ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx
Contrato de trabalho e previdência complementar fechada
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO
SÃO PAULO 2011
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx
Contrato de trabalho e previdência complementar fechada
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO
Monografia apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de ESPECIALISTA em Direito do Trabalho, sob a orientação do Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx.
SÃO PAULO 2011
Banca Examinadora
DEDICATÓRIA
À minha avó, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, que nos deixou durante a confecção deste trabalho.
Aos meus pais, Xxxxx e Nice, pelo constante apoio e exemplo de
vida.
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Xxxxxx Xxxxxxxx, pelas preciosas orientações.
Aos colegas da especialização e aos colegas de trabalho do Banco do Brasil S.A., pelo incentivo e apoio.
XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx dos. Contrato de trabalho e previdência complementar fechada. 2011. 81f. Monografia (Especialização em Direito do Trabalho) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2011.
RESUMO
Os princípios e fundamentos legais que orientam o contrato de trabalho não se aplicam ao contrato de previdência complementar fechada, tendo em vista que a previdência privada, desvinculada do liame empregatício por expressa disposição constitucional, possui estrutura, regramento legal e princípios próprios, tendo por premissas básicas a solidariedade de interesses coletivos e o equilíbrio atuarial. Enquanto o contrato de trabalho é relação jurídica que se desenvolve entre empregado e empregador, a previdência complementar fechada configura relação triangular entre a patrocinadora ou instituidora, a entidade fechada de previdência complementar e o participante. A submissão da relação jurídica aos cálculos atuariais permite alterações supervenientes nos regulamentos dos planos de benefícios, mantendo, por conseguinte, sua higidez. Os conflitos oriundos dos contratos de previdência complementar fechada patrocinada por empresa sob regime de direito privado, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, são apreciados pela Justiça do Trabalho, não obstante sólidos fundamentos em sentido contrário. O Código de Defesa do Consumidor é inaplicável à relação jurídica em apreço, tendo em vista a inexistência de viés consumerista.
Palavras-chave: contrato de trabalho, contrato de previdência complementar fechada, distinção, autonomia, alteração, competência.
XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx dos. Employment agreement and complementary pension funds. 2011. 81f. Paper (Extension Course in Labor Law) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2011.
ABSTRACT
The legal grounds and principles which direct the employment agreement are not applied to closed complementary pension funds agreement, taking private pensions into consideration, are not binding upon the employment relationship due to express constitutional provisions, with self organization, legal rules and own grounds, and its basic premises are the solidarity of group interests and the actuarial balance. While the employment agreement is the legal relation which is developed between employee and employer, the closed complementary pension funds constitutes a triangular relationship between the sponsor or institutor, the closed private pension entity and the participant. The legal relation submission to actuarial calculation allows supervening amendments in the regulations of the benefits plans, thus keeping its wholeness. The disputes arisen from the closed complementary pension funds sponsored by firm under private company regime, with the event of the Constitutional Amendment nº 45/2004, are examined by Labor Courts, not withstanding the solid grounds with opposite meaning. The Consumer Protection Code is not applicable to the said legal relation, bearing in mind the absence of a consumer relation.
Key-words: employment agreement, agreement of closed complementary pension funds, distinction, authority, amendment, competence.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
1. DELINEANDO O CONTRATO DE TRABALHO 11
1.1 Denominação 11
1.2 Conceito 12
1.3 Natureza Jurídica 13
1.4 Elementos 19
1.5 Requisitos 22
1.6 Sujeitos 24
1.7 Princípios que regem o contrato de trabalho 26
1.8 Alteração do contrato de trabalho 29
2. DELINENADO O CONTRATO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA 33
2.1 Breve histórico da previdência complementar 33
2.1.1 Primeiras Entidades de Previdência Complementar 34
2.2 Conceito de previdência complementar 35
2.3 Distinção entre previdência complementar aberta e fechada 37
2.4 Características nucleares 40
2.5 Natureza Jurídica 50
2.6 Princípios aplicáveis 52
2.7 Relações jurídicas entre as partes 57
3. DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA 59
3.1 Autonomia da previdência complementar fechada 59
3.2 Alteração no regulamento 64
3.3 A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada 69
CONCLUSÃO 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 80
INTRODUÇÃO
Diante das limitações do sistema oficial de previdência, a previdência privada, também chamada de complementar, ascende como interessante alternativa para aqueles que não estão incluídos no sistema oficial ou cujos rendimentos são superiores ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
A previdência privada é algo relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro. Apenas com o Decreto-Lei nº 73, de 1966, que criou a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e o Sistema Nacional de Seguros Privados (SNSP), o Brasil teve contato, pela primeira vez, com normas que regulamentam operações de previdência privada.
Atualmente, os temas atinentes à relação jurídica previdenciária, em especial os que tratam de previdência complementar fechada, têm despertado o interesse de significante parcela da população. Por óbvio, com o desenvolvimento do sistema, emergem também os desafios jurídicos.
Não raras vezes, os Juízes e Tribunais do Trabalho têm aplicado normas e princípios específicos do Direito do Trabalho para solucionar conflitos oriundos do contrato de previdência complementar fechada, encarando a relação jurídica previdenciária como regulamento de empresa.
O presente estudo tem por escopo analisar os elementos peculiares do contrato de trabalho e do contrato de previdência complementar fechada patrocinada por empresa sob regime de direito privado. Para tanto, em um primeiro momento, será delineado o contrato de trabalho, assentando seu conceito, natureza jurídica, elementos caracterizadores, requisitos, sujeitos da relação, princípios que o regem e hipóteses de alteração. Tais ponderações serão consideradas à luz da doutrina, jurisprudência e legislação laborais.
Num segundo momento, o trabalho abordará o contrato de previdência complementar fechada, apresentando o conceito de previdência complementar, as
principais diferenças entre previdência complementar aberta e fechada, as características nucleares do contrato de previdência privada, bem como os princípios e normas previdenciárias que regem essa relação jurídica.
Superadas tais assertivas, o trabalho tratará da discussão acerca da autonomia da previdência complementar fechada em relação ao contrato de trabalho, analisando os princípios e normas aplicáveis, em especial o artigo 202 da Constituição da República e a Lei Complementar nº 109/2001, bem como os elementos divergentes e convergentes de cada instituto.
Serão analisadas, ainda, as possibilidades de alteração dos regulamentos das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) e a questão do direito adquirido.
Por fim, este estudo discorrerá sobre a competência racione materiae para apreciar as questões oriundas dos contratos de previdência complementar fechada patrocinada por empresa sob regime de direito privado e a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos casos da espécie.
1. DELINEANDO O CONTRATO DE TRABALHO
1.1 Denominação
É comum a utilização das expressões “relação de emprego”, “contrato de emprego” e “contrato de trabalho” para denominar o vínculo empregatício existente entre empregado e empregador.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx afirma que “o contrato de trabalho vem sendo denominado por alguns autores contrato de emprego, para distingui-lo de outros contratos de atividade geradores de relações de trabalho”1.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, por sua vez, ensina:
[...] Contrato individual de trabalho é a expressão acolhida pela maioria dos autores. Foi usada em 1815 por Xxxxxx-Xxxxxxxxx e em 1896 por Xxxxxxxxxxxx, como título de livro, substituindo a antiga expressão locação de serviços, ainda encontrada hoje em algumas leis civis para designar uma relação de trabalho com autonomia, sem subordinação.2
Entretanto, mister se faz destacar que a relação de trabalho é gênero, da qual a relação de emprego é espécie. Nessa toada, convém trazer à baila a lição de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
[...] Outras modalidades de relação de trabalho são, por exemplo, o trabalho eventual, autônomo, avulso e voluntário [...] Logo, na realidade, seria mais precisa a expressão contrato de emprego, correspondendo à relação de emprego. Mesmo assim, a expressão contrato de trabalho encontra-se consagrada não só na doutrina e na jurisprudência, como na própria legislação, significando o vínculo de emprego.3
Diante da convergência doutrinária, utilizaremos os termos “contrato de trabalho” e “contrato de emprego” para designar a relação de emprego, ou seja, o vínculo existente entre empregado e empregador. Destaque-se que, neste trabalho,
1 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 236.
2 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 562.
3 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 99.
não abordaremos as outras modalidades de relação de trabalho, uma vez que o objeto de estudo está relacionado apenas ao contrato de emprego.
1.2 Conceito
O artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho conceitua contrato de trabalho como sendo “o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.
Esse conceito é criticado pela doutrina, sob a justificativa de que o contrato apenas cria a relação jurídica de emprego, ou seja, o contrato não é a relação de emprego. Visando apaziguar a questão, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx propôs o seguinte conceito:
O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica. Sua nota típica é a subordinação jurídica. É ela que irá distinguir o contrato de trabalho dos contratos que lhe são afins e, evidentemente, o trabalho subordinado do trabalho autônomo.4
Para Xxxxxxxx Xxxxxxx, o conceito extraído do artigo 442 da CLT não merece tantas críticas. O Autor defende que o texto legal permite, ao contrário do que afirma parte da doutrina, a distinção entre os elementos objetivo e subjetivo do contrato:
[...] é claro que o legislador não confundiu, como muitos afirmaram, o contrato, ou seja, o pacto, o elemento subjetivo, com o elemento objetivo, que é a relação ou poder jurídico constituído, regulado ou extinto pelo consentimento [...] a expressão legal permite identificar de que acordo de vontades se trata: aquele que tem por conteúdo, ou elemento objetivo, a relação de emprego, a que se estabelece entre o empregado e o empregador, como conceituados no início da Consolidação, nos arts. 2º e 3º.5
4 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 236-237.
5 Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 441- 442.
O conceito trazido por Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx é bem próximo do conceito elaborado por Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, na medida em que ambos abordam os requisitos do contrato de trabalho (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação):
O contrato de trabalho pode ser conceituado como o negócio jurídico em que o empregado, pessoa natural, presta serviços de forma pessoal, subordinada e não eventual ao empregador, recebendo, como contraprestação, a remuneração [...] O objeto imediato do contrato de trabalho é a prestação dos serviços. O objeto mediato, como bem jurídico, é o trabalho em si.6
Por fim, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx apresenta o seguinte conceito:
[...] a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado.7
Verifica-se, destarte, que há definições subjetivistas, que partem da natureza dos sujeitos; objetivistas, que analisam o objeto do vínculo; legais, quando extraídas dos textos de lei; e doutrinárias, quando elaboradas pelos doutrinadores. Todas elas, contudo, dependem da visão do intérprete acerca da natureza do vínculo empregatício.
1.3 Natureza Jurídica
Para Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, a pesquisa sobre a natureza jurídica de um determinado instituto consiste na sua definição e consequente classificação. Destarte, para o Autor, a definição (busca da essência) e a classificação (busca do posicionamento comparativo) constituem a “equação compreensiva básica da ideia de natureza”8.
A doutrina apresenta as teorias contratualistas, que procuram identificar o contrato de trabalho como um contrato de direito civil, e
6 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 101.
7 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 562.
8 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 308.
anticontratualistas, que negam qualquer relevância do contrato na formação e desenvolvimento da relação de emprego.
Para os que defendem as teorias contratualistas, o contrato de trabalho pode ser classificado como: (i) arrendamento; (ii) compra e venda, (iii) sociedade e
(iv) mandato.
A mais antiga das construções civilistas inclui o contrato de trabalho entre as espécies de contratos de locação ou de arrendamento, afirmando que o empregado aluga o seu trabalho, assumindo a condição de locador; o empregador o utiliza na condição de locatário; e a coisa locada é a força de trabalho. Os que criticam a teoria em apreço defendem que a força de trabalho do empregado é inseparável de sua pessoa. Outrossim, findada a locação, restitui-se a coisa alugada na sua forma e na sua substância, o que não é possível no contrato de trabalho9.
Os que atribuem ao contrato de trabalho a natureza de uma compra e venda afirmam que o empregado vende a sua força de trabalho em troca de salário. A maior crítica a essa teoria é a de que trabalho não é mercadoria e tampouco salário é preço. Aliás, desde o Tratado de Versalhes, veda-se que o trabalho humano seja considerado mercadoria10. Outra crítica feita a essa teoria consiste no fato de que não se pode separar o trabalho (atividade) do trabalhador (prestador), o que desnatura o instituto da compra e venda11.
Para a vertente doutrinária que tenta explicar a natureza jurídica do contrato de trabalho identificando-o como um contrato de sociedade, tanto empregado como empregador dividem o benefício que se origina da comunhão entre trabalho e capital. Contudo, a crítica é que, no contrato de trabalho, não há affectio societatis, uma vez que o empregador assume sozinho os riscos do negócio e, em contrapartida, participa dos lucros de forma muito mais intensa do que os empregados12.
9 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 309- 310.
10 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 242.
11 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 311.
12 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Op. cit., p. 312.
Entre as teorias contratualistas, aponta-se, ainda, a que atribui a natureza jurídica do contrato de trabalho a um mandato, atuando o empregador como mandante e o empregado como mandatário. Várias críticas são feitas a essa teoria: a) tradicionalmente, o mandato era gratuito, enquanto o contrato de trabalho sempre foi oneroso; b) a representação é elemento essencial ao mandato, já no contrato de trabalho, em regra, é dispensável; c) está ausente, no mandato, a subordinação jurídica; e d) o mandato sempre foi revogável e o contrato de trabalho nem sempre pode ser rescindível ad nutum (por exemplo, no caso de empregados estáveis)13.
As teorias anticontratualistas, por sua vez, desdobram-se em duas vertentes principais: a teoria da relação de trabalho e a teoria institucionalista.
Para a teoria da relação de trabalho, a relação laboral não se funda na vontade ou na liberdade, ao contrário, “a prestação material dos serviços, a prática de atos de emprego no mundo físico e social é que seriam a fonte das relações jurídicas de trabalho – e não a vontade das partes, em especial do obreiro”14. Desse modo, para a teoria ora analisada, a prestação de serviços é o elemento essencial do vínculo empregatício.
A teoria institucionalista, segunda vertente das teorias anticontratualistas, parte do princípio de que o empregado, quando ingressa na empresa, está sujeito a uma situação estatutária que o submete às condições de trabalho previamente estabelecidas por um complexo normativo15. Conforme ensina Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, os institucionalistas enxergam a empresa como uma instituição:
[...] compreendem a empresa como uma instituição, um corpo social que se impõe objetivamente a um certo conjunto de pessoas e cuja permanência e desenvolvimento não se submetem à vontade particular de seus membros componentes.16
13 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 597-598.
14 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 316- 317.
15 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 244.
16 Op. cit., p. 319.
É importante ressaltar que os institucionalistas, tal como os defensores da teoria da relação de trabalho, consideram que a liberdade e a vontade não têm papel relevante para a configuração da relação empregatícia.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx entende que, no Brasil, predomina a teoria contratualista, não nos moldes das teorias civilistas clássicas, mas considerando a vontade como elemento indispensável à formação do contrato17.
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx também compartilha desse entendimento:
Prevalece na doutrina a orientação de que se trata de vínculo de natureza contratual, pois a manifestação de vontade, dando origem ao vínculo de trabalho, e possibilitando a sua manutenção, pode se apresentar de forma expressa ou mesmo tácita. A liberdade de trabalho, assim, deve ser garantida como preceito fundamental [...] Tendo em vista a natureza contratual, o contrato de trabalho apresenta natureza de negócio jurídico, ou seja, ato jurídico voluntário, de intuito negocial, com declaração bilateral de vontade, produzindo efeitos jurídicos.18
Considerando a teoria contratualista, exsurge a questão do enquadramento do contrato de trabalho como um contrato de adesão, nos moldes do artigo 54, caput19, do Código de Defesa do Consumidor.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxx defende tal posicionamento, in verbis:
Também para nós o contrato de emprego é do tipo adesão, vez que as partes não discutem o seu conteúdo. O empregador já possui determinada ‘vaga de trabalho’ com condições predeterminadas, cabendo ao empregado aceitá-las ou não. Com exceção de duas categorias profissionais específicas, domésticos e altos empregados, nas demais não se constata qualquer negociação por parte do empregado em relação às bases previamente colocadas pelo empregador.20
17 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 244.
18 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 100.
19 Art. 54. Aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
20 Contrato individual de trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998. p. 82.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx também comunga do entendimento de que o contrato de trabalho é do tipo de adesão:
Para Xxxxxxxx Xxxxxx, o contrato de trabalho é do tipo de adesão, isto é, o empregado adere sem discutir o esquema do contrato individual, já prefixado em parte pela lei, pela convenção coletiva e pelo regulamento da empresa. Xxxxxx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx também vêem no contrato de trabalho fortes características de adesão [...] Aderimos ao mesmo posicionamento. O contrato de trabalho é do tipo de adesão. Sua principal função é criar uma relação jurídica obrigacional entre as partes, porém, com o caráter meramente complementar, em face do extenso rol de normas imperativas previstas em lei ou instrumentos coletivos, que fogem do domínio da autonomia da vontade e compreendem aspectos relevantes do vínculo empregatício. As partes, se desejarem celebrar o contrato, terão que aderir a elas, sem possibilidade de discussão, como aliás se infere do art. 444 da CLT.21
Temos idêntico posicionamento, ressaltando que, mesmo no caso de altos empregados, ou seja, dos detentores de cargo de confiança que agem em nome do empregador, como, por exemplo, diretores gerais, administradores, superintendentes, gerentes com amplos poderes de mando e gestão, e, em resumo, todos que exerçam função diretiva e ocupam posto de destaque22, os contratos de trabalho submetem-se, apesar da maior liberdade de negociação das cláusulas contratuais, às normas de ordem pública e aos instrumentos coletivos. Em suma, mesmo havendo uma ampliada autonomia, ela não é absoluta.
Por fim, conforme destacado alhures, percebe-se o surgimento de duas interpretações sobre a natureza do vínculo entre empregado e empregador, uma afirmando e outra negando a sua contratualidade. Para alguns, trata-se de um contrato. Para outros, de relação de emprego. Contudo, como assevera Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, faz-se necessário indagar: “contrato e relação de emprego são uma só ou duas figuras diferentes?”23.
21 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 244-245.
22 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de direito do trabalho. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 79.
23 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 604.
Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxx esclarecem com maestria a questão, afirmando que a celeuma não é tão relevante, posto que “relação” e “contrato” são aspectos de uma mesma realidade:
A distinção entre relação e contrato, embora forneça razoável explicação da aplicação dos ‘efeitos comuns’ e dos ‘efeitos específicos’ do contrato, não é substancial. Significa, em verdade, uma exageração da diferença entre aspectos de uma só e mesma realidade. O contrato é, com efeito, o aspecto subjetivo de um fato que se objetiva na relação. Ora, o problema consiste justamente em saber se esse aspecto subjetivo pode ser eliminado, e não em se acentuar que difere do aspecto objetivo. Se os efeitos específicos, típicos do contrato de trabalho, derivassem exclusivamente do fato da prestação de serviços, o contrato seria uma superfetação. Tal não ocorre, todavia, visto como as obrigações específicas nascem no momento da execução como uma derivação do momento contratual. Por conseguinte, o simples acordo de vontades produz, por si só, os efeitos jurídicos, obrigando os contraentes.24
E, para corroborar, o sábio ensinamento de Xxxxxx Xxxxxxx
Nascimento:
A tendência que se observa nessas manifestações caracteriza-se pela harmonização entre as duas figuras e não pela sua dissociação como se pensava antes, ambas coexistindo como aspectos de uma mesma realidade, daí justificar-se a afirmação de Xxxxxxxxx: o contrato de emprego é um complexo autônomo-heterônomo.25
Enfim, entendemos que o ordenamento jurídico brasileiro adotou uma forma híbrida da teoria contratualista, na qual a manifestação de vontade é elemento indispensável para a formação do vínculo empregatício. Nessa mesma esteira, acompanhamos o entendimento doutrinário de que o contrato de trabalho pode ser classificado como do tipo de adesão, uma vez que a vontade das partes está limitada pelas normas imperativas e instrumentos de negociação coletiva. Contudo, consideramos que a harmonização das teorias contratualistas e anticontratualistas é um expoente inevitável, na medida em que ambas se complementam, ou seja, os elementos “contrato” e “relação” são congruentes e não antagônicos.
24 Contrato e relação de emprego. São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 1944. p. 20.
25 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 606.
1.4 Elementos
Nos termos do artigo 10426 do Código Civil, aplicado subsidiariamente na seara laboral, o contrato pressupõe a coexistência dos seguintes elementos: capacidade das partes, licitude do objeto e consentimento.
Nessa esteira, Xxxxxxx Xxxxx fala em elementos essenciais do contrato de trabalho, incluindo, entre eles, a capacidade, o objeto lícito, o consentimento livre e a causa lícita, acrescentado, ainda, a legitimação ou legitimidade. Entre os elementos acidentais, o doutrinador cita o termo e a condição27.
A capacidade é a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações no ordenamento jurídico. Nesse sentido, o artigo 7º, inciso XXXIII, da Carta da República, determina a proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos.
Também é necessário, para que exista a tutela do Direito do Trabalho, a licitude do objeto, pouco importando a licitude ou ilicitude do empreendimento. Acerca disso, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx apud Xxxxxx Xxxxx e J. J. Xxxxxxxx Vivot explica:
Cumpre lembrar que a atividade ilícita não se confunde com a atividade proibida. Na primeira hipótese, o contrato não produz nenhum efeito, pois ‘o negócio é reprovado pelo direito, em defesa dos interesses da sociedade, ou dos bons costumes existentes’. Nesse caso, o ‘valor tutelado é a realização da ordem pública’. Na segunda hipótese, isto é, na atividade proibida, o contrato produz certos efeitos e a ‘tutela da ordem pública se realiza de modo mediato, prevalecendo o interesse do trabalhador’.28
A validade do contrato também depende do consentimento, ou seja, da manifestação de vontade de forma hígida, por meio de declaração bilateral. A
26 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.
27 Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 145-146.
28 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 247-248.
vontade individual é considerada um fator decisivo para a formação do negócio jurídico, assim, quando há o acordo de duas ou mais vontades, existe o consentimento. Destarte, o consentimento é considerado suprema lei nos contratos, conforme dispõe o princípio do pacta sunt servanda, princípio basilar do Direito brasileiro.
A causa lícita é apontada por alguns doutrinadores, dentre eles Xxxxxxx Xxxxx, como elemento do contrato de trabalho. Segundo o Autor, “a causa se define como o motivo típico do contrato, integrando-se a causa função no processo volitivo”29. No Brasil, entretanto, conforme assevera Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, os motivos confundem-se com a ilicitude do objeto30, no sentido de que, com o advento do Código Civil de 2002, o termo “causa” foi substituído por “motivo”. Assim, à luz do artigo 14031 do referido diploma legal, o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante de sua existência.
Xxxxxxx Xxxxx também apresenta a legitimação como um limite à celebração do contrato, ressaltando que a hipótese não é de incapacidade, mas de uma impossibilidade circunstancial para agir. Como exemplo, o Autor cita a situação do estrangeiro com visto de turista no Brasil32. A legitimação, como bem lembra Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, “é também um limite para a celebração de contratos que exigem formação específica comprovada por meio de diploma”33.
Os elementos acidentais do contrato, por sua vez, são a condição e o
termo.
29 Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 151.
30 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 254.
31 Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
32 Op. cit., p. 149.
33 Op. cit., p. 255.
A condição é a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto (artigo 12134 do Código Civil).
A condição suspensiva subordina a eficácia do negócio jurídico enquanto esta não se verificar (artigo 12535 do Código Civil). Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx cita o exemplo da pactuação de se firmar o contrato definitivo de trabalho caso o empregador vença determinada licitação (evento futuro e incerto)36.
Na condição resolutiva, o negócio jurídico produz efeitos enquanto ela não se verificar (artigo 12737 do Código Civil); sobrevindo a condição resolutiva, cessam os efeitos do negócio jurídico quanto aos eventos futuros (artigo 12838 do Código Civil). O mesmo doutrinador supracitado dá como exemplo de condição resolutiva a hipótese de o empregador perder a autorização de funcionamento do estabelecimento, o que seria pactuado como motivo de extinção da relação de emprego. O Autor afirma, ainda, que a justa causa também é vista como uma condição resolutiva, ainda que tácita, no contrato de trabalho39.
O termo é o evento futuro e certo, podendo figurar no contrato de trabalho a prazo determinado (termo final). Já o termo inicial (artigo 13140 do Código Civil), de aplicação raríssima no Direito do Trabalho, também suspende os efeitos do contrato até a realização do acontecimento previsto.
34 Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
35 Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
36 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 105.
37 Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
38 Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.
39 Op. cit., p. 105.
40 Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
1.5 Requisitos
São requisitos da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º41 e 3º42 da CLT, a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, de forma não eventual, subordinada e com onerosidade.
O empregado é sempre pessoa física (natural), excluindo-se, portanto, a pessoa jurídica, porque, conforme lição de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, “esta jamais poderá executar o próprio trabalho, fazendo-o por meio de pessoas físicas, e porque o direito do trabalho protege o trabalhador como ser humano”43.
O requisito da pessoalidade, nos dizeres de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, significa:
[...] a prestação de serviços pelo próprio trabalhador, sem que seja substituído constantemente por terceiros, aspecto este relevante ao empregador, que o contratou tendo em vista a sua pessoa [...] O contrato de trabalho é, portanto, intuitu personae. Mesmo assim, a substituição, em uma ou outra ocasião, do empregado, com a anuência do empregador, não é apta a descaracterizar um longo vínculo de emprego.44
Outro requisito para a formação do contrato de trabalho é a não eventualidade, isto é, a prestação de serviços ligados às atividades normais do empregador. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx aponta a necessidade de uma certa fixação entre o trabalhador e a fonte de trabalho, denominando essa fixação de continuidade45. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, por sua vez, ressalva que “o legislador não se utilizou do termo ‘continuidade’. Logo, mesmo que descontínuo, ou intermitente, o serviço prestado pelo empregado poderá ser de natureza não eventual”46.
41 Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
42 Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
43 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 646.
44 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 102.
45 Op. cit., p. 654.
46 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 266.
A onerosidade também é requisito do contrato de trabalho, ou seja, o salário é indispensável. Não obstante, Délio Maranhão ressalta que “não é a falta de estipulação do quantum do salário ou o seu pagamento sob forma indireta, que desfiguram a condição de empregado”47. Assim, deve existir o chamado animus contrahendi, ou seja, a intenção do empregado de receber a contraprestação pelos serviços prestados e não a prestação de serviços por mera benevolência.
Por fim, a subordinação é o último e o mais relevante requisito para a caracterização da relação de emprego. A subordinação pode ser analisada sob quatro prismas: i) técnica, significando que o empregador, por deter o conhecimento técnico da atividade, estaria em posição superior ao empregado; ii) econômica, no sentido de que o empregado estaria economicamente subordinado ao empregador;
iii) social, significando que o empregador, por ser o titular do empreendimento, estaria em posição social superior a do empregado; e iv) jurídica, o critério mais aceito pela doutrina e pela jurisprudência, referindo-se ao modo de o empregado prestar os serviços ao empregador.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx aponta para uma tendência manifestada na doutrina italiana: o trabalho parassubordinado. De acordo com a Autora, os aspectos que qualificam o trabalho parassubordinado, segundo a doutrina e a jurisprudência italianas, podem ser sintetizados na:
[...] presença pessoal dominante da qual deriva a conotação de infungibilidade; na coordenação e na interação funcional com a estrutura da empresa ou com o interesse do sujeito que se utiliza do trabalho de outrem, bem como na continuidade do empenho no tempo até atingir o resultado (filme, representação, espetáculo ou programa de televisão.48
Pode-se verificar, desse modo, que a subordinação do empregado às ordens do empregador é a mais evidente manifestação da existência de um contrato de emprego, contudo, acerca disso, conforme adverte Xxxxxxxx Xxxxxxx, “há casos em que essa subordinação de fato não é visível, restando em estado potencial”49,
47 Comentários à CLT e à legislação complementar. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1964. p. 101.
48 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 272.
49 Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38.
por exemplo, quando se tratar de altos empregados, trabalhadores em domicílio, comissionistas externos, etc, situações em que a relação deverá ser analisada à luz do fato concreto.
1.6 Sujeitos
São sujeitos do contrato de trabalho o empregado e o empregador.
O conceito de empregado pode ser obtido do artigo 3º, caput, da CLT: “Considera-se empregado toda a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Contudo, como assevera Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, o preceito contido no artigo 3º da CLT é incompleto, devendo ser analisado em consonância com o disposto no artigo 2º50 do mesmo diploma, no que tange à pessoalidade:
O conceito legal de empregado está lançado no art. 3º, caput, da CLT: toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. O preceito celetista, entretanto, é incompleto, tendo de ser lido em conjunto com o caput do art. 2º da mesma Consolidação, que esclarece que a prestação pelo obreiro há de ser pessoal. Acoplados nos dois preceitos, encontram-se reunidos os cinco elementos componentes da figura sociojurídica de empregado.51
Segundo o artigo 2º, caput, da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”.
O dispositivo supracitado é alvo de críticas da doutrina, sob o argumento de que o empregador não é a empresa, mas, sim, a pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado titular da empresa ou estabelecimento.
50 Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
51 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 347.
Com efeito, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx afirma que “a empresa deve ser entendida como uma atividade, que é o seu estatuto jurídico próprio: a atividade econômica de produção ou circulação de bens e serviços”52.
Não obstante as críticas tecidas ao conceito extraído do artigo 2º, caput, da CLT, na prática, evidenciou-se a ideia da despersonalização da figura do empregador, deveras importante quando da análise de questões envolvendo sucessão trabalhista, conforme ressalta Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
Ao enfatizar a empresa como empregador, a lei já indica que a alteração do titular da empresa não terá grande relevância na continuidade do contrato, dado que à origem justrabalhista interessaria mais a continuidade da situação objetiva da prestação de trabalho empregatício ao empreendimento enfocado, independentemente da alteração de seu titular. É o que resultará preceituado nos arts. 10 e 448 da mesma CLT.53
Além da despersonalização da figura do empregador, outra característica importante extraída do conceito legal é a alteridade, isto é, o empregador assume os riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho.
No que tange ao disposto no § 1º54 do artigo 2º da CLT, compartilhamos da opinião de Xxxxxxxx Xxxxxxx, no sentido de que os entes mencionados no dispositivo (profissionais liberais, instituições de beneficência, associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos) não são empregadores por equiparação, mas, simplesmente, empregadores.
A questão do grupo econômico previsto no § 2º55 do artigo sob comentário será oportunamente analisada.
52 Manual de direito comercial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 9.
53 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 390.
54 Art. 2º [...] § 1º. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
55 Art. 2º [...] § 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os
1.7 Princípios que regem o contrato de trabalho
Inicialmente, convém trazer a definição de princípio, muito bem delineada por Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
Assim, princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade.56
Existem princípios próprios do Direito do Trabalho que regem o contrato laboral, dentre os quais se destacam: princípio protetor, princípio da irrenunciabilidade, princípio da primazia da realidade e princípio da continuidade da relação de emprego.
Para Xxxxxxx Xxx Xxxxxxxxx, o princípio protetor pode ser analisado sob três aspectos: in dubio pro operario, aplicação da norma mais favorável e condição mais benéfica57.
O princípio do in dubio pro operario é considerado princípio de interpretação, ou seja, em caso de dúvidas acerca da aplicação de determinado texto jurídico, deve-se interpretá-lo, no tocante ao sentido e alcance, em favor do empregado. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx inclui o princípio sob comentário no rol dos chamados “princípios justrabalhistas especiais controvertidos”, fazendo duas considerações: a primeira, no sentido de que o referido princípio tornou-se redundante e, consequentemente, inútil, uma vez que o princípio da aplicação da norma mais favorável já o teria esgotado; a segunda, ressaltando a impossibilidade de sua aplicação na esfera processual, especialmente diante das regras de ônus da prova58.
efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
56 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 184.
57 Princípios de direito do trabalho. 3. ed. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 2004. p. 438.
58 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 213-214.
O princípio da aplicação da norma mais favorável é considerado princípio de hierarquia, no sentido de que, havendo diversas normas válidas incidentes sobre o contrato de trabalho, deve-se aplicar a que for mais benéfica ao empregado. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx explica os critérios para aferição da norma mais favorável, in verbis:
[...] O primeiro critério é conhecido como teoria do conglobamento, em que se prefere a norma mais favorável, após o confronto em bloco das normas objeto de comparação. O segundo critério, intitulado teoria da acumulação, se faz selecionando, em cada uma das normas comparadas, o preceito mais favorável ao trabalhador. Finalmente, o terceiro critério (teoria do conglobamento orgânico ou por instituto) apresenta como solução uma comparação parcial entre grupos homogêneos de matérias, de uma e de outra norma.59
Para a Autora, a legislação brasileira adotou a teoria do conglobamento parcial, orgânico, mitigado ou por instituto, conforme se infere do artigo 3º, II60, da Lei nº 7.064, de 1982.
O princípio da condição mais benéfica assegura a manutenção, durante o contrato de trabalho, de situações pessoais mais vantajosas incorporadas ao patrimônio do empregado. Sobre o assunto, Xxxxxxx Xxxxxxxxx pontifica:
[...] determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento da empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis.61
Trata-se, de certa forma, da aplicação do princípio do direito adquirido (artigo 5º, XXXVI62, da Carta da República) ao contrato de trabalho, estando
59 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 181.
60 Art. 3º. A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe- á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços: [...] II - A aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.
61 Instituições de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 199. p. 154.
62 Art. 5º [...] XXXVI - A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
incorporado à legislação trabalhista por meio do artigo 46863 da CLT e sedimentado nas Súmulas 5164 e 28865 do TST.
É relevante destacar que Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx trata a impossibilidade de alteração contratual lesiva como princípio componente do que chama de “núcleo basilar de princípios especiais”. Contudo, o próprio Autor admite que a vedação das alterações lesivas não é absoluta, ressaltando as situações inerentes ao ius variandi do empregador66, o que será melhor estudado no próximo tópico.
O princípio da irrenunciabilidade “significa não se admitir, em tese, que o empregado renuncie, ou seja, abra mão dos direitos assegurados pelo sistema jurídico trabalhista, cujas normas são, em sua grande maioria, de ordem pública”67. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx assevera que o termo “indisponibilidade dos direitos trabalhistas” seria mais adequado para intitular o referido princípio, uma vez que renúncia é ato unilateral, e o princípio em apreço interfere também nos atos bilaterais de disposição de direitos (transação). Para o Autor, este princípio constitui o principal instrumento para atenuar o desequilíbrio socioeconômico existente entre os sujeitos do contrato de trabalho68.
63 Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
64 Súmula 51. NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.
65 Súmula 288. COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA. A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.
66 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 203-205.
67 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 77.
68 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 201-202.
O princípio da primazia da realidade indica que, no contrato de trabalho, deve prevalecer a realidade dos fatos, desprezando-se qualquer ficção jurídica ou forma construída em desacordo com a verdade real69.
E, por fim, o princípio da continuidade da relação de emprego tem por escopo a preservação do contrato de trabalho, presumindo-se a sua celebração por prazo indeterminado. Por meio de tal princípio, busca o Direito do Trabalho a manutenção e integração do empregado à empresa, favorecendo a qualidade do serviço prestado70.
1.8 Alteração do contrato de trabalho
Conforme disposto no tópico anterior, o princípio da condição mais benéfica, desdobramento do princípio basilar da proteção, assegura a manutenção das situações mais benéficas incorporadas ao patrimônio jurídico do empregado. Desse modo, nos termos do artigo 46871 da CLT, só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente da garantia.
Contudo, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx sustenta a aplicação, aos contratos laborais, da cláusula rebus sic standibus, fundada na teoria da imprevisão, que autoriza a empresa, em casos excepcionais, a introduzir modificações unilaterais. Ainda segundo o Autor, baseada no direito italiano, a doutrina elaborou o princípio do ius variandi, que pode ser conceituado como o direito do empregador de, em casos excepcionais, alterar, por imposição unilateral, as condições de trabalho dos seus empregados. Assevera o doutrinador, contudo, que as alterações prejudiciais ao empregado devem ser submetidas a controle sindical, administrativo ou judicial72.
69 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 79.
70 Ibidem, mesma página.
71 Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
72 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 765-767.
Para Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, as alterações do contrato de trabalho podem ser unilaterais ou bilaterais. As primeiras, em princípio, serão permitidas se forem mais favoráveis ao empregado. As alterações bilaterais são possíveis, desde que não tragam prejuízos ao trabalhador. A mesma doutrinadora afirma que a alteração unilateral possui conexão com o ius variandi, podendo o empregador alterar o modo, o tempo e o lugar. Assim, o empregador poderá alterar o maquinário utilizado pelo empregado, tendo em vista os avanços tecnológicos; instituir, em princípio, o uso de uniformes ou modificar aqueles já utilizados; modificar o tempo de duração das viagens; o horário de início e término da jornada, desde que dentro do mesmo turno e desde que a mudança não seja prejudicial ao trabalhador. A doutrinadora, outrossim, classifica as alterações no contrato de trabalho em: qualitativa (modificação na função do empregado) e quantitativa (salário)73.
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx classifica o ius variandi em ordinário e extraordinário. Para o Autor, o ius variandi ordinário está relacionado a pequenas modificações no contrato de trabalho, como, por exemplo, alteração do horário de entrada; mudança do horário de saída; mudança de maquinário; alterações de uniforme. Já o ius variandi extraordinário autoriza, excepcionalmente, modificações de maior relevância. Como exemplos, o Autor cita a hipótese prevista no parágrafo único74 do artigo 468 da CLT, qual seja, a reversão do empregado comissionado ao cargo de origem; e a alteração do turno de trabalho, com a consequente supressão do adicional noturno75.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx aponta, à luz do ius variandi do empregador, as situações de alteração no contrato de trabalho que entende lícitas: i) situações excepcionais ou de emergência; ii) substituição temporária ou comissionamento interino; iii) destituição do cargo ou função de confiança; iv) extinção do cargo ou função; v) alteração do Plano de Cargos e Salários (PCS) ou
73 Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 850.
74 Art. 468 [...] Parágrafo único. Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
75 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2007. p. 290-291.
Quadro de Carreira; vi) readaptação funcional por causa previdenciária; e vii) promoção ou remoção76.
Acerca da destituição do cargo de confiança, convém salientar o contido na Súmula nº 37277 do TST, prevendo que, se o empregado recebeu gratificação por mais de 10 anos e foi afastado do cargo sem justo motivo, fará jus à manutenção dessa verba.
No tocante à alteração quantitativa, ou seja, no salário do empregado, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx ressalta a possibilidade de redução salarial nos estritos termos da Constituição Federal (negociação coletiva). Lembra, ainda, a Autora que a CLT prevê a possibilidade de redução no caso de força maior ou prejuízos efetivamente comprovados (artigos 50178 e 50379 da CLT), bem como no caso de reversão ao cargo efetivo. Entretanto, a mesma Autora considera que o artigo 503 da CLT contraria o disposto no artigo 7º, inciso VI80, da Carta da República, devendo a redução salarial ser objeto de negociação coletiva.
Ressalte-se, ainda, a possibilidade de alteração do local de trabalho, por ato unilateral do empregador, no caso de trabalhador ocupante de cargo de confiança; empregado cujo contrato contenha cláusula explícita ou implícita de transferibilidade; a decorrente de extinção do estabelecimento; e, por fim, a
76 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1015-1021.
77 Súmula 372. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 45 e 303 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996). II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação. (ex-OJ nº 303 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003).
78 Art. 501. Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
79 Art. 503. É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.
80 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.
transferência provisória por necessidade de serviço; todas inseridas nos parágrafos do artigo 46981 da CLT.
Por fim, convém ressaltar que, de acordo com o princípio da actio nata, caracterizada a alteração do pacto laboral, a prescrição será total e começará a fluir a partir do momento em que se consolidou o ato único do empregador, uma vez que a lesão compromete a causa ensejadora do direito, do qual se originaram as prestações sucessivas.
Transcreve-se, nesse sentido, a Súmula nº 294 do TST:
SÚMULA 294 PRESCRIÇÃO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. TRABALHADOR URBANO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.
Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.
Note-se que, para afastar a incidência da prescrição total, a lei deve assegurar de forma específica e imediata o direito à parcela. Do contrário, o pronunciamento da prescrição total ou nuclear é inarredável.
81 Art. 469. Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio.
§ 1º. Não estão compreendidos na proibição deste artigo: os empregados que exerçam cargo de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço. (Redação dada pela Lei nº 6.203, de 17.4.1975).
§ 2º. É licita a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado.
§ 3º. Em caso de necessidade de serviço o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa da que resultar do contrato, não obstante as restrições do artigo anterior, mas, nesse caso, ficará obrigado a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação. (Parágrafo incluído pela Lei nº 6.203, de 17.4.1975).
2. DELINEANDO O CONTRATO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA
2.1 Breve histórico da previdência complementar
Em 1966, com o Decreto-Lei nº 73, foram criados a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e o Sistema Nacional de Seguros Privados (SNSP). Assim, ainda que de maneira genérica, o ordenamento jurídico brasileiro teve contato, pela primeira vez, com normas que regulamentam operações de previdência privada.
Em 15.07.1977, foi promulgada a Lei nº 6.435, disciplinando o funcionamento de algumas entidades de previdência privada ligadas ao setor estatal. Referida lei também diferenciou as entidades abertas das fechadas, permitiu o ingresso das seguradoras neste mercado, regulamentou a aplicação dos recursos aportados e estabeleceu um reajustamento periódico do valor dos benefícios e contribuições.
Conforme xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, a tradição norte-americana foi presente em toda a evolução da previdência complementar, especialmente com a criação do indiviual retirement account (IRA), criado pelo Employee Retirement Income Security Act (ERISA), de 1974, que foi o marco regulatório da matéria e inspirou a promulgação da Lei nº 6.435/1977. Ainda segundo o Autor, a ERISA teve a vantagem de estabelecer alguns critérios atuariais na fixação e administração dos planos da empresa, algo inovador, uma vez que a maioria das empresas, até então, encarava as obrigações previdenciárias como extensão dos encargos salariais82.
Em 1978, foi criada a Secretaria da Previdência Complementar (SPC). Assim, com o destaque cada vez maior dado à previdência complementar,
82 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 755.
sobreveio, em 1998, a Emenda Constitucional nº 20, que, em seus seis parágrafos, alterou a redação do artigo 20283 da Carta da República.
Atualmente, o regramento geral da matéria consta da Lei Complementar nº 109, de 29.05.2001, que trata genericamente do Regime de Previdência Complementar. Na Constituição Federal, o tema é tratado no artigo 202.
Também há a Lei Complementar nº 108, de 29.05.2001, dispondo sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, e suas respectivas entidades de previdência complementar.
2.1.1 Primeiras Entidades de Previdência Complementar
A primeira entidade fechada de previdência privada do Brasil foi a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI). Ela surgiu em 16.04.1904 e encontra-se em atividade até os dias de hoje, sendo a maior da América Latina e a 45ª do mundo.
A Caixa de Pensão dos Operários da Casa da Moeda foi objeto do Decreto nº 9.284, de 30.12.1991. O Decreto nº 9.517, de 17.04.1919, criou a Caixa de Pensões e Empréstimos para o Pessoal das Capatazias da Alfândega do Rio de Janeiro.
O GBOEx surgiu em 1918, para as famílias dos militares do Rio Grande do Sul.
Em 28.01.1967, foi aprovado o Estatuto do Fundo de Beneficência aos Funcionários do Estado do Paraná S.A. (FUNBEP). Em 1970, surgiu a PETROS, entidade de previdência da Petrobras S.A.
83 Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
Em 01.01.1978, nasceu o ECONOMUS – Instituto de Seguridade Social (dos economiários do Estado de São Paulo).
Por fim, convém destacar que as Entidades de Previdência Complementar passaram a constituir importante fonte de poupança interna, na medida em que atuam, por força da própria legislação, sob o regime de capitalização, acumulando recursos, destacando-se, nessa dimensão, também no plano internacional.
2.2 Conceito de previdência complementar
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx sintetiza bem o conceito de previdência complementar como sendo o “sistema securitário privado e facultativo, almejando atender as pessoas que desejam gozar a velhice com maior conforto, tendo ingressos superiores ao teto do RGPS (Regime Geral de Previdência Social)”84.
Acerca da nomenclatura, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx traça algumas diferenças entre implementar, suplementar e complementar. Para o doutrinador, o sistema previdenciário será implementar quando desvinculado do Regime Geral de Previdência Social, com a concessão do benefício privado independentemente do público concedido pelo INSS ou sistema próprio de previdência de servidores públicos, ou seja, “valor acrescível ao benefício público, sem nenhum vínculo de patamar com este, importância independente, calculada nos termos de cláusula contratual”. O suplementar pressupõe valor adicional ao Regime Geral de Previdência Social, mas sem a obrigação de manter a mesma remuneração do trabalhador quando em atividade, isto é, “rendas de trato sucessivo, de certa forma, aferidas sobre a retribuição do participante, em níveis variáveis, sem esgotar a diferença entre esta e a oficial”. E, por fim, o sistema complementar será aquele que mantiver o mesmo patamar remuneratório do beneficiário, ou seja, “importâncias mensais resultantes da exata diferença entre a remuneração média do segurado e o desembolsado pelo ente governamental”85.
84 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 757.
85 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1246.
Atualmente, como assevera Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, a previdência complementar deveria ser intitulada de implementar, tendo em vista a autonomia existente entre o sistema de previdência complementar e o Regime Geral de Previdência Social, uma vez que o artigo 68, § 2º86, da Lei Complementar nº 109/2001, prevê a concessão de benefícios pelas entidades de previdência privada independente da aquisição da prestação na esfera do Regime Geral87.
Aliás, o artigo 202 da Carta da República desvincula, expressamente, a relação previdenciária da relação de emprego:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
[...]
§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Feitas todas essas considerações, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx apresenta o seu conceito final de previdência complementar:
Estruturalmente, cuida-se de um conjunto de operações econômico- financeiras, cálculos atuariais, práticas contábeis e normas jurídicas, empreendidas no âmbito particular da sociedade, inserida no Direito Privado, subsidiária do esforço estatal, de adesão espontânea, propiciando benefícios adicionais ou assemelhados, mediante recursos exclusivos do protegido (aberta e associativa), ou divididos os encargos entre o empregado e o empregador, ou apenas de um deste último (fechada).88
Note-se que o conceito elaborado pelo Autor traz as características nucleares do instituto, que serão estudadas no decorrer deste trabalho.
86 Art. 68 [...] § 2º. A concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social.
87 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 757-758.
88 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1256.
2.3 Distinção entre previdência complementar aberta e fechada
As entidades abertas de previdência complementar (EAPC) são constituídas sob a forma de sociedade anônima, acessíveis a qualquer pessoa física, e têm por escopo a instituição e operacionalização de planos de benefícios de caráter previdenciário, concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único. Embora a maioria das EAPC tenha fins lucrativos, a legislação não veda a criação de mútuos, ou seja, regimes de previdência aberta sem fins lucrativos. Nesse sentido, inclusive, é o Enunciado nº 18589 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal90.
O controle e a fiscalização do segmento aberto de previdência complementar competem à Superintendência dos Seguros Privados (SUSEP), ligada ao Ministério da Fazenda. Igualmente, outros órgãos do referido Ministério também possuem ingerência nas EAPC, como o Conselho Nacional de Seguros Privados, o Conselho Monetário Nacional e outras entidades da Administração Indireta, como o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e o Instituto de Resseguros do Brasil.
Convêm destacar, ainda, que as EAPC também podem ser, desde que autorizadas para tanto, sociedades seguradoras do ramo vida.
A previdência complementar fechada, por sua vez, é aquela operada por fundações privadas ou sociedade civil sem fins lucrativos, instituída mediante contrato, de filiação facultativa e acessível somente a grupos de empregados de uma empresa ou grupo de empresas, servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial91.
89 Enunciado 185. A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação, exclusivamente, por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.
90 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 761-762.
91 LORA, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, v. 75, n. 2, p. 148-155, fev. 2011. p. 148.
Assim, ao contrário do que ocorre nas entidades abertas de previdência complementar (EAPC), que são acessíveis a qualquer pessoa física, nas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), o ingresso é restrito a determinados grupos de pessoas.
Convém ressaltar que, após o advento do Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002), a figura da sociedade civil foi extinta, eis que o referido diploma legal classificou as pessoas jurídicas de direito privado em associações, fundações e sociedades. Considerando que as sociedades pressupõem o exercício de atividade econômica, compartilhamos do entendimento de Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx quando afirma que, após o Código Civil de 2002, as EFPC devem ser constituídas sob a forma de associação ou fundação92.
Não obstante, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) editou a Portaria nº 2, de 08.01.2004, desobrigando as EFPC a adaptarem seus estatutos ao regime do Novo Código Civil, sob o argumento de que tal diploma não se aplica às EFPC, que são reguladas pela Lei Complementar nº 109/2001.
Acerca do assunto, acompanhamos o posicionamento de Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx:
Com efeito, é o Código Civil que estabelece o regime jurídico geral das pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas. Houvesse a LC n. 109/2001 instituído regime jurídico próprio para as EFPCs, poder-se- ia admitir sua prevalência integral sobre as disposições do Código Civil. Ocorre que a LC n. 109/2001 apenas traçou características peculiares às EFPCs atinentes às particularidades do seu objeto. Com isso, não desnaturou a associação e a fundação, conforme reguladas pelo Código Civil [...] Em resumo, parece-nos que a Portaria n. 2 fez mais que regulamentar a lei, criou regra nova, eis a razão que consideramos tal ato normativo ilegal.93
Assim, também entendemos que a Portaria nº 2 constitui ato do Poder Executivo, não tendo o condão de criar lei nova. Nessa toada, as EFPC, após o
92 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. x. 00.
00 Xxxxxx, x. 00.
advento do Novo Código Civil, devem ser constituídas sob a forma de fundação ou associação, e não mais sob a forma de sociedades civis sem fins lucrativos.
As empresas ou Entes Federativos que instituam plano de benefício de caráter previdenciário aos seus empregados ou servidores são denominadas patrocinadoras. Por sua vez, as pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial que instituam plano de benefício de caráter previdenciário são chamadas de instituidoras. Em relação ao tema em testilha, são preciosas as lições de Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx:
É patrocinador a empresa ou grupo de empresas, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas que instituam para seus empregados ou servidores plano de benefício de caráter previdenciário, por intermédio de entidade fechada, enquanto instituidor é a pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial que institua para seus associados ou membros plano de benefício de caráter previdenciário. Esta definição era prevista no Decreto nº 4.206/02, art. 2º, que foi revogado pelo Decreto nº 4.942 de 30 de dezembro de 2003. No entanto, é a mesma plenamente válida.94
O participante, nos termos do artigo 8º, inciso I, da Lei Complementar nº 109/2001, “é a pessoa física que aderir aos planos de benefícios”. Já o assistido, nos termos do inciso II do referido artigo, é “o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada”.
Conforme ensina Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, “o beneficiário é a pessoa indicada pelo participante para receber o benefício previdenciário previsto no Regulamento do plano previdenciário em decorrência do evento gerador”95.
A mesma Autora traz a definição de plano previdenciário:
O plano de benefícios de caráter previdenciário (ou plano beneficiário) é o conjunto de regras definidoras dos direitos e obrigações dos participantes e assistidos, dos patrocinadores ou dos instituidores e da entidade de previdência complementar [...] é
94 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 763.
95 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 84.
desenhado para atender às necessidades previdenciárias das pessoas que estão inseridas no grupo protegido, sendo que cada uma delas apresenta certas características particulares, tais como idade, sexo, estado civil, salário, tempo de casa, pelo que, para garantir os benefícios que o plano proporciona, quando ser verificarem os eventos relacionados às pessoas dos inscritos, a análise técnica do plano de benefícios deverá estabelecer com precisão o nível de contribuições que será suficiente para fazer frente a todos os compromissos do plano.96
Ao contrário do que ocorre no segmento aberto, o controle, a regulamentação e a fiscalização das EFPC ficam a cargo da Superintendência de Previdência Complementar (PREVIC), que substituiu a Secretaria de Previdência Complementar (SPC). Há, ainda, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), órgão da estrutura básica do Ministério da Previdência Social, e a Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), responsáveis pela definição das políticas e diretrizes aplicáveis ao regime de previdência complementar fechada. Referidas estruturas (CNPC e CRPC) estão previstas no Decreto nº 7.123/2010.
Por todo o exposto, verifica-se que as principais diferenças entre as entidades abertas de previdência complementar e as fechadas consistem no fato de que as primeiras podem ou não ter fins lucrativos, sendo abertas ao ingresso de qualquer pessoa física. Nas entidades fechadas, entretanto, o ingresso é restrito a determinados grupos de pessoas, sendo que o objetivo exclusivo é a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária, ou seja, referidas entidades são desprovidas de finalidade lucrativa.
2.4 Características nucleares
Segundo Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, as características fundamentais da previdência complementar fechada são a contratualidade e a facultatividade, tendo em vista a natureza jurídica contratual do microssistema da previdência complementar, submetido às regras de direito privado97.
96 Op. cit., p. 41-42.
97 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 17.
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx traz as características da previdência complementar que considera nucleares. São elas: i) facultatividade de ingresso; ii) independência da básica; iii) complementaridade do valor; iv) solidariedade entre as pessoas; v) submissão ao direito privado; vi) observância do cálculo atuarial; vii) regimes financeiros obrigatórios; viii) gestão colegiada transparente; ix) independência das pessoas jurídicas; e x) supervisão governamental98.
A facultatividade de ingresso significa que é vedado à patrocinadora ou à instituidora coagir seus empregados, servidores, associados ou membros na adesão ao plano. Segundo o Autor, há igual faculdade para a pessoa manter-se e retirar-se dele, muito embora seja desejável a união da coletividade para o seu êxito:
Igual faculdade, para a pessoa manter-se e retirar-se. Comumente os regulamentos básicos dispõem sobre a forma desse afastamento e relativamente aos valores recuperáveis. Os limites estão entre o estímulo à entrada e o desestímulo à saída. Devolução da reserva de poupança ou resgate de contribuições só é possível, na maioria dos casos, com a perda do vínculo empregatício com a patrocinadora, embora o participante possa retirar-se a qualquer momento, com o levantamento postergado para tal circunstância.99
Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx afirma que o contrato de previdência privada está estruturado no princípio da autonomia privada:
O contrato de previdência privada estrutura-se no exercício das vontades autônomas, de caráter privado, de outorgar o plano de benefícios aos seus funcionários, administradores ou associados, no caso do patrocinador ou instituidor, e de aderir ao plano, no caso do participante.100
Desse modo, o patrocinador não é obrigado a instituir plano de benefícios operado por EFPC e tampouco a aderir a ele. O mesmo ocorre com o participante. Em suma, a adesão será sempre facultativa.
98 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1246.
99 Ibidem, p. 1258.
100 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 36.
No que tange à independência da básica, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx xxxxxx que o artigo 68, § 2º, da Lei Complementar nº 109/2001, é taxativo ao afirmar que “a concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social”. Desse modo, pelas regras atuais, os sistemas público e privado de previdência são autônomos, significando que o participante de plano privado de previdência pode obter seu benefício independentemente de ter implementado os requisitos para a concessão do benefício previsto pelo Regime Geral de Previdência Social101.
A complementaridade do valor é aplicável nos casos em que a renda mensal, caso convencionada, estiver adstrita ao benefício pago pelo INSS. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx formula elucidativo exemplo:
Caso o valor inicial da complementação, definida nas cláusulas regulamentares, seja a diferença entre determinada média (dos últimos 12 meses, por exemplo) e o recebido ou devido pelo INSS, a entidade fica sujeita, todo o tempo, a desembolsar exatamente o resultado da subtração, com a particularidade extraordinária de esse vínculo obrigacional ser mantido, não importando a causa determinante da flutuação do desembolsado pelo órgão estatal.102
Verifica-se, pois, que a EFPC contrai a obrigação, desde que assim convencionado, de complementar o benefício percebido pelo INSS, independentemente das vicissitudes econômicas sofridas pelo benefício oficial.
A solidariedade entre as pessoas é considerada por Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx como princípio jurídico e instrumental técnico, ou seja, é a “essência e razão de ser da previdência social, básica ou complementar”103. Significa, em suma, que o excesso atuarial decorrente da não fruição por parte de alguns atende ao excesso de gozo de outros, mantendo, assim, o equilíbrio do plano.
No tocante à submissão ao direito privado, o mesmo Autor afirma:
101 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 757-758.
102 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1261-1262.
103 Ibidem, p. 1260.
Nada obstante o leviatânico intervencionismo estatal, a previdência complementar é relação jurídica estabelecida no âmbito do direito privado. A adesão ao seguro firmado entre o participante e o fundo de pensão, no caso da fechada, bem como no da aberta, pertence à esfera do Direito Civil, e por ele é regulada [...] A supervisão do Estado e sua enorme presença, bem como a regulação da matéria (maior ou menor, conforme a vontade política do momento) e mesmo a semelhança de objetivos não chegam a submeter a relação às normas de direito público.104
Compartilhamos desse entendimento, ressaltando, inclusive, que a intervenção estatal na previdência privada é legítima, contudo, não tem o condão de anular a autonomia que lhe é assegurada pela própria Constituição da República. Nesse diapasão, convém trazer os oportunos ensinamentos de Xxx Xxxxx:
[...] o fato de um contrato apresentar algumas cláusulas predeterminadas não lhe retira a autonomia. A liberdade contratual é limitada, mas não deixada de lado [...] Nesse sentido, é o próprio Código Civil brasileiro que harmoniza a liberdade contratual com a possibilidade de sua limitação, estabelecendo, no artigo 421, que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Ora, essa formulação do legislador aplica- se perfeitamente aos contratos previdenciários.105
Assim, mesmo com toda a interferência estatal que permeia a previdência complementar, ela permanece autônoma e submissa às normas de direito privado.
Outra característica nuclear da previdência complementar é a
observância do cálculo atuarial, a fim de que o plano permaneça em equilíbrio.
Inicialmente, deve-se destacar que o equilíbrio financeiro reflete a existência de reservas suficientes para o adimplemento das obrigações contraídas (atuais e futuras) previstas em Estatuto. Para que exista o equilíbrio financeiro, não há necessidade de contínuos superávites, mas, sim, harmonia entre as contas (ativo e passivo). Até mesmo curtos períodos de saldo negativo são aceitáveis, desde que não comprometam a higidez do plano. Já o conceito de equilíbrio atuarial é mais complexo, atraindo o estudo da atuária, ciência do seguro. Neste tipo de equilíbrio,
104 Op. cit., p. 1261.
105 Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 55.
cabe à entidade, ao desenvolver o plano de benefício adotado, considerar uma série de variáveis, como, por exemplo, expectativa de vida, número de participantes, nível de remuneração atual e percentual de substituição do benefício complementar, tudo dentro do perfil dos participantes106.
As características dos participantes são relevantes até para a escolha da tábua biométrica a ser utilizada. Ressalte-se, nessa toada, que as entidades privadas de previdência complementar, ao contrário da previdência básica, não estão vinculadas à tábua de mortalidade publicada pelo IBGE, podendo fazer uso de outras, desde que mais compatíveis com a realidade do plano, mediante responsabilidade direta do atuário que a adota.
Eventual responsabilidade do atuário é apurada, em caráter administrativo, pelo Instituo Brasileiro de Atuária (IBA).
Assim, desde a instituição, antes da aprovação da entidade, o empreendimento deve ser assistido pelo atuário. No curso da administração, a presença do matemático também é frequente e indispensável à segurança e equilíbrio do plano.
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx ressalta a importância do equilíbrio atuarial:
Enfim, o equilíbrio atuarial não visa ao mero encontro de receitas e despesas, mas sim ao equilíbrio da massa, à criação e manutenção de um sistema protetivo viável, levando-se em consideração as variáveis mais relevantes dos participantes e assistidos, vislumbrando seu status atual e futuro.107
Aliás, o artigo 23 da Lei Complementar nº 109/2001 é expresso, em seu parágrafo único, quando determina que “ao final de cada exercício serão elaboradas as demonstrações contábeis e atuariais consolidadas, sem prejuízo dos controles por plano de benefícios”, ou seja, ao final de cada balanço, os planos de benefícios deverão ser apreciados por atuário ou instituto habilitado.
106 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 760-761.
107 Op. cit., p. 761.
Os regimes financeiros são critérios de cálculos das contribuições para o pagamento dos benefícios previdenciários. Os regimes financeiros que podem ser utilizados na previdência privada fechada são: i) repartição simples; ii) repartição de capitais de cobertura; e iii) capitalização.
No regime financeiro de repartição simples, também chamado de “regime de caixa ou orçamentário”, são calculadas as contribuições que serão cobradas em um dado exercício financeiro, suficientes para o pagamento dos benefícios que tiverem fatos geradores no mesmo exercício. A contribuição é imediatamente paga a outros participantes, na forma de benefício. Os benefícios são pagos em única parcela ou por curtos períodos. A dificuldade desse regime reside no fato de que, se houver descontinuidade na entrada de dinheiro, consequentemente, não haverá recurso para o pagamento dos benefícios concedidos e para os que vierem a ser concedidos, ou seja, nesse método de custeio, não há reserva financeira108.
No regime financeiro de capitais de cobertura são previstas as receitas suficientes para a constituição de provisões que serão capazes de garantir os benefícios concedidos. Porém, os benefícios a conceder não terão garantia109.
Por sua vez, o regime financeiro de capitalização caracteriza-se pela constituição de reservas, ou seja, pela formação de um patrimônio constituído pelas contribuições, destinado a financiar o recebimento dos benefícios contratados, em um sistema chamado de capitalização. É como se o participante constituísse uma poupança em seu nome, com seus recursos identificados e segregados110.
O artigo 18, § 1º, da Lei Complementar nº 109/2001, estabelece que “o regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas”.
108 XXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx. A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 47.
109 Ibidem, p. 47-48.
110 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 95.
Desse modo, para os benefícios cujo evento gerador seja a sobrevivência (programado) e cuja forma de pagamento seja a renda (continuado), nos termos do dispositivo supra, o método de cálculo das contribuições deverá ser, obrigatoriamente, o de capitalização111.
Por fim, as modalidades de planos de benefício estão dispostas no parágrafo único do artigo 7º da Lei Complementar nº 109/2001:
Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.
Os planos de benefício definido (BD) são aqueles em que se conhecem previamente os valores dos futuros benefícios de aposentadoria, sendo que as contribuições dos participantes e das pessoas jurídicas são capitalizadas em padrões pré-fixados, ou seja, as contribuições são adaptadas ao benefício contratado112. Nesses planos, há, contudo, o risco de déficit, uma vez que a entidade de previdência complementar assume a responsabilidade pela rentabilidade dos investimentos. Por tais motivos, houve, nos últimos anos, sensível diminuição da presença dos planos BD no mercado de previdência privada.
Nos planos de contribuição definida (CD), ao contrário do que ocorre nos planos BD, o participante não conhece previamente o valor do futuro benefício, havendo apenas uma expectativa de renda. Acerca do assunto, transcrevem-se as lições de Xxxxxx Xxxxxx:
Tais planos diferem dos anteriormente descritos, em razão de o participante não conhecer, previamente, a renda a ser paga a título de aposentadoria, no futuro. O que há, nesses planos, é uma expectativa de renda, que será determinada apenas quando alcançado o período de gozo do benefício, ou seja, a base de cálculo do valor do benefício de aposentadoria programável corresponderá à totalidade das contribuições vertidas para o plano de benefícios.113
111 XXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 49.
112 XXXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 69.
113 Ibidem, mesma página.
Finalmente, nos planos de contribuição variável, os padrões para determinação do benefício são fixados previamente, entretanto, o valor da contribuição poderá variar de acordo com os padrões pré-fixados. Percebe-se, assim, que referidos planos combinam características dos planos BD e CD114.
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx faz duras críticas ao fato de a Lei Complementar nº 109/2001 ter delegado ao administrador a função de normatizar os referidos planos115. Sensibilizamo-nos com o Autor, na medida em que, dada a importância da matéria, deveria ter sido definida em lei ordinária.
A gestão colegiada transparente também pertence ao rol de características nucleares da previdência complementar fechada, principalmente após a Emenda Constitucional nº 20/1998, que acresceu o § 1º116 ao artigo 202 da Constituição da República. Nesse sentido, “a transparência do sistema tornou-se um princípio constitucional, norma legal e postulado científico de enormes consequências para o gestor e os interessados”117. Para Xxxxx da Glória Xxxxxx Xxxxxx, “a transparência refere-se ao fornecimento de informações de interesse dos participantes e assistidos em sentido amplo, ou seja, tudo o que interessa ao participante deve a ele ser revelado sem restrição de nenhuma espécie”118.
Outrossim, de acordo com a Lei Complementar nº 109/2001, as EFPC são administradas, acompanhadas e fiscalizadas por organismos representativos, todos colegiados, sob a forma de conselhos.
Questão extremamente relevante, no campo de estudo da previdência complementar fechada, é a que advém da independência das pessoas jurídicas. Nossos Juízes e Tribunais, não raras vezes, ignorando todos os preceitos relativos à
114 Ibidem, p. 70.
115 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1261.
116 Art. 202 [...] § 1º. A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
117 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 1262.
118 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 37.
matéria, declaram a responsabilidade solidária entre a patrocinadora ou instituidora e a EFPC, aplicando, indevidamente, o artigo 2º, § 2º119, da CLT.
O referido dispositivo legal trata do chamado “grupo econômico”, conceituado por Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx como:
A figura resultante da vinculação justrabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho, em decorrência de existir entre esses entes laços de direção ou coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou de qualquer outra natureza econômica.120
O mesmo Autor é taxativo ao afirmar que o conceito de grupo econômico trazido pela CLT não ultrapassa a esfera laboral, não tendo, por conseguinte, reflexos de caráter civil, tributário, comercial ou de qualquer outro ramo do Direito121.
E esse entendimento não poderia ser diferente, eis que o artigo 265 do Código Civil afirma que “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Aliás, a própria Lei Complementar nº 109/2001, em seu artigo 13, § 1º, traz equivalente disposição: “admitir-se-á solidariedade entre patrocinadores ou entre instituidores, com relação aos respectivos planos, desde que expressamente prevista no convênio de adesão”.
E mesmo que assim não fosse, os entes que não se caracterizem por atuação econômica, ou seja, que não sejam essencialmente seres econômicos, não têm aptidão para a formação do grupo econômico122. Ora, uma vez que as
119 Art. 2º [...] § 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
120 Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 397.
121 Ibidem, p. 398.
122 Ibidem, p. 399.
instituidoras ou patrocinadoras, por disposição legal (artigo 31, § 1º123, da Lei Complementar nº 109/2001), são entidades desprovidas de finalidade lucrativa, com o objetivo exclusivo de administrar e executar os planos de benefícios de natureza previdenciária, a ideia de enquadrá-las no mandamento do artigo 2º, § 2º, da CLT, parece-nos, no mínimo, equivocada.
Corroborando o exposto, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx explica:
As pessoas jurídicas envolvidas na relação são distintas, não se confundindo a instituidora, patrocinadora ou mantenedora com o órgão gestor dos recursos alocados. A entidade criada não faz parte do grupo econômico, não é holding nem franchising, pouca identidade tem com a provedora, embora esta última, de alguma forma, participe de sua administração. Não vige solidariedade de qualquer espécie, civil ou fiscal entre a mantenedora e a mantida. Apenas a obrigação de supervisioná-la.124
Assim, nos termos da legislação aplicável, a solidariedade entre patrocinadoras não decorre de lei, ou seja, caso desejada, deve estar expressamente prevista no convênio de adesão da entidade, a critério das partes. De outra forma, é total a independência das obrigações das patrocinadoras125.
Transcreve-se, nessa mesma esteira, trecho da sentença proferida no processo nº 02504200907402006, em trâmite pela 74ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP), ajuizado por Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx em face de Banco do Brasil S/A e Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), publicada em 24.03.2010:
[...] O autor alega a existência de grupo econômico entre as rés, além de mencionar como fundamento da responsabilização solidária o art. 48 do Estatuto da Previ de 1997.
De início cabe ressalvar que o estatuto simplesmente prevê que os patrocinadores arquem com 50% do plano global da parte geral do plano de benefícios nº 1, o que sem dúvida não gera responsabilização solidária da 2ª ré com relação a todas as verbas postuladas. A responsabilização solidária de uma empresa permite
123 Art. 31 [...] § 1o. As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.
124 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1263.
125 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 188.
que o empregado execute toda a condenação em face dela, o que sem dúvida o estatuto não prevê. Por este fundamento, resta indeferido o pedido.
O art. 4º do Estatuto da Xxxxx dispõe que seus patrocinadores são a própria Previ e o Banco do Brasil, sendo que este possui poderes apenas de supervisão e fiscalização nos termos do art. 6º. O conselho deliberativo é composto por 3 membros indicados pelo Banco do Brasil e 3 membros eleitos diretamente pelos participantes e assistidos.
Não há, portanto, direção, controle ou administração, aptos a caracterizar o grupo econômico nos termos do art. 2º, § 2º da CLT. Indefiro o pedido de responsabilização solidária da 2ª ré.
Destarte, a independência das pessoas jurídicas envolvidas na relação de previdência complementar é inequívoca, não havendo que se falar em solidariedade de qualquer espécie.
Por fim, a supervisão governamental é também considerada característica nuclear da previdência complementar, na medida em que, desde a criação até a extinção, a EFPC é acompanhada pelo Governo Federal, sendo controlada, fiscalizada e auditada pelos órgãos ministeriais. Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx ensina:
A importância da previdência complementar e de seus objetivos fez com que o legislador, apercebendo-se dos graves problemas que poderiam surgir da má gestão das atividades ligadas à previdência complementar, atribuísse ao Estado importante papel de regulador, fiscalizador, coordenador e guardião dos interesses dos participantes e dos assistidos.126
Desse modo, a autonomia privada, considerada uma das características fundamentais da previdência privada, é limitada pelo caráter social da previdência complementar.
2.5 Natureza Jurídica
A previdência complementar fechada apresenta natureza jurídica privada, ou seja, é relação jurídica estabelecida no âmbito do direito privado. A
126 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 39.
supervisão do Estado e sua enorme presença (a Lei Complementar nº 109/2001 faz menção a 60 (sessenta) entes supervisores127) não têm o condão de submeter a relação às normas de direito público, eis que sua autonomia está garantida pela própria Constituição Federal.
Acerca desse assunto, Xxx Xxxxx afirma que o fato de um contrato apresentar algumas cláusulas pré-fixadas não lhe retira a autonomia, ou seja, existe uma limitação à liberdade contratual, contudo, ela permanece hígida. Outrossim, lembra a Autora que o próprio Código Civil, no artigo 421128, harmoniza a liberdade contratual com a possibilidade de sua limitação, de acordo com a função social do contrato129. Desse modo, comungamos da opinião da doutrinadora, entendendo que tais premissas são perfeitamente aplicáveis aos contratos previdenciários.
Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx corrobora tal assertiva, afirmando que a Constituição da República atribuiu ao negócio jurídico previdenciário a natureza de contrato:
[...] o texto constitucional, ao definir o negócio jurídico previdenciário como contrato, permite aos seus participantes estipular regras de acordo com seus interesses, obedecendo aos contornos legais que deverão sobrevir, dado o relevante interesse dessa relação. Rege esse negócio jurídico a livre vontade, cabendo a cada um decidir sobre sua vinculação ao sistema previdenciário privado.130
A mesma Autora, ao discorrer sobre os planos de benefícios operados por EFPC, ratifica tal entendimento:
Em primeiro lugar, observa-se que o plano de benefícios de caráter previdenciário operado por EFPC apresenta nítida natureza privada, conforme estabelecido pelo caput do art. 202 da CF [...] O plano de benefício é considerado verdadeiro contrato, sua categoria jurídica fundamental. Vige em tal negócio jurídico a autonomia privada,
127 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1261.
128 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
129 Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 55.
130 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 37.
diretriz própria dos contratos. O plano de benefício é figura contratual e como tal deve ser analisado, sob o ponto de vista jurídico.131
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx também destaca a natureza jurídica privada da previdência complementar:
[...] o pluralismo dos seus modelos privatísticos quanto ao âmbito de abrangência podendo abranger uma empresa, um grupo de empresa, uma profissão ou pessoas sem marca pessoal-profissional, o que se deve à sua natureza privada e que resulta da liberdade de formulação daqueles que os constituem [...] pela mesma razão, a sua origem privada e de iniciativa não oficial, a diversidade de modeles se mostra, também, quanto aos seus diferentes aspectos, o constitutivo, o estrutural e o gestionário, revelando-se, nesse particular, toda a sua complexidade [...] sendo privada, diferenciados são os seus métodos de gestão, incluindo a técnica da solidariedade que se concretiza, como mostra o já citado Neves, por meio de organismos ou instituições sem fins lucrativos que atuam em regra com a adequada participação dos interessados, como acontece com certos fundos das antigas caixas de previdência, e quando de iniciativa de empresas, com o suporte de uma fundação ou uma associação mantenedora ou associações mutualistas, utilizando tanto o método de repartição como da capitalização a critério dos instituidores.132
Assim sendo, apesar da intensa presença estatal, a natureza jurídica da previdência complementar está situada na esfera do direito privado.
2.6 Princípios aplicáveis
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx afirma que os princípios têm origem similar a dos costumes, sendo práticas sedimentadas no curso do tempo e revestidas de qualidade útil à solução de dúvidas. O mesmo Autor aponta a existência de alguns princípios que regem o contrato de previdência complementar fechada. São eles: i) autonomia da vontade; ii) imprescritibilidade; iii) conhecimento das normas pactuadas; iv) remissão à legislação; v) acessoriedade da instituição; vi) complementaridade do benefício; vii) direito adquirido; viii) reserva legal; ix) ato jurídico perfeito; x) solidariedade do sistema; e xi) equilíbrio financeiro e atuarial133.
131 Ibidem, p. 63-64.
132 Salário. Conceito e proteção. São Paulo: LTr, 2008. p. 335.
133 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1277.
O princípio da autonomia da vontade estabelece que, observados a lei e o Regulamento Básico, o desejo do participante é soberano. Nessa toada, a autonomia da vontade é o poder conferido ao indivíduo de regulamentar seus próprios interesses dentro das balizas fixadas pelo ordenamento jurídico134. Sobre esse princípio, discorre Xxxxxxxx:
Na análise das diferentes situações, o aplicador ou intérprete deve partir da liberdade de assunção da proteção supletiva, facultatividade de ingresso, permanência e contínua manifestação do desejo de agregar-se. A convenção encontra limite na lei e na volição das pessoas.135
Desse modo, a autonomia da vontade, ou autonomia privada, constitui o pilar básico da previdência complementar.
Segundo o princípio da imprescritibilidade, a qualquer momento, preenchidos os requisitos legais, o participante pode solicitar o benefício. Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx afirma que “contrato dispondo diferente, impondo regra contrária ao direito adquirido, não tem validade. O direito em hipótese alguma desaparece”136.
Convém esclarecer, contudo, que o direito ao benefício previdenciário não prescreve, mas prescreve o direito às prestações. Essa, inclusive, é a disposição contida no artigo 75137 da Lei Complementar nº 109/2001.
A jurisprudência trabalhista consolidou-se no sentido de que, no caso de prestações de complementação de aposentadoria jamais recebidas, o prazo prescricional é de 2 (dois) anos contados da cessação do contrato de trabalho. Por sua vez, em se tratando de diferenças de complementação, incide a prescrição parcial e quinquenal. Tais entendimentos estão sedimentados, respectivamente, nas Súmulas 326138 e 327139 do Tribunal Superior do Trabalho.
134 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 69.
135 Op. cit., p. 1278.
136 Ibidem, mesma página.
137 Art. 75. Sem prejuízo do benefício, prescreve em cinco anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes, na forma do Código Civil.
138 SÚMULA 326. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO TOTAL (nova redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. A pretensão à complementação
O princípio do conhecimento das normas pactuadas traz a presunção de que o participante tomou conhecimento do contratado, não podendo escusar-se do cumprimento das cláusulas avençadas140. O Regulamento Básico deve ser escrito e entregue aos interessados, de preferência sob recibo, a fim de que não exista a alegação de ignorância em relação ao seu conteúdo, nos termos do artigo 10, § 1º, inciso II141, da Lei Complementar nº 109/2001.
O princípio da remissão à legislação estabelece a possibilidade de remissão a normas e preceitos de áreas afins, tendo em vista que as normas válidas em matéria de previdência privada, além de relativamente recentes, não estão codificadas142. Contudo, como adverte Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, essa remissão deve ser feita com bastante cautela, dado o risco de desnaturar o sistema de previdência privada, aplicando-lhe normas incompatíveis com sua lógica143.
Sobre o princípio da acessoriedade da instituição, pontifica Xxxxxxxx:
A previdência supletiva é acessória em relação à básica, embora devesse adotar como objetivo a busca de maior independência. A concessão de o benefício complementar condicionar-se ao deferimento da parte principal foi superada com a LC n. 109/2001. Mesmo elegível o benefício, quando dependente do oficial, não concedido este último, não está atendida a condição, e o direito, imanente, não pode ser exercitado.144
Compartilhamos, contudo, da opinião de Xxx Xxxxx, quando afirma que este princípio deve ser analisado com ressalvas, haja vista que, se por um lado, a
de aposentadoria jamais recebida prescreve em 2 (dois) anos contados da cessação do contrato de trabalho.
139 SÚMULA 327. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DIFERENÇAS. PRESCRIÇÃO PARCIAL (nova redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. A pretensão a diferenças de complementação de aposentadoria sujeita-se à prescrição parcial e quinquenal, salvo se o pretenso direito decorrer de verbas não recebidas no curso da relação de emprego e já alcançadas pela prescrição, à época da propositura da ação.
140 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1278.
141 Art. 10. Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados de participantes condições mínimas a serem fixadas pelo órgão regulador e fiscalizador. § 1o. A todo pretendente será disponibilizado e a todo participante entregue, quando de sua inscrição no plano de benefícios: [...] II - cópia do regulamento atualizado do plano de benefícios e material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, as características do plano;
142 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 72.
143 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1279.
144 Ibidem, mesma página.
previdência privada é complementar, por outro, é também autônoma, por expressa disposição constitucional145. Assim, a previdência privada apresenta regras próprias e é um sistema apartado do Regime Geral de Previdência Social, ainda que possa vir a complementá-lo.
Pelo princípio da complementaridade do benefício, quando convencionado, o nível da prestação acessória é adicional da básica, ficando o cálculo da renda mensal na dependência do benefício oficial146. Este princípio também deve ser visto com ressalvas, tendo em vista que a previdência complementar pode ser complementar, suplementar ou, até mesmo, o único sistema.
O princípio do direito adquirido, dada a sua relevância, foi arrolado no rol dos direitos e garantias individuais (artigo 5º, XXXVI147, da Constituição da República). Para Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, os direitos adquiridos são:
[...] aqueles que se incorporaram ao patrimônio jurídico e material da pessoa humana, isto é, os que estão à sua disposição e que se caracterizam pela reunião integral e simultânea dos requisitos legais.148
No artigo 68, § 1º, da Lei Complementar nº 109/2001, está consignado que “os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano”.
Assim, o participante que se tornou elegível, ou seja, que preencheu os requisitos regulamentares para fazer jus ao benefício previdenciário complementar, é titular de um direito adquirido, o qual não pode ser alcançado por alterações supervenientes nos regulamentos dos planos149.
145 Op. cit., p. 73.
146 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 1279.
147 Art. 5º [...] XXVI - A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
148 Direito adquirido na previdência social. São Paulo: LTr, 2000. p. 54.
149 XXXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 135.
Note-se que, na previdência complementar fechada, o participante somente adquire o direito ao benefício quando preenche os requisitos estabelecidos no Regulamento para sua elegibilidade. Enquanto não os cumpre, possui mera expectativa de direito150.
Por todo o exposto, entendemos extremamente equivocada a premissa contida na Súmula nº 288151 do Tribunal Superior do Trabalho, mormente diante das possibilidades previstas na Lei Complementar nº 109/2001 de alterações dos regulamentos. O tema, contudo, será tratado no próximo capítulo.
Em obediência ao princípio da reserva legal, “as relações privadas contidas no bojo das relações complementares submetem-se ao princípio da legalidade, particularmente às regras de direito intertemporal”152.
O princípio do ato jurídico perfeito significa que o benefício de aposentadoria, seja do Regime Geral, seja da previdência privada, de um indivíduo que preencheu os requisitos para elegibilidade é efetivamente um ato jurídico perfeito153. Desse modo, “legitimamente praticado o procedimento administrativo, não pode ser refeito por norma superveniente”154.
O princípio da solidariedade do sistema, também considerado característica nuclear da previdência complementar fechada, permeia toda a sua estrutura e, nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, “o segmento fechado não seria previdência se ignorasse esse princípio científico fundamental [...] permeia toda a estrutura protetiva e sem ele esta não se realiza”155.
150 CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 76.
151 SÚMULA 288. COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA (mantida) - Res.
121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.
152 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1279.
153 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 77.
154 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1279.
155 Ibidem, mesma página.
Por fim, a chamada Reforma da Previdência Social, iniciada com a Emenda Constitucional nº 20/1998, introduziu um significativo princípio: o do equilíbrio financeiro e atuarial, também considerado característica nuclear da previdência complementar fechada.
Sobre o assunto, são elucidativas as lições de Xxxxxx Xxxxxx:
O equilíbrio atuarial apresenta-se como um novo elemento para este cenário de atenção à ‘saúde’ financeira e econômica do plano de benefícios, pois corresponde à capacidade de projeção dos recursos financeiros necessários para a garantia dos benefícios previdenciários oferecidos. Os complexos cálculos e controles atuariais envolvem o estudo de um cenário futuro em que o participante ou os beneficiários passarão a usufruir dos benefícios do plano de previdência e das situações extraordinárias, passíveis de ocorrência a qualquer tempo, que possam implicar pagamento de recursos aos participantes e beneficiários. Com base nestas análises, busca-se trazer ao contexto presente os recursos necessários para cumprir tais compromissos, a fim de determinar o valor das contribuições a serem efetuadas e das metas a serem alcançadas nos investimentos financeiros destes recursos.156
Aliás, o artigo 23 da Lei Complementar nº 109/2001 é expresso, em seu parágrafo único, quando determina que “ao final de cada exercício serão elaboradas as demonstrações contábeis e atuariais consolidadas, sem prejuízo dos controles por plano de benefícios”, ou seja, ao final de cada balanço, os planos de benefícios deverão ser apreciados por atuário ou instituto habilitado.
2.7 Relações jurídicas entre as partes
A relação jurídica, no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), é triangular e envolve a patrocinadora ou instituidora, a entidade fechada e o participante.
As EFPC, de acordo com os planos que administram, podem ser de
plano comum, quando administram plano ou conjunto de planos acessíveis ao
156 Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 68.
universo de participantes, ou de multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial. Outrossim, a entidade pode ser singular, na hipótese de estar vinculada a apenas um patrocinador ou instituidor, ou multipatrocinada, quando tiver mais de um patrocinador ou instituidor157.
O evento inaugural da relação jurídica é a constituição da entidade, seja pela própria patrocinadora ou instituidora, seja por um terceiro, no caso de Fundos Multipatrocinados. No ordenamento jurídico brasileiro, a constituição da entidade é atividade regulada, ou seja, depende da autorização do órgão regulador e fiscalizador (PREVIC). Depois de preenchidas as formalidades legais, o próximo passo é a formalização da condição de patrocinadora ou instituidora, nos ditames do artigo 13158 da Lei Complementar nº 109/2001.
Concluída a fase de instituição da EFPC, o proponente é convidado a fazer parte da relação previdenciária, nos termos do caput159 do artigo 16 da Lei Complementar nº 109/2001, lembrando que a previdência privada, diferente da oficial, é facultativa.
Por fim, já na fase de execução do contrato, cabe à EFPC o desempenho de todas as atividades relacionadas à arrecadação das contribuições e à administração desses recursos, com a finalidade de promover o pagamento dos benefícios contratados, bem como regular a execução do plano no que tange aos aspectos atuariais e operacionais160.
157 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 766.
158 Art. 13. A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se- á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo.
159 Art. 16. Os planos de benefícios devem ser, obrigatoriamente, oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores ou associados dos instituidores.
160 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 186.
3. DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA
3.1 Autonomia da previdência complementar fechada
Impõe-se, embora o tema do presente estudo esteja adstrito à previdência complementar fechada, destacar a independência existente entre o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social, denominação que abrange a Previdência Social e a Assistência Social. Enquanto o primeiro trata das relações coletivas e individuais de trabalho, visando ao trabalhador em atividade, o segundo cuida de seguro social, de custeio do sistema, de benefícios e de beneficiários, enfim, visa ao trabalhador em inatividade.
Como adverte Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, os sujeitos são distintos: na seara laboral, o empregador e o empregado; na segurança social, os benefícios e os beneficiários. Diante dessa independência entre o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social, é inviável a aplicação de uma lógica comum a ambos, uma vez que cada qual tem estruturas próprias, relações jurídicas específicas e objetivos diferentes. Tal raciocínio, segundo o mesmo Autor, deve ser estendido ao sistema de previdência complementar fechada, eis que acessório do sistema de segurança social161.
A autonomia da previdência complementar está prevista, inclusive, no artigo 202 da Carta da República, que desvincula, expressamente, a relação previdenciária do vínculo laboral, in verbis:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
[...]
161 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 400-401.
§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Tal comando constitucional foi introduzido na legislação trabalhista por meio da Lei nº 10.243/2001, que inseriu o inciso VI162 ao § 2º do artigo 458 da CLT, determinando que os pagamentos realizados pelo empregador para manutenção do regime de previdência complementar não sejam considerados como salário.
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx explica que a previsão é principalmente voltada para o regime fechado de previdência complementar, ressalvando, contudo, a possibilidade de extensão ao segmento aberto:
Naturalmente, a previsão é principalmente voltada para o regime fechado de previdência complementar, no qual há a contribuição do empregador na qualidade de patrocinador da EFPC. Todavia, segundo princípio comezinho de hermenêutica, não cabe ao intérprete restringir onde a lei não restringe. Portanto, caso um empregador, ao contrário de instituir regime fechado de previdência complementar, venha a manter pagamentos para sistema aberto, em prol de seus trabalhadores, também devem tais valores ser excluídos do salário.163
A Lei nº 8.212/91 (Lei Orgânica da Seguridade Social) traz, em seu artigo 28, § 9º, p164, equivalente disposição, prevendo que não compõe o salário-de- contribuição do trabalhador o valor das contribuições efetivamente pagas pela empresa, relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes.
162 Art. 458 [...] § 2o. Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: [...] VI – previdência privada; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001).
163 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 770.
164 Art. 28 [...] § 9º. Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: [...]
p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT; (Alínea acrescentada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
O artigo 68 da Lei Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências, também demonstra a autonomia da previdência complementar, reproduzindo praticamente o disposto no
§ 2º do artigo 202 da Constituição da República:
Art. 68. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.
Ademais, ainda que a relação de emprego seja pré-requisito para o ingresso na entidade fechada de previdência complementar (EFPC), ambas são independentes, uma vez que a filiação é facultativa, podendo o participante deixá-la a qualquer tempo, ou, até mesmo, não ingressar em seus planos. Outrossim, a permanência na EFPC pode subsistir após o término da relação de emprego, como nas hipóteses de autopatrocínio e benefício proporcional diferido, expondo, mais uma vez, a autonomia do contrato previdenciário diante do contrato de emprego165.
De fato, o artigo 14166 da Lei Complementar nº 109/2001 determina que os planos de benefícios deverão prever, necessariamente, os institutos de benefício proporcional diferido, portabilidade, resgate e autopatrocínio.
O benefício proporcional diferido, também conhecido com vesting, permite ao participante, ocorrendo a cessação do vínculo de emprego com o
165 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 777.
166 Art. 14. Os planos de benefícios deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador:
I - benefício proporcional diferido, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo com o instituidor antes da aquisição do direito ao benefício pleno, a ser concedido quando cumpridos os requisitos de elegibilidade;
II - portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano;
III - resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, descontadas as parcelas do custeio administrativo, na forma regulamentada; e
IV - faculdade de o participante manter o valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida, para assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares.
patrocinador ou associativo com o instituidor, receber benefício proporcional às reservas constituídas. É chamado diferido, porque existe a necessidade de o participante atingir os demais requisitos previstos no plano167.
A portabilidade, atualmente regulamentada pelo artigo 9º168 da Resolução nº 6, de 30.10.2001, do extinto Conselho de Gestão Previdenciária Complementar (CGPC), traduz-se, basicamente, na possibilidade de o participante, após a cessação do vínculo empregatício ou associativo, transferir suas reservas para outra entidade de previdência complementar. Em tese, a transferência pode ser feita, até mesmo, para uma entidade aberta169.
O resgate, regulamentado pelo artigo 19 da Resolução nº 6 do CGPC, é “o instituto que faculta ao participante o recebimento de valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios”. Somente poderá ser requerido após o desligamento do participante da patrocinadora e da entidade.
E, por fim, o instituto do autopatrocínio, regulamentado pelo artigo 27170 da Resolução nº 6 do CGPC, permite a permanência do participante no plano de benefício, mesmo após a cessação do vínculo empregatício ou associativo, devendo, contudo, assumir a própria contribuição e a do patrocinador171.
Outra característica que denota a autonomia da previdência complementar fechada é a total independência entre as pessoas jurídicas envolvidas
167 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 767.
168 Art. 9º. Entende-se por portabilidade o instituto que faculta ao participante transferir os recursos financeiros correspondentes ao seu direito acumulado para outro plano de benefícios de caráter previdenciário operado por entidade de previdência complementar ou sociedade seguradora autorizada a operar o referido plano.
169 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Op. cit., p. 768.
170 Art. 27. Entende-se por autopatrocínio a faculdade de o participante manter o valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida, para assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares.
171 LORA, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, v. 75, n. 2, p. 148-155, fev. 2011. p. 150.
na relação, não havendo, por disposição do artigo 13, § 1º172, da Lei Complementar nº 109/2001, solidariedade alguma entre a patrocinadora ou instituidora e a EFPC.
Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, destacando a autonomia da previdência complementar fechada, afirma que, após a adesão do participante ao plano de benefícios, a relação jurídico-previdenciária torna-se totalmente independente:
Entendemos, desse modo, que o pressuposto da relação jurídica previdenciária é a relação trabalhista existente entre o participante e o patrocinador. No entanto, após a adesão do participante ao plano de benefícios e regular aceitação pela EFPC da inscrição do participante, a relação jurídico-previdenciária torna-se totalmente independente, não sendo possível classificá-la como relação jurídico- trabalhista.173
Desse modo, encarar a previdência complementar fechada como regulamento de empresa, aplicando-lhe normas e princípios trabalhistas, é procedimento extremamente equivocado, capaz de gerar consequências nefastas à manutenção e ao equilíbrio do plano. Nessa toada, os sábios ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx:
Os dispositivos regulamentares internos de uma instituição de previdência privada, autônoma da empresa que a instituiu, não são cláusulas do contrato individual de trabalho nem se caracterizam como condições de trabalho porque são totalmente independentes e inconfundíveis com as disposições que regem as situações de emprego. Se há algum tipo de dependência à sistemática legal, seria do contrato de previdência complementar à dogmática e às leis que dispõem sobre previdência privada oficial, porque a complementaridade, no caso, não é do contrato de trabalho, mas dos benefícios concedidos pelo sistema oficial de segurança social, daí a inconsistência jurídica da tentativa de solucionar as questões que possam surgir, à luz de textos legais que não foram feitos para reger relações de inativos com as instituições fechadas de previdência complementar.174
172 Art. 13 [...] § 1o. Admitir-se-á solidariedade entre patrocinadores ou entre instituidores, com relação aos respectivos planos, desde que expressamente prevista no convênio de adesão.
173 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 98.
174 Salário. Conceito e proteção. São Paulo: LTr, 2008. p. 342.
Assim, é inarredável a distinção entre a previdência complementar fechada e o contrato de trabalho, eis que são institutos autônomos, com estruturas próprias. Repita-se, a aplicação de normas e princípios trabalhistas ao contrato previdenciário pode trazer graves prejuízos à manutenção e ao equilíbrio do plano.
3.2 Alteração no regulamento
Conforme destacada alhures a autonomia da previdência complementar fechada, que possui estrutura, características, regramento e princípios específicos, a aplicação do artigo 468175 da CLT (considerando nula a alteração do contrato laboral quando não resultar de consentimento do empregado e, mesmo assim, desde que não o prejudique) é de difícil aceitação, eis que as regras do contrato individual de trabalho são destinadas a disciplinar condições de trabalho no vínculo entre empregado e empregador, e não situações que venham a ocorrer numa relação jurídica independente e inconfundível176. Ademais, a própria Lei Complementar nº 109/2001, no artigo 17177, prevê a possibilidade de alterações nos regulamentos dos planos, não havendo que se falar em aplicação das Súmulas 51178 e 288179 do Tribunal Superior do Trabalho.
175 Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
176 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 412.
177 Art. 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.
178 SÚMULA 51. NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.
179 SÚMULA 288. COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA (mantida) - Res.
121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.
Neste momento, convém retomar a questão do direito adquirido. Conforme se infere do parágrafo único do artigo 17 da Lei Complementar nº 109/2001, o participante tem direito adquirido “à aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria”, e não, como prevê a Súmula nº 288 do Tribunal Superior do Trabalho, direito adquirido à aplicação das “normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.
Note-se que, na previdência complementar fechada, o participante somente adquire o direito ao benefício quando preenche os requisitos estabelecidos no Regulamento para sua elegibilidade. Enquanto não os cumpre, possui mera expectativa de direito180.
A relação jurídica de previdência complementar fechada está sujeita, com o curso do tempo, por mais cuidadoso que seja o cálculo atuarial, a vicissitudes de toda a sorte, como ocorre também com a previdência oficial. Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, isso acontece porque:
[...] as entidades de previdência são entes de afetação financeira, organismos sem fins lucrativos, o que é ínsito aos sistemas de previdência, com o que o próprio regime contribui para o reequilíbrio do plano quando as expectativas de reserva se mostrarem insuficientes para o pagamento dos benefícios contratados. Com a adesão, o participante assume, também, a responsabilidade eventual de custear déficits. E se o regulamento prevê essa possibilidade, mais xxxxx fica, ainda, essa consequência do desequilíbrio financeiro do plano, aspectos que influem na interpretação dos contratos de previdência, que não se sujeitam, por esses motivos ao princípio do favor laboratoris do direito do trabalho por não haver dependência entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência privada.181
Transcreve-se, nessa mesma toada, trecho da recente sentença proferida no processo nº 01763201002402007, em trâmite pela 24ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP), ajuizado por Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx em face de
180 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 76.
181 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 419.
Banco do Brasil S/A e Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), publicada em 27.06.2011:
Os princípios e fundamentos legais que orientam o contrato de trabalho não se aplicam aos contratos de prestação de previdência complementar privada. A razão é que estes últimos são regrados por princípios constitucionais e legais próprios, tendo por premissas a solidariedade de interesses coletivos e a longa duração do contrato, sujeitando-o a alterações legais supervenientes, por força de ocorrências naturais e sociais que interferem diretamente na sustentabilidade das condições existentes no momento da celebração do contrato.
O artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, aplicável aos contratos individuais de trabalho, não se aplica ao regime geral de previdência social, nem ao regime de previdência privada, de caráter complementar, ante a incompatibilidade dessa norma, com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial e do princípio de solidariedade que regem estes últimos. O direito atuarial está sujeito a atualização constante, pelos eventos variáveis que interferem no equilíbrio financeiro: invalidez, remuneração do capital inferior à esperada, aumento de expectativa de vida do grupo. Todas essas variações demandam revisões constantes do custeio dos planos para a promoção dos ajustes necessários.
[...]
Dispôs o artigo 202 da Constituição Federal que “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, provada, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado e regulado por lei complementar”. O § 2º, do citado artigo declara que as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. Inamovíveis, são, portanto, a natureza contratual da participação em plano de previdência complementar, a garantia do benefício e a autonomia do contrato de prestação de benefícios previdenciários, em relação ao contrato de trabalho.
A Lei Complementar nº 109/2001 repetiu, no artigo 1º, que o regime é baseado na necessidade de constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput, do artigo 202, da Constituição Federal. As alterações nos regulamentos dos planos de previdência complementar, aplicáveis a todos os participantes, são autorizadas pelo artigo 17, da comentada lei complementar, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante. O parágrafo único desse artigo estabelece que ao participante que tenha cumprido os requisitos para a obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria. Já o parágrafo primeiro, do artigo 68 da Lei Complementar sob apreciação dispõe que “os benefícios serão considerados direito adquirido do
participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano”. À luz de todo o regramento apreciado, são conclusões equivocadas, a suposta vedação às alterações posteriores ao ato de adesão ao plano e o direito adquirido às condições do plano vigente, na data da celebração do contrato de trabalho. Ao benefício de complementação e aposentadoria são aplicáveis as condições vigentes na data da obtenção da aposentadoria por declaração expressa do parágrafo único, do artigo 17 da Lei Complementar nº 109/2001.
Conforme assentado na decisão acima transcrita, o artigo 468 da CLT é inaplicável às relações previdenciárias, uma vez que o referido dispositivo é incompatível com os princípios basilares da solidariedade e do equilíbrio atuarial, pilares do sistema previdenciário e, em especial, do sistema complementar. A própria Lei Maior cuidou de desvincular o contrato de trabalho do contrato de previdência complementar fechada, salientando a independência das relações. Assim, havendo disposição própria na Lei Complementar nº 109/2001 acerca da possibilidade de alteração do regulamento da EFPC, a aplicação do artigo 468 representa afronta ao comando insculpido no artigo 202 da Carta Magna.
Nessa esteira, comungamos, destarte, da opinião de Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, quando afirma que a Súmula nº 288 do TST é totalmente anacrônica:
A característica do funcionamento autônomo da previdência complementar é prevista no art. 202 da Constituição, o qual, expressamente, desvincula a relação previdenciária do vínculo laboral. Por isso, nos parece totalmente anacrônica a Súmula nº 288 do TST, ao prever que a complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito. Ora, se o subsistema da previdência complementar é autônomo, submetido a regramento legal próprio e a princípios diversos, especialmente do equilíbrio financeiro e atuarial, não faz o menor sentido aplicar, ao interessado, regras mais benéficas, como se estivéssemos tratando de uma verba tipicamente trabalhista.182
O mesmo Autor também afirma que a origem da Súmula nº 288 do TST remonta aos antigos fundos contábeis das empresas do início do século XX, onde não havia clara segregação entre o contrato de previdência complementar e o de
182 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 758.
trabalho. Nessa esteira, o doutrinador adverte que a confusão entre o contrato laboral e a relação previdenciária trouxe consequências perversas na história da previdência complementar, citando o exemplo da empresa norte-americana General Motors, que chegou “a um estado quasefalimentar devido à assunção de compromissos futuros para seus empregados, por meio de complementações de aposentadorias a serem arcadas com receitas futuras da empresa”183.
Desse modo, a Súmula nº 288 do TST confere ao contrato de previdência complementar fechada o mesmo tratamento dado ao contrato individual de trabalho, encarando-o, equivocadamente, como regulamento de empresa. Tal interpretação coloca em xeque o equilíbrio atuarial do plano e, principalmente, gera sério risco ao patrimônio dos participantes.
Ainda que se entenda que a previdência complementar fechada está submetida à legislação trabalhista, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx defende a tese de que, por meio da aplicação do princípio do ius variandi, situações imprevisíveis autorizariam a alteração unilateral do regulamento da EFPC. O Autor afirma que o juiz, ao apreciar o caso concreto, tem condições para avaliar a alteração radical das cláusulas contratadas, a superveniência de circunstâncias imprevistas e de força maior, fatos imprevisíveis, inafastáveis, ou, sob a ótica econômico-atuarial, insuportáveis184.
Assim sendo, verifica-se que a previdência complementar fechada é sistema autônomo, com características, princípios constitucionais e regramento legal específicos, sendo equivocada a aplicação das normas e princípios trabalhistas para a solução de conflitos da espécie. Todavia, apenas ao gosto da argumentação, caso se admita a aplicação da legislação laboral ao contrato de previdência complementar, situações imprevisíveis autorizariam a alteração unilateral das condições contratadas, com base no princípio do ius variandi.
183 Op. cit., p. 778.
184 Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 419.
3.3 A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada
Partindo da premissa de que o Estado é detentor do monopólio da Justiça, bem como de que a jurisdição consiste no poder/dever de prestação da tutela jurisdicional a todo aquele que tenha uma pretensão resistida, Xxxxxx Xxxxxxx conceitua competência como sendo “a medida da jurisdição, ou seja, a determinação da esfera de atribuições dos órgãos encarregados da função jurisdicional”185.
Superada tal assertiva, convém esclarecer que, com relação aos litígios envolvendo participantes e entidades abertas de previdência complementar (EAPC), o tema não suscita maiores questionamentos, cabendo a competência da Justiça Comum, com aplicação, inclusive, do Código de Defesa do Consumidor186. Isso ocorre porque, na previdência aberta, não se exige a condição de empregado para adesão ao plano de previdência, que é oferecido a todas as pessoas indistintamente187.
Contudo, no que tange ao segmento fechado, a competência para conhecer e julgar ações judiciais propostas por participantes ou assistidos, tendo por objeto plano previdenciário patrocinado por empresa sob o regime de direito privado, é matéria controvertida, com soluções divergentes no âmbito da doutrina e jurisprudência.
Na esfera laboral, a competência material e em razão da pessoa tem como fundamento jurídico principal o artigo 114 da Constituição Federal. Com efeito, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, o artigo 114, inciso I, passou a ter a seguinte redação:
185 Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 66.
186 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 776.
187 LORA, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, v. 75, n. 2, p. 148-155, fev. 2011. p. 150.
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004);
Assim, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ter competência para apreciar qualquer relação de trabalho, e não somente a relação de emprego. Destaque-se, nessa toada, que relação de trabalho é gênero, da qual a relação de emprego é espécie. Xxxxxx Xxxxxxx afirma que, após a referida Emenda Constitucional, “o Poder Judiciário Trabalhista passa a ter competência para análise de todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho em sentido amplo”188.
É justamente nessa interpretação da relação de trabalho em sentido lato que se apóia a vertente doutrinária e jurisprudencial que entende ser a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar as lides entre participantes ou assistidos e a operadora do plano previdenciário fechado. Transcreve-se, nessa esteira, o posicionamento de Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx:
Não obstante os respeitáveis argumentos esposados pelo segmento contrário, mostra-se mais razoável a corrente que sustenta a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações da espécie, na medida em que manifestamente decorrem da relação de trabalho, sendo irrelevante para este feito o direito material a ser aplicado, consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgado acima citado (CC n. 6.959-69). Com efeito, a experiência ensina que ações envolvendo participante ou assistido e a entidade fechada de previdência fechada e/ou a patrocinadora exigem, necessariamente, exame da relação trabalhista precedente, em razão de que o benefício previdenciário está umbilicalmente ligado à relação de emprego, sendo esta pressuposto da vinculação com a entidade de previdência fechada. Não há como afastar, assim, sua natureza de lide decorrente da relação de emprego, inclusive quando se trata de contrato extinto, pois os direitos relacionados ao vínculo laboral, mesmo após a aposentadoria, não deixam de manter correlação com ele.189
188 Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 69.
189 A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, v. 75, n. 2, p. 148-155, fev. 2011. p. 153.
No Conflito de Jurisdição nº 6.959-6, mencionado pela Autora, em que foi suscitante o Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Brasília e suscitado o Tribunal Superior do Trabalho, em demanda onde empregados do Banco do Brasil S/A pretendiam que a empresa honrasse alegado compromisso de vender imóvel ocupado por força do contrato de trabalho, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, em acórdão publicado no dia 16.05.1991, declarou a competência da Justiça do Trabalho, afirmando que o direito material aplicável não tem o condão de afastar a competência da Justiça Especializada:
Justiça do Trabalho: competência; Const., art. 114: ação de empregado contra empregador, visando à observância das condições negociais da promessa de contratar formulada pela empresa em decorrência da relação de trabalho.
1. Compete à Justiça do Trabalho julgar demanda de servidores do Banco do Brasil para compelir a empresa ao cumprimento da promessa de vender-lhes, em dadas condições de preço e modo de pagamento, apartamentos que, assentindo em transferir-se para Brasília, aqui viessem a ocupar, por mais de cinco anos, permanecendo a seu serviço exclusivo e direto.
2. À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.
De fato, a competência em razão da matéria é definida em função da natureza da lide descrita na peça vestibular, ou seja, a causa de pedir e o pedido definem o órgão judicial competente para julgar a demanda, pouco importando, para esse fim, o direito material aplicável.
Assim, como adverte Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx, para a definição da competência material da Justiça do Trabalho, cumpre averiguar se os fatos que deram origem ao litígio estão vinculados a uma relação de trabalho190. No caso da previdência complementar fechada, parece-nos que a situação é exatamente essa, uma vez que sua contratação pressupõe a existência da relação de emprego.
190 Op. cit., p. 152.
Desse modo, à luz da nova redação conferida ao artigo 114, inciso I, da Constituição da República, filiamo-nos à corrente que defende a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as ações decorrentes do contrato de previdência complementar fechada.
Convém ressaltar, entretanto, que o tema é controvertido. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx considera que basear a competência da Justiça Laboral no artigo 114, inciso I, da Carta da República, é dar demasiada amplitude ao referido comando constitucional:
Assim, quanto à competência jurisdicional para eventual lide entre participante e entidade previdenciária, acredito que ainda há de permanecer a alçada da Justiça Comum, e não a Justiça do Trabalho, como entendem alguns. Admitir-se que a relação com o fundo de pensão seja oriunda da relação de trabalho, e, portanto, justificadora da competência trabalhista sobre o tema, é dar demasiada amplitude ao art. 114, I, da Constituição [...] Ainda que seja pré-requisito, para o ingresso da EFPC, a relação de emprego, ambas são independentes, pois a filiação é facultativa, podendo o participante deixá-la a qualquer tempo, ou mesmo não ingressar em seus planos. Ademais, a permanência na EFPC pode subsistir mesmo com o término da relação de emprego, como nas hipóteses de autopatrocínio e benefício proporcional diferido, expondo a autonomia do contrato previdenciário-complementar diante do contrato de emprego [...] Como se não bastasse tais observações conceituais, a própria Constituição, no art. 202, § 2º, com redação dada pela EC nº 20/98, não deixa qualquer dúvida sobre a autonomia da previdência complementar, não tendo relação alguma com o contrato de emprego.191
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx também aponta a competência da Justiça Comum para as lides entre participante e entidade previdenciária complementar192, assim como Wagner Balera193.
Na jurisprudência, a controvérsia permanece. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a competência pertence à Justiça Comum, conforme se infere da ementa extraída do Conflito de Competência nº 58.023, Relator Ministro Xxx Xxxxxxxxxx, Segunda Seção, decisão publicada em 26.04.2006:
191 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 777.
192 Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1304.
193 Competência jurisdicional na previdência privada. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 114.
Conflito de Competência. Previdência Privada. Os benefícios concedidos por entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes (CF, art. 202, § 2º). Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Diverso é o entendimento predominante no Tribunal Superior do Trabalho, conforme se depreende da decisão proferida no processo nº 116600- 38.2005.5.05.0011, recurso de Embargos em Recurso de Revista, Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, publicada em 28.06.2010:
Recurso de Embargos regido pela Lei n. 11.496/2007. Competência da Justiça do Trabalho. Complementação de aposentadoria. Com a ampliação da competência operada pela EC 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a julgar [...] as ações oriundas da relação de trabalho (art. 114, I, da CF). Tratando a demanda de complementação de aposentadoria, sendo esta, comprovadamente, devida pela PETROS e decorrente do contrato de trabalho havido entre o reclamante e a embargante (Petrobras), indiscutível é a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do aludido dispositivo constitucional. Ademais, de acordo com a jurisprudência desta Corte, é competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar controvérsias relativas à complementação de aposentadoria decorrente do contrato de trabalho, independentemente da transferência da responsabilidade pela complementação dos proventos a outra entidade, visto ser o contrato de adesão vinculado ao de trabalho. Recurso de embargos conhecido e não provido.
A repercussão geral da matéria atinente à competência para apreciar as questões relativas à previdência complementar foi reconhecida, pelo Supremo Tribunal Federal, em dois Recursos Extraordinários. No primeiro (RE 586453), interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações envolvendo previdência complementar fechada, a Relatora, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, em seu voto, entendeu que a competência, no caso, é da Justiça Comum, sob o argumento de não existir viés trabalhista na relação de previdência privada. No segundo (RE 583050), interposto contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que entendeu ser de natureza previdenciária e, portanto, de competência da Justiça Comum, o conflito entre o participante e a entidade de previdência complementar, o Relator, Ministro Xxxxx Xxxxxx, em seu voto, ressaltou que o Supremo Tribunal
Federal tem firmado o entendimento de que compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar pedidos de complementação de aposentadoria nas hipóteses em que a instância ordinária reconhecer, à luz da prova, que a relação jurídica decorre do contrato de trabalho194.
Verifica-se, assim, que a matéria é extremamente controvertida, tanto em âmbito doutrinário, quanto jurisprudencial. Não obstante os posicionamentos contrários, entendemos, como já dito, que a competência pertence à Justiça do Trabalho, eis que o contrato de emprego é pressuposto para a existência do contrato de previdência complementar fechada. Em relação ao argumento de que o artigo 202, § 2º, da Carta da República, desvinculou o contrato de previdência complementar do liame laboral, comungamos do entendimento de Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx, quando afirma que o referido dispositivo é de natureza material e não processual, não tendo o condão de retirar da Justiça do Trabalho a competência para o julgamento de demandas da espécie. Ademais, a Autora cita o exemplo do artigo 7º, inciso XI, da Constituição da República, que desvincula a participação nos lucros ou resultados da remuneração. Muito embora exista referida previsão, os litígios envolvendo participação nos lucros ou resultados são, rotineiramente, apreciados pela Justiça Especializada, uma vez que a referida vantagem, apesar de não integrar o contrato de trabalho, nele se origina. Esse mesmo raciocínio pode ser estendido à previdência complementar fechada195.
Por fim, salientamos que, conquanto a competência para apreciar e julgar a matéria sob comentário seja da Justiça do Trabalho, o direito material a ser aplicado está adstrito às normas previdenciárias, em especial à Lei Complementar nº 109/2001, diante da autonomia da previdência complementar fechada, preconizada na própria Constituição Federal. Para efeito de ilustração, podemos traçar um paralelo entre as ações envolvendo previdência complementar fechada e as de indenização por danos morais originados na relação de trabalho, processadas pela
194 LORA, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. A competência da Justiça do Trabalho para ações relativas à previdência complementar fechada. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, v. 75, n. 2, p. 148-155, fev. 2011. p. 153.
195 Ibidem, p. 154.
Justiça do Trabalho, com a aplicação, por disposição do artigo 8º, parágrafo único196, da CLT, da legislação civil. Trata-se, assim, da utilização da “máquina” da Justiça Laboral, aplicando, no caso da previdência privada, a legislação previdenciária.
Mesmo que se admita, apenas por exercício de raciocínio, que a competência seja da Justiça Comum, convém enfatizar que o Código de Defesa do Consumidor seria inaplicável às lides envolvendo entidades fechadas de previdência complementar (EFPC). Acerca disso, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx explica:
Fixada a competência da Justiça Comum, reside ainda a dúvida quanto à comarca competente, em especial se cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Pode-se afirmar que a aplicação do CDC não é apropriada para as relações previdenciárias fechadas, já que há verdadeiro condomínio previdenciário entre seus participantes, em entidades sem fins lucrativos, com o intuito de garantir o bem coletivo. Ou seja, a concessão de vantagens para alguns, em desatendimento a premissas atuariais, seria evidente prejuízo para o coletivo.197
O Código de Defesa do Consumidor determina, para a sua aplicação, a comercialização ou distribuição de serviços com finalidade lucrativa. Contudo, as entidades de previdência complementar fechada não se enquadram no conceito de fornecedores, uma vez que não comercializam os seus benefícios, nem sequer os disponibilizam no mercado de consumo. Ao contrário, estão limitadas a um público específico, que já possui vínculo prévio com a pessoa jurídica contratante (patrocinadora ou instituidora), sem finalidade lucrativa. Outrossim, as contribuições vertidas para o custeio do plano não correspondem a preço ou remuneração, tendo em vista que os próprios participantes são os seus destinatários. Existe, assim, um caráter de mutualismo nessa relação, e não de comercialização198.
196 Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
197 Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 778.
198 XXXXX, Xxx. Contrato de previdência privada. São Paulo: MP, 2009. p. 231-232.
Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx aponta os riscos da aplicação equivocada do Código de Defesa do Consumidor aos planos previdenciários operados por EFPC:
A aplicação do CDC ao negócio jurídico previdenciário em análise poderá acarretar importante desequilíbrio financeiro nos planos de benefícios operados por EFPC (e até a sua inviabilização), já que tais planos são custeados por contribuições dos participantes, dos patrocinadores ou dos assistidos e pela receita gerada pela aplicação financeira desses recursos. As decisões fulcradas equivocadamente no diploma consumerista e que são aparentemente mais benéficas ao participante litigante, considerando-se o falso desequilíbrio econômico existente entre o indivíduo e a EFPC, atingirão, na realidade, a coletividade protegida, exatamente em virtude da estrutura técnica que dá base ao plano previdenciário [...].199
Portanto, as entidades fechadas não são fornecedoras, os participantes não são consumidores, a atividade não é lucrativa e os planos não são oferecidos ao público em geral, mas apenas às pessoas que possuem vínculo prévio com a pessoa jurídica contratante. Assim sendo, aplicar o Código de Defesa do Consumidor a essa relação jurídica configuraria afronta ao próprio sistema, comprometendo o equilíbrio e a manutenção dos planos.
199 A inaplicabilidade do Código do Consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: LTr, 2008. p. 119.
CONCLUSÃO
O contrato de trabalho é relação jurídica que se desenvolve entre empregado e empregador, sendo regido, basicamente, pelas normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho e por princípios próprios, dentre os quais, o princípio basilar da proteção, desdobrado em três aspectos: in dubio pro operario, aplicação da norma mais favorável e condição mais benéfica. Percebe-se, assim, na seara laboral, evidente preocupação com o empregado, considerado o sujeito hipossufiente da relação empregatícia, diante da subordinação jurídica em relação ao empregador.
A situação de hipossuficiência assegura, a princípio, as condições mais benéficas incorporadas ao patrimônio jurídico do empregado, sendo vedadas alterações contratuais sem o mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao trabalhador, sob pena de nulidade da cláusula infringente da garantia. Não obstante, o contrato pode sofrer, excepcionalmente, alterações unilaterais, à luz do princípio do ius variandi.
A previdência complementar fechada, por sua vez, é aquela operada por fundações privadas ou sociedade civil, sem fins lucrativos, instituída mediante contrato, de filiação facultativa e acessível somente a grupos de empregados de uma empresa ou grupo de empresas, servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial. É regida por normas previdenciárias, em especial a Lei Complementar nº 109/2001, e por princípios próprios, destacando-se, aqui, o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.
Diferente do que ocorre no contrato de trabalho, a previdência complementar fechada não prima pela proteção de um indivíduo, eis que a solidariedade, ou mutualismo, é uma de suas características nucleares e princípio básico.
A autonomia da previdência complementar fechada é preconizada no artigo 202, § 2º, da Constituição da República, que, expressamente, desvincula a previdência privada do contrato laboral. Essa autonomia também decorre da legislação infraconstitucional, em especial da Lei Complementar nº 109/2001.
A independência entre as pessoas jurídicas que compõem a relação de previdência complementar também é considerada característica nuclear do sistema, não havendo, a priori, qualquer responsabilidade solidária entre a patrocinadora ou instituidora e a entidade fechada de previdência complementar.
Por isso, encarar a previdência complementar fechada como regulamento de empresa, aplicando-lhe normas e princípios trabalhistas, é procedimento extremamente equivocado, capaz de gerar consequências nefastas à manutenção e ao equilíbrio do plano. Entendemos, sob esse prisma, que a aplicação do artigo 468 da CLT e das Súmulas 51 e 288 do TST ao contrato de previdência complementar fechada é algo extremamente temerário.
Diante da autonomia do sistema previdenciário complementar e à luz do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, existe a possibilidade de alteração do regulamento do plano. Diferente do que ocorre na seara laboral, o direito adquirido do participante não assegura a aplicação das normas vigentes na data de admissão, mas, sim, das regras vigentes quando da elegibilidade ao benefício. Até então, o participante possui apenas expectativa de direito.
A competência para apreciar e julgar questões envolvendo previdência complementar fechada é matéria extremamente controvertida na doutrina e jurisprudência. Não obstante os sólidos fundamentos em sentido contrário, filiamo- nos à vertente que considera a Justiça do Trabalho, diante do elastecimento proporcionado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, competente para apreciar os casos da espécie, eis que a relação de emprego é pressuposto do contrato de previdência privada. Entendemos, contudo, que o direito material a ser aplicado é a legislação previdenciária, diante da autonomia da previdência complementar fechada em relação ao contrato de trabalho.
Ressaltamos, por fim, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que as entidades fechadas de previdência complementar não são fornecedoras, pelo contrário, exercem atividade sem fins lucrativos; os participantes não são consumidores, estão inseridos num contexto de mútuo; e os planos não são oferecidos no mercado de consumo; ou seja, não se trata de relação consumerista.
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