º, inciso IV.
6.6 13º salário
Previsto na Carta Magna, em seu art. 7º, VIII, como um direito social, será o décimo terceiro salário devido aos jogadores de futebol profissional, ressaltando, como sua peculiaridade, que nos moldes do art. 31, §1º da Xxx Xxxx, será uma verba assemelhada como salário. Dessa feita, havendo a mora contumaz, por três meses, poderá o atleta rescindir o seu contrato de trabalho, conforme assevera o caput do art. 31 da mesma lei supramencionada.
Para tanto, conforme o §9º do art. 28 da Xxx Xxxx, quando o contrato especial de trabalho desportivo for por prazo inferior a 12 (doze) meses, o atleta profissional terá direito, por ocasião da rescisão contratual por culpa da entidade de prática desportiva empregadora, a tantos doze avos da remuneração mensal quantos forem os meses da vigência do contrato, referentes a férias, abono de férias e 13o (décimo terceiro) salário.
6.7 Férias e o terço constitucional
Assim como todos os trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º, XVII, CF/88), terá o atleta profissional de futebol direito às férias pelo período de 30 dias, acrescido do seu terço constitucional.
No entanto, o gozo das férias pelos atletas será de maneira diferenciada, pois deverão coincidir com o recesso das atividades do futebol (art. 28, §4º, inciso V, da Xxx Xxxx), segundo o calendário oficial estabelecido pela CBF. Nesse caso, as férias dos futebolistas poderão ser divisíveis, destoando da regra do art. 134 da CLT.
Ademais, comente-se que os jogadores não estão submetidos as regras relativas aos períodos aquisitivos e concessivos, pois é plenamente possível que o jogador seja contratado no meio da temporada e goze das férias ao final da competição.
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