Contrato Psicológico de Funcionários de Empresas Públicas Egressos do Setor Privado: Como se Constrói essa Relação?
Contrato Psicológico de Funcionários de Empresas Públicas Egressos do Setor Privado: Como se Constrói essa Relação?
Autoria: Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Resumo: Observa-se uma tendência no mercado de trabalho brasileiro de valorização dos empregos públicos, refletida no aumento do número de vagas ofertadas no setor e na crescente procura por essas vagas. Nessa procura constata-se tanto o interesse dos novos entrantes no mercado de trabalho quanto o de trabalhadores experientes que desejam migrar para a área pública. O presente artigo buscou compreender os atrativos das empresas públicas que despertam o interesse dos profissionais que construíram suas carreiras inicialmente na iniciativa privada. Essa análise é realizada a partir da compreensão dos fatores que constituem o contrato psicológico dos entrevistados com suas empresas.
1. Introdução
Observa-se uma tendência recente no mercado de trabalho brasileiro de valorização dos empregos públicos, refletida tanto no aumento do número de empregos ofertados nesse setor, quanto na crescente procura por essas posições. Entre 2012 e 2013 houve um aumento de 44,4% da oferta de vagas em concursos públicos, passando de 90 mil, no primeiro ano, para 130 mil, no segundo. E, mesmo assim, a concorrência por essas vagas não diminuiu, até o momentoi.
Nessa intensa procura pelo setor público pode-se constatar tanto o interesse dos novos entrantes no mercado de trabalho, profissionais recém saídos das universidades, quanto o de trabalhadores experientes que atuam no setor privado, mas que desejam migrar para a área pública. De acordo com estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse movimento pode ser justificado, em parte, pelo fato das remunerações no setor público serem 92% maiores do que as da iniciativa privadaii.
Em matéria do jornal “O Globo” (Amorim, 2013) foi destacado o fato de que o BNDES registrou, no concurso promovido em março de 2013, o maior número de inscritos da história desse banco, com um total de 137.989 candidatos. Essa mesma matéria informa, com base em entrevistas realizadas com alguns desses concorrentes, que o salário inicial de R$
9.182.01 não é o único motivador para quem presta o concurso: questões como ambiente de trabalho, imagem e valores da empresa também reforçam o interesse pela organização.
Esse movimento sugere que as instituições públicas parecem oferecer um conjunto de fatores que se mostram atrativos aos profissionais e que motivam, inclusive, indivíduos com carreiras estabelecidas no setor privado a migrarem para a área pública e reiniciarem seus planos de carreira nesse setor. Por esse motivo, entender o que vem atraindo tantos profissionais para essas instituições é tema de interesse tanto para o setor público – objeto de desejo de muitos profissionais altamente qualificados – quanto para o setor privado, que vem perdendo quadros para o Primeiro Setor.
A observação deste cenário motivou a realização do presente artigo que buscou compreender quais são os atrativos das empresas públicas que despertam o interesse de um número cada vez maior de profissionais com formação universitária, principalmente aqueles que construíram suas carreiras inicialmente na iniciativa privada. A análise está focada na construção dessa relação em empresas públicas que apresentam processos seletivos concorridos, boa remuneração inicial e atividades consideradas atraentes pelos concorrentes a esses cargos, isto é, empresas que simbolizam o emprego público “ideal”: salário elevado, estabilidade e trabalho estimulante.
Dessa forma, para compreender melhor os atrativos das organizações públicas para profissionais qualificados optou-se por analisar os principais aspectos delineadores do contrato psicológico de profissionais que atuavam na iniciativa privada e migraram para o setor público, tendo sido entrevistados funcionários do Banco Central, Petrobrás e BNDES. Essa escolha é decorrente do fato de acreditar-se que o contrato psicológico é uma importante chave para se entender a dinâmica do comportamento organizacional.
Para apresentar e debater os achados da pesquisa em questão estruturou-se o presente artigo em cinco tópicos, incluindo esta parte introdutória. O segundo tópico foi dedicado a discutir a literatura recente sobre o contrato psicológico. No terceiro são abordados os aspectos metodológicos da pesquisa. No quarto tópico interpretam-se os resultados da pesquisa à luz da análise de conteúdo. No quinto e último tópico são apresentadas as considerações finais, incluindo as limitações do estudo e sugestões para futuras investigações.
2. Perspectiva Teórica
2.1. Definição de Contrato Psicológico
O contrato psicológico, tema central desse trabalho, pode ser definido como um tipo de acordo existente nas organizações. Xxxxxx e Xxxxxx (2005), de forma abrangente, definem esse tipo de contrato como uma relação de troca entre empregado e empregador. Xxxxxxxx (1989;1995) desenvolve esse conceito postulando que se trata das crenças que um indivíduo tem a respeito de um acordo de troca traçado entre ele e seu empregador. Essas crenças são baseadas em promessas, que podem ser explícitas ou implícitas, e que, com a consolidação do contrato, ganham força e passam a compor um modelo mental que guia essa relação. Guest (2004), por sua vez, destaca o caráter único desse tipo de acordo, já que seus termos são negociados individualmente no momento da contratação e essa negociação continua posteriormente.
Os contratos psicológicos influenciam os esforços que os empregados fazem em prol da empresa, bem como sua aceitação a mudanças na organização e a comportamentos do seu empregador, o que inclui possíveis falhas da empresa em cumprir alguma promessa (XXX et al., 2011).
O foco da teoria do contrato psicológico direciona-se para a perspectiva do empregado e esta pesquisa alinha-se com esse pensamento. Xxxxxxxx (1995; 2005) reforça a ideia de que a atenção deve estar voltada para o funcionário, já que as empresas são entidades abstratas e por isso não podem estabelecer um contrato psicológico, apenas os agentes dessas organizações teriam a capacidade de manter um contrato psicológico com os funcionários.
2.2. O Contrato Psicológico como um Processo
O contrato psicológico pode ser visto como um processo em que há trocas contínuas entre as partes, marcadas por eventos significativos que vão se modificando ao longo do tempo. Xxxxxx e Xxxxxx (2005) destacam algumas características que definem processos e que também estão presentes no contrato psicológico.
Primeiramente, os processos tratam de uma sequência de eventos, que são acontecimentos no trabalho que causam algum tipo de reação, seja afetiva, cognitiva ou comportamental, que pode ser localizada no tempo e espaço. Uma segunda característica é a de que quando se observam processos, múltiplos níveis de análise entram em cena e esses fatores vão desde questões como o tempo até a perspectiva dos envolvidos nesses processos (que pode ser o indivíduo, o grupo ou a organização, por exemplo). Por fim, argumenta-se que tanto o tempo de duração de um evento quanto a duração dos efeitos que este causa podem variar consideravelmente, exemplificando: um chefe pode humilhar publicamente um funcionário em alguns minutos, mas o efeito disso pode durar meses.
Xxxxxxxx, Xxxxxx e Xxxxxxxx (1994) identificaram que as percepções dos indivíduos que compõem o contrato psicológico vão se modificando ao longo desse processo. Esse fato é decorrente do movimento contínuo onde uma das partes oferece um benefício e, em contrapartida, a outra paga um custo. Esses movimentos constantes de oferecimento de diferentes benefícios e pagamento de diferentes custos vão modificando os termos do contrato psicológico. Os autores vão adiante e concluem que durante os dois primeiros anos de emprego essa relação se remodela de modo que os empregados percebem dever menos à organização do que pensavam dever no momento da contratação, ao mesmo tempo em que entendem que a organização lhes deve mais.
Com o objetivo de compreender melhor essa transformação, Xxxxxx e Xxxxx (2006) propuseram um quadro conceitual que analisa a construção do contrato psicológico dos indivíduos com a empresa (Figura 1). Nesse modelo, esse processo de construção é dividido em três etapas, definidas como mais importantes: a decisão de ingresso na organização, o ajuste inicial do contrato psicológico e a reavaliação desse contrato.
Figura 1. Quadro conceitual sobre a construção do contrato psicológico.
Fonte: Côrtes e Xxxxx (2006, p. 15).
Na primeira etapa, os autores destacaram a importância de fatores ambientais como o mercado de trabalho e a opinião da família, na decisão de ingresso na organização. Objetivos pessoais como as expectativas sobre sua carreira também surgiram como fatores determinantes dessa decisão. Além disso, a imagem da empresa foi indicada como influenciadora dessa etapa, assim como da seguinte, em que se ajusta o contrato.
No segundo momento, de ajuste inicial do contrato psicológico, o indivíduo passa a conhecer melhor a empresa e o seu ambiente, balanceando as características positivas e negativas da organização e compondo o contrato psicológico. Aqui experiências passadas e alternativas de trabalho entram em cena na composição dessa relação.
No momento de reavaliação do contrato psicológico, o funcionário tem mais recursos para avaliar sua relação com a empresa e torna-se mais crítico sobre o que julga que ela oferece. Nesse ponto, o empregado tem insumos para avaliar se o discurso enunciado no momento da contratação é consistente com sua realidade atual e as alternativas de trabalho mais uma vez mostram-se presentes na reavaliação do contrato, contribuindo para o olhar crítico em relação à empresa.
Com base nesses três estágios pontuam-se momentos importantes de revisão do processo do contrato psicológico. Esse olhar do construto pela ótica do processo provê uma visão mais direcionada e clara que pode auxiliar de forma prática a gestão e intervenção nas organizações (CONWAY e BRINER, 2005).
2.3. Alteração do Contrato Psicológico
Conforme destaca Guest (2004), em um sistema organizacional em turbulência são necessárias ferramentas que possam ser utilizadas para avaliar e reavaliar as relações de trabalho e os desdobramentos dessas mudanças, tanto para a empresa como para o empregado.
As obrigações entre essas partes podem mudar por uma série de motivos, mas duas razões inerentes a esse tipo de relação destacam-se. Primeiramente, a visão do empregado certamente se modificará se comparada com o momento da contratação, o desenvolvimento da relação de troca entre as partes vai se adaptando às mudanças ambientais e à percepção do empregado varia juntamente com isso. Essa percepção do funcionário que avalia tanto o seu próprio comportamento quanto o do empregador altera o contrato (XXXXXXXX, XXXXXX e XXXXXXXX, 1994).
Dando continuidade a esse raciocínio, os autores argumentam que, de acordo com a norma da reciprocidade, o recebimento de um benefício por uma das partes é gerado por um custo da outra parte e contínuos ciclos de pagamento e recebimento ao longo do tempo criam uma grande quantidade e diversidade de obrigações estabelecidas entre eles. Deve-se considerar também que indivíduos tendem a buscar obter um saldo positivo nessa troca, evitando ficar endividados com a outra parte. Outro fator associado a esse comportamento é o grau de maturidade da relação, pois quanto mais cresce esse grau, mais se espera que cresçam as obrigações, intensificando-se, assim, a troca.
Uma visão alternativa que também é apresentada é a de que os funcionários podem, ao longo do tempo, perceber que as obrigações da organização vão crescendo mais do que as suas próprias. Isso ocorre porque os empregados tendem a desenvolver uma visão de que o fato de trabalharem para o empregador é, por si só, uma contribuição, que aumentaria seus direitos percebidos e reduziria seus débitos (XXXXXXXX, XXXXXX e XXXXXXXX, 1994).
Esses seriam comportamentos naturais de modificação do contrato que estão ligados à evolução do tempo de troca e das perspectivas dos envolvidos. Xxxxxxxx (1996) trata da estruturação para uma mudança voluntária do contrato motivada pelas questões ambientais atuais já trazidas anteriormente por Guest (2004). A autora argumenta que as mudanças podem ocorrer por dois principais caminhos, a acomodação e a transformação.
A acomodação seria uma mudança menos radical, em que o contrato psicológico antigo ainda se mostra presente em alguns aspectos, mesmo após a mudança. Esse movimento pode tanto modificar e substituir quanto apenas esclarecer e expandir o acordo atual. Para que ocorra é necessário um bom relacionamento entre organização e empregados, pois a mudança precisa ser aceita por eles e isso só ocorrerá com base em uma relação de confiança.
A transformação, no entanto, merece maior atenção já que sinaliza mudanças mais radicais que envolvem a adoção de novos modelos mentais, deixando de lado esquemas de funcionamento antigos da empresa. A proposta desse tipo de alteração é criar um novo contrato que buscará o maior comprometimento dos funcionários com a empresa. O grande obstáculo para a implementação dessa ação é a resistência do corpo funcional, que tenderá a criar um bloqueio a essa revisão, pois, de acordo com a autora, as pessoas se esforçam muito mais para encaixar experiências em parâmetros estabelecidos do que para modificá-los ou revê-los.
Alguns estágios são definidos como necessários para que se modifiquem os modelos mentais e estes envolvem o descongelamento de padrões antigos e a criação de novos. Estes estágios são: o desafio do contrato antigo, a preparação para a mudança, a geração do contrato novo e o momento de viver esse novo contrato.
O primeiro passo, então, é o descongelamento do contrato anterior, ou seja, o questionamento dos pressupostos que guiam a organização até o momento da mudança. Nesse caso, a identificação de como a empresa está posicionada no mercado e quais os aspectos negativos que o contrato atual traz são de grande importância para que a mudança seja compreendida como necessária por todos os envolvidos. De acordo com Xxxxxxxx (1996), para se desafiar o contrato é necessário que se tenha um conhecimento profundo das razões pelas quais as mudanças são necessárias.
No segundo momento, o de preparação para a mudança, busca-se deixar de lado o contrato anterior e começa-se a construir pontes que encaminhem ao novo contrato a ser travado, assim, sinais claros de mudança e estruturas de transição são construídas.
Dada a resistência ao novo contrato, os indivíduos poderão não acreditar, em um primeiro momento, que as modificações que estão sendo anunciadas realmente ocorrerão, por isso, sinais críveis demonstram o comprometimento em se avançar o desafio proposto, sem espaço para dúvidas.
No que se refere à transição, Xxxxxxxx (1996) lista três caminhos para que isso não ocorra de forma brusca. Inicialmente pode-se manter, em um mesmo momento, dois tipos de contrato, um com os novos e o antigo com os veteranos. Este fato, no entanto, traz alguns problemas como a geração de insegurança nos funcionários antigos e o sentimento de iniquidade de tratamento nos novos. Somado a isso, deve-se também criar um programa que encaminhe a mudança gradual dos veteranos. Outra medida é a realização de forças tarefa para que os envolvidos possam participar, de forma a se sentirem construindo os novos parâmetros. Por fim, o estabelecimento de objetivos menores em curto prazo também pode ser um atenuante em uma mudança significativa, pois essas tarefas serão mais claras, facilitando a resolução e suporte para que elas sejam bem sucedidas.
O terceiro estágio do processo de transformação é a geração do novo contrato. Aqui novos compromissos devem ser estabelecidos, de modo que a atenção seja desviada do acordo antigo para o atual. A autora destaca a relevância do envolvimento da alta administração nesse processo, que deve ser clara sobre sua proposta e solicitar o comprometimento de todo o corpo funcional. Esse suporte é importante, pois nesse momento qualquer empregado, independente do tempo de empresa, assume o papel de um novo funcionário, situado em um momento inicial de entendimento do contrato e com expectativas nem sempre tangíveis sobre futuras ações.
O quarto estágio é o momento de vivenciar o novo contrato e garantir que ele se solidifique. Deve haver uma busca pela consistência, ou seja, o diálogo uniforme entre todos os participantes. Isso envolve gerentes, funcionários, executivos e entrevistadores alinhados com o novo contrato. Indivíduos ainda estarão em fase de adaptação e imbuídos de muitos dos paradigmas do acordo anterior, por isso, a constante ênfase dos novos parâmetros associada a mecanismos que os façam perceber quando estiverem recorrendo ao contrato anterior (“reality checks”) devem ser considerados.
Esses estágios e o processo de transformação e alteração de contratos psicológicos trazem dois fenômenos à discussão que explicam a necessidade desse tipo de análise. Primeiramente, os indivíduos possuem limitações quanto à capacidade de processamento de informação e, consequentemente, à racionalidade. Por isso, modelos mentais são eficientes, uma vez que organizam as experiências e possibilitam que muitas ações sejam tomadas automaticamente em vez de exigir cuidadosa deliberação (XXXXXXXX, 1995). Ao mesmo tempo, uma força de trabalho mais diversa exige flexibilidade nas condições de trabalho e o mercado exige mudanças constantes, o que força a reformulação do contrato e dos modelos mentais estabelecidos. Por essas razões, os estágios representam um processo de descongelamento e recongelamento de modos de pensar.
3. Aspectos Metodológicos da Pesquisa
A coleta de dados da pesquisa foi realizada por meio de entrevistas baseadas em um roteiro semiestruturado, tendo em vista o objetivo do trabalho de compreender os fatores formadores dos contratos psicológicos de funcionários de empresas públicas que tiveram experiência anterior no setor privado. Com relação à escolha dos sujeitos foram entrevistadas nove pessoas, provenientes de três empresas federais localizadas no Rio de Janeiro: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, a Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, e o Banco Central do Brasil – BACEN, sendo três entrevistados de cada empresa. Como foi dito anteriormente, essas empresas foram escolhidas por possuírem concorridos processos seletivos, oferecerem salários elevados e simbolizarem o “ideal” do emprego público. Acreditou-se, portanto, que a opção por trabalhar nessas empresas, cujas vagas são bastante disputadas, revelaria um forte desejo dos profissionais em ingressar nessas organizações. A este aspecto acrescenta-se o fato de os entrevistados serem jovens e egressos
da iniciativa privada, o que reforça a opção pelo emprego público. Os sujeitos foram acessados através da rede de relacionamento do pesquisador e de indicações feitas pelos primeiros entrevistados, com base no perfil solicitado.
Foram selecionados participantes com idade inferior a 40 anos a fim de diminuir a possibilidade de inclusão de pessoas que estivessem buscando o setor público pela dificuldade de recolocação profissional no mercado privado. Ao entrevistar pessoas que possuem entre 27 e 38 anos acreditou-se que se estava dialogando com indivíduos que tiveram a intenção de ir para o setor público não necessariamente por falta de oportunidades no setor privado, mas por vislumbrarem aspectos atraentes na área pública. Considerou-se um tempo mínimo de permanência de dois anos na empresa pública, buscando garantir que os entrevistados tivessem vivido as três fases do contrato psicológico definidas por Xxxxxx e Xxxxx (2006), que serviu para estruturar a análise. Por isso, essas pessoas têm uma média de 6,5 anos na empresa atual (mínimo de dois e máximo de 12 anos).
O processo de análise do material coletado, baseado no método de análise de conteúdo (Bardin, 2006), compreendeu a leitura e a organização dos dados permitindo a construção de categorias, a posteriori, que ajudaram a identificar os principais aspectos que delineiam as três fases do contrato psicológico (CÔRTES e SILVA, 2006), estabelecido entre funcionários atualmente trabalhando em entidades públicas e as organizações nas quais estão inseridos. Essas categorias identificaram os valores e atitudes dos empregados que conformaram a construção do contrato psicológico desses indivíduos com suas respectivas empresas.
4. Análise e Interpretação dos Resultados: Construindo o Contrato Psicológico com a Empresa Pública
Para organizar a análise optou-se pela utilização das três etapas do contrato psicológico propostas no modelo de Xxxxxx e Xxxxx (2006), que orientaram a constituição de três grandes tópicos: a decisão de ingresso na organização, o ajuste inicial do contrato psicológico e a reavaliação desse contrato. Em cada um deles as falas dos entrevistados foram categorizadas de modo a destacar os fatores identificados como mais importantes em cada uma das etapas analisadas.
4.1. Fatores Relacionados à Decisão de Ingresso no Setor Público
Como ressalta Xxxxxxxx (1996), o contrato psicológico começa a ser formado antes mesmo do ingresso do funcionário na organização, por este motivo, os entrevistados foram indagados acerca dos aspectos que os motivaram a fazer o concurso público para ingressar na empresa em questão. Dos relatos obtidos as principais questões que emergiram foram a jornada de trabalho “moderada”, a perspectiva de ter estabilidade no emprego, a remuneração atraente e a imagem positiva da empresa. Estas foram, em linhas gerais, as características do trabalho vislumbradas pelos entrevistados que influenciaram a opção pelo ingresso nessas organizações.
4.1.1. Jornada de Trabalho
Quando solicitados a descrever quais fatores os atraíram em busca do emprego público, os entrevistados apresentaram recorrentemente a questão da jornada de trabalho reduzida ou mesmo “moderada” como uma vantagem:
“Logo no edital (do concurso público) já mostrava uma carga de trabalho de sete horas por dia, enquanto eu trabalhava, no mínimo, oito. Só isso já mostrava uma redução. Eu não esperava também fazer horas extras”. (E2)
A jornada foi um dos itens mais citados por ser entendido tanto como um fator de atração para o cargo público como um fator negativo para a permanência nas empresas
privadas. É válido, portanto, ressaltar que essa temática está ligada a um momento de reflexão sobre o ingresso no setor público e, por isso, vem carregada das impressões sobre as experiências vividas pelos participantes no ambiente privado e pelas expectativas a respeito do trabalho no novo setor. Do total dos nove participantes, sete trouxeram esse tópico à tona:
“O que me atraía muito era essa questão de conseguir organizar melhor a minha vida, de conseguir marcar um médico, conseguir fazer atividade física”. (E1)
Pode-se dizer que, dentre os entrevistados, havia tanto aqueles que desejavam trabalhar um pouco menos, fato possível em empresas que contavam com jornadas um pouco menores do que as 40 semanais, como aqueles que ansiavam, tão somente, por “ter hora para sair”, isto é, por trabalhar em uma empresa na qual fosse possível trabalhar “apenas” 8 horas diárias.
“(...) ter um planejamento de que você vai poder trabalhar, sair todos os dias mais ou menos na mesma hora, talvez um dia ou outro ter que ficar mais”. (E7)
“Eu vi que não estava muito disposto na prática a dedicar 100% da minha vida ao aspecto profissional”. (E3)
À jornada alongada enfrentada nas empresas do setor privado, os entrevistados associam também a questão da carga de trabalho, a grande pressão envolvendo as tarefas e as fortes cobranças por resultados. O discurso dos participantes indica que essas exigências percebidas ocorrem de uma forma não balanceada, o que abre espaço para a reflexão sobre a reciprocidade da relação.
“(...) eu botei na balança. Estava sendo demais (...) apesar de que lá eu achava que ia ter um crescimento mais rápido, eu achei que aquele ritmo tinha um prazo de validade, que eu não ia aguentar muitos anos aquilo”. (E4)
Conforme afirma Xxxxxxxx (1996), o contrato psicológico começa a se formar antes mesmo do ingresso do trabalhador na organização, com base em experiências anteriores. No caso dos entrevistados, a expectativa por trabalhar um pouco menos e com menor pressão, nas empresas públicas, estava fortemente associada à experiência anterior no setor privado, marcada por excesso de horas de trabalho e pressão.
4.1.2. Estabilidade no Emprego
A estabilidade no emprego, decorrente do fato de ser mais difícil ser demitido das empresas públicas em questão, foi uma temática trazida por todos os participantes não apenas como um ponto atraente nessas organizações, mas também como um dos importantes fatores motivadores na sua decisão de mudança profissional:
“O longo prazo quer dizer estabilidade. Na iniciativa privada você não tem nenhuma garantia de futuro, não é? A não ser que você seja muito bem relacionado, o que não era o meu caso”. (E9)
Mais uma vez os entrevistados trazem à tona sua experiência anterior para explicar suas expectativas a respeito da empresa pública. Dessa forma, o discurso sobre a ideia de segurança no emprego, nas organizações do governo, vinha conjugado com as impressões sobre a experiência no setor privado. A instabilidade nesse setor foi abordada, de alguma maneira, por todos os entrevistados:
“Na empresa em que eu trabalhava, todos os dias falava-se em demissão, porque a empresa estava passando por uma reestruturação, então não tinha um dia em que você não ouvia um colega falando de algum assunto ligado à demissão de alguém”. (E5)
A valorização da estabilidade indica o interesse dos indivíduos em estabelecer uma relação de longo prazo com suas organizações. O Entrevistado 2 identifica que no mercado privado o “carreirismo”, entendido como a constante mudança de empregador, é desgastante e necessário para a manutenção de bons salários por parte do empregado, o que está em linha
com a perspectiva transacional de relação de trabalho apresentada por Xxxxx e Xxxxxxxx (2004):
“No mercado privado você está em constante mudança de trabalho, saindo de uma empresa para outra. Não aguentava mais fazer seleção, fazer dinâmica, fazer entrevista”. (E2)
A Entrevistada 1 caracteriza o processo da mesma maneira, exemplificando que se estivesse hoje em uma empresa privada deveria estar atenta para o momento correto de buscar oportunidades fora dela:
“Tinha que me preocupar em ficar avaliando minha carreira a todo o momento. Qual o melhor momento de sair? Agora? Depois? Quanto tempo fico? Vou pra onde?”. (E1)
Esses participantes entendiam esse tipo de comportamento, considerado desgastante, não seria requerido no ambiente público.
4.1.3. Remuneração Atraente
A busca de um contrato mais relacional com o empregador, possibilitado por um vínculo mais estável, vem acompanhada da valorização do salário. Esse foi mais um item destacado por todos os entrevistados como fundamental para a decisão de ingresso na área pública. Do total de nove entrevistados, cinco relataram terem tido aumentos superiores a 100% quando entraram em empresas públicas (houve um caso de aumento de 200% e outro de 300%), quando comparados com seus salários anteriores na área privada:
“O xxxxx xxxxxxxx representou mais de 100% na época. Foi muito bom, foi comemorado, foi algo que o mercado não me oferecia na época”. (E2)
Outros dois indicaram que o salário foi um fator importante, mas não especificaram o impacto da mudança. Somente dois participantes informaram não terem tido mudança salarial significativa, mas mesmo assim, mencionaram a remuneração como fator relevante em sua decisão de ingresso:
“O salário sem dúvida foi importante. Na época o meu salário se equiparava ao que eu ia ganhar aqui (...) era praticamente elas por elas”. (E4)
Alguns entrevistados indicaram que os valores salariais praticados nas empresas privadas em que trabalharam anteriormente estavam aquém de um padrão de vida almejado pelos mesmos. Este padrão desejado seria conseguido somente no longo prazo e com recompensas incertas. Essa conjugação de fatores serviu também como motivadora no caminho da área pública:
“(...) na época, eu pensei: não tenho condições de ter uma família hoje, se tiver alguma pretensão eu preciso dar um upgrade na minha vida e a forma mais imediata de fazer isso acabou sendo o concurso público”. (E6)
Esses funcionários identificaram um desequilíbrio quando compararam suas contribuições para as organizações no setor privado com as respostas das mesmas, principalmente no que tange à remuneração:
“(...) o meu salário era muito baixo mesmo e crescia de forma devagar (...) eu só estaria ganhando o salário inicial da Empresa X talvez em mais uns três anos de trabalho”. (E1)
O desequilíbrio percebido é especialmente forte quando a relação entre o empregado e a empresa é transacional, de acordo com Xxxxxxxx, Xxxxxx e Xxxxxxxx (1994), assim se baseia a relação entre as partes, o sentimento de violação ficará restrito ao campo econômico.
4.1.4. Imagem Positiva da Empresa Pública
A maior parte dos entrevistados ressaltou o trabalho nesses locais como uma atividade valorizada, pois, por serem empresas públicas, estariam contribuindo diretamente para o desenvolvimento do país:
“O nome da Empresa Y é muito forte, não é? É a maior empresa do Brasil, aí começa a cair a ficha. Não me preocupei muito com o salário, mas com o fato de estar trabalhando na Empresa Y”. (E8)
Além disso, havia o prestígio social de se trabalhar nessas organizações, o que reforça o argumento de Xxxxxx e Xxxxxx (2005) de que há influências externas à realidade vivida na organização que influenciam a opção por se trabalhar nela, como experiências anteriores e a opinião de pessoas de fora da empresa, como a de amigos e familiares.
“Eu estava com a minha vida estável em Porto Alegre (...) minha primeira reação foi ‘não vou’, mas aí minha família começou a pressionar muito, e a partir daí que eu comecei a pesar os benefícios”. (E4)
Uma outra questão relacionada à imagem da empresa que surgiu com frequência foi a expectativa de que a empresa em foco tivesse uma dinâmica análoga ao setor privado. Havia o interesse dos participantes em fazer parte de uma empresa que não fosse caracterizada como uma caricatura do serviço público improdutivo. Para explicar isso, os entrevistados falaram que essa organização deveria ter um “lado privado” (Entrevistado 8):
“(...) outro fator que me atraiu foi que a empresa mais se assemelhava a um trabalho privado, porque eu também não queria ser um funcionário público daquele que fica na mesa o dia inteiro só esperando a hora de ir embora”. (E2)
4.2. Ajuste Inicial do Contrato Psicológico
O ajuste inicial do contrato psicológico se inicia posteriormente à contratação. Nesse período as expectativas dos trabalhadores são confrontadas com a realidade da rotina de trabalho e do ambiente da empresa pública pois é nesse momento que o funcionário passa a conhecer melhor essas dinâmicas. O entendimento desse ambiente é mediado por mensagens passadas pelos membros da organização por meio de pistas sociais e da socialização (XXXXXXXX, 1995). A partir dessas informações o empregado começa a ter capacidade de desenvolver uma visão crítica sobre seu ambiente, tomando como base, inclusive, experiências de trabalho passadas. Esse exercício de comparação das experiências antigas com a atual esteve fortemente presente nos discursos dos entrevistados. De acordo com Xxxxxx e Xxxxx (2006) é nessa etapa que são confirmadas (ou frustradas) as expectativas iniciais dos trabalhadores, por esse motivo trata-se de um momento chave no que se refere ao estabelecimento do contrato psicológico. Para apresentar os resultados obtidos os relatos foram organizados em dois blocos: o primeiro reunindo as expectativas iniciais que, segundo os entrevistados, foram confirmadas após o ingresso na organização e, o segundo, apresentando aspectos da organização e do trabalho que superaram as expectativas iniciais dos entrevistados.
4.2.1. Expectativas Iniciais Confirmadas
O momento do ajuste do contrato psicológico caracteriza-se pela incompletude dos termos entre as partes e pela noção ainda totalmente desenvolvida do que esperar um do outro. Dessa forma, tanto empregador quanto empregado são levados a preencher os espaços em branco (XXXXXXXX, 1995). Além disso, de acordo com Xxx et al. (2011) o cumprimento satisfatório do contrato terá reflexos no modo como os novos entrantes reagirão às condições de trabalho.
A respeito da jornada de trabalho, por exemplo, os funcionários se mostraram satisfeitos com o que vivenciaram nas empresas. Eles se declararam estar mais “donos do seu tempo” (Entrevistada 1) depois de iniciarem seu novo contrato de trabalho:
“Eu considero que eu tenho bastante responsabilidade, mas mesmo assim eu me sinto mais dona do meu tempo do que lá. Eu consigo me organizar, eu consigo organizar a minha agenda, eu consigo tirar férias sem peso na consciência”. (E1)
O fato de assuntos relacionados à demissão e a reestruturações não fazerem parte das conversas entre os funcionários das empresas públicas também contribuiu para confirmar algumas expectativas iniciais. O silêncio nas organizações públicas sobre esse assunto, portanto, teve o papel de pista social (XXXXXX e XXXXXX, 2005) para alguns empregados, sinalizando que esta não era uma preocupação, naquele contexto. Esta percepção foi corroborada pela ausência de exemplos de demissão nessas empresas, reforçando as expectativas de estabilidade desse grupo:
“(...) desde o início aquilo foi me dando uma motivação muito grande, estava feliz de trabalhar numa empresa em que eu poderia ficar o resto da vida trabalhando nela”. (E1)
A terceira expectativa confirmada dizia respeito à remuneração atraente. O salário inicial das posições a serem ocupadas era de conhecimento dos entrevistados antes mesmo de sua entrada na empresa, o que garantiu que, em um primeiro momento, não houvesse surpresas quanto a essa questão. Todavia, para os empregados de todas as empresas, o conjunto de benefícios foi uma surpresa positiva na composição da remuneração. Foram destacados itens como previdência privada, plano de saúde e auxílio educacional, aspectos que não estavam presentes nas expectativas iniciais, mas que, posteriormente, reforçaram a ideia de que a remuneração recebida era realmente atraente, passando a fazer parte dos termos que compunham o contrato psicológico dos novos funcionários públicos:
“O salário melhorou depois que eu entrei. Eu só fui descobrir os benefícios quando estava na fila para entregar os documentos. Aí eu: ‘Caraca, tem isso, tem isso’. Não sabia nada”. (E8)
A imagem positiva da empresa pública também foi confirmada pelos empregados após o ingresso nas suas respectivas empresas. Alguns participantes destacaram que se sentem contribuindo para questões de âmbito nacional e que, por isso, entendem que suas atividades são valorizadas. Essa percepção a respeito do trabalho pode ser benéfica para a empresa, conforme destaca Xxxxxx (1965), pois tanto a qualidade como a quantidade de trabalho estão ligadas à imagem da organização como um todo e não restritas às características imediatas do trabalho ou a incentivos monetários. Esse ponto está refletido nos relatos de alguns entrevistados que, mesmo afirmando entender que seu trabalho tem uma influência pequena na empresa como um todo, acreditam estar contribuindo para uma ação maior, para o objetivo final da organização:
“Eu respeito demais a instituição, acho que ela tem um papel importante para o Brasil. Então eu quis fazer parte disso para fazer diferença para nossa economia. E eu me sinto produtivo, eu sinto que eu estou sendo uma gota no oceano, mas consigo fazer a minha parte”. (E6)
O prestígio que a empresa tem diante dos membros da sociedade que consequentemente se reflete no prestígio que se atribui àqueles que nela trabalham, aparece no orgulho que os entrevistados sentem por fazerem parte dessas empresas:
“Minha mãe lá no interior do Rio Grande do Sul, todo mundo sabe que eu trabalho na Empresa Y. ‘Eu tenho uma filha que trabalha na Empresa Y.’ É uma coisa”. (E4)
A fala anterior se alinha com as considerações de Xxxxxx x Xxxxx (2006), quando argumentam que a opinião da família tem um peso sobre a imagem da empresa e que essa
imagem tem influência tanto no processo de decisão de ingresso quanto no ajuste inicial do contrato.
Por fim, ao relatarem suas expectativas sobre o ritmo de trabalho nas empresas, definido, algumas vezes como “análogo ao do setor privado”, os entrevistados mostraram-se positivamente surpreendidos. Esse aspecto é discutido no tópico seguinte.
4.2.2. Expectativa Superada: Dinâmica de Trabalho Estimulante
Os relatos dos entrevistados evidenciaram um aspecto que superou suas expectativas iniciais: a dinâmica estimulante de trabalho encontrada nas empresas. Nas entrevistas os indivíduos sinalizaram que a escolha da empresa se deu pela expectativa de que a realidade de trabalho tivesse traços da dinâmica do setor privado, com características como dinamismo e competitividade e se diferenciassem de uma imagem caricatural de um funcionalismo público improdutivo. Segundo os entrevistados, essas expectativas não só foram confirmadas como superadas, pois estes relataram terem encontrado ambientes mais dinâmicos do que os anteriores:
“É uma relação extremamente cordial, apesar de ser um ambiente também que é extremamente competitivo (...) é um ambiente em que você precisa estar sempre demonstrando resultado”. (E5)
Além disso, alguns indivíduos afirmaram que a empresa pública mostrava-se mais eficaz do que a privada, com rotinas de trabalho mais estruturadas e mais produtivas. Segundo os entrevistados, a cultura disseminada no setor privado da necessidade de horas extras torna as jornadas mais longas, porém menos produtivas, pois os funcionários tendem a diluir, durante o seu dia de trabalho, tarefas que poderiam ser feitas em menos tempo:
“Eu acho que eu trabalho mais durante o tempo que eu passo aqui do que quando eu trabalhava lá, com certeza eu produzo mais (...) eu acho que na auditoria tem essa cultura de você trabalhar muito, ficar até mais tarde, e as pessoas absorvem isso e acham natural, então elas produzem menos ao longo do dia”. (E1)
O ritmo de absorção de novos conhecimentos também apareceu como uma característica vista de forma positiva no novo contexto de trabalho. Os entrevistados foram surpreendidos ao identificarem, nas empresas públicas, um ambiente em que essa demanda por aprendizado rápido existia, em alguns casos com intensidade até maior do que a encontrada nas empresas privadas. Essa dinâmica foi justificada pelos funcionários por diferentes razões, como a importância estratégica da organização ou pelo fato da empresa ter um grande leque de operações e, consequentemente, mais conhecimentos a serem absorvidos, conforme destacado abaixo:
“O ritmo de absorção de novos conhecimentos aqui foi até maior do que na iniciativa privada, por alguma razão, não sei, talvez pelo tamanho da empresa, talvez tivesse mais coisas para aprender aqui do que eu tinha para aprender lá”. (E1)
4.3. Reavaliação do Contrato Psicológico
No momento das entrevistas todos os sujeitos encontravam-se na fase de reavaliação do contrato, isto é, em uma fase posterior ao ajuste inicial, na qual o contrato psicológico já havia amadurecido e o fator da continuidade contribuiu para reforçar a relação de troca entre empregador e empregado. Dois questionamentos na entrevista tiveram o objetivo de provocar a reflexão dos entrevistados sobre como estaria a relação deles com a organização atualmente: perguntou-se aos participantes o que os fazia permanecer na empresa em que trabalhavam, bem como o que os motivaria a sair dela. A partir daí, os indivíduos expuseram os pontos mais importantes no que diz respeito à reavaliação do contrato psicológico.
4.3.1. Termos do Contrato Reavaliados
De acordo com Xxxxxxxx (1995), os conceitos que formam os contratos, bem como os fatores que os influenciam, vão se consolidando ao longo do tempo e formando, assim, modelos mentais de atuação. Este fato é ratificado no discurso dos entrevistados ao se verificar que há expectativas que foram formadas antes mesmo desses indivíduos entrarem na organização e que reaparecem quando se questiona aos entrevistados sobre cada uma das etapas do contrato psicológico. Essas expectativas iniciais – a estabilidade no emprego, a remuneração atrativa, a jornada de trabalho moderada e a imagem positiva da empresa – foram confirmadas pelos indivíduos e contribuíram para consolidar a relação com a empresa.
Ainda segundo Xxxxxxxx (1995), a consolidação dos termos do contrato e a formação de modelos mentais de atuação levam à automaticidade, que seria um modelo de pensamento em que esses termos estão presentes de maneira tão arraigada que não se consegue pensar sem eles e nem mais se percebe que eles estão presentes na estrutura dos pensamentos e decisões. Quando é mencionada a estabilidade, por exemplo, esse fato aparece. Alguns entrevistados tiveram muita dificuldade em visualizar a possibilidade de saída da empresa quando questionados sobre os fatores que os levariam a sair. A estabilidade é, portanto, um aspecto crucial no contrato psicológico estabelecido:
“Nossa! Eu acho que a única coisa que eu consigo vislumbrar é se a minha empresa começar a ter um papel reduzido no cenário nacional e fizer demissões. Aí, isso vai gerar uma insegurança grande”. (E1)
“Eu não visualizo nenhum fator que me levaria a deixar a empresa (...) Logicamente, se acontecer uma proposta irrecusável, mas eu não visualizo essa possibilidade”. (E3) “Olha, deixar a minha empresa hoje... Só se acontecer uma hecatombe nuclear”. (E6)
A jornada de trabalho contratual, em que há pouca frequência de horas extras, também foi considerada como um ponto importante na reavaliação do contrato. A esse aspecto também está associada a questão da qualidade de vida proporcionada pelo cumprimento da jornada. Nesse momento, mais uma vez, os entrevistados fizeram comparações com suas experiências nas empresas privadas e argumentaram sobre a possibilidade de se dedicarem mais à atividades pessoais proporcionada pelo fato de trabalharem “apenas” 8 horas diárias. A ideia da reciprocidade que deve existir na relação entre empregador e empregado também foi abordada por um dos entrevistados, conforme relato a seguir:
“Eu consigo sair no horário pra fazer meu curso de inglês, coisa que eu não conseguia fazer antes. Às vezes a empresa te cobra, mas ela não te dá o subsídio pra isso e, às vezes, o insumo básico pra isso é simplesmente a disponibilidade”. (E5)
A análise dos relatos obtidos mostrou, portanto, que existem expectativas que apareceram no momento anterior à entrada dos funcionários na empresa e que foram consideradas atendidas, inclusive na fase de reavaliação do contrato, o que pode ser entendido como cumprimento do contrato psicológico. Xxx et al. (2011) argumentam que a percepção de contrato cumprido pelo empregado pode funcionar como uma forma de controle cognitivo por parte da organização, reforçando os laços entre o trabalhador e a empresa. Os autores destacam essa questão ao tratar da importância em se cumprir aquilo que é prometido.
4.3.2. Novos Motivos para a Permanência na Empresa
Ainda sob a influência das perguntas que questionavam o porquê da opção dos entrevistados por permanecerem em suas empresas e quais seriam as variáveis que os levariam a sair, novos elementos foram considerados importantes pelos entrevistados. Conforme destaca Xxxxxxxx (1995), o contrato psicológico se modifica com o tempo, já que o processo de reunir informações sobre a empresa muda dramaticamente do primeiro para o terceiro ano na organização. Dessa forma, dois novos aspectos surgiram nas falas dos entrevistados como influenciadores na decisão de permanecer na organização e, portanto,
como itens acrescidos ao contrato psicológico estabelecido. Estes são o incentivo à educação que as empresas oferecem aos funcionários e a possibilidade de crescimento profissional.
A questão do incentivo à educação surge, portanto, pela primeira vez, no momento de reavaliação do contrato. Esse aspecto não havia aparecido como uma expectativa ou um motivador para se trabalhar nas empresas. Somente após uma socialização maior na empresa é que esses indivíduos identificaram o incentivo educacional como um fator importante que justifica sua permanência na organização escolhida. O surgimento de novos elementos ocorre porque, uma vez no emprego, as experiências de socialização consolidam um contrato mais completo (XXX et al., 2011). Os relatos seguintes ilustram esse novo ponto acrescentado aos contratos:
“Um ponto interessante foi o programa de incentivo à pós-graduação (...) você pode ficar um tempo fora estudando, se dedicando, existe a possibilidade de ir para o exterior, então pra mim é uma coisa muito importante”. (E3)
“O meu mestrado é todo bancado pela Empresa Y, se não fosse a Empresa Y eu não estaria fazendo mestrado hoje”. (E4)
Conforme mencionado, os participantes destacaram também a possibilidade de crescimento profissional dentro das organizações como um dos motivos de permanência nas mesmas. A obtenção de cargos comissionados, um dos exemplos de crescimento, é indicada como uma questão motivadora, tanto pelos fatores ligados à obtenção de poder em uma nova posição hierárquica como pelos ganhos financeiros que estão ligados a esse processo. De acordo com Xxxxxxxx, Xxxxxx e Xxxxxxxx (1994), as trocas entre as partes mudam juntamente com os fatores ambientais e a percepção do empregado se modifica juntamente com isso. Essa afirmativa se alinha com o surgimento desse novo ponto que é agregado com a maturidade dessa relação.
Os autores também afirmam que os funcionários não avaliam apenas o comportamento do empregador, mas também o seu próprio, modificando suas posturas em coerência com a nova realidade ambiental. Essa afirmativa é exemplificada nas falas dos entrevistados sobre crescimento profissional, em que eles mostram não apenas haver uma expectativa de cumprimento da promessa por parte da empresa, mas que mudaram algumas de suas ações para também garantir que essas promessas sejam cumpridas:
“Hoje estou num grupo de potenciais gerentes (...) a empresa está me dando insumos (...) Eu estou pegando também mais responsabilidades, a empresa está me dando retorno, então eu estou vendo que a minha carreira está progredindo”. (E8)
Esse indivíduo mostra, de forma clara, essa relação de troca e explicita que compreende que a organização está lhe “dando insumos” e, em contrapartida, oferece mais dedicação ao assumir mais responsabilidades. A possibilidade de crescimento profissional surge como uma nova demanda da relação amadurecida entre empresa e empregado que, se não atendida, pode gerar a insatisfação e uma possível saída do funcionário da organização.
5. Considerações Finais
Tendo em vista o objetivo inicial deste trabalho, entender o que motiva profissionais qualificados a trabalhar em grandes organizações públicas, com ênfase nos elementos que compõem o contrato psicológico estabelecido entre estes e as organizações, a análise dos relatos obtidos trouxe à tona questões relevantes não só para o entendimento do que atrai os trabalhadores para as organizações do Primeiro Setor, mas também questões a serem consideradas pelas organizações, de todos os setores, acerca do que torna um trabalho e uma empresa desejáveis à força de trabalho.
Em linhas gerais, o que inicialmente atraiu os entrevistados para o trabalho na Petrobrás, no Banco Central e no BNDES foi a perspectiva de trabalhar “apenas” as quarenta
horas contratuais ou até menos, como no caso do BNDES que pratica jornada de trabalho de sete horas diárias. Para os entrevistados essa questão era particularmente importante por possibilitar que pudessem organizar e desfrutar melhor a vida fora do trabalho, fato apontado como de difícil conciliação quando da atuação na iniciativa privada. A estabilidade no emprego e a remuneração atraente, atualmente oferecidas nessas e em outras organizações públicas de “elite”, também tiveram papel importante no estabelecimento do contrato psicológico inicial entre os entrevistados e suas respectivas empresas. A esses aspectos somou-se, ainda, a visibilidade e a imagem positiva das empresas em questão, evidenciado que o senso de pertencimento a um coletivo valorizado e a ideia de realizar um trabalho relevante para a sociedade são aspectos importantes para os profissionais entrevistados.
Ao buscar entender os fatores que constituem o contrato psicológico dos entrevistados, a análise não se limitou a conhecer apenas os motivos iniciais dessa escolha: a opção por olhar o contrato em sua perspectiva processual, como proposta por Xxxxxx e Xxxxx (2006), permitiu identificar os elementos que atraíram os profissionais às organizações, bem como os motivos que os mantém nas mesmas, reforçando o contrato firmado entre as partes. Ao serem indagados acerca da confirmação de suas expectativas iniciais sobre a empresa, os entrevistados relataram que, além de terem essas expectativas atendidas, foram surpreendidos por uma dinâmica de trabalho estimulante, semelhante à vivenciada na iniciativa privada, segundo alguns. Essa questão parece ser particularmente valiosa para alguns entrevistados, que temiam encontrar nessas empresas um ritmo de trabalho desestimulante.
Finalmente, ao explicarem o que os mantém nas empresas - fase identificada por Xxxxxx e Xxxxx (2006) como crítica por pressupor uma reavaliação do contrato psicológico estabelecido – os entrevistados não só ratificaram terem tido suas expectativas iniciais atendidas, como acrescentaram o incentivo à educação e a possibilidade de crescimento profissional como aspectos valiosos para sua permanência na empresa. Pode-se dizer, com base nos relatos obtidos, que os entrevistados além de terem suas expectativas iniciais confirmadas, ao se integrarem às empresas nas quais atuam, ainda foram surpreendidos por aspectos bastante positivos que desconheciam e que contribuíram para a consolidação do contrato psicológico estabelecido com as empresas, reforçando seus laços com estas organizações.
De forma conclusiva, conforme dito anteriormente, a análise dos fatores que delinearam o contrato psicológico de funcionários de empresas públicas egressos do setor privado revelou não só o que esses indivíduos valorizam em seus empregos atuais, mas também o que o que os deixava insatisfeitos, nos empregos anteriores. Aspectos como a jornada de trabalho alongada e a estabilidade foram os principais pontos valorizados nas novas empresas, por seu contraste com as situações anteriormente vividas pelos entrevistados. A constatação da rejeição desses profissionais a condições de trabalho que vêm se tornando comuns em boa parte das empresas privadas brasileiras, na última década, pode-se ser particularmente importante em um momento em que se alardeia um “apagão de talentos”iii, no Brasil. Por este motivo, entender o que trabalhadores altamente qualificados como os entrevistados valorizam pode ser de extrema valia, não só para o setor público, mas para todas as organizações que precisam atrair e reter em seus quadros profissionais qualificados e motivados.
Os achados da presente pesquisa permitem sugerir, como desdobramentos de estudos futuros, a ampliação da base de pesquisa, incluindo funcionários de empresas públicas que possuem realidades menos favoráveis do que aqueles que atuam no Banco Central, BNDES e Petrobrás, com vistas a analisar em que medida o cenário positivo retratado pelos entrevistados deste estudo são específicos destas instituições. Também seria interessante fazer um estudo longitudinal, acompanhando um mesmo grupo de indivíduos em sua trajetória de inserção na empresa estudada, com vistas a acompanhar o processo de estabelecimento do
contrato psicológico. Finalmente, realizar pesquisa análoga à presente, porém com indivíduos que trabalham em empresas privadas, ofereceria um excelente contraponto aos resultados encontrados nesta pesquisa.
i Fonte: xxxx://x0.xxxxx.xxx/xx/xxx-xxxxxx-xxxxxx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxx-xx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxxxxxxxxx- cresce-444-em-2013.html . Acessado em 31/01/2013.
ii Fonte: xxxx://x0.xxxxx.xxx/xx/xxx-xxxxxx-xxxxxx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxx-xx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxxxxxxxxx-
cresce-444-em-2013.html . Acessado em 31/01/2013.
iii Fonte: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxx . Acessado em 23/04/2014.
Referências
XXXXXX, X. Tensão e Silêncio. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, ano LXXXVIII, n. 2970, 10 de março de 2013. Caderno Boa Chance, p. 1-3.
XXXXXX, X. (2006). Análise de conteúdo (L. de A. Rego & A. Xxxxxxxx, Xxxxx.). Lisboa: Edições 70.
XXXXXX, N.; XXXXXX, X. Understanding psychological contracts at work: A critical evaluation of theory and research. Oxford: Oxford University Press, 2005.
XXXXXX, X. X.; XXXXX, J. R. G. Construção do contrato psicológico de indivíduos que ingressam em organizações do setor público no atual contexto brasileiro: estudo de caso em uma empresa estatal. In: Anais do XXX ENANPAD, 2006, Salvador.
XXXXX, X.; XXXXXXXX, D. M. Mutuality and reciprocity in the psychological contracts of employee and employer. Journal of Applied Psychology, v. 89, p. 52-72, 2004.
XXXXX, X. The psychology of the employment relationship: an analysis based on the psychological contract. Applied Psychology: an International Review, v. 53(4): p. 541-555, 2004.
XXX, X.; et al. Inducements, contributions, and fulfillment in new employee psychological contracts. Human Resource Management, v. 50, n.2, p. 201-226, 2011.
XXXXXXXX, S. L.; XXXXXX, M. S.; XXXXXXXX, D. M. Changing obligations and the psychological contract: A longitudinal study. Academy of Management Journal, v. 37, p. 137-152, 1994.
XXXXXXXX, X.X. Psychological and Implied contracts in organizations. Employee Responsibilities and Rights Journal, vol. 2, p. 121-139, 1989.
XXXXXXXX, X.X. Developing psychological contract theory. In: XXXXX, X.X.; HITT,
M.A. Great Minds in Management: The Process of Xxxxxx Xxxxxxxxxxx (x. 000-000). Xxxxxx, XX: Oxford University Press, 2005.
XXXXXXXX, X. X. Psychological contracts in organizations: understanding Written and unwritten agreements. California: Sage Publications, 1995.
XXXXXXXX, X. X. Changing the deal while keeping the people. Academy of Management Executive, v. 1, n.10, p. 50-58, 1996.
XXXXXX, X. X. Organizational Psychology. Engelwood Xxxxxx, XX, 0000.