PARECER CREMEB Nº 44/13
PARECER CREMEB Nº 44/13
(Aprovado em Sessão Plenária de 17/12/2013)
EXPEDIENTE CONSULTA Nº 009.256/13
ASSUNTO: Dupla Cobrança x Complementação de Honorários.
RELATOR DE VISTAS: Cons. Otávio Marambaia dos Santos
EMENTA: O Art. 66 do CEM proíbe a dupla cobrança por ato médico realizado, excetuado tão somente para o serviço privado e naquelas situações previstas contratualmente. Nada impede que o médico busque alternativas contratuais em que estabeleça o valor que acha justo para remunerar o seus serviços.
DA CONSULTA
Trata-se de consulta encaminhada por escritório de advocacia constituído por médica cirurgiã plástica jurisdicionada neste Regional, solicitando esclarecimento a respeito da possibilidade de complementar os serviços médicos privados, ou seja, de complementação de honorários a partir da interpretação do Artigo 66 do Código de Ética Médica (CEM).
De acordo com o CEM o Art. 66 determina que:
É vedado ao médico, praticar dupla cobrança por ato médico realizado.
Parágrafo único: A complementação de honorários em serviço privado pode ser cobrada quando prevista em contrato.
O pedido de esclarecimento ora citado faz as seguintes considerações:
"I. Consta no parecer ora guerreado que há sim a possibilidade de complementação de serviços médicos privados, sob a condição da preexistência de um contrato. É o que se pode extrair do posicionamento do Prof. Xxxxxxx Xxxxxx, citado por esta Comissão.
II. Fala-se no supracitado parecer da dupla cobrança de serviços prestados, porém, o que se buscou na Consulta que dera ensejo ao Parecer ora questionado, fora em verdade, saber da possibilidade não de uma cobrança dupla. mas, sim da complementação de honorários. Esta que, consoante previsão do parágrafo único do Art. 66 do CEM poderá ser realizada, desde que exista um contrato (formal ou tácito).
III. Fala-se, também, no parecer, da inexistência de contrato entre operadoras de plano de saúde, seguro de saúde e prestadores de serviços médicos que prevejam a possibilidade da complementação ora tratada.”
Feitas as considerações acima expostas, são feitos os seguintes comentários, que segundo o signatário leva a irrefutáveis questionamentos:
“a) No que concerne a questão da preexistência de um contrato (item I, II e II), impende ressaltar que o mesmo só pode dizer respeito, ante o tema em questão - possibilidade de complementação de honorários médicos por serviços privados prestados - ao acordo de vontades firmado entre as partes interessadas
que são, no caso em tela, em princípio, o prestador do serviço (profissional da medicina) e o beneficiário do mesmo (paciente). Entende-se que em um contrato as partes são aquelas interessadas em firmar determinado acordo visando dispor de bens que não são considerados indisponíveis, estando tal acordo em conformidade com a lei. Tudo em face da observância do princípio da autonomia da vontade.Ademais, vale observar que os direitos aqui envolvidos são: o direito do médico de ser remunerado de forma justa (Capítulo I, inciso III do CEM) e o direito do paciente de exercer a autonomia da vontade (dizer se aceita ou não ser onerado com a complementação dos honorários do médico que lhe prestará determinado serviço).
No que tange a este ponto, entendemos que a questão relacionada a existência de um contrato para que se verifique a possibilidade da aplicação do parágrafo único do Art. 66 do CEM, deve dizer respeito às partes diretamente interessadas que são o médico e o paciente. É neste ponto que se impende a necessidade de um esclarecimento por parte desta Comissão.
b) Sobre a manifestação da Comissão no Parecer a respeito da dupla cobrança, vemos que nada tem a ver a dupla cobrança com a complementação de honorário. Haja vista, o fato de o próprio XXX aludir a tal possibilidade desde que por meio de um contrato. Cobrar mais de uma vez é uma coisa e buscar uma complementação (por meio de um contrato) é outra coisa.
Finaliza o ilustre causídico, requerendo os seguintes esclarecimentos:
a) O contrato de que se refere o P. único do Art. 66 do CEM é entre o médico e o paciente tão somente? E em não sendo, onde estaria tal previsão?
b) Expor os argumentos mais claros que se distinga a dupla cobrança (Art. 66, CEM) da complementação de honorários (P. único do Art. 66, CEM).”
DO PARECER
A consulta solicitada anteriormente pelos mesmos consulentes foi aprovada nesta plenária em 26/02/13, com a seguinte ementa:
Os contratos estabelecidos entre as operadoras de planos de saúde e os profissionais médicos não prevêem a possibilidade de complementação de honorários médicos. O artigo 66 do CEM define claramente que é vedado ao médico "praticar dupla cobrança por ato médico realizado".
No aludido parecer foi citado o Parecer CFM n.º 39/12, que determina em sua ementa:
É ético e não configura dupla cobrança o pagamento de honorário pela gestante referente ao acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta. Tal circunstância não caracteriza lesão ao contrato estabelecido entre o profissional e a operadora de plano e seguro de saúde.
No sentido de melhor elucidar a matéria, vale mencionar o Parecer CREMEB n.º 19/13, que determina:
Não comete ilícito ético médico que cobrar cirurgia do paciente em caráter particular quando possuir credenciamento apenas para consultas, desde que não fira os termos do seu contrato de credenciamento e que o paciente tenha conhecimento desta condição no momento do agendamento da consulta. Nas
situações de urgência/emergência e naquelas onde atua como sobreaviso, a negociação de honorários não poderá retardar a realização do procedimento.
E o Parecer CREMERJ n.º 01/89, que estabelece:
Esclarece que os honorários médicos poderão ser liberados para complementação de despesas por convênios de acordo com o combinado entre as partes; que se pode cobrar adicional noturno e que a cobrança para procedimento cirúrgico não deverá ser feita isoladamente para cada procedimento efetuado.
Preliminarmente, foi realizada uma pesquisa a guiza de rever conceitos para melhor subsidiar a compreensão do objeto em estudo. De acordo com o dicionário Houaiss pode-se depreender que honorário refere-se a vencimentos devidos a profissionais liberais (médicos, advogados etc.) em troca de seus serviços e cobrança é o ato ou efeito de cobrar ou receber quaisquer dívidas ou donativos. Duplo é o que contém duas vezes a mesma quantidade e complementação diz respeito ao ato de complementar ou receber complemento. Nesse diapasão conclui-se que o foco deste questionamento não é a dupla cobrança e sim a complementação dos honorários médicos conforme descrito pelo consulente.
Em seu "Comentários ao Código de Ética Médica", Xxxxxx & Dantas doutrinam que o Art. 66 do mesmo CEM determina que a cobrança de honorários médicos complementares no setor privado é permitida, sendo proibida apenas a cobrança em duplicidade pelo mesmo serviço (ato médico) realizado. O autor destaca ainda que o parágrafo único estabelece que só é possível realizar esta cobrança quando a mesma tenha sido acordada entre as partes e que haja previsão em contrato.
Xxxx Xxxxxxxx Xxxx, autor do "Novo Código de Ética Médica Comentado" ressalta que o parágrafo único do Art. 66 reconhece como lícita a cobrança complementar de honorários, em serviço privado, entretanto, defende que deve haver previsão em contrato formal.
Xxxxxxx Xxxxxx de França julga somente ser possível a mencionada cobrança de honorários complementares quando o paciente, ao se internar, preferir acomodações diferenciadas, diversas das instalações e regras do convênio, procedimento amparado pela Portaria MPAS no 2.837, de 27 de abril de 1982.
Das transcrições descritas é possível inferir interpretações diversas, daí a essência do parecer na tentativa de compreender o pensamento dos legisladores.
Como na revisão do atual CEM, concluído e aprovado em 2009, vale advertir que este artigo foi amplamente debatido e se ainda há incertezas, estas ficam por conta do parágrafo único. Em relação a este, restam dúvidas quanto à legalidade da cobrança complementar dos honorários médicos conforme citado pelo causídico consultor. Em que pese sua inspiração ter ocorrido por conta da portaria citada por França, ou seja, se houver opção de acomodação superior à oferecida pelo convênio, será cobrada também complementação dos honorários médicos, há margem para interpretações distintas.
No que tange a quesitação oferecida na presente consulta, certamente a resposta não é fácil, por isso mesmo deve ser devidamente discutida e analisada. Em relação a quem são as partes do contrato, quem
seriam se não o médico e o paciente? Quanto à questão da dupla cobrança acredito que a mesma foi vencida a partir dos conceitos estudados. Desta maneira, as respostas foram aqui devidamente expostas. No entanto, é essencial atender às normas previamente estabelecidas no contrato entre operadoras de saúde e médicos/clinicas credenciados. No caso de descumprimento do acordado, há risco de descredenciamento e glosas.
Para ampliar o debate, é bom destacar que atualmente no Brasil o bilionário mercado privado de planos de saúde é responsável pela assistência de um quarto da população. Segundo IBGE, a população estimada é 201.032.714 habitantes, cerca de sete milhões a mais do que o registrado em julho de 2012.
Portanto 50 milhões de pacientes são atendidos na rede privada. E nem por isso, há satisfação dos clientes, visto que os citados convênios são recordistas em reclamações de consumidores junto a agência reguladora do setor (ANS).
Nesse contexto, observa-se que os convênios se apropriaram e são detentores da saúde como bem de capital, negociável e de alta lucratividade, por conseguinte determinam o valor do trabalho médico. Nesse sentido, as entidades médicas têm chamado atenção sobre o aviltamento em que os honorários médicos estão acometidos. Por outro lado, ressalte-se ainda o poder de escolha do paciente e de seus familiares, a tão referenciada autonomia bioética, atinente à aquiescência de complementação de honorários médicos. Permanece a necessidade de respeitar á liberdade de escolha do paciente e seus familiares, levando em conta a competência de deliberação, de acordo com seus valores e interesses legítimos. Neste ponto, o conflito vivido pelos médicos frente a seus próprios valores estabelece uma correlação de forças que tenciona o terreno, devendo prevalecer o cuidado e a humanização.
Há de se pensar ainda que a medicina vive momento de busca de equilíbrio nas relações médico- paciente,ante a rápida incorporação dos avanços tecnológicos e novos procedimentos, principalmente nas áreas diagnósticas e cirúrgicas, com grande arsenal tecnológico disponível nem sempre coberto pelos planos de saúde.
A complexidade da discussão transcende o puro ato de compreender conceitos. Envolve grande reflexão sobre as ações e as conseqüências dessas práticas.
O caso da obstetrícia nos revela uma faceta diferente dado que é dever do médico alertar a sua cliente na primeira consulta que não faz o procedimento – no caso o parto – mesmo que esteja previsto na cobertura do seu plano dadas as suas características temporais e técnicas. Nada impede que a paciente municiada desta informação procure outro serviço. Não o querendo e preferindo ter aquele médico determinado como seu pode-se acordar entre médico e paciente o valor de um serviço futuro, mas tendo a paciente a opção de fazer o mesmo serviço com outro no regime de plantão. Neste caso não haverá dano para a paciente que terá o atendimento adequado, mas ao escolher um médico obstetra específico deseja ter maior conforto e um profissional à sua disposição exclusivamente. Trazendo a este caso os conceitos já explicitados acima por Xxxxxxx Xxxxxx, o mesmo princípio pode ser aplicado.
Infelizmente ao longo dos anos os médicos renunciaram ao enfrentamento desta realidade. No que pese reconhecermos que os valores pagos são defasados e que o VERDADEIRO contrato deveria ser celebrado entre o médico e o seu paciente, a realidade fática revela que ao assinar os contratos com as operadoras os médicos têm aceitado e renunciado a esta condição. O paciente é o objeto da sua técnica e
arte, mas não o pagador. O próprio médico aceita e aceitou ao longo do tempo esta intermediação.
Movimentos contrários a isto pipocam aqui e ali sendo a ênfase na criação de cooperativas de especialidades a mais nova demonstração desta insatisfação e do desejo dos médicos de retomar o protagonismo nesta relação sendo eles a determinar o real valor do seu trabalho. Ainda nesta forma prevalecerá o explicitado no Art.66: uma vez contratado pela cooperativa não se poderá impor uma segunda cobrança ao paciente.
Outra alternativa é o rompimento do contrato por parte do médico(leia-se descredenciamento) assumindo o risco da competição livre e acertando diretamente com o paciente o quanto vale o seu trabalho.
É o parecer, SMJ.
Salvador, 2 de dezembro de 2013.
Cons. Otávio Marambaia dos Santos
RELATOR DE VISTAS