Assunto Especial Doutrinas
Assunto Especial Doutrinas
Responsabilidade Civil Xxxx Xxxxxx (II)
II Doutrina: Responsabilidade Civil por Xxxx Xxxxxx: Aspectos Processuais da Ação
XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX
Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG, Desembargador aposentado do TJMG,
Advogado e Doutor em Direito.
SUMÁRIO:1. Intróito;2. A natureza da responsabilidade civil do médico;3. Contratos de meio e contratos de resultado;4. Natureza do contrato médico;5. A ação indenizatória e o ônus da prova;6. A prova da culpa médica;7. Culpa isolada e culpa concorrente;8. O dano e sua prova;9. A relação de causalidade;10. Algumas situações especiais.
1. Intróito
É nosso propósito abordar temas de processo que são freqüentes nas causas, hoje bastante numerosas, que envolvem pretensões indenizatórias derivadas de erro na prestação de serviços médicos. Como, todavia, esses problemas têm raízes na relação de direito material existente entre os litigantes, tornase imperioso conhecer a natureza e as peculiaridades desse vínculo obrigacional, como ponto de partida para estabelecer seus reflexos sobre o processo, principalmente em termos de prova e ônus da prova. É, portanto, o que se explanará em seguida.
2. A natureza da responsabilidade civil do médico
O Código Civil não cuidou da responsabilidade indenizatória do médico na parte destinada à regulamentação dos contratos. Reguloua no art. 1.545, na parte em que se ocupa da liquidação dos danos provenientes de atos ilícitos.
Isto levou a uma antiga polêmica sobre ser a responsabilidade, in casu, delitual ou contratual, o que poderia ter influência importante sobre o ônus da prova quanto à culpa do agente, visto que, na primeira, a vítima sempre tem o encargo de provar a culpa, enquanto na segunda, esta se presume, como decorrência do próprio descumprimento da prestação contratual.
A primeira observação que a propósito se impõe é a de que a localização de um tema em determinado sítio da lei é desinfluente sobre sua verdadeira natureza. Cumpre situálo dentro do sistema legal, não em função do posicionamento físico que o legislador lhe deu, mas, sim, a partir da essência do relacionamento jurídico. A sede da regra não tem força para alterar a substância da coisa, que a ciência do direito procura detectar e revelar segundo seus métodos e princípios.
Xxxx, podese afirmar, sem medo de erro, que a responsabilidade civil do médico, sem embargo de ter sido tratada pelo legislador entre os casos de atos ilícitos, é vista unanimemente como responsabilidade contratual (AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. V. I, nº 114, pp. 252253; XXXXXX XXXXXX XXXX. Responsabilidade Civil do Médico. 2ª ed. São Paulo: XX, 0000, nº 44, p. 54; XXXXXX XXXXXXXXX. Responsabilidade Civil. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, nº 83, p. 248).
É possível que o médico venha a incorrer em responsabilidade extracontratual, pois pode acontecer que a prestação profissional ocorra em situação de emergência, sem que antes tenha havido qualquer acordo de vontades entre o paciente e o facultativo.
A responsabilidade indenizatória pela falha da assistência médica ocorrerá tanto naquela convencionada entre as partes como na que se deu independentemente de contrato.
E as diferenças, em termos de processo, praticamente não existirão, tendo em vista a natureza muito especial do contrato de assistência médica, de sorte a exigir prova de culpa pelo evento danoso, tanto na responsabilidade contratual como na extracontratual, e uno é o conceito de culpa para ambas as hipóteses (XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx de. "Responsabilidade civil dos médicos", Responsabilidade Civil, diversos autores, coordenação de Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 311).
3. Contratos de meio e contratos de resultado
A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividilos em contratos, de resultado e contratos de meio, classificação de relevantes efeitos no plano material e sobretudo no plano processual, em que opera uma total mudança ao ônus da prova (XXXXXXXX, Renê. Traité de la responsabilité civile en droit français. Paris: LGDJ, 1939. T. I, p. 146).
O fato de ser o contrato enquadrável numa das duas referidas espécies influi sobre a definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da prestação devida, e, conseqüentemente, sobre a conceituação do inadimplemento.
Na obrigação de resultado, o contratante obrigase a alcançar um determinado fim, cuja não consecução importa em descumprimento do contrato. No contrato de transporte e no de empreitada, por exemplo, se o bem transportado não chega incólume ao destino previsto, há inadimplemento do transportador, devendo este reparar os prejuízos do destinatário. Da mesma forma, inadimple o contrato de empreitada o construtor que não produz o edifício com a segurança e as especificações previstas no contrato. Ambos tinham, perante o outro contratante, um débito específico, que consistia no alcançar o fim predeterminado. Esse fim confundiase com a prestação devida, motivo pelo qual se dá o inadimplemento contratual, quando tal meta não é atingida.
Já na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingilo. O objeto do contrato limitase à referida atividade, de modo que o devedor tem de empenharse na procura do fim que justifica o negócio jurídico, agindo com zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a frustração, porém, do objetivo visado não configura inadimplemento, nem, obviamente, enseja dever de indenizar o dano suportado pelo outro contratante. Somente haverá inadimplemento, com seus consectários jurídicos, quando a atividade devida for mal desempenhada. E o que se passa, em princípio, com a generalidade dos contratos de prestação de serviços, já que o obreiro põe sua força física ou intelectual à disposição do tomador de seus serviços, sem se comprometer com resultado final visado por este.
4. Natureza do contrato médico
O contrato de prestação de serviços médicos provoca obrigação tipicamente de meio e não de resultado.
É claro que paciente e facultativo têm um objetivo comum: a busca da cura do enfermo. Mas a ciência médica e a própria natureza do paciente não permitem garantir que essa meta seja assegurada. Ambos se empenharão na tarefa de perseguir esse objetivo, porém sem a certeza de poderem alcançálo. A prestação contratual do médico, então, cingese a pôr seus conhecimentos técnicos à disposição do paciente, desempenhandoos com zelo e adequação. Se cumpre tal prestação, o contrato terá sido cumprido, malgrado o insucesso do tratamento, no tocante à meta de curar ou salvar o doente. Ressalta a doutrina:
"Ao assistir o cliente, o médico assume obrigação de meio, não de resultado. O devedor tem apenas que agir, é a sua própria atividade o objeto do contrato. O médico deve apenas esforçar-se para obter a cura, mesmo que não a consiga" (KFOURI NETO, op. cit., loc. cit.).
Também na jurisprudência o enfoque é o mesmo: entre o médico e o cliente, há um inegável e
autêntico contrato (TJGO, AC 29.9665/188, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxx, Ac. 18.05.1993, Revista Jurídica 191/68), donde ser contratual a responsabilidade civil relacionada com o dano indevido suportado como conseqüência da defeituosa assistência médica.
"Contudo, o fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa. O médico não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com as regras e os métodos da profissão" (XXXXXX XXXX, op. cit., 55, p. 55).
Se se tratasse de obrigação de resultado, como ocorre com a maioria dos contratos, o profissional
estaria obrigado a atingir o fim último visado pelo ajuste. E falhando no seu intento teria descumprido a obrigação assumida.
O contrato médico apresentase, dentro do quadro geral das obrigações negociais, como um contrato de prestação de serviços, que não se rege pela legislação do trabalho, porque versa sobre atividade de profissional liberal. A prestação devida é, da parte do médico, o serviço correspondente à sua formação técnica, e, da parte do cliente, é o pagamento dos honorários correspondentes ao serviço prestado.
A configuração do contrato de meio é a regra em tema de prestação de serviços médicos. Há, todavia, algumas situações em que a dita prestação se torna obrigação de resultado, tais como na realização de raios X, de exames laboratoriais, de cirurgia plástica puramente contratual, que por si só justifica a responsabilidade indenizatória pelo dano causado ao paciente.
5. A ação indenizatória e o ônus da prova
O direito processual civil distribui o ônus da prova, de acordo com o art. 333 do CPC, da seguinte maneira:
a) ao autor da ação cabe provar o fato constitutivo do seu direito, isto é, o fato jurídico com que sustenta a pretensão deduzida em juízo contra o réu;
b) ao réu toca provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, ou seja, se o réu admite ter ocorrido o fato invocado pelo autor, toca a ele, contestante, provar o fato superveniente que afirma estar impedindo a ocorrência do efeito afirmado pelo adversário.
Aplicandose estas regras a uma ação comum de indenização por descumprimento de contrato de resultado, ficará a cargo do autor a prova:
a) do descumprimento do contrato;
b) do prejuízo sofrido; e
c) do nexo causal entre este e o descumprimento da obrigação.
Não se exige prova da culpa do inadimplente, porquanto esta se revela implícita na inobservância do dever de realizar a prestação contratual. Com efeito, para o direito civil, a culpa é sempre a omissão de uma cautela que o agente necessariamente deveria observar. E porque a conduta não observou a cautela exigível, tornouse "censurável" ou "reprovável", devendo o agente responder pela reparação do prejuízo que adveio para a vítima do ato injurídico praticado.
No caso da violação do dever contratual, não tem a vítima que provar a culpa do inadimplente, porque decorre ela naturalmente do próprio desrespeito ao dever de cumprir a obrigação negocial.
Pode, eventualmente, o devedor alegar que, malgrado o nãocumprimento objetivo da prestação, o evento não lhe pode ser imputado porque provocado por caso fortuito ou por ato do próprio credor. Se isto acontecer, estará invocando fato modificativo ou extintivo do direito normal do contratante que propôs a ação. O ônus da prova será do réu e não do autor, segundo o art. 333, II, do CPC.
Focalizando especificamente o contrato de prestação de serviços médicos, a situação probatória se modifica, em face da natureza especial da obrigação contraída pelo prestador de serviços.
Pelo art. 1.545 do CC, não basta ao ofendido demonstrar a lesão que lhe adveio do tratamento médico. A responsabilidade indenizatória fundase na culpa in concreto, e não apenas na frustração do tratamento dispensado ao paciente.
A ruína da saúde do cliente do médico não se equipara à ruína do prédio que o engenheiro construiu para seu cliente. Este se comprometeu a construir um edifício sólido. Se a obra ruiu, a culpa está evidenciada pela própria ruína, vale dizer, o engenheiro não cumpriu, a contento, a prestação que lhe cabia. Já o médico não se obrigou a curar o paciente, embora esteja obrigado a empenharse em tal propósito.
A culpa do médico, pela natureza do contrato que firma com o cliente, somente será configurada quando os seu serviços tiverem sido prestados fora dos padrões técnicos. Por isso, o fato constitutivo do direito de quem pede indenização por erro médico se assenta no desvio de conduta técnica cometido pelo prestador de serviços. Como esse desvio é uma situação anormal dentro do relacionamento contratual, não há como presumilo. Cumprirá ao autor da ação proválo adequadamente (CPC, art. 333, I).
Na verdade, o serviço técnico do médico, com zelo e adequação, vem a ser a própria prestação contratual. Logo, quando o paciente se diz vítima de erro médico, na verdade está apontando o inadimplemento da prestação devida. Provar a culpa do médico, então, não é demonstrar apenas o elemento psicológico ou subjetivo da responsabilidade civil. É provar o inadimplemento mesmo da prestação devida pelo médico. E em qualquer ação de indenização por responsabilidade contratual, cabe sempre ao autor o ônus de provar o inadimplemento do réu. O que se dispensa, nos contratos de resultado, é a prova da culpa, nunca a do inadimplemento e a do dano.
A conduta irregular do médico é a um só tempo o inadimplemento e a culpa, razão pela qual o autor não se desobriga do ônus processual da prova senão comprovando a conduta culposa do médico. Sem a configuração desse tipo de conduta, jamais se admitirá como não cumprido o contrato de serviços médicos, salvo, é claro, nas hipóteses excepcionais de contratos médicos de resultado, a que já se aludiu, quando bastará ao paciente provar o dano e o nexo causal.
6. A prova da culpa médica
Como o risco de falha, de insucesso e até de lesões é normal na prestação de serviços médicos, os tribunais, em princípio, não são liberais com o ônus da prova a cargo do paciente ou de seus dependentes, quando se trata de ação indenizatória fundada em erro médico. Nenhum tipo de presunção é de admitirse, cumprindo ao autor, ao contrário, o ônus de comprovar, de forma idônea e convincente, o nexo causal entre uma falha técnica, demonstrada in concreto, e o resultado danoso queixado pelo promovente da ação indenizatória.
Nem sempre é possível um juízo rigoroso, preciso, sobre a falha técnica e seu nexo com a lesão ou dano. Os tribunais, por isso, adotam, às vezes, princípios antigos e universalmente aceitos como o da previsibilidade e o da razoabilidade. O julgador segue sua experiência da vida, e da observação do que comumente acontece pode chegar a juízos de valor sobre a conduta profissional, quando se mostre muito difícil uma conclusão puramente técnica sobre a causa da lesão.
O ideal, porém, é exigir o magistrado, sempre, a prova pericial, para obter esclarecimentos que, de ordinário, não se comportam na esfera de seus conhecimentos e que se sujeitam a regras técnicas específicas e complexas.
Isto não quer dizer que o Juiz fique escravo do laudo pericial. O CPC é claro ao estatuir que "o Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos" (art. 436).
A perícia não é uma superprova que se coloque acima das demais e que não permita questionamento algum. Se fosse inatingível a conclusão do técnico, este, e não o magistrado, seria o verdadeiro Juiz da causa e anulada restaria a função jurisdicional do último.
O laudo pericial, todavia, vale, não pela autoridade técnica de quem o subscreve, mas pela força de convencimento dos dados que o perito conseguiu levantar, a partir da ciência por ele dominada. Esses mesmos dados podem ser cotejados com outros elementos probatórios disponíveis ou submetidos a exame crítico e racional do Juiz, para chegarse a conclusões diversas daquelas apontadas pelo experto. O Juiz não possui os conhecimentos técnicos do perito, mas dispõe de discernimento e experiência para rever os termos do silogismo em que se apoiou o laudo e, por isso, pode criticar e desprezar sua conclusão.
A culpa que se apura no processo de indenização por dano de responsabilidade médica, além do dolo (vontade criminosa de lesar), compreende as formas de negligência, imprudência e imperícia.
Pela negligência, a culpa equivale a uma conduta passiva (omissiva). Ocorre quando o médico deixa de observar medidas e precauções necessárias. São exemplos desse tipo de culpa: "o esquecimento de pinça ou tampão de gaze no abdômen do paciente"; o abandono do cliente no pósoperatório, "provocando com essa atitude danos graves"; o erro de diagnóstico provocado por "exame superficial" e inadequado; a aplicação de soro antitetânico na vítima sem, antes, submetêla aos testes de sensibilidade, acarretando, com isso, sua morte por deficiência cardíaca (MAGALHÃES, T. A. Lopes de. Op. cit., pp. 315316).
Ocorre a imprudência por meio de atitude ativa (comissiva), praticada quando o médico "toma atitudes não justificadas, precipitadas, sem usar de nenhuma cautela" (XXXXXXXXX, T. A. Lopes de. Op. cit.,
p. 315), como o cirurgião que não aguarda a chegada do anestesista e ele mesmo se encarrega de anestesiar o paciente, provocando sua morte por parada cardíaca; ou como o médico que realiza em trinta minutos uma cirurgia que normalmente demandaria uma hora, acarretando, com seu açodamento, dano ao paciente; ou, ainda, como o médico que libera o acidentado, quando deveria mantêlo no hospital sob observação durante algum tempo, e com isso provoca sua subseqüente morte; ou como o cirurgião que abandona técnica operatória segura e habitual para utilizar técnica nova e arriscada, "sem comprovada eficiência", e provoca lesão ou morte ao paciente (XXXXXX XXXX. Op. cit., 5.4.2, pp. 7677).
Xxxxx a imperícia quando o causador do dano revela, em sua atitude profissional, "falta de conhecimento técnico da profissão" (XXXXXXXXX, T. A. Lopes de. Op. cit., p. 316) ou "deficiência de tais conhecimentos" (KFOURI NETO. Op. cit., 5.4.3, p. 77).
O diagnóstico é uma operação delicada e que nem sempre tem condições de ser feito de maneira unívoca e isenta de erros. Por isso, entendese que o erro de diagnóstico, por si só, não representa um ato de imperícia (FRANÇA, Xxxxxxx Xxxxxx de. Direito médico. 6ª ed. São Paulo: Fundação Editorial BYKProcienx, 1994. p. 26).
Se, porém, houve erro grosseiro e injustificável, ou se o médico foi afoito, formando desde logo o diagnóstico sem aguardar a evolução do quadro clínico e sem proceder a exames laboratoriais que o caso exigia, configurada estará a culpa.
A imperícia, a imprudência e a negligência, todavia, nunca serão presumidas. Caberá sempre ao paciente ou a quem alega em juízo a culpa do médico em qualquer de suas modalidades o ônus de provar os fatos que, concretamente, a configuraram.
7. Culpa isolada e culpa concorrente
O problema da concorrência de culpa ocorre com freqüência nas equipes médicas e nos serviços de hospital, durante intervenções cirúrgicas e internamentos.
A causa do dano pode ser atribuída a serviços secundários ligados à estrutura do hospital, por exemplo, caso em que o cirurgião, que não tem ingerência em tais serviços, não responderá pela indenização. Ao hospital caberá suportála, dentro do princípio de que o patrão responde pelos atos culposos de seus prepostos (Súmula nº 341 do STF).
Dentro da equipe médica que participa de certo ato cirúrgico é preciso separar aqueles que se sujeitam às ordens do cirurgião e aqueles que exercem função técnica complexa e inerente à sua especialização. Os que cumprem ordens do chefe da equipe são meros prepostos. Por sua falhas responde o preponente, independentemente de culpa própria. Já com relação ao anestesista, que hoje é um médico especialista, o cirurgião, em princípio, não responde por suas falhas, a não ser que, tendo sido rejeitado expressamente pelo paciente, só veio a atuar por deliberação do médico chefe da equipe.
No pré e pósoperatório, a falha do anestesista é, sempre autônoma, não havendo razão para atingir o cirurgião (MAGALHÃES, T. A. Lopes de. Op. cit., p. 318).
A culpa da vítima ou de seus familiares muitas vezes elide a responsabilidade médica, em situações, por exemplo, como a da nãoobservância das prescrições do médico ou a saída prematura do hospital, ou a nãoparticipação ao médico de incidentes ocorridos após a intervenção ou o tratamento e que agravaram o estado do enfermo.
8. O dano e sua prova
Para haver obrigação de indenizar não basta a situação injurídica. Sem dano efetivo, ainda que provado um ato ilícito do médico, não haverá lugar para se falar em responsabilidade civil.
O autor da ação indenizatória, tem o ônus de provar qual foi efetivamente o dano que o erro médico culposo lhe acarretou, sob pena de decair de sua pretensão.
Os danos indenizáveis, na espécie, podem ser físicos (prejuízo corporal), materiais (perdas patrimoniais: lucros cessantes, gastos médicos hospitalares, medicamentos, viagens, aparelhamentos ortopédicos, pensão aos dependentes do paciente morto, etc.) e morais (lesão estética, a dor sofrida, o malestar gerado por distúrbios na área das funções sexuais, frustração de carreira, como no caso de artista mutilado, etc.).
9. A relação de causalidade
O último encargo probatório que toca ao autor da ação indenizatória referese ao nexo causal que haverá de ter existido entre o dano sofrido pela vítima e o ato culposo do médico.
Cabe, pois, àquele que reclama a reparação do dano provar que, sem o erro cometido, culposamente, pelo facultativo, não teria o paciente sofrido a lesão.
"Não é suficiente, para que seja exigível a responsabilidade civil, que o demandante haja sofrido um prejuízo nem que o demandado tenha agido com culpa. Deve reunir-se um terceiro e último requisito, a existência de um vínculo de causa e efeito entre a culpa e o dano; é necessário que o dano sofrido seja a conseqüência da culpa cometida" (XXXXXXX e TUNC, Tratado teórico y práctico de la responsabilidad civil, delictual y contractual. Buenos Aires: Ejea, 1977. T. II, v. 2, p. 1).
Por outro lado, como adverte XXXXXX XXXX, "o laço causal deve ser demonstrado às claras, atando
as duas pontas que conduzam à responsabilidade. Se a vítima sofre o dano, mas não se evidencia o liame de causalidade com o comportamento do réu, improcedente será o pleito" (op. cit., pp. 9091). Importa lembrar que as provas incompletas ou duvidosas prejudicam a parte que tem legalmente o ônus da prova. Prova insuficiente, lacunosa ou inconvincente é o mesmo que ausência de prova.
O nexo causal, por sua vez, pode ser destruído pela prova de caso fortuito ou de culpa exclusiva da vítima. Se, porém, com o caso fortuito ou com a culpa do ofendido concorreu, também, a culpa do médico, não se isentará ele do dever de indenizar. A reparação será apenas reduzida em seu quantitativo.
10. Algumas situações especiais
A participação do médico anestesista no ato cirúrgico oferece alguma dificuldade no tocante à definição de responsabilidade civil pelo resultado danoso sofrido pelo paciente. Mesmo sendo a falha cometida pelo encarregado da anestesia, antiga jurisprudência imputava ao cirurgião dever de indenizar, na qualidade de chefe da equipe médica.
A evolução da técnica relativa à matéria levou o anestesista a transformarse num médico especialista, que hoje desempenha sua função com completa autonomia. Mas nem por isso se pode, como alguém já pretendeu, afirmar que o anestesista contrai obrigação de resultado (PANASCO, Xxxxxxxx Xxxxxxx. A Responsabilidade Civil, Penal e Ética dos Médicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 49).
O que hoje se admite, pacificamente, é que o insucesso e os acidentes de anestesia se submetem ao regime comum da responsabilidade médica. Vale dizer: a indenização, in casu, depende de prova, a cargo da vítima, de culpa do anestesista pelo evento danoso, segundo o princípio próprio das obrigações de meio.
O anestesista não tem responsabilidade maior nem menor do que o médico em geral. Responde, portanto, por erro culposo ou doloso, mas o resultado adverso não se presume provocado por culpa, razão pela qual incumbe à vítima demonstrar concretamente a imperícia, imprudência ou negligência do anestesista.
A propósito, está assentado na doutrina que: a) a responsabilidade do anestesista é individual nos períodos pré e pósoperatórios; b) durante a intervenção cirúrgica, a concorrência de culpa pode acontecer entre o cirurgião e o anestesista, mas dependerá das circunstâncias do caso concreto; c) em princípio, cada um responde por seus próprios atos, de sorte que não se pode imputar falha do anestesista à responsabilidade do cirurgião, posto que "o anestesista é autônomo e seu campo de atuação é distinto" (XXXXXX XXXX. Op. cit., 131; TJRS, Ac. de 29.07.1965, Revista Jurídica 75/237).
Outra situação especial, no tocante ao ônus da prova, é a que diz respeito ao cirurgião plástico. Costumase distinguir a situação de médico que realiza a cirurgia puramente estética e a daquele que promove a cirurgia estética reparadora. Em relação à primeira, às vezes se fala em obrigação de resultado, ocorrendo culpa presumida quando a cirurgia não atinge o resultado esperado (Revista Jurídica 184/90). Na segunda hipótese, prevaleceria a regra geral da obrigação de meio e não de resultado (KFOURI NETO. Op. cit., p. 156).
Os tribunais, porém, abrandam, freqüentemente, o rigor na inculpação do cirurgião plástico, mesmo nas intervenções puramente estéticas, de modo a não equiparalas sempre às obrigações de resultado. A demonstração da culpa in concreto é quase sempre exigida (TJRJ, Ap 10.898, Ac. 11.03.1980, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, op. cit., p. 342). Assim, não é de presumirse a culpa do cirurgião apenas por não ter sido alcançado o embelezamento esperado. Todavia, "se o tratamento agravar os defeitos, deformar, enfear, em vez de embelezar, nesse caso o resultado é levado em consideração", havendo presunção de culpa profissional (TJRJ, Ac. 21.09.1982, RT 566/191).
O STJ já adotou igual entendimento, ao assentar que "o profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando a melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator imprevisível, o que lhe cabe provar" (STJ, 3ª T., AgRgAI 37.0609/RS, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, Ac. 28.11.1994, RSTJ 68/83).
Em outro caso, o STJ foi mais rigoroso ainda, pois chegou a afirmar claramente a obrigação de resultado assumida pelo médico que se compromete a realizar cirurgia puramente estética. Eis o aresto:
"Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não- cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo dano moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito" (STJ, 3ª T., REsp 10.536/RJ, Rel. Min. Dias Trindade, Ac. 21.06.1991, RSTJ 33/555).
Não há, como se vê, solução unívoca, mas é certo que se trata com maior rigor a responsabilidade do
cirurgião plástico que se encarrega de intervenção puramente estética, pois quase sempre lhe tocará o ônus da prova para livrarse do dever de indenizar, em caso de insucesso da operação.
Um último dado merece destaque: a infecção hospitalar e outras seqüelas suportadas pelo paciente em razão de seu internamento.
Quanto à infecção hospitalar, suas origens tanto podem localizarse nas condições ambientais como nas próprias condições pessoais do paciente, capazes de provocar a autoinfecção.
Aceitase que o risco de infecção é inerente ao ato cirúrgico e que não existe, em lugar algum do mundo, índice zero de infecção. Recomendase, em litígios em torno do assunto, a pesquisa probatória em torno das práticas adotadas pelo hospital para controle de desinfecção. Se há diligências constantes nesse sentido, não há culpa do estabelecimento. Se são ausentes ou insuficientes as medidas rotineiras de prevenção contra a infecção hospitalar, temse como configurada a culpa do hospital pela infecção contraída pelo paciente durante a internação (KFOURI NETO. Op. cit., 9, p. 121).
A responsabilidade civil dos hospitais, seja por infecção hospitalar, seja por qualquer outra lesão sofrida pelos pacientes em razão dos serviços de internação, não se inclui na regra do art. 1.545 do CC (obrigação de meio). Aplicaselhes, portanto, a teoria comum da responsabilidade contratual, segundo a qual o contratante se presume culpado pelo não alcance do resultado a que se obrigou. Não se trata de teoria pura do risco, porque sempre será licito ao hospital provar a nãoocorrência de culpa para eximirse do dever de indenizar. Mas o ônus da prova da culpa não caberá, como ocorre no caso de erro médico, ao paciente ofendido (XXXXXX XXXX. Op. cit., 9.2, pp. 125126). Quem se apresenta como vítima de lesão sofrida durante internamento somente terá de provar, para obter a competente indenização, o dano e sua verificação coincidente com sua estada no hospital. A culpa estaria presumida contra o estabelecimento, até prova em contrário.