O “polvo” e seus “tentáculos”: A organização da Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande e sua aquisição pela Brazil Railway Company.
O “polvo” e seus “tentáculos”: A organização da Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande e sua aquisição pela Brazil Railway Company.
XXXXXX XXXXXX XXXXX∗
Em 20 de dezembro de 1888 o Engenheiro Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx assinou um contrato com o Governo Imperial, representado pelo Conselheiro Senador Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, então ministro e secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.1 Este instrumento referia-se ao reconhecimento e estudos de uma Estrada de Ferro que, partindo de Itararé, em São Paulo, alcançasse Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul. Esta ferrovia viria a ser a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande (EFSPRG). Posteriormente, o governo provisório republicano revisou esta concessão através do decreto n. 305, de 7 de abril de 1890. Neste, foram modificadas algumas cláusulas, porém mantendo Teixeira Soares como seu concessionário.
Poucos dias após a assinatura deste decreto, Teixeira Soares embarcou para a Europa, buscando reunir fundos para a constituição de uma empresa que empreendesse a construção da EFSPRG. Associado a banqueiros de Paris e Bruxelas, constituiu a Compagnie Chémins de Fer Sud-Ouest Brésiliens, para a qual foi feita em seguida a transferência da concessão. Associado a Xxxxxx Xxxxx, administrador de diversificados negócios industriais e homem de ligação com os mercados financeiros da França e Bélgica, Teixeira Soares lançou uma série de títulos no mercado de Paris no ano de 1890. Contudo, o negócio foi mal sucedido, o que o teria inclusive levado a falência (LANNA, 2002: 74).
∗ Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
1 Teixeira Soares, então com quarenta anos, trabalhara em inúmeros projetos de expansão ferroviária do país e recentemente saíra consagrado da construção da Estrada de Ferro do Paraná em seu trecho entre Paranaguá e Curitiba (1885). Este lhe rendeu notoriedade e uma comenda concedida pelo Imperador. Possuía excelentes relações com o Governo Imperial, tendo sido engenheiro da Xxxxxxx xx Xxxxx X. Xxxxx XX (xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx), diretor da Estrada de Ferro Cantagalo e um dos construtores da ligação ferroviária do Corcovado. Para se ter idéia da importância de Teixeira Soares para a engenharia e para os engenheiros brasileiros, observe-se a afirmação laudatória de um contemporâneo: “Louros sejam derramados sobre o maior constructor de nossas estradas de ferro, o grande organizador das grandes Companhias. O Sól arrasta consigo o systema planetario; o Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx é o Sól do systema ferro-viario do Sul do Brazil” (XXXXXXX XX, 1925: 45).
Em 7 de junho de 1890, através do decreto n. 462, o Governo Provisório modificou novamente as cláusulas originais (XXXXX, 1983: 44). A Compagnie Chémins de Fer Sud-Ouest Brésiliens recebeu, assim, a concessão da rede de Itararé à Santa Maria da Boca do Monte e seus ramais, que compreendiam o ramal de Guarapuava e o ramal de Cruz Alta, conforme o decreto imperial.2 As obras tiveram seu início em Santa Maria da Boca do Monte. Porém a Compagnie não tinha condições de arcar com toda a concessão. No ano seguinte, 1891, a concessão foi transferida para a recém criada Companhia União Industrial dos Estados do Brasil, com exceção do trecho entre Santa Maria da Boca do Monte à Cruz Alta, que permaneceu com a Compagnie Chémins de Fer Sud-Ouest Brésiliens. Segundo Xxxxx, a venda desta concessão por alta soma foi intermediada por Xxxxx (2002: 73).3
Entretanto, a situação da Companhia União Industrial dos Estados ficou muito delicada, pois os banqueiros europeus que haviam se comprometido com a emissão de debêntures suspenderam este pagamento e só o reconsideraram um ano depois, devido à crise brasileira (EXPOSIÇÃO..., 1895: 8). Um cronista paranaense4 nos informa que a demora do governo em expedir o decreto de transferência da concessão impediu a Companhia de se utilizar do compromisso assumido pelos banqueiros, pois o decreto5 apenas foi expedido quando a crise já havia se instalado na praça do Rio de Janeiro e assim as promessas de capitais estrangeiros foram retiradas (PLAISANI, 1908: 144). Em 1892 o Estado brasileiro comprometeu-se com o pagamento de juros diretamente aos portadores de debêntures, exigência feita pelos europeus para a retomada dos investimentos. Houve ainda outra demanda: de que a concessão referente à Xxxxxxx xx
0 X xxxxx xx Xxxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxx xx Xxxxxxxx (Xxxxxx) para aquela cidade, subdividindo-se em um sub-ramal que ligaria as seções navegáveis do Rio Piriqui e outro que iria de Guarapuava até a foz do Rio Iguaçu. O segundo ramal partiria das imediações de Cruz Alta e alcançaria o Rio Uruguai, na altura de Porto Lucena (AMARAL, 1970: 62).
3 Ao que tudo indica, a Companhia União Industrial dos Estados do Brasil foi uma empresa criada com finalidades especulativas. Mais adiante se verá como esta participou de negociatas com a EFSPRG. Lamentavelmente não localizei maiores informações sobre esta empresa, sobre a qual paira um certo mistério. Não sabemos, por exemplo, quem participava de sua diretoria, ou qual o papel de Teixeira Soares em suas negociações.
4 Plaisini possivelmente retirou suas informações de relatórios da empresa, o que se depreende pela linguagem utilizada e pela repetição de alguns dados que localizei em documentação institucional da EFSPRG.
5 Refere-se ao decreto n. 397, de 20 de junho de 1891, que autorizava a Companhia Chemins de Fer Sud Ouest Bresiliens a transferir à Companhia União Industrial dos Estados do Brasil a construção, uso e gozo da Estrada de Ferro de Santa Maria da Boca do Monte a Itararé e seus ramais, com exceção de Xxxxx Xxxxx xx Xxxx xx Xxxxx x Xxxx Xxxx, xx Xxx Xxxxxx xx Xxx (FORTES, 1964: 78).
Ferro de Itararé à Cruz Alta deveria ser desmembrada da União Industrial dos Estados e constituir uma única empresa. Isto foi realizado em dezembro de 1892, organizando-se a Sociedade Anônima São Paulo – Rio Grande, à qual foram transferidos a concessão, uso e gozo desta Estrada de Ferro e ramais através de decreto do ano seguinte (EXPOSIÇÃO, 1895: 8/9).6 O contrato com o Tesouro Nacional foi feito no primeiro semestre de 1893, tendo os banqueiros assumindo compromissos de negociação de títulos no valor de cem milhões de francos, em quatro séries. Entretanto, o contrato com o governo foi anulado, devido à Revolta da Armada e à Revolução Federalista, e “[...] novas delongas vieram impedir que a companhia se utilizasse dos capitaes que lhe eram destinados” (PLAISANI, 1908: 144).
Ao que tudo indica, estes capitais só chegaram para a empresa em 1895, configurando a primeira série de debêntures, no valor de vinte e cinco milhões de francos (EFSPRG, 1900: 7). Com tal numerário a empresa construiu o primeiro trecho da ferrovia, entre Rebouças e Ponta Grossa,7 em direção ao norte, cuja solenidade de inauguração deu-se em 16 de dezembro de 1899 (PLAISANI, 1908: 151). Na mesma data houve ainda a abertura ao tráfego do trecho entre Ponta Grossa e Piraí, em direção ao sul (CENTRO INDUSTRIAL DO BRASIL, 1909: 44), com a extensão total de 228,660 Km. Devido às dificuldades enfrentadas, a EFSPRG negociou com a Compagnie Chémins de Fer Sud-Ouest Brésiliens a incorporação por esta de parte da linha principal entre Cruz Alta ao Rio Uruguai (EXPOSIÇÃO, 1895: 10), ficando portanto a cargo daquela a linha principal, de Itararé ao Rio Uruguai, incluindo o ramal de Guarapuava e sub-ramais (PLAISANI, 1908: 115). A empresa solicitou ainda uma série de alterações de traçado para a linha principal, aprovados pelo governo em 1895 e destacados pela exposição financeira da empresa em 1900 (EFSPRG, 1900).
Partindo de Ponta Grossa, a linha principal foi dividida em Linha Norte, que se direcionava ao estado de São Paulo, e em Linha Sul, dirigida às barrancas do Rio Uruguai.
A partir de sua estação central, na cidade de Ponta Grossa, a primeira [a linha de Itararé] toma duas direcções oppostas, adoptadas para a denominação dos trechos em trafego: linha norte, no sentido de Itararé, e linha sul, no rumo Uruguai (MINISTERIO DA INDUSTRIA, VIAÇÃO E OBRAS PUBLICAS, 1909: 341).
6 Decreto n. 1386, de 6 de maio de 1893.
7 Trecho com 132 quilômetros (THOMÉ, 1983: 55).
No Rio Uruguai a linha deveria se entroncar com a Compagnie Chémins de Fer Sud-Ouest Brésiliens (KROETZ, 1985: 75-77), realizando-se os trabalhos de construção pelos dois sentidos.
A Companhia EFSPRG foi constituída no final de 1892 tendo como presidente seu concessionário primitivo, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, que ficou no cargo até maio de 1894, quando passou a atribuição a Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxx (CHEMIN DE FER..., 1903), permanecendo como acionista da empresa. Em agosto de 1895, Xxxx xx Xxxxxxxxx e seu vice presidente, Antônio de Paula Freitas, resignaram seus cargos, passando à presidência Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Em Relatório de março de 1896, este informou que a nova diretoria havia localizado nos arquivos um contrato de empreitada provisório, de abril de 1893, firmado com a União Industrial dos Estados, para execução de todo o tronco da EFSPRG, desde Itararé ao Uruguai. Considerado prejudicial à Companhia, o contrato não possuía requisitos legais e não teve princípio de execução. Comunicou-se à União Industrial a quebra do contrato (COMPANHIA EFSPRG, 1896). Isto gerou um processo, pelo qual a União Industrial dos Estados requeria uma indenização de nada menos que três mil contos de réis, devido ao não cumprimento do contrato de empreitada. Este se encerrou em última instância em 1897, com ganho de causa para a EFSPRG (COMPANHIA EFSPRG, 1897).
O contrato em questão, celebrado durante a presidência de Xxxxxxxx Xxxxxx e acobertado durante a presidência de Xxxx xx Xxxxxxxxx, era desconhecido dos acionistas e bastante suspeito, pois na prática fazia retornar às mãos da União Industrial a concessão que lhe fora retirada através da criação da EFSPRG, exigida pelos investidores. Xxxx xx Xxxxxxxxx retornou à direção da empresa em dezembro de 1899 (CHEMIN DE FER..., 1903). Este episódio demonstra a prática de negócios escusos no mundo das concessões de ferrovias e da EFSPRG em específico, antes mesmo da entrada em cena da Brazil Railway Company.
O decreto n. 3.947, de 7 de março de 1901, veio para consolidar diversas cláusulas anteriores. Este decreto confirmou que a Companhia gozaria de privilegio por noventa anos e garantia de juros de 6% em ouro, ao ano, durante trinta anos, para construção, uso e gozo de uma Estrada de Ferro que ligasse Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso além de conectar a capital da República com fronteiras da Argentina e Paraguai. Confirmou também a cessão gratuita de quinze
km para cada lado da linha. O decreto ainda dispunha sobre questões ligadas às negociações e pagamentos entre a Companhia e o Governo (COMPANHIA XXXXXXX XX XXXXX XXX XXXXX - XXX XXXXXX, 0000: 63/65). Além disso concedia o privilégio, sem garantia de juros, para a construção do ramal do Porto União da Vitória ao Porto de São Francisco, em Santa Catarina, unificando algumas e consolidando outras cláusulas referentes a diversos decretos relativos à criação da EFSPRG (RFFSA, 1966: 4).8 Este decreto passou a regular todas as relações da Companhia com o Governo.
A construção da ferrovia ocorreu de forma lenta nos anos subseqüentes.
A organização de uma ampla ligação ferroviária entre os diferentes países sul- americanos teria sido o sonho do capitalista americano Xxxxxxxx Xxxxxxxx, fundador da Brazil Railway Company (BRC). A criação desta empresa tinha como objeto a constituição de um sistema ferroviário unificado na América do Sul, uma ferrovia pan- americana sob seu controle (SINGER, 1989: 381). Farquhar desejava “[...] criar um complexo ferroviário totalmente interconectado no sul do Brasil, que poderia ser estendido para grande parte da América do Sul, através da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e até o Chile, ligando os dois Oceanos [...]” (GREMAUD, 1992: 126/127). A cabeça deste projeto de sistema unificado foi a BRC. Esta foi, de acordo com Xxxxx (1987: 118) “ [...] não apenas a maior rede ferroviária, mas também a maior empresa privada jamais conhecida no Brasil”.
Filho de um bem sucedido industrial americano, Xxxxxxxx Xxxxxxxx nasceu em 19 de outubro de 1864, na Pensilvânia.9 Engenheiro e advogado, notabilizou-se pela aquisição e exploração de concessões públicas, sobretudo em países latino-americanos.
Operando no Brasil desde 1904, o investidor dedicou-se inicialmente a concessões urbanas. Associou-se a F.S. Xxxxxxx com o objetivo de dominar os serviços públicos da capital do país, adquirindo tramways, iluminação pública e privada, o serviço hidrelétrico e os serviços de telefonia. Em maio de 1904 Farquhar incorporou a Rio de Janeiro Tramway Light and Power Co, a fim de unificar os serviços públicos no Rio de Janeiro, sem jamais haver pisado em solo brasileiro. Em 1905 o investidor
8 A ausência de garantia de juros para o Ramal de São Francisco será objeto de intensas negociações com o Governo Federal, que acabará por ceder à Companhia.
9 Sobre a vida de Xxxxxxxx Xxxxxxxx, consultar Xxxxxxx (1992: 90-107) e Xxxxxx (1989: 377-389), além da maior referência sobre o assunto, a obra de Xxxxx (1964).
americano percebeu uma oportunidade semelhante para a cidade de Salvador, na Bahia, e organizou uma nova companhia com esta finalidade. Com dificuldades e sem apoio político neste negócio, Xxxxxxxx manteve a Bahia Tramway, Light and Power Co até 1913, quando se decidiu por sua venda.
Em 1905 se interessou pela concessão do Porto de Belém, fundando em 1906 a Port of Pará Co, uma espécie de holding das atividades do grupo no norte do Brasil, que envolveu um de seus empreendimentos mais conhecidos, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. O Brasil havia se comprometido a construir esta ferrovia para prover à Bolívia uma saída para o Atlântico, em troca do território do Acre, e Farquhar adquiriu a concessão em 1907.10
Esta era a forma tradicional de ação do grupo de Farquhar. Lançavam-se impetuosamente a adquirir a concessão mais atraente e a partir dela incorporavam as empresas relacionadas. O financiamento era obtido junto a grandes grupos, freqüentemente europeus. A rapidez com que o empreendedor lançava-se a novos negócios é assim explicada por Xxxxxx:
Isso era típico de Xxxxxxxx (e homens como ele): escolhia, entre as muitas ofertas que lhe faziam, os empreendimentos que lhe interessavam, tentava integrá-los entre si, cuidava do seu “lançamento” legal, político e financeiro e depois passava a dedicar-lhes apenas uma atenção esporádica, geralmente quando havia alguma crise. Enquanto tudo andava normalmente, o empreendimento não prendia a atenção de Xxxxxxxx, que imediatamente se lançava em outra aventura (1989: 381).
Em 1906, com a realização da Terceira Conferência Pan-Americana no Rio de Janeiro, retomou-se a proposta de uma ferrovia Pan-Americana, entusiasmando Xxxxxxxx. Assim nasceu seu mais ambicioso projeto: a constituição de um grande sistema ferroviário unificado na América do Sul, formando uma vasta rede (OFFICE NATIONAL..., 8 de Setembro, 1915). Para tanto, criou com seus associados a BRC e não tardou a adquirir a EFSPRG, peça chave de qualquer esforço no sentido norte-sul. Em pouco tempo a BRC tornou-se uma potência que ia muito além da construção e controle de ferrovias, juntando-se a este empreendimento empresas colonizadoras, extrativistas, portuárias, imobiliárias e pecuárias. Segundo Xxxx, a crise econômica experimentada pelo Brasil nos anos finais do século XIX, relacionada diretamente ao
10 Sobre a Madeira – Mamoré, consultar Xxxxxxxx (2005) e Xxxxxxx (1988).
Funding Loan (1898) e ao declínio dos preços internacionais do café, criou uma “[...] conjuntura econômica particularmente favorável à penetração do capital estrangeiro [...]” (1988: 24), o que gerou uma atitude de aceitação frente ao mesmo.
A BRC, lançada no final do ano de 1906, foi criada como uma empresa holding11 cujo objetivo era a aquisição e controle de várias linhas férreas do sul do Brasil, devendo abarcar ainda outros países da América do Sul. Interessava-se também por portos e demais concessões públicas, bem como concessões de terra e colonização (GREMAUD, 1992: 128/129). Tratava-se de uma Companhia internacionalizada, pois nenhuma de suas empresas estava em solo norte-americano, embora este fosse o fórum para ações e processos legais. Como xxxxx Xxxxx (2002: 65), enquanto os negócios estavam fisicamente no Brasil, os investidores lesados estavam na Europa. É interessante notar que esta empresa concentrou grande parte dos investimentos franceses no Brasil no período. Calcula-se que, dos capitais franceses aplicados no país, em torno de 25% tenham sido através da BRC (SAES, 1988: 26), um número impressionante.
Sobre o funcionamento da holding, Xxxxxxx nos informa que
A esta empresa se atrelam outras, responsáveis diretas, concessionárias ou arrendatárias de algum tipo de operação econômica, na maioria das vezes trabalhando com utilidades públicas. Através do conglomerado formado procurava-se atingir o monopólio das atividades, no ramo em que se encontravam, e muitas vezes promoviam algum tipo de interação com outros ramos de atividade de forma a aumentar os rendimentos do ramo inicial (1992: 130/131).
O sistema econômico formado pela BRC cobria os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para entendermos a extensão mais tarde atingida pela Companhia, no ano de 1915 um levantamento constatou que os quatro estados mencionados possuíam 57% de seus caminhos de ferro explorados pela BRC. Nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul a empresa gozava de um monopólio absoluto, enquanto em São Paulo controlava “apenas” um quarto das ferrovias (MOLITOR, 1915). Seriam, em todo o Brasil, mais de dez mil quilômetros de linhas, ou 40% do total brasileiro (TOPIK, 1987: 118).
11 Por definição uma empresa holding controla outras empresas por meio de participação acionária.
De São Paulo para o Sul, seu controle era praticamente completo. Ressalte-se que São Paulo era o estado com a maior malha ferroviária, conforme demonstra a tabela a seguir:
Extensão da rede ferroviária em tráfego, segundo as Unidades da Federação 1883-1977 | |||||||||
Unidades da Federação | Extensão da Rede Ferroviária em Tráfego (Km) | ||||||||
1883-84 | 1905 | 1919 | 1936 | 1940 | 1950 | 1960 | 1970 | 1977 | |
BRASIL | 5.708 | 16.782 | 28.128 | 33.521 | 34.252 | 36.681 | 38.339 | 32.102 | 29.855 |
São Paulo | 1.457 | 3.790 | 6.615 | 7.330 | 7.440 | 7.583 | 7.664 | 5.870 | 5.741 |
Paraná | 41 | 834 | 1.110 | 1.508 | 1.580 | 1.768 | 1.932 | 1.932 | 2.188 |
Santa Catarina | - | 166 | 1.018 | 1.186 | 1.188 | 1.332 | 1.425 | 1.540 | 1.369 |
Rio Grande do Sul | 236 | 1.650 | 2.705 | 3.214 | 3.490 | 3.757 | 3.849 | 3.653 | 3.533 |
Fonte: Estatísticas históricas do Brasil. Séries Econômicas, demográficas e sociais de 1550 a 1985. Rio de Janeiro: IBGE, 1987. vol. 3, p. 412.
Os caminhos de ferro explorados pela holding em 1915 eram a Paulista, a Mogiana, e a Sorocabana, em São Paulo; a EFSPRG, que atravessava todos os estados do Sul; a Paraná; a Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, no Rio Grande do Sul; os Chemins de Fer de l’Uruguay e a Madeira - Mamoré, na região Amazônica. Controlava os portos de Rio Grande (RS), do Rio de Janeiro e do Pará. Possuía ainda duas empresas industriais, a Brazil Land Cattle and Packing Company e a Souhern Brazil Lumber and Colonization Company. A primeira desenvolvia a indústria do gado em Mato Grosso e a segunda explorava florestas de pinos do Paraná e Santa Catarina, além de manufaturar e vender seus produtos. Estas alimentaram as linhas da Brazil Railway Company com um importante tráfego. Xxxxxxxx-se ainda a parcela mais frágil dos negócios da BRC, seus hotéis. A Cia des Hotels de São Paulo e a Rio de Janeiro Hotel Company possuíam um hotel em São Paulo e terrenos no Rio de Janeiro, mas estas empresas não chegaram a seu completo desenvolvimento (MOLITOR, 1915).
Não foi casual a escolha de Portland, no estado americano do Maine, como sede para a BRC. Neste estado as leis permitiam uma grande flexibilidade para a incorporação de empresas, permitindo dois tipos de vantagens:
1) Existia a possibilidade de incorporar as empresas, como sociedades de capital aberto, autorizando a emissão de determinado capital acionário, sem que este capital ou parte dele fosse aportado à empresa, o que aliás era prática corrente no lançamento das sociedades anônimas americanas; 2) possibilitava-se também ao grupo fundador o controle da empresa pelo voto de toda participação nominativa possuída pelo tesoureiro da empresa (GREMAUD, 1992: 133).
Assim, a empresa poderia começar a funcionar sem nenhum aporte numerário. O capital nominal autorizado em sua fundação atingiu 35 milhões de dólares, porém não foi integralizado em moeda.12 Supostamente as ações foram distribuídas aos membros do grupo fundador devido a serviços e propriedades colocados à disposição da empresa (GREMAUD, 1992: 134). Este arranjo concentrou poderes no grupo inicial, liderado pelo especulador Xxxxxxxx e seus associados Xxx Xxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx e Xxxxxxxxx. Como não havia sido integralizado capital na empresa através de participação acionária, fazia-se necessária a captação de recursos através de outras vias, tais como títulos, debêntures, bônus e obrigações vendidos nos mercados europeus, principalmente francês, inglês e belga.13
Tal formato não implicava em participação dos acionistas na direção do empreendimento, reservado, como já citado, ao capital acionário, ou seja, ao grupo fundador.14 A forte presença do capital francês, por exemplo, não impediu uma crescente perda de influência e a constatação de que os cargos de direção e administração não lhes eram garantidos. Os estatutos da empresa conferiam poder absoluto aos diretores, sobrepondo-se a qualquer decisão da assembléia, não havendo instâncias de controle sobre a diretoria. Garantia-se assim, desde seu início, “amplos espaços de impunidade” (LANNA, 2002: 65).
Em 1906 a BRC iniciou o processo de aquisição de ações da EFSPRG. A cronologia apontada a partir daí, entretanto, é motivo de divergência entre os autores
12 Saes (1988: 26) considera que o capital autorizado foi de 40 milhões de dólares, porém apenas 900 dólares em dinheiro. Caso a sede fosse no Brasil, deveria haver um aporte inicial de 10% do capital, ou seja, 4 milhões de dólares. Lanna (2002: 64) cita os mesmos dados.
13 A fraca participação dos capitais americanos se devia à crise atravessada por aquele mercado, a uma certa indiferença pelos empreendimentos latino-americanos e possivelmente à forma de atuação do grupo (GREMAUD, 1992: 136).
14 Por vezes os acionistas sequer sabiam em que estavam investindo. Xxxxxxx Xxxxxxxx (2005: 206) Farquhar dividiu o capital acionário da Madeira - Mamoré Railway entre a BRC e a Port of Pará, pois os acionistas americanos e principalmente ingleses não desejavam investir em uma ferrovia com má reputação, que causara perdas em sua tentativa anterior de construção, no século XIX. Assim os subscritores não tinham conhecimento de que estavam também investindo na Madeira - Mamoré.
consultados. Duas datas principais são citadas pela bibliografia. Enquanto parte dos autores posiciona em 1906 a incorporação da EFSPRG, outros a colocam para o ano de 1908.15
Esta discordância, acredito, deve-se a dois fatores. Um deles é a carência de fontes documentais que esclareçam detalhadamente o processo de aquisição da EFSPRG pela BRC. O outro é o fato de que este ocorreu paulatinamente através da negociação de ações. Como a BRC era uma empresa holding, ela não operava diretamente as concessionárias de serviço público, mas apenas possuía ações destas, e esta participação acionária lhe garantia a direção. No caso da EFSPRG, a Companhia detinha, em 1910, 42.700 ações e o arrendamento da linha (SAES, 1988: 28).
Os indícios nos apontam para uma diretoria dominada pelos empresários americanos a partir de janeiro de 1907, embora o processo de aquisição de ações tenha tido início em 1906. No entanto, o contrato definitivo entre as empresas foi celebrado apenas em 17 de junho de 1909. Por este contrato, a BRC passou a deter os direitos de exploração da rede, devendo administrar, dirigir e gozar de toda a concessão já existente e de concessões futuras que fossem acordadas. O contrato teria fim apenas na expiração da concessão da EFSPRG. A BRC receberia todas as receitas, benefícios e vantagens da administração da rede, e seria responsável por todas as despesas, bem como depósitos pagos ao governo. A cada ano a BRC deveria pagar à EFSPRG 25% do rendimento líquido; estes percentual seria determinado após a dedução de gastos (como os pagamentos ao Tesouro Nacional, as somas referentes a 6% de interesse sobre o capital da BRC e as somas adiantadas à EFSPRG para suas despesas administrativas). O contrato seria nulo em caso de não cumprimento pela BRC dos pagamentos
15 Segundo Singer, a EFSPRG foi adquirida por Xxxxxxxx em 1906 (1989: 381); a mesma data é sugerida por Xxxxx (1983: 58); Xxxxxx segue a datação de Xxxxx e coloca que em 1906 a BRC adquiriu participação na EFSPRG (1999: 92); mais adiante destaca que foi neste ano que adquiriu o controle acionário da empresa (1999: 96). Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx situa a venda da concessão em 1906 (1966: 70), assim como Xxxxx, que segue a informação de Singer (1995: 37). Xxxxxxx coloca que a concessão é adquirida pela BRC em 1906 (2004: 158). Já Xxxxxx afirma que foi em 1908 que a EFSPRG foi transferida para a BRC (1975: 45; 1985: 80). Masteck afirma que Xxxxxxxx teria adquirido a EFSPRG e sua concessão em 1908 (s/d: 16). Duglas Teixeira Monteiro, baseando-se em Ávila da Xxx e em Cabral, afirma que a concessão foi obtida pela BRC apenas no ano de 1908 (1974: 31). Xxxxxxxxx (1984: 49) também afirma a EFSPRG passou a fazer parte do grande complexo econômico americano a partir de 1908. Vemos aqui se reproduzir um problema comum na historiografia. Os autores utilizam-se mutuamente sem promover um retorno às fontes. Tal atitude é compreensível para as obras que não tratam diretamente da BRC ou da EFSPRG mas problemática nos casos em que tais empresas encontram-se no centro das temáticas.
correspondentes e das cláusulas especificadas por um período de mais de seis meses (MOLITOR, 1915).
Podemos concluir que o processo de incorporação da EFSPRG pela BRC iniciou-se em 1906, completando-se em 1909. Utilizo aqui a mesma documentação de Xxxxx, que chegou a entendimento semelhante:
Através da compra de ações a empresa será, a partir de 1909, controlada pelo grupo de Percival Farquhar, a Brazil Railway Company, constituindo-se na linha mestra de seu reseau pretendido (LANNA, 2002: 44).
Entre 1906 e 1913 temos uma fase de expansão da BRC, através de incorporações de empresas e concessões; entre 1914 e 1918, observa-se uma fase de crise e reorganização, com intervenção judiciária em sua administração (SAES, 1988: 29). Em 1914 a Companhia suspendeu o pagamento de juros de obrigações e dividendos de ações; no mesmo ano, a Corte do Maine nomeou um receiver16 americano, Mr. Xxxxxxx Xxxxxx, para operar sua reorganização.17 Farquhar ainda conservava um certo prestígio, motivo pelo qual foi mantido ativo na empresa por Forbes, que o considerava essencial para negociações com o governo (OFFICE NATIONAL DES VALEURS MOBILIÈRES, maio de 1915). Sua posição como articulador político foi mantida a despeito dos pedidos dos indignados portadores franceses. A reorganização, aprovada em 1918, manteve a unidade do sistema construído por Xxxxxxxx, e implicava em uma aceitação, pelos portadores de obrigações, de um período temporário de “renda variável” (SAES, 1988: 36). Naquele mesmo ano a empresa passou a ser controlada por um Comitê Conjunto (Conjoint) de portadores, do qual fazia parte Teixeira Soares, e
16 Saes (1988: 33) interpreta o termo como um “[...] interventor ou administrador judiciário”; Xxxxxx utiliza a palavra “curador” para definir a atribuição (1989: 387); já Lanna (2002) mantém a forma original inglesa.
17 Singer localiza o problema fundamental do grande complexo criado por Xxxxxxxx nos prejuízos das empresas pequenas, que acabavam por “engolir” os lucros das grandes. Além disso, os empreendimentos só poderiam ser lucrativos a longo prazo, dado sua própria natureza (ferrovias, portos, etc). “Quando o serviço de juros começou a absorver os lucros das poucas empresas terminadas, Xxxxxxxx era obrigado a levantar novos fundos até que, num momento de pânico, seu crédito se esgotou e o conjunto todo veio abaixo” (1989: 386). Não por acaso a primeira crise da empresa coincidiu com a Primeira Guerra Mundial, que gerou um abalo conjuntural. Saes (1988: 33/35) associa a crise da BRC tanto à Guerra quanto a sua forma de organização, que se baseava em uma emaranhada relação entre as empresas do grupo e que pressupunha uma constante integralização de novos capitais, impossível naquela conjuntura.
Xxxxxxxx foi afastado. Os diretores, no entanto, compunham seu grupo de parceiros mais próximo. Xxxxxxx Xxxxx foi nomeado então o novo diretor geral.
Após 1919 e durante os anos 20, conforme acredita Saes, a empresa passou a se pautar por uma maior prudência na condução dos negócios, reduzindo ainda a necessidade de novos recursos (1988: 38). No final daquela década a BRC só mantinha duas empresas ferroviárias sob seu controle, a Norte do Paraná e a EFSPRG. Até 1930 o governo continuou a pagar as garantias de juros; quando Xxxxxx subiu ao poder, entretanto, a situação conheceu modificações: o governo ocupou as linhas, suspendeu o pagamento de juros e propôs um resgate.18 Em 1934 expropriou as linhas férreas e todo o ativo da Companhia. Através de decreto de março de 1940 autorizou o pagamento de CR$ 48.300.000,00 para que a empresa saldasse suas obrigações no mercado interna- cional. Apenas em 1975 a empresa entrou em liquidação voluntária (LANNA, 2002).19
Cabe mencionar, mesmo que rapidamente, a reação nacionalista contra o “Sindicato Farquhar”.20 Devido a sua posição de destaque e liderança na holding, muitas vezes as críticas atingiam a Farquhar de maneira pessoal.21 Já em 1911 encontram-se na
18 Xxxxxxx Xx. (1925: 64) explica assim o processo de ocupação e encampação de uma ferrovia: “Em caso de guerra interna ou externa, ao Governo é licito occupar as estradas, collocando n‟ellas pessoal de sua confiança. [...] O Governo tambem póde, por outras circunstamcias, adquirir as estradas, antes de findo o praso da concessão, resgatando-as pelo seu custo provado, ou por accôrdo ou por sentença.”
19 Entre 1940 e 1944 o Governo Federal formou a Rede de Viação Paraná – Santa Catarina (RVPRSC), que resultou da incorporação ao patrimônio da União das ferrovias destes estados, incluindo a EFSPRG (em 8 de março de 1940), a Estrada de Ferro do Paraná, a Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, a Estrada de Ferro São Paulo – Paraná e a linha de São Francisco, formando uma rede com 2.593.845 quilômetros com bitola de um metro. Sobre a RVPRSC, consultar Xxxxxx (IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1954: 158-162) e as publicações da RFFSA
(1960, 1962) e do Departamento Nacional de Estradas de Ferro (s/d). A RVPRSC foi instituída como autarquia através do decreto lei n. 4.746, de 25 de setembro de 1942.
20 Por “Sindicato” entenda-se uma associação de capitalistas voltada para negócios de vulto, sobretudo em casos que envolvam o controle do mercado. Trata-se de denominação bastante utilizada na documentação da época, especialmente jornais, e que nem sempre possuía uma conotação negativa. Sobre os ataques à BRC, vide Xxxxxxxx (2005: 305/306).
21 Veja-se o seguinte exemplo desta associação: “Si se examina de mais perto a constituição das diversas sociedades, a redacção dos seus estatutos, a composição de seus conselhos de administração, verifica- se que todos se subordinam e obedecem á mesma direcção geral. Esta unidade se exprime por um nome proprio; e esse nome é o do Sr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, fundador da „Brazil Railway‟” (AMARAL, 1915: 17). Porém Xxxxxxx nos alerta para o fato de que o domínio efetivo de Farquhar sobre as empresas em que participou ainda é motivo de confusão, visto que a literatura nacionalista acaba por atribuir-lhe domínio sobre empresas relacionadas a associados seus, como Xxxxxxxxx e Person (1992: 132). Isto é ressaltado pelo próprio Xxxxxxxx em entrevista concedida a periódico da época, quando comenta que “Tem visto atribuirem-lhe emprezas de que jamais se occupou – como a Viação Bahiana, a Noroeste, a Light and Power de São Paulo, a Improvements de São Paulo e muitas outras” (BRAZIL-FERRO-CARRIL, n. 36, 15/12/1912: 299).
imprensa nacional condenações à presença avassaladora do grupo Farquhar, que evoluíram quando a BRC tentou adquirir a São Paulo Railway e o porto de Santos (LANNA, 2002: 67). Tais críticas, que alcançaram marcada influência durante a República Velha, tiveram como principais articuladores Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx, que produziram obras “anti-imperialistas”, (GREMAUD, 1992: 91), além de artigos em jornais. Mesmo na Argentina observaram-se reações contra o domínio econômico da empresa. Para os defensores de Xxxxxxxx, tratar-se-ia de ataques insuflados por pessoas que haviam perdido concorrências públicas frente à holding, especialmente os investidores nacionais Xxxxxxx Xxxxxx (GAULD, 1964: 237) e Xxxxxxx Xxxxxx. O gigantismo da BRC justificou a campanha movida contra ela sobretudo a partir de 1912, pois tornou-se símbolo da presença estrangeira no país. O estilo empregado muitas vezes é grandiloqüente:
[...] o Syndicato Farquhar é como o polvo: não tem forma e adquire todas as formas, não tem côr e adquire todas as côres; por onde lança os tentáculos, applica suas ventosas, corrompe e suga a riqueza do povo (AMARAL, 1915: 52).22
Um novo fato agravou o clamor da opinião pública contra a BRC e especialmente contra Xxxxxxxx entre os anos de 1912 e 1913: a divergência entre a empresa e a União em torno do pagamento da construção da Madeira - Mamoré. Devido ao contrato subfaturado, a Companhia demandava um pagamento extracontrato de mais de 40 mil contos de réis, além de solicitar mais 17 mil contos sobre o lastreamento da linha, que não constara no edital de concorrência. O andamento do processo foi extremamente desgastante para a Companhia, que acabou por receber, além do valor previsto em contrato, apenas o valor do lastreamento (FERREIRA, 2005: 305 e segs). Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx considera que o fato atingiu as proporções de um grande escândalo apenas por se tratar da BRC e de Farquhar. Pressionado pela opinião pública, o governo não pôde atender suas reivindicações, como já fizera tantas vezes anteriormente.
Não existe ainda um estudo historiográfico que analise as conseqüências desta campanha para a evolução econômico-financeira das empresas ligadas a Farquhar, cujo
22 Esta representação perniciosa sobre o grupo de Farquhar era corrente e deve ser estudada enquanto fenômeno cultural da época.
interesse se ampliaria pelo fato de que a decadência do grupo ocorreu poucos anos após seu ápice. Uma publicação quinzenal de engenharia da época, ligada ao Club de Engenharia, mesmo dizendo-se imparcial, fazia a defesa do Sindicato Farquhar. Em matéria de dezembro de 1912, a revista questionava algumas das acusações dirigidas contra este. Consideravam que o fato de Xxxxxxxx e seus associados possuírem diferentes contratos de concessão não seria perigoso para os interesses do país, visto que em caso de abuso o Estado poderia retirar-lhe contrato por contrato e concessão por concessão. “Não podemos razoavelmente exigir que os capitalistas que procuram negociar comnosco recusem as vantagens dos contratos que os nossos Governos estejam dispostos a fazer-lhes” (BRAZIL-FERRO-CARRIL, n. 36, 15/dez/1912: 292).
A revista publicou ainda uma entrevista realizada em Paris com o próprio Xxxxxxxx. Escrita em linguagem indireta, apresenta a defesa do empreendedor frente às acusações nacionalistas. Relata seu contato com o Brasil e seu interesse pelo investimento neste país; destaca que em cerca de seis anos já teria encaminhado aproximadamente 45 milhões de libras esterlinas para um país que encontrava dificuldade na obtenção de recursos no mercado financeiro internacional (BRAZIL- FERRO-CARRIL, n. 36, 15/dez/1912: 292). Ou seja, frente aos argumentos nacionalistas, Xxxxxxxx e seus defensores contrapõe o discurso do capitalismo e, por extensão, da modernidade e do desenvolvimento econômico.
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