FICHA DOUTRINÁRIA
FICHA DOUTRINÁRIA
Diploma: Código do Imposto do Selo (CIS)
Artigo: Verba 2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) Assunto: Contratos de arrendamento sob o regime de renda apoiada
Processo: 2015001140 - IVE n.º 8695, com despacho concordante de 06.08.2015, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira
Conteúdo: Nos termos do art.º 68.º da Lei Geral Tributária vem a Empresa Municipal “X” solicitar a prestação de informação vinculativa, sobre a eventual sujeição a imposto do selo (IS), bem como a respetiva base tributável, de contratos de arrendamento individual tripartido para fim habitacional celebrados no âmbito da prossecução das competências e atribuições que lhe foram cometidas em matéria de habitação e ação social por via do Protocolo celebrado em 3 de março de 2014 com o Município “Y”.
I - FACTOS
A pessoa que requer é uma entidade empresarial municipal que tem por objetivo a execução da política de habitação do Município “Y”, competindo-lhe, genericamente, a promoção da gestão integrada e participada dos bairros sociais, o alojamento das famílias carenciadas, a manutenção do parque habitacional existente e a fixação e cobrança das rendas dos fogos municipais, de acordo com a legislação geral aplicada.
No âmbito da execução da política de habitação do Município, foram celebrados, entre os anos 2000 e 2013, contratos de arrendamento para fim habitacional em regime de renda apoiada, quer relativamente a imóveis pertencentes ao Município, quer a imóveis propriedade da Empresa Municipal.
Em 3 de março de 2014, foi firmado um novo Protocolo entre o Município e a Empresa Municipal, tendo em vista a especificação e definição do enquadramento das competências e atribuições do Município, em matéria de habitação e ação sociais, tendo daí resultado uma autorização genérica concedida à Empresa Municipal para arrendar os fogos propriedade do Município (cláusula N). Por via deste Protocolo, ficou aquela entidade habilitada a proceder à cobrança das rendas dos fogos aos bairros abrangidos pelo mesmo, competindo-lhe igualmente emitir os respetivos recibos e promover as atualizações das referidas rendas.
Ademais, instituiu este protocolo a atribuição de um subsídio, ao beneficiário de habitação social, correspondente à diferença entre o valor da renda técnica e o valor da renda apoiada, com vista ao pagamento efetivo, à Empresa Municipal, daquele primeiro montante. O subsídio é atribuído pelo Município e, com a concordância do arrendatário, pago diretamente à entidade locadora.
Na sequência da formalização deste protocolo, ao modelo de contrato de arrendamento para fim habitacional em regime de renda apoiada até aí adotado pelo Município e pela Empresa Municipal no âmbito do programa de habitação e acção social, sucedeu um novo modelo de contrato de arrendamento individual tripartido para fim habitacional, no qual são retratadas todas as mencionadas alterações.
Por força da alteração da política de gestão e administração dos fogos que compõem o parque habitacional municipal decorrente da assinatura deste Protocolo, todos os contratos de arrendamento passaram a integrar a previsão do aludido subsídio, assumindo sempre a Empresa Municipal a posição de primeira outorgante ou locadora, intervindo o beneficiário da habitação social como segundo outorgante ou arrendatário e o Município como terceiro outorgante, ou concedente do referido subsídio. A propriedade do imóvel deixa, assim, de ser relevante para efeitos de determinação da figura do locador no arrendamento habitacional tripartido em regime de renda apoiada.
II – ANÁLISE
A pessoa que requer pretende saber, por um lado, se os contratos transformados em contratos de arrendamento individual tripartido para fim habitacional estão sujeitos a imposto do selo, uma vez que os originários já tinham sido anteriormente tributados e, em caso de resposta afirmativa, qual o montante que deve servir de base ao cálculo do imposto. Por outro lado, no que se reporta a contratos celebrados com novos beneficiários, pretende a pessoa que requer saber sobre que montante deverá incidir o cálculo do imposto do selo e, no caso dos imóveis pertencentes ao Município que se encontram em regime de gestão pela Empresa Municipal, se estão os mesmos abrangidos pela obrigação de pagamento do referido imposto.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 1º do CIS, "o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral...".
De acordo com o disposto na Verba 2 da TGIS, estão sujeitos a imposto o "arrendamento e subarrendamento, incluindo as alterações que envolvam aumento de renda operado pela revisão de cláusulas contratuais e a promessa quando seguida da disponibilização do bem ao locatário (…)". O referido imposto é calculado "sobre a renda ou seu aumento convencional, correspondentes a um mês ou, tratando-se de arrendamentos por períodos inferiores a um mês, sem possibilidade de renovação ou prorrogação, sobre o valor da renda ou do aumento estipulado para o período da sua duração", aplicando-se-lhe a taxa de 10%.
Em 3 de março de 2014, foi celebrado um contrato de arrendamento individual tripartido para fim habitacional entre a Empresa Municipal, na qualidade de locador, o beneficiário de habitação social, na qualidade de arrendatário e o Município, na qualidade de entidade concedente do subsídio. Nos termos do clausulado do aludido contrato, a renda técnica do fogo, calculada nos termos do decreto-lei n.º 166/93, de 7 de maio, ficou fixada em
€ X, montante anual e automaticamente atualizado por aplicação do coeficiente aplicável aos contratos em regime de renda condicionada. O Município, na qualidade de terceiro outorgante, concede ao arrendatário um subsídio no valor correspondente à diferença entre a renda técnica e a renda apoiada, a ser transferido diretamente para a Empresa Municipal. O beneficiário de habitação social paga ao locador o valor correspondente à renda apoiada, o qual é determinado pela aplicação de uma taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do seu agregado familiar, nos termos do art.º 5.º do decreto-lei n.º 166/93, de 7 de maio. O valor da renda apoiada é atualizado anualmente em função da variação do rendimento mensal corrigido
do agregado familiar do beneficiário de habitação social, não podendo, contudo, exceder o montante da renda técnica.
São elementos essenciais do contrato de arrendamento (i) a concessão do gozo de um prédio, no todo ou em parte, (ii) feita por certo tempo, (iii) mediante retribuição. Ora, da análise do clausulado deste contrato, resultam verificados os elementos essenciais deste tipo contratual, já que a Empresa Municipal cede ao beneficiário de habitação social a utilização do fogo descrito na cláusula N, pelo prazo de um ano, mediante o pagamento da quantia mensal de € X, pelo que se encontram preenchidos os elementos objetivos da norma de incidência constante da Verba 2 da TGIS, não relevando, para o efeito, a circunstância de o contrato ter sido celebrado sob o regime de renda apoiada.
Nos termos do disposto no art.º 2.º, n.º 1 alínea g) do CIS, é sujeito passivo do imposto o locador, no caso concreto a Empresa Municipal, sendo também sobre esta que recai o seu encargo (Cf. art.º 3.º, n.º 3 alínea b) do mesmo diploma). Assim sendo, afigura-se irrelevante para efeitos de determinação da incidência subjetiva do imposto o facto de, em alguns casos, os imóveis objeto do arrendamento pertencerem ao Município e não à Empresa Municipal. Como anteriormente referimos, a legitimidade da Empresa Municipal para dar de arrendamento estes imóveis advém de autorização expressa conferida no âmbito do Protocolo celebrado com esta entidade (Cláusula N). Sendo o titular do encargo a Empresa Municipal e não o Município, não pode aquela entidade beneficiar da isenção prevista na alínea a) do art.º 6.º do CIS, por se tratar de uma isenção de natureza pessoal, de que beneficiam o Estado e outras entidades públicas, designadamente, os Municípios, apenas relativamente aos factos em que o encargo seja destas entidades.
No que se refere ao valor tributável, de acordo com a Verba 2 da TGIS, o imposto incide "sobre a renda ou seu aumento convencional, correspondentes a um mês ou, tratando-se de arrendamentos por períodos inferiores a um mês, sem possibilidade de renovação ou prorrogação, sobre o valor da renda ou do aumento estipulado para o período da sua duração". Na situação vertente, o valor da renda corresponde ao valor da renda técnica, na medida em que é esse o rendimento a receber por parte do locador. É certo que o contrato prevê dois valores distintos a título de renda, um denominado de renda técnica e outro de renda apoiada. No entanto e pese embora a existência de dois fluxos financeiros - um fluxo correspondente ao montante da renda apoiada, pago pelo beneficiário da habitação social à Empresa Municipal e um segundo respeitante ao montante do subsídio pago diretamente pelo Município àquela entidade -, ressalta do instrumento subscrito pelas partes que a renda técnica corresponde à contrapartida ou retribuição pela cedência do gozo do fogo e que o subsídio atribuído pelo Município tem por finalidade garantir o cumprimento das responsabilidades de efetivo pagamento desse mesmo montante (cf. cláusula N do protocolo).
Por conseguinte, sendo o valor da renda a receber pelo locador o correspondente à renda técnica, é sobre este montante que deve incidir o imposto do selo respeitante à Verba 2 da TGIS.
Passando agora à análise da situação específica dos contratos vigentes que, na sequência da assinatura do novo Protocolo, foram transformados em
contratos de arrendamento individual tripartido para fim habitacional, importa relembrar, por um lado, que, relativamente àqueles que foram firmados pela Empresa Municipal, o IS devido pela Verba 2 da TGIS incidiu sobre o montante da renda apoiada, isto é, sobre o montante efetivamente pago pelo beneficiário da habitação. Por outro lado, nos contratos em que interveio na qualidade de locador, o Município beneficiou da isenção prevista na alínea a) do art. 6.º do CIS.
Sem prejuízo desta transformação poder formalmente configurar um novo contrato de arrendamento, em substância, julga-se que os elementos essenciais do arrendamento se mantêm inalterados, designadamente quanto ao objeto, ao regime de renda apoiada sob o qual o contrato foi celebrado, ao montante da renda apoiada e ao montante da renda técnica, a qual assumia anteriormente a denominação de preço técnico. Afigura-se, assim, que esta modificação não representa uma novação da obrigação anteriormente existente, mas sim a alteração ou modificação de elementos concretos do contrato, tais como da figura do locador, nos contratos celebrados pelo Município, e, bem assim, do montante efetivamente recebido pelo locador, que deixa de ser o correspondente à renda apoiada e passa a ser o da renda técnica.
Ora, configurando esta mudança de modelo contratual uma mera alteração do arrendamento, importa determinar se a mesma assume alguma relevância em matéria fiscal, nomeadamente para efeitos de tributação em sede da verba 2 da TGIS.
A lei tributa «(…)as alterações que envolvam aumento de renda operado pela revisão de cláusulas contratuais (…)» (cf. Verba 2 da TGIS), pelo que se coloca a questão de saber se o facto de a Empresa Municipal passar a receber o montante da renda técnica poderá consubstanciar um aumento de renda, isto atendendo a que, com esta transformação, o montante em causa não sofre, à partida, qualquer alteração que não seja resultante das atualizações legais entretanto ocorridas, nos termos contratualmente previstos. Aspeto relevante a ter em conta nesta matéria reside no facto de, com este novo modelo, se alterar a terminologia contratual, passando o "preço técnico" a "renda técnica", o que é revelador da vontade das partes de conferir a este montante a natureza de retribuição efetivamente devida pelo arrendamento do fogo. Com efeito, se anteriormente o preço técnico configurava, no essencial, um mecanismo de determinação do montante da renda apoiada, sendo este o montante efetivamente devido pelo beneficiário, já com a alteração resultante do Protocolo, a renda técnica assume-se como o valor a receber pelo locador e devido pelo arrendatário, ainda que o pagamento desse montante seja parcialmente assegurado por via da atribuição de um subsídio.
Afigura-se, assim, que a alteração dos contratos de arrendamento para fim habitacional sob o regime de renda apoiada em contratos de arrendamento individual tripartido para fim habitacional configura um aumento do valor devido a título de renda, pelo que está sujeito a IS, pela Verba 2 da TGIS. O valor tributável corresponde à diferença entre a renda apoiada anteriormente tributada (ou que teria servido de base à liquidação caso o Município não tivesse beneficiado de isenção) e a renda técnica fixada neste novo contrato.
III – CONCLUSÕES
Face a tudo quanto ficou exposto, conclui-se que:
• Os contratos de arrendamento tripartidos para fim habitacional celebrados pela Empresa Municipal, na qualidade de locadora, com novos beneficiários de habitação social estão sujeitos a imposto do selo pela Verba 2 da TGIS, não relevando, para o efeito, o facto de o fogo arrendado poder pertencer ao Município.
• O imposto do selo incide, nestes novos contratos, sobre o montante da renda técnica, dado ser este o valor a receber pela entidade locadora.
• Quanto aos arrendamentos para fim habitacional sob o regime de renda apoiada, celebrados anteriormente à formalização do Protocolo entre o Município e a Empresa Municipal, a alteração resultante da transformação em contratos de arrendamento tripartidos para fim habitacional configura um aumento de renda sujeito a imposto do selo pela Verba 2 da TGIS, sendo, de igual modo, irrelevante a circunstância de o imóvel arrendado poder pertencer ao Município.
• O imposto do selo incide, neste contratos transformados, sobre a diferença entre a renda apoiada anteriormente tributada (ou que teria servido de base à liquidação caso o Município não tivesse beneficiado de isenção) e a renda técnica fixada neste novo contrato.