REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
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MINISTÉRIO DA ECONOMIA
INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
CARTA PATENTE Nº BR 102016019934-4
O INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL concede a presente PATENTE
DE INVENÇÃO, que outorga ao seu titular a propriedade da invenção caracterizada neste título, em todo o território nacional, garantindo os direitos dela decorrentes, previstos na legislação em vigor.
(21) Número do Depósito: BR 102016019934-4
(22) Data do Depósito: 29/08/2016
(43) Data da Publicação Nacional: 30/10/2018
(51) Classificação Internacional: C07K 1/30; C07K 1/34; C07K 1/36.
(54) Título: PROCESSO DE FRACIONAMENTO PARA PRODUÇÃO DE CONCENTRADOS PROTEICOS, PEPTÍDEOS BIOATIVOS E COPRODUTOS DERIVADOS DE BIOMASSA MICROALGAL
(73) Titular: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, Pessoa Jurídica. CGC/CPF: 75095679000149. Endereço: XXX XXXX XXXXXX, 000 0x XXXXX, XXXXXXXX, XX, XXXXXX(XX), 00000-000, Xxxxxxxxxx
(72) Inventor: XXXXXX XXXXXXX XXXXXX; XXXXXXX XXXXXXX XXXXXX XXXXX; XXXXX XXXXX XX XXXXXXXX; XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX.
Prazo de Validade: 20 (vinte) anos contados a partir de 29/08/2016, observadas as condições legais
Expedida em: 14/09/2021
Assinado digitalmente por:
Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx
Diretora de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados
PROCESSO DE FRACIONAMENTO PARA PRODUÇÃO DE CONCENTRADOS PROTEICOS, PEPTÍDEOS BIOATIVOS E COPRODUTOS DERIVADOS DE BIOMASSA MICROALGAL
[001]. Esta invenção trata de um método simples e de baixo custo para obtenção de concentrados proteicos, peptídeos bioativos e coprodutos derivados de componentes celulares de microalgas do gênero Spirulina (Arthrospira). O processo aproveita vantajosamente os diferentes pontos isoelétricos de proteínas de Spirulina para encontrar proteínas e frações com diferentes composições e bioatividades. O processo tem a vantagem adicional de aproveitar as outras frações da biomassa para a produção de coprodutos úteis. Devido à sua simplicidade e baixo custo, o processo é adequado para o processamento em escala industrial.
Campo da invenção
[002]. Esta invenção descreve um processo simples, de baixo custo e sustentável, que aproveita biomassa de microalgas (cianobactérias) dos gêneros Arthrospira e Spirulina (aqui descritas simplesmente como Spirulina), para o fracionamento e produção de extratos concentrados proteicos, frações contendo peptídeos bioativos, e coprodutos derivados das proteínas e de outros componentes celulares residuais do processo, descrito neste documento simplesmente como “processo de fracionamento”. Os concentrados proteicos, peptídeos bioativos e coprodutos podem ser usados como matéria-prima ou ingredientes na produção de produtos farmacêuticos, cosmecêuticos ou nutracêuticos. Assim, este processo contribui para o desenvolvimento de diferentes produtos úteis para a prevenção out tratamento de doenças, de forma a promover a saúde integral, bem-estar e longevidade.
Histórico da invenção
[003]. A microalga Spirulina é reconhecida como uma fonte importante de biomassa de alta qualidade nutricional e, potencialmente, de compostos
bioativos, devido ao seu alto conteúdo proteico. Certas sequências de aminoácidos formam peptídeos que possuem, para além das propriedades nutricionais, interessantes propriedades bioativas. Diversas fontes podem ser usadas para fornecer esses peptídeos, sendo a Spirulina, um microrganismo GRAS, uma fonte potencial de peptídeos, que podem ser produzidos desde que a biomassa seja processada de forma a liberar as frações de interesse. Hoje a maior parte da biomassa de Spirulina é usada na forma de biomassa seca integral, isto é, sem fracionamento.
[004]. Apesar do que se conhece em termos de análise bioquímica, em pequena escala, de Spirulina, faltam processos industriais que sejam capazes de transformar a biomassa produzida de forma efetiva em um processo de baixo custo. Os processos laboratoriais consistem no uso de equipamentos de alto custo, complexidade ou consumo energético, como sonicação, e o uso de insumos de alta pureza e custo como enzimas específicas. Por outro lado, há demanda cada vez maior por novos produtos nutricionais como extratos proteicos, e novos ingredientes nutracêuticos e cosmecêuticos. Assim, uma estratégia baseada em operações simples, flexibilidade e utilização de coprodutos, de forma a obter diferentes produtos em escala competitiva, é essencial.
Descrição do Estado da Técnica
[005]. O gênero Spirulina (Arthrospira) consiste de cianobactérias filamentosas. Por serem microscópicas e fotossintetizantes, são incluídas entre os organismos conhecidos popularmente como microalgas (embora o termo microalga não tenha significado taxonômico estrito). Apesar de similares e ambos usados como alimentos, Arthrospira e Spirulina são gêneros diferentes.
[006]. O microrganismo pode ser cultivado em meios sintéticos ou complexos, sendo capaz de metabolismo auto-, hetero- e mixotrófico, o que pode ser explorado para alterar a composição da biomassa. O cultivo de Spirulina é feito em biorreatores abertos ou fechados; a suspensão celular é separada do líquido ao final do cultivo, por exemplo por filtração, e a biomassa é seca e processada
de acordo com o uso final. O organismo tem status GRAS (Generally Recognized as Safe (GRN 394, GRN 417) junto à FDA (Food and Drug Administration, USA).
[007]. A Spirulina tem um alto teor proteico (60 a 71%), com uma distribuição nutricionalmente completa de aminoácidos essenciais (Clement et al., 1967), além de conter vitaminas, betacaroteno, minerais, ácidos graxos essenciais (ácido gama linoleico e palmítico), polissacarídeos (e.g. Ca-spirulan 5), pigmentos (ficocianina, clorofila), glicolipídeos e sulfolipídeos, o que lhe confere propriedades nutracêuticas (Xxxx, Z., Xxxxxxxxx, P., & Xxxxx, P. S. (2005). Nutritional and therapeutic potential of Spirulina. Current pharmaceutical biotechnology, 6(5), 373- 379).
[008]. A Xxxxxxxxx também oferece outras vantagens na procura de aplicações terapêuticas, entre elas: 1) A tecnologia de cultivo e colheita da Spirulina está bem estabelecida, 2) a Spirulina tem sido objeto de estudos de toxicidade em pelo menos duas décadas, além dos séculos de uso humano, 3) as normas microbiológicas e de segurança estão bem estabelecidas, 4) a Spirulina pode crescer livre de outras cianobactérias ou toxinas, pelo fato de sua adaptabilidade a condições fortemente alcalinas, 5) a Spirulina pode ser cultivada em terras que não tenham condições adequadas para a agricultura convencional, e 6) a popularidade da Spirulina após duas décadas de comercialização como alimento ou suplemento, que consequentemente pode trazer vantagens mercadológicas (Belay, A. (2002). The potential application of Spirulina (Arthrospira) as a nutritional and therapeutic supplement in health management).
[009]. Entre as possibilidades de potencial nutracêutico da Spirulina, destaca- se o de suas proteínas e peptídeos derivados. As proteínas possuem dentro de sua estrutura primária, regiões que codificam atividades de regulação e proteção das funções biológicas. Estas regiões são os polipeptídios ou peptídeos, que podem ser endógenos dos organismos ou liberados a eles por processos externos. Os peptídeos ativos têm sido descritos como aqueles componentes que podem exercer funções similares aos medicamentos ou hormônios. Podem alterar
positivamente as funções fisiológicas através de mecanismos de ligação com receptores específicos e interatuar com células alvo, ou estimular inibições através de ações enzimáticas (Fitzgerald, J. R., & Xxxxxx, A. B. (2007). Bioactive peptides and lactic fermentations. International Journal Diary Technology 59, 118–125; Kitts,
D. D., & Xxxxxx, X. (2003). Bioactive proteins and peptides from food sources: Applications of bioprocesses used in isolation and recovery. Current Pharmaceutical Design 9:1309–1323.). As frações proteicas e peptídicas de Spirulina têm apresentado propriedades cosméticas específicas, por exemplo, atividade dermatológica antienvelhecimento, de retenção de umidade no cabelo e na pele, entre outras.
[010]. A Spirulina, por ser rica em proteínas, é uma fonte adequada para a produção de peptídeos. No entanto, como processos com microalgas envolvem biomassa diluída, duas alternativas para viabilizá-los são o uso de operações de separação e fracionamento de baixo custo, e o processamento em esquema de biorrefinaria, onde se deriva mais produtos da mesma matéria-prima, tornando os processos economicamente mais atrativos.
[011]. Para a produção de peptídeos, a proteólise pode se realizar sobre a biomassa algal e prosseguir com as purificações necessárias, porém também pode ser aplicada diretamente aos isolados ou concentrados proteicos (Kim, Nam-Ho et al. (2014). Purification of an iron-chelating peptide from spirulina protein hydrolysates. Journal of the Korean Society for Applied Biological). Nesta última opção pode se obter maior rendimento, facilitando as etapas finais de purificação e aproveitar os coprodutos derivados da extração. Os processos clássicos de extração de proteínas vegetais (soja, feijão, e algumas macro e microalgas) iniciam-se com a dispersão da biomassa em água, em taxas de 1:5 até 1:20; a biomassa pode ser previamente desengordurada ou não, de acordo com a quantidade de lipídeos presentes. Posteriormente é realizado um ajuste de pH, usualmente em condições alcalinas. As proteínas em solução são posteriormente separadas dos carboidratos e outros componentes através de precipitação. As proteínas são recuperadas por centrifugação, e finalmente lavadas para remoção de sais, neutralizadas e secadas. Os concentrados ou isolados proteicos obtidos
mediante esta técnica podem atingir purezas entre 84 a 92% segundo as condições e etapas de purificação utilizadas (Boye, J. , Zare, F., Xxxxxx, A. (2010). Pulse proteins: Processing, characterization, functional properties and applications in food and feed. Food Research International 43(2):414–31).
[012]. Como a Spirulina tem parede celular, para acessar as proteínas e solubilizá-las é preciso a ruptura celular, que pode se realizar por métodos físicos, químicos, enzimáticos, ou combinação dos mesmos. Nem todos os métodos usados em laboratório, como sonicação ou congelamento e descongelamento, são aplicáveis em escala industrial.
[013]. A recuperação das proteínas da fase solúvel pode ser feita por precipitação isoelétrica em pH adequado, ou por extração com sistemas de duas fases aquosas, micelas reversas, ultrafiltração com membranas, entre outras técnicas. A precipitação é uma das formas mais baratas de precipitar proteínas em geral, mas como a mistura de proteínas de uma fonte animal, vegetal ou microbiana consiste em uma mistura complexa de substâncias, há necessidade de explorar cuidadosamente as faixas de pH adequadas para uma precipitação eficiente. Xxxxxxx, M., Xxxxxxxxxxxx, G., Xxxxxxx, X., Xxxxxxxxxxxx, X. (1981). Studies on the proteins of mass-cultivated, blue-green alga (Spirulina platensis). Journal of agricultural and food chemistry, 29(3):522–25. sugeriram o pH 3 como o ponto isoelétrico para as proteínas de S. platensis, através da avaliação da percentagem de nitrogênio extraído em diferentes valores de pH. Já Chronakis, I. S.; Xxxxxx, X. (2011). Algal proteins. in Handbook of food proteins sugerem a faixa de 2,8 a 3,5, para proteínas extraídas de S. platensis - Pacifica (Xxxxxxxxx, I. S.; Xxxxxx, X. (2011). Algal proteins. in Handbook of food proteins.). Um único pH não basta para recuperar as proteínas e peptídeos de Spirulina, por causa da ampla faixa de pIs. Em estudos proteômicos da S. platensis já foram identificadas 1306 proteínas, caracterizando seus pesos moleculares e pontos isoelétricos (Matallana- Surget, S., Xxxxxx, X., Leroy, B., Xxxxx, X., Deschoenmaeker, X., & Xxxxxxx, X. (2014). Proteome-wide analysis and diel proteomic profiling of the cyanobacterium Arthrospira platensis PCC 8005. PloS one, 9(6), e99076.). Essas proteínas representam apenas 21% do total do proteoma da Spirulina, com pontos isoelétricos de 3 a 11.
Essa ampla faixa de pI é explorada pelo Processo de Fracionamento desenvolvido na presente invenção.
[014]. O documento de patente BODEAU, C., 2003. FR2857978 - Extrait peptidique de Spiruline et son procede d'obtention, qui permet d'ameliorer les performances biologiques d'un extrait proteique de Spiruline apresenta um método para preparar um extrato peptídico de Spirulina, que compreende uma etapa de extração dos lipídeos com solvente, seguida da hidrólise enzimática da fração proteica para liberação dos peptídeos. Essa fração de peptídeos pode ser purificada por meio de ultrafiltração e/ou concentrada por meio de nanofiltração ou evaporação. O extrato contém 70 a 80% em massa de peptídeos, 4 a 5% em massa de açúcares e 1% em massa de cloreto de sódio. A hidrólise enzimática é um mecanismo eficiente para liberação de peptídeos bioativos, no entanto apresenta limitações em termos de reprodutibilidade e escalonamento. A presente invenção visa fornecer uma alternativa viável, escalonável e reprodutível para o aproveitamento das frações de concentrado proteico, peptídeos bioativos e coprodutos tais como lipídeos, pigmentos e carboidratos provenientes da biomassa microalgal.
[015]. O documento de tese XXXXXXXX, J. C. L., 2009. CARACTERIZAÇÃO E MODIFICAÇÕES QUÍMICAS DA PROTEINA DA MICROALGA SPIRULINA (Spirulina
maxima), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 129f., apresenta a produção de uma farinha de Spirulina maxima e suas características, incluindo a composição proteica após fracionamento, a qual apresentou albuminas (36,61%), glutelina básica (31,29%), globulina (21,03%), prolaminas (3,95%) e glutelina ácida (0,29%). O fracionamento foi realizado por diálise na presença de diferentes soluções como água destilada, etanol 70%, ácido clorídrico 0,1M e hidróxido de sódio 0,1M. Foi obtido também um isolado proteico por meio da extração aquosa das proteínas a partir da farinha desengordurada, a pH 10,0, e precipitação a pH 5,0, com um índice em proteína total extraída de três extrações de 54,36%; o índice de precipitação isoelétrica no extrato de pH 10,0 foi 46,81% e o índice de proteína total no isolado proteico foi de 95,44% em pH 10,0. Neste trabalho, o foco era a caracterização das proteínas, e não a obtenção de frações para o
aproveitamento integral da biomassa de Spirulina, como na presente invenção. Foram utilizadas metodologias para fins analíticos, sem a perspectiva do escalonamento.
[016]. O artigo científico XXXX, X. xx al., 2014. Release of hydro-soluble microalgal proteins using mechanical and chemical treatments. Algal Research 3, 55-60 avaliou diferentes técnicas de rompimento celular para extração de proteínas a partir de diferentes espécies de microalgas. Foi utilizado um homogeneizador de alta pressão e tratamentos alcalinos à temperatura de 40°C. Maiores rendimentos foram obtidos com o tratamento mecânico, variando de 41 a 88%. Na sequência, XXXX, X. et al., 2014. Aqueous extraction of proteins from microalgae: Effect of different cell disruption methods. Algal Research 3, 61-65 avaliaram diferentes métodos de rompimento celular (maceração manual, ultrassonicação, tratamento alcalino e tratamento a alta pressão) e seu efeito na extração de proteínas em fase aquosa. Novamente, maiores rendimentos foram obtidos pelo método de rompimento a alta pressão, que variaram entre 41 e 90%. Para o tratamento químico, os rendimentos variaram entre 15.8 e 73.5%. Percebe- se, desta forma, a ausência de estudos no estado da técnica que reportem um processo integrado, baseado exclusivamente em propriedades tais como solubilidade, densidade, temperatura de ebulição e ponto isoelétrico, para o aproveitamento eficiente das diversas frações provenientes da biomassa microalgal.
Listagem das figuras
[017]. A Figura 1 ilustra os passos típicos para a extração de proteínas de acordo com este Processo de Fracionamento, sendo que:
[018]. (1) representa a biomassa concentrada de Spirulina; (2) a etapa de remoção dos lipídeos; (3) um solvente; (4) a separação da biomassa da fração extraída com solvente; (5) a fração líquida; (6) a fração sólida; (7) a dessolventização por aquecimento; (8) o extrato bruto lipídico; (9) uma nova dessolventização por aquecimento; (10) extrações sucessivas em tanques agitados; (12) o processo de remoção de gordura da biomassa e ressuspensão em
água; (13) etapa de agitação e suspensão; (14) extrator sólido-líquido; (15) fração líquida contendo proteínas; (16) fração sólida; (17) frações líquidas sobrenadantes;
(18) etapa de concentração dos extratos; (19) solução concentrada proteica; (20) neutralização ou precipitação; (21) ácido ou base; (22) precipitado rico em proteínas; (23) fração aquosa rica em nutrientes; (24) etapa de proteólise; (25) ácidos e proteases; (26) frações variáveis de peptídeos.
Descrição detalhada da invenção
[019]. O Processo de Fracionamento aqui descrito explora as propriedades químicas dos componentes de Spirulina como polaridade e pontos isoelétricos, através de uma sucessão de operações de separação que pode produzir pelo menos quatro frações principais, a) lipídica, b) proteica / peptídica, c) rica em polissacarídeos, e d) rica em sais minerais e micronutrientes. A biomassa concentrada de Spirulina, fresca ou seca (1), é desengordurada (2) com um solvente adequado (3), com índice de polaridade de Snyder (Xxxxxx, L. R. Classification of the solvent properties of common liquids J. Chromatogr. 1974, 92, 223-230) entre 0 e 6, preferencialmente acetato de etila, n-hexano, ou etanol. A temperatura é ajustada a 10-80% da temperatura de ebulição do solvente, por exemplo 8-65°C para etanol. O técnico versado na arte saberá definir a proporção de solvente adequada, que pode ser de 1 a 100 partes de solvente:biomassa, mas preferencialmente abaixo de 20:1. A extração pode ser feita em vários ciclos ou em um extrator tipo coluna, ou ainda em várias etapas em contracorrente. O extrato é separado da biomassa desengordurada (4), gerando uma fração líquida de extrato lipídico (5) e outra sólida de biomassa desengordurada (6). A fração líquida consistindo de extrato lipídico segue para dessolventização por aquecimento (7) gerando um extrato lipídico bruto que pode ser usado para alimento, posterior transformação em biodiesel, ou outros usos (8). A biomassa desengordurada (6) pode ser dessolventizada (9), embora o passo não seja obrigatório, e segue para extrações e separações sucessivas em tanque agitado (10), e um separador sólido-líquido (14). No tanque agitado, a biomassa desengordurada é ressuspensa com água (12) em proporção de 1:3 a 1:30 em base seca. Esse tanque agitado tem seu pH ajustado para pH básico usando um
hidróxido MOH, onde M é um cátion de metal alcalino ou o cátion amônio, ou para pH ácido usando um ácido com pK1 inferior a 5, como ácido cítrico, sulfúrico, clorídrico, etc. O material é agitado por um tempo adequado, que pode ser monitorado pela estabilização da concentração proteica no sobrenadante mas que é vantajosamente inferior a 2 horas, sob agitação adequada, de forma a manter regime turbulento no líquido (Re médio > 2000) e número de potência Np inferior a 0,8. Após a etapa de agitação, a suspensão (13) é fracionada por centrifugação, filtração direta ou tangencial, ou outra operação de separação sólido-liquido (14), gerando uma fração líquida (15) rica em proteínas e uma nova fração sólida de biomassa residual rica em carboidratos (16) que é reciclada para nova extração, com diluição com água (12) em proporção igual ou menor de sólidos que a etapa anterior, de 1:2 a 1:30, com ou sem modificação de pH, novamente pelo tempo necessário mas vantajosamente inferior a 2h. A extração em pH básico dissolve proteínas de baixo pI, que de outra forma ficariam retidas na biomassa desengordurada residual na separação sólido-líquido (14), enquanto a extração com pH ácido dissolve proteínas de alto pI. Por isso, a extração é feita em 2 a 8 ciclos (16)(10)(14) com diferentes pHs, novamente pelo tempo necessário, em condições que devem ir de uma faixa de pH ácido para uma básica ou vice- versa, por exemplo cinco ciclos com duas extrações a pH 9,5, uma nova extração a pH 6, outra a pH 4, e outra a pH 3. Os sobrenadantes aquosos ricos em proteínas
(17) contêm diferentes tipos de proteínas e podem ser processadas em separado a cada ciclo, ou em mistura. Esses sobrenadantes podem ser concentrados (18) e neutralizados, resultando em uma solução concentrada proteica (19), ou precipitados em seu ponto isoelétrico (20) com ácido ou base (21), gerando um precipitado rico em proteínas (22). A solução concentrada proteica (19) já contém frações variáveis de peptídeos e podem ser enriquecidas nestes (26) através de proteólise (24) usando ácidos e proteases (25). A fração sólida de biomassa residual
(15) consiste principalmente de polissacarídeos de parede contendo glicose, ácido glicurônico, xilose, entre outros, além de lipídios e proteínas residuais associados à parede. Sobrenadantes remanescentes da separação de proteínas (23) são ricos em minerais e podem ser usados, após a neutralização, como solução nutritiva para agricultura. São produtos do processo, portanto, um extrato lipídico (8), uma
fração sólida de biomassa residual rica em carboidratos (15), uma solução concentrada proteica (19), um precipitado rico em proteínas (22) ou uma solução concentrada proteica parcialmente hidrolisada (25), e uma solução nutritiva rica em minerais (23). Outra vantagem do processo proposto é que as faixas de pH utilizadas podem ser modificadas de forma a ajustar a composição das frações proteicas de Spirulina.
Exemplos
[020]. 10 kg de Spirulina seca (com 4% de umidade) são suspensos em etanol a 99,5%, em uma proporção 1:5 (50L de etanol), a 60°C, agitado a 120 rpm por 20 minutos, sedimentado por 5 minutos, e o sobrenadante é removido. O processo é repetido mais duas vezes, e as frações etanólicas sobrenadantes são misturadas (150L de sobrenadante). A biomassa desengordurada presente no precipitado é recuperada por filtração. A fração etanólica é evaporada, resultando em 1,15 kg de extrato lipídico. A biomassa desengordurada, com 8,4kg de sólidos, é dispersa em água a uma proporção 1:20 (18L de água), com o pH ajustado a 9,5 com NaOH, e agitação de 12.000rpm por 15 minutos, após o que o material é centrifugado a 9.000xg, o sobrenadante é separado e o precipitado é novamente disperso em água, desta vez em proporção 1:10 (8L de água), com agitação de 12.000rpm por 15 minutos. O material é novamente centrifugado, e o sobrenadante é separado. A biomassa é seca a 60°C, fornecendo 1,27kg de uma fração contendo 67% de carboidratos. Os sobrenadantes (26L) são misturados e acidificados com HCl a pH 4, para fazer uma primeira precipitação isoelétrica, e centrifugados a 9.000xg e 4 °C. O concentrado proteico (3,81 kg de sólidos) é separado e o sobrenadante tem seu pH ajustado a 3 com HCl, seguindo-se nova centrifugação a 9000xg e 4 °C, resultando em novo concentrado proteico (1,8 kg de sólidos). Os dois concentrados proteicos são neutralizados a pH 7 e secos a 60 °C, resultando em 5,6kg de um produto proteico concentrado, com 89% de proteínas. Os sobrenadantes (26L) são neutralizados e consistem em uma solução nutritiva com concentração de 8,2g/L de sólidos solúveis. As características de cada fração obtida são apresentadas na Tabela 1:
peptídico | ||||
Teor proteico | 89% | 17% | 7% | 51% |
Teor lipídico | 2% | 4% | 35% | 8% |
Carboidratos | 4% | 67% | 58% | 11% |
Minerais | 2% | 8% | 0 | 30% |
Massa total | 5,6kg | 1,3kg | 1,2kg | 2,0kg |
Tabela 1. Características das quatro frações (produtos) obtidos no Exemplo 1
Componentes
Concentrado proteico /
Biomassa residual
Fração lipídica
Solução nutritiva
REIVINDICAÇÕES
1. PROCESSO DE FRACIONAMENTO PARA PRODUÇÃO DE CONCENTRADOS PROTEICOS, PEPTÍDEOS BIOATIVOS E COPRODUTOS DERIVADOS DE BIOMASSA MICROALGAL, caracterizado pelo fato de compreender as seguintes etapas que permitem o aproveitamento integral da biomassa microalgal:
a. suspensão da biomassa microalgal em solvente para extração e remoção de gordura;
b. separação da fração sólida do sobrenadante, gerando um extrato líquido lipídico e um extrato sólido de biomassa desengordurada;
c. dessolventização do extrato líquido lipídico por aquecimento para obtenção de um extrato lipídico;
d. dessolventização da biomassa desengordurada;
e. ciclos sucessivos de extração sólido-líquido, sob agitação em regime turbulento e em valores de pH variando de 3,0 a 9,5 em cada ciclo, a partir da biomassa desengordurada resultante da etapa anterior, para separação de proteínas com base no ponto isoelétrico;
f. fracionamento dos extratos obtidos na etapa anterior por separação sólido-líquido para obtenção de frações líquidas ricas em proteínas a partir do sobrenadante aquoso de cada ciclo e uma fração sólida de biomassa residual rica em carboidratos;
g. concentração e neutralização dos sobrenadantes aquosos ricos em proteínas obtidos na etapa anterior ou precipitação isoelétrica das proteínas dos concentrados ricos em proteínas obtidos na etapa anterior com ácido ou base, seguida de neutralização do sobrenadante, gerando um precipitado rico em proteínas e uma solução nutritiva rica em minerais, de modo que o processo resulte em diferentes frações para o aproveitamento integral da biomassa de Spirulina.
2. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que a etapa de remoção de gordura da biomassa (etapa a) é realizada com solvente cujo índice de polaridade de Xxxxxx varia entre 0 e 6, preferencialmente o acetato de etila, n-hexano e etanol.
3. Processo, de acordo com as reivindicações 1 e 2, caracterizado pelo fato de que a etapa de remoção de gordura (etapa a) é realizada em uma temperatura que pode variar de 10 a 80% da temperatura de ebulição do solvente citado na reivindicação 2.
4. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que a proporção entre biomassa e solvente na etapa de remoção de gordura (etapa a) é de 1:1 a 1:100.
5. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que as etapas a e b podem ser realizadas em até 5 ciclos (repetições).
6. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que a etapa de separação da fração sólida (etapa b) pode ser realizada com uso de coluna e em fluxo contracorrente.
7. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que a etapa de dessolventização do extrato líquido (etapa c) ocorre em uma temperatura inferior a 300°C.
8. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que o extrato lipídico bruto resultante da etapa de dessolventização do extrato líquido lipídico (etapa c) pode ser aplicado na indústria de alimentos e de biodiesel.
9. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que as extrações sucessivas a partir da biomassa desengordurada (etapa e) ocorrem em tanques agitados.
10. Processo, de acordo com as reivindicações 1 e 9, caracterizado pelo fato de que após a remoção de gordura e dessolventização da
biomassa desengordurada (etapa d), esta é ressuspendida em água, em uma proporção que pode variar de 1:3 a 1:30.
11. Processo de acordo com as reivindicações 1 e 9, caracterizado pelo fato de que na etapa “e” o pH deve ser básico, usando um hidróxido de cátion alcalino ou amônio, quando o objetivo for extrair proteínas de baixo ponto isoelétrico.
12. Processo, de acordo com as reivindicações 1 e 9, caracterizado pelo fato de que na etapa “e” o pH deve ser ácido, usando um ácido com pK inferior a 5,0, quando o objetivo for extrair proteínas de alto ponto isoelétrico.
13. Processo, de acordo com as reivindicações 1 e 9, caracterizado pelo fato de que na etapa “e” o tempo de agitação deve ser inferior a 2 horas.
14. Processo, de acordo com as reivindicações 1 e 9, caracterizado pelo fato de que na etapa “e” a agitação dos tanques deve ser suficiente para gerar um regime turbulento, em que o número de Xxxxxxxx é superior a 2000 e o número de potência inferior a 0,8.
15. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que na etapa “e” são realizados de 2 a 8 ciclos com pHs diferentes, variando de 3,0 a 9,5 em cada ciclo.
16. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que o fracionamento dos extratos (etapa f) pode ser realizado por qualquer processo de separação, incluindo centrifugação, filtração e separação sólido-líquido.
17. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de que a fração sólida de biomassa residual rica em carboidratos obtida do fracionamento (etapa f) pode ser reciclada para novas extrações.
18. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado por usar microalgas na forma fresca (hidratada) ou seca (desidratada).
19. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de as frações líquidas ricas em proteínas ou os concentrados ricos em proteínas poderem ser precipitadas isoeletricamente e separadas em fração sólida de precipitado rico em proteínas (etapa g), que constitui produto (proteína concentrada de Spirulina com pelo menos 70% de pureza) e líquida, que constitui produto (solução nutritiva com pelo menos 20% de minerais em base seca).
20. Processo, de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato de o extrato líquido lipídico ser concentrado (etapa g), recuperando-se o solvente e constituindo produto (extrato lipídico com pelo menos 20% de lipídios).
Figuras
Figura 1