PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC–SP
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx
Requisitos e Limites para Alterações Unilaterais no Contrato Administrativo
ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO ADMINISTRATIVO
São Paulo 2015
Requisitos e Limites para Alterações Unilaterais no Contrato Administrativo
ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO ADMINISTRATIVO
Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Especialista Lato Sensu em Direito, área de concentração Direito Administrativo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Mestre Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx.
São Paulo 2015
Requisitos e Limites para Alterações Unilaterais no Contrato Administrativo
Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Especialista Lato Sensu em Direito, área de concentração Direito Administrativo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Mestre Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx.
São Paulo 2015
Dedicatória
À João, Xxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Flávia, Vitor,
com muito amor.
XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Requisitos e Limites para Alterações Unilaterais no Contrato Administrativo. 2015. Tese de Especialização Lato Sensu – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.
O presente estudo tem o intuito de analisar as hipóteses de alteração unilateral do contrato administrativo, regulado pela Lei 8.666/93, incursionando em seus tipos, requisitos e limites, bem como analisando as implicações jurisprudenciais. Primeiramente, serão tecidas considerações gerais acerca do contrato administrativo, as definições trazidas pela doutrina, suas características e princípios que refletem nas alterações unilaterais promovidas pela Administração. Seguindo para as hipóteses de alteração contratual, inicialmente serão classificados os tipos de modificação permitidos pela Lei 8.666/93, entre as alterações ditas consensuais e unilaterais. Com foco direcionado às modificações unilaterais, tema que se subdivide em alterações qualitativas, quantitativas e qualitativas com aspectos quantitativos, primeiramente serão estabelecidos os requisitos gerais, comuns para qualquer tipo de alteração unilateral e que se apresentam de forma escalonada. Pormenorizando cada espécie de modificação unilateral, os requisitos específicos serão tratados no capítulo dos limites, com os contornos próprios que cada espécie de alteração exige. Nessa ocasião, serão trazidas considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca da aplicação dos limites percentuais definidos pela Lei 8.666/93 e da possibilidade de transpô-los, com destaque para a orientação do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Destarte, feita todas as considerações oportunas, o presente estudo será encerrado com as conclusões derivadas da exposição, especialmente em relação à aplicação dos limites à alteração unilateral e a implicação prática da orientação divergente.
Palavras-chave: Contrato administrativo. Alteração unilateral. Requisitos. Limites. Pencentuais.
XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Unilateral changes to administrative contracts: requirements, limits and jurisprudential implications. 2015. Specialization Course Thesis (Latu Sensu Graduation Program) – Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxx Xxxxx, Xxx Xxxxx, 0000.
This study aims to analyze the hypotheses of unilateral change of administrative contracts, governed by the law 8.666/93, by means of exploring its types, requirements and limits as well as analyzing its jurisprudential implications. First, we will present general considerations about the administrative contract, the definitions introduced by its doctrine and its characteristics and principles, which have consequences on the unilateral changes made by Management. As far as the hypotheses of contractual changes are concerned, initially, we will classify the types of modification permitted by the law 8.666/93, taking into consideration the ones that are consensual and unilateral. Concerning the unilateral changes, which are divided into qualitative, quantitative and qualitative changes with quantitative aspects, firstly, we will establish the general requirements, which are common to any type of unilateral change and are presented in a phased way. By detailing each type of unilateral change, we will address the specific requirements in the chapter about limits, with the characteristics that each kind of change requires. At this point, we will discuss the doctrinal and jurisprudential considerations about the application of percentage limits set by the law 8.666/93 and the possibility of implementing them, especially considering what The Federal Court of Accounts and the State of São Paulo Court of Accounts states. Therefore, this study will present conclusions derived from the exposure, especially in relation to the application of limits on unilateral change and the practical implication of the divergent orientation.
Keywords: Administrative contracts. Unilateral change. Limits. Percentage.
Sumário
Introdução 7
Capítulo 2 – Contrato Administrativo 10
2.1 – Características e definições de contrato administrativo 10
2.2 – Princípios que informam o contrato administrativo 17
2.2.1 – Pacta Sunt Servanda e Rebus Sic Standibus 17
2.2.2 – Mutabilidade do contrato administrativo em função do interesse público 20
2.2.3 – Manutenção da equação econômico-financeira 23
3.1 - Tipos de alteração contratual 26
3.1.1 – As alterações por acordo entre as partes 26
3.1.2 – As alterações unilaterais 29
3.1.2.1 – Alterações unilaterais: qualitativas, quantitativas e qualitativas com aspectos quantitativos 33
Capítulo 4 – Requisitos gerais e condição de eficácia para alteração contratual unilateral (artigo 65, I, Lei 8.666/93) 36
4 – Requisitos para alteração contratual unilateral 36
4.1 – Superveniência do interesse público 38
4.2 – Possibilidade de contratação autônoma 40
4.3 – Eficiência 42
4.4 – Cientificação do contratado 46
Capítulo 5 – Os Limites de cada tipo de alteração unilateral 49
5. Os limites como requisitos específicos 49
5.1. Os limites para alteração qualitativa 50
5.2. Os limites para alteração quantitativa 54
5.2.1. A impossibilidade de compensação entre acréscimos e supressões 57
5.3. A interpretação conferida aos §§ 1º e 2º, do art. 65, da Lei 8.666/93 60
5.4. A participação do contratado 68
Considerações finais 70
Introdução
O tema do presente estudo cinge-se ao campo do contrato administrativo, ou seja, aqueles contratos celebrados pela Administração Pública que são regidos pela Lei 8.666/93, a exemplo do contrato de obra pública, de prestação de serviços, de compras, etc. Não serão objeto deste estudo os contratos administrativos regidos por legislação especial, como os contratos de concessão, as parcerias público-privadas e os contratos de consórcio público, tampouco os contratos da Administração Pública regidos predominantemente pelo Direito Privado.
O foco de análise será voltado ao instituto das alterações unilaterais realizadas pela Administração, discriminando seus tipos, requisitos, quais os limites a que estão sujeitas, a possibilidade de relativização dos limites percentuais fixados em lei e como a jurisprudência entende o tema.
Pretende-se estabelecer os requisitos jurídicos que legitimam o Poder Público a alterar unilateralmente o contrato, os limites que balizam as modificações, a aplicabilidade dos percentuais previstos pela Lei 8.666/93, e, posteriormente, proceder a uma observação crítica quanto à orientação jurisprudencial predominante.
Primeiramente, cabe estabelecer noções gerais sobre o contrato administrativo. A doutrina não é uníssona na definição desse conceito, nem nos elementos que o caracterizam; entretanto, há pontos de interseção que merecem ser explorados.
Também os autores não costumam estabelecer princípios específicos que informem os contratos administrativos. Como a Lei 8.666/93 cumula as matérias de modalidades de licitação com as formas clássicas de contrato administrativo, normalmente, ao se debruçar sobre o aspecto principiológico, a doutrina tece maiores comentários sobre os princípios envolvidos no procedimento licitatório que aqueles atinentes aos contratos administrativos.
Ainda que temas associados, licitação e contrato não são cientificamente regulados pelas mesmas normas. Por conseguinte, é relevante tratar do contrato administrativo em separado, destacando os princípios de pacta sunt servanda, rebus sic standibus, mutabilidade do objeto contratual e manutenção da equação econômico-financeira, como normas próprias do contrato (e não da licitação) que iluminam o tema da alteração unilateral.
Em sequência, antes de alcançar as alterações unilaterais em específico, é preciso mencionar os tipos de alteração previstos pela Lei 8.666/93, classificando conforme os critérios mencionados pela doutrina. Em sequência, e mais importante, deve-se distinguir as espécies de alterações do inciso II, do art. 65 (ditas consensuais), das alterações do inciso I do mesmo artigo, estas sim objeto próprio desse estudo (unilaterais e que modificam aspectos do objeto contratado).
Partindo para a determinação dos requisitos necessários à alteração unilateral, entendemos que, tanto para as alterações quantitativas, como para as qualitativas, alguns são comuns, e estão escalonados em ordem lógica a ser seguida, ao passo que, se não preenchido o antecedente, o subsequente estará prejudicado.
Previamente aos requisitos, existe um pressuposto lógico determinante da alteração contratual: o interesse público subjacente à contratação. Não obstante haja mutabilidade do contrato administrativo, a regra geral é pela manutenção do pactuado, somente sendo justificável a alteração se em benefício de um interesse público subjacente que crie a necessidade de aditar o ajuste original.
Nos requisitos, em primeiro plano está a superveniência; sendo que a alteração do contrato deve servir para atender à necessidade inexistente na época da contratação, ou existente, porém que não poderia ter sido conhecida pela Administração. Em segundo lugar, deve-se verificar se é possível haver contratação autônoma da parcela alterada. Ao final, passa-se a análise da eficiência que o aditamento pode trazer quando comparado à realização de outra contratação, licitada ou não.
Neste capítulo, há observação pertinente sobre a cientificação do contratado, também elencada por alguns autores como requisito para alteração unilateral. Com a vênia ao entendimento diverso, a notificação do contratado é condição de eficácia. O fato de dar conhecimento ao contratado das alterações a que o ajuste estiver sujeito não implica validade da modificação.
No tocante aos limites, requisitos específicos a cada tipo de alteração unilateral, muito se discute se estes são ou não comuns à alteração quantitativa e à alteração qualitativa. Os respectivos limites deverão ser compreendidos segundo cada tipo de remodelamento do objeto contratual.
Para as alterações qualitativas (gênero de que é espécie a alteração qualitativa com reflexos quantitativos), o limite a ser abordado é a questão da natureza do objeto, isto é, a vedação de que a alteração transfigure ou modifique o próprio objeto inicialmente pactuado.
Já para as alterações de viés quantitativo, os olhos voltam-se para os limites percentuais fixados em lei. Pretendemos nos debruçar sobre a possibilidade de extensão desses percentuais às alterações qualitativas, sobre seu caráter rígido, e sobre a compensação entre acréscimos e supressões.
Para cada espécie de alteração e entendimento envolvido, serão trazidos julgados dos órgãos de controle externo da contratação pública, sendo o Tribunal de Contas da União e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo as duas Cortes consultadas.
Por fim, serão mencionadas as conclusões para a adequação dos conceitos defendidos em dogmática jurídica e sua aplicabilidade nas práticas contratuais da Administração Pública.
Capítulo 2 – Contrato Administrativo
2.1 – Características e definições de contrato administrativo
O contrato administrativo é instituto recente no Direito Público, datando do início do século XX. Antes desse período, a noção de contrato era pertinente apenas ao campo do Direito Privado e dali retirava seus elementos caracterizadores, como autonomia da vontade, igualdade entre as partes e interesses contrapostos. Em razão do conceito de contrato ser lido somente através das lentes do Direito Privado, houve resistência em aceitar a possibilidade de a Administração Pública celebrar contrato com os particulares:
“Hoje não se coloca em dúvida a ideia de um contrato em que o poder público é parte. Porém, nos primórdios da elaboração da teoria do contrato administrativo
– início do século XX –, houve fortes resistências a essa ideia: alegava-se que a Administração não poderia celebrar contratos em virtude da sua posição de supremacia em relação ao particular; por outro lado, o atendimento do interesse público impediria todo tipo de vínculo contratual contínuo; e, ainda, as relações entre Administração e particulares só nasciam mediante atos administrativos. Essa resistência explicava-se pelas concepções que predominavam no século XIX, a respeito da figura contratual, concepções essas elaboradas para o contrato entre particulares, regido pelo direito privado. Tais concepções centravam a essência do contrato na autonomia da vontade – por isso o contrato vinha conceituado como acordo de vontades, destinado a produzir efeitos jurídicos, havendo igualdade entre as partes e imutabilidade.” 1
Os primeiros sinais de que o contrato administrativo estava por surgir na ordem jurídica, situações nas quais o Poder Público deixaria de se igualar ao particular quando da celebração de contrato de obras, por exemplo, ocorreu somente em 1902, na França, no momento em que o Conselho do Estado passou a admitir a possibilidade da Administração alterar, sem a anuência do contratado, o ajuste celebrado.
1 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 18ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 244/245.
“Somente em 1902, com a decisão do acordão ‘Deville-lés-Rouen’, do Conselho de Estado francês – que inaugurou uma jurisprudência que, após, tornou-se clássica (querela do gás e da eletricidade) e que se consolidou no famoso aresto da cidade de Bordeaux –, é que se estabelece a possibilidade de o Poder Público alterar unilateralmente as cláusulas do contrato, daí surgindo a famosa teoria das ‘cláusulas exorbitantes do direito comum’ e, em consequência, o que se denominou contrato administrativo.
Mas essa possibilidade de alteração unilateral tem seus limites, segundo a doutrina francesa.”2
O contrato administrativo do Direito Brasileiro muito se assemelha ao contrato administrativo do Direito Francês, destacando-se a presença em ambos do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, principal fator que informa a possibilidade de instabilizar o instrumento contratual.
Soma-se a isto a consagração da autoridade da Administração Pública, no momento em que se garante a presunção de legitimidade de seus atos, de controlar e de fiscalizar a execução contratual e, por fim, de impor sanções, conforme permite o enunciado no art. 58, da Lei de Licitações.
Celso Antônio Bandeira de Mello3 menciona em sua obra que, para caracterizar um ajuste como contrato administrativo, o Direito Francês determinava que deveria estar presente ao menos um de três requisitos, a saber: o instrumento deveria receber tal qualificação por lei, ter por objeto a própria execução de um serviço público, ou conter cláusulas exorbitantes.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Di Pietro4, por sua vez, assinala que são vários os critérios utilizados para se distinguir contrato administrativo do contrato de direito privado: (i) para uns, o critério é o subjetivo/orgânico, em que se a Administração estiver presente como Poder Público, o contrato será administrativo; (ii) para outros, será administrativo sempre que o objeto referir-se a serviços públicos; (iii) há ainda a diferença motivada na finalidade pública, o que caracteriza o contrato administrativo; (iv) também existe a fundamentação no procedimento de contratação para assim se caracterizar o contrato administrativo; e, por fim,
2 XXXXX, Xxxxxx. Direito Administrativo Sistematizado. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 367/368.
3 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 623.
4 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 242.
(v) uma última corrente entende que o contrato administrativo se caracteriza pela presença de cláusulas exorbitantes do direito comum.
Entretanto, isoladamente, nenhum dos cinco critérios enumerados pela Ilustre Autora citada é suficiente para caracterização de contrato administrativo. A caracterização do contrato administrativo é matéria complexa, que demandaria estudos aprofundados que fogem ao objeto deste trabalho. Contudo, o que se pode perceber, ainda que em análise superficial, é que a realidade atual aponta para novas formas contratuais que não se enquadram nos quesitos supramencionados.
Sobre a presença da Administração, nas práticas contratuais contemporâneas, há inovações não explicadas pelos modelos tradicionais. A título ilustrativo, existem formas de organização societária em que a Administração possui a minoria das quotas ou ações, e mesmo assim reserva para si os poderes diretivos da empresa. De modo geral, nos contratos societários integrados pelo Poder Público, tecnicamente a Administração é parte, contudo não se denominam tais acordos como contratos administrativos.
Da mesma forma, nem sempre contratos administrativos têm como objeto serviços públicos em seu sentido estrito. Não obstante a divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da definição do próprio conceito de serviços públicos, há contratos em que o objeto não se refere a serviços dessa natureza. Basta imaginar a hipótese em que a Administração licite e contrate instituição bancária para efetivar o pagamento de seus servidores; não há que se falar em serviço público, visto que não se está diante de serviços prestados em caráter universal, indistintamente, e ininterruptamente. Todavia, o contrato com a instituição bancária é contrato administrativo de prestação de serviços.
No que tange à finalidade pública, este não é requisito exclusivo para o contrato administrativo, mas sim para toda e qualquer atuação da Administração, uma vez que o Poder Público somente é legitimado em seus atos pela tutela do interesse público. Mesmo as hipóteses ditas discricionárias não se prestam ao capricho do administrador; é preciso verificar qual a finalidade pública envolvida no ato. Sendo assim, somente o critério de finalidade não é suficiente à definição de contrato administrativo.
Sobre o procedimento de contratação, não é este que define o contrato administrativo, mas sim é consequência dele. Por se tratar de contrato administrativo é que o procedimento de contratação necessita obedecer a regras especiais, e não o oposto, porque o
procedimento é instrumental. Dizer que o contrato administrativo se define pelo procedimento de contratação seria, salvo melhor juízo, trocar a causa pelo consequente.
Quanto à presença de cláusulas exorbitantes, não perece que esse seja critério suficiente, já que as prerrogativas concedidas por lei à Administração também são instrumentais, ou seja, apenas se legitimam para fazer garantir o interesse público subjacente à contratação e nos limites definidos em legislação, e não estão à livre disposição do Poder Público. Assim, a presença de cláusulas exorbitantes nos contratos também é somente o consequente, o imediato, enquanto que o mediato é o próprio interesse público mediato à contratação.
O fato é que a teoria do contrato administrativo afastou preceitos outros vigentes na teoria do contrato privado do século XVIII e XIX. A igualdade entre as partes e a intangibilidade da vontade inicial dos pactuantes, por exemplo, antes elementos indispensáveis à delimitação de contrato, não são preceitos pertinentes aos contratos administrativos, vez que a Administração, por tutelar o interesse público em predominância ao interesse particular, dispõe de prerrogativas que lhe permitam subordinar o contratado à alterações unilaterais, garantindo apenas a manutenção da equação econômico-financeira inicialmente pactuada, ou até mesmo rescindir o ajuste.
Além de desligar parte das noções derivadas dos contratos privados, a teoria do contrato administrativo também submete as regras privadas à aplicação subsidiária, somente naquilo que não contrariar as especificidades do Direito Público: “os contratos administrativos assujeitam-se às regras e princípios hauridos no Direito Público, admitida, tão-só, a aplicação supletiva de normas privadas compatíveis com a índole pública do instituto”.5
Em síntese, o que se nota é que inicialmente a dita teoria geral dos contratos era informada eminentemente pelo Direito Privado, tornando o contrato instrumento exclusivo dos particulares. O contrato administrativo surge dessa noção de pacto, porém imediatamente se distancia das características elementares que eram atribuídas à figura dos contratos, para dar ensejo ao surgimento de regras e princípios diretamente provindos do Direito Público.
5 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 621.
Em vista disso, alguns doutrinadores publicistas criticam a denominação “contrato administrativo” para os ajustes celebrados pela Administração, como é o caso de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx e de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
“É de se notar que as prerrogativas em pauta colocam o ‘contrato’ à mercê de uma das partes, tanto no que atina à continuidade quanto, dentro de certos limites, no que respeita às condições relativas à prestação devida pelo particular. Daí que subvertem profundamente a noção de contrato encontradiça na teoria geral do Direito, autorizando a questionar se ainda seria o caso de usar com propriedade esta titulação. A qualificação ‘administrativo’ aposta à palavra ‘contrato’ parece, no caso, ter o condão de modificar o próprio sentido substantivo.”6
“Quanto a nós, acompanhando as lições do Prof. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx – que tratou do assunto com mestria insuplantável –, entendemos que esta rotulação ‘contrato administrativo’ tem sido utilizada de maneira imprópria e muito infeliz, porque propiciadora de equívocos.”7
A despeito das censuras, a doutrina majoritária utiliza a expressão contratos administrativos com aceitação, sendo apresentadas as definições de alguns autores:
“11.3 Os contratos administrativos clássicos
São contratos celebrados pela Administração, norteados pelo direito público; seu regime jurídico advém de elaboração iniciada nos primórdios do século XX. No ordenamento brasileiro esse regime jurídico está contido na Lei 8.666/93 (...).
Constituem objeto de tais contratos as obras, compras, serviços, alienações, concessões, permissões e locações, segundo vem indicado no art. 2º, ‘caput’, da Lei 8.666/93. Para os fins dessa lei, o parágrafo único do mesmo artigo considera contrato ‘todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração pública e particulares, em que haja um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada’.”8
“Vários são os conceitos de contrato administrativo formulados pela doutrina, alguns deles destacando determinado elemento, e outros acentuando elementos diversos.
De forma simples, porém, pode-se conceituar o contrato administrativo como o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado
6 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 622. 7 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 624. 8 MEDAUAR, Odete. Obra citada na Nota 1. p. 246.
basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.”9
“E a expressão contrato administrativo é reservada para designar tão-somente os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público.”10
“1.2.1 Conceito – Contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.”11
No mais, a lei 8.666/93, conhecida como a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, dispõe no parágrafo único, do seu art. 2º, a definição de contrato administrativo como sendo todo e qualquer ajuste celebrado entre a Administração Pública e particulares, em que há conjugação de vontades para que seja formado vínculo e, também, sejam deliberadas as obrigações recíprocas:
“Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”12
O primeiro ponto em comum a todas as definições doutrinárias e à definição legal é o elemento da Administração Pública como parte integrante do ajuste. Interessante que, normalmente, os autores e a lei mencionam só os ajustes celebrados entre a Administração e particulares, com exceção do Mestre Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx que inclui também os contratos celebrados pela Administração com outra entidade administrativa. Esta é hipótese possível, vez que inúmeras entidades da administração indireta podem contratar com o Poder Público por meio de contratos administrativos.
Também é elemento pacífico nas definições doutrinárias a característica de submissão dos contratos administrativos ao regime jurídico de direito público, tornando
9 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 191.
10 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 4. p. 240.
11 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 212.
12 Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, DF, 7 jul. 1994. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/X0000xxxx.xxx. Acessado em: fevereiro de 2015.
evidente que se trata de formas contratuais delineadas por regras e princípios próprios e diferentes do Direito Privado, sendo este fonte subsidiária.
Em terceiro, há menção ao interesse público ou fim público pretendido pela Administração por meio da contratação. Mais que o interesse público geral que orienta toda e qualquer atuação do Poder Público, o interesse presente no contrato administrativo é mais palpável, pragmaticamente perceptível pela utilidade pública que determinado objeto contratual vai proporcionar à Administração e à população. Há uma necessidade pública que precisa ser suprida pelo Estado, e que antecede e legitima a contratação.
Assim, pode-se conceituar contrato administrativo como o pacto em que a Administração Pública figura como parte contratante, regulado pelo direito público e, subsidiariamente, pelo direito privado, tendo por objeto a consecução de interesse público.
Partindo dessa delimitação comum dos autores, ilumina-se o aspecto de consecução de interesse público, como a condição que antecede e legitima o contrato administrativo.
Como visto, para que haja contrato, é preciso surgir uma necessidade pública de obtenção de determinado objeto que não possa ser fornecido diretamente pela Administração. A partir de então, o contrato administrativo está intimamente ligado à efetivação desse interesse público subjacente, tanto que, se no intermédio da execução contratual, houver descompasso entre o que o contrato pode oferecer e o que de fato satisfaça o interesse público, a Administração poderá lançar mão de prerrogativas especiais para alteração contratual unilateral.
A exemplo, imagine-se que, após a assinatura do contrato e eventualmente início da execução, haja modificação do quadro fático de modo que o interesse público concernente ao objeto daquela contratação altera-se. Ou então situação em que o interesse comum permanece o mesmo, porém o projeto inicial do contrato não poderia prever condição que prejudicaria a execução do objeto nos moldes estabelecidos.
Nessas situações, caso o contrato prosseguisse nos termos primeiramente definidos, ainda que a Administração recebesse o objeto da forma originalmente pactuada, a necessidade pública que motivou a contratação não seria satisfeita.
Sendo assim, a fim de que a rigidez do contrato não implique frustração do próprio interesse público que o motivou, ao Estado é permitido lançar mão de prerrogativas especiais, para modificação unilateral do ajuste, de forma a readaptar a contratação, harmonizando o que o particular pode oferecer com a necessidade pública almejada.
Em suma, é a característica de consecução de interesse público presente nos contratos administrativos que autoriza a mutabilidade do ajuste, mesmo que de forma unilateral, desligando a noção de contrato administrativo dos conceitos clássicos da teoria geral dos contratos.
Dada a natureza própria dos contratos firmados pela Administração, é momento de verificar quais os princípios são específicos a esta modalidade de contratação.
2.2 – Princípios que informam o contrato administrativo
2.2.1 – Pacta Sunt Servanda e Rebus Sic Standibus
Nesse tópico, apresentam-se dois princípios contratuais, considerados por alguns autores como conflitantes, mas que se relacionam ao contrato administrativo concomitantemente.
O primeiro, pacta sunt servanda, majoritário no Direito Civil, deriva de brocardo latino que pode ser traduzido como “os pactos devem ser cumpridos”, referindo-se à força obrigatória dos contratos, que fazem lei entre as partes, não podendo haver modificação unilateral dos termos acordados, vez que as partes contam com autonomia da vontade no momento da celebração. Xxxxxx Xxxxxx assim leciona:
“Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, como princípio, intervir nesse conteúdo. Essa é a regra geral. As atenuações legais que a seguir estudaremos alteram em parte a substância desse princípio. A noção decorre do fato de terem as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido sua
vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi desejada.”13
O segundo princípio é a forma sintética que provém do Direito Canônico na regra “Contractus qui habent tractum sucessivum et dependetiam de futuro, rebus sic standibus intelliguntur”. Em tradução livre, entende-se que os contratos com trato sucessivo e que dependam de futuro (contratos a termo), devem manter o mesmo estado de subsistência das coisas. No Direito Brasileiro, o princípio do rebus sic standibus evoluiu para a ideia de Teoria da Imprevisão. Esta teoria, traz em seu bojo, que “a ocorrência de fatos imprevisíveis, anormais, alheios à ação dos contratantes, e que tornam o contrato ruinoso para uma das partes, acarreta situação que não pode ser suportada unicamente pelo prejudicado”14.
Nesse sentido, nos contratos que têm duração estendida no tempo, caso haja modificação inesperada das condições que influenciem na execução do ajuste, as obrigações devem ser adaptadas para garantir o adimplemento.
Para que esta teoria tenha aplicabilidade, alguns requisitos devem ser preenchidos e Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de Xxxxx prega-os de forma a serem entendidos como pontos necessários, como requisitos mínimos a serem observados:
“Para a aplicação da teoria, entendia-se necessária a ocorrência de três requisitos, a saber: a) que o prejuízo resultasse de evento alheio ao comportamento das partes, ou, no caso da Administração, estranho à sua posição jurídica de contratante; b) que o evento determinante do prejuízo fosse não apenas imprevisto, mas também imprevisível; c) que o prejuízo resultante para o onerado fosse significativo, isto é, gravemente convulsionador da econômica do contrato.”15
Muito se critica a aplicação desses dois princípios aos contratos administrativos, posto que, na teoria contratual clássica, as obrigações deveriam ser cumpridas tal como originalmente pactuadas.
Ocorre que o princípio rebus sic stantibus, ao admitir alterações contratuais em benefício da efetivação do contrato, rompe o caráter absoluto do pacta sunt servanda, mas não há incompatibilidade absoluta entre eles, e sim harmonização.
13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6ª ed. São Paulo; Atlas, 2006. Coleção Direito Civil, v. 2. p. 373.
14 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 658.
15 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 660.
Tomemos como paralelo a evolução que o princípio da igualdade atravessou no tempo. Inicialmente, a igualdade era vista somente como igualdade formal, ou seja, todos deveriam ter os mesmos direitos e deveres nas mesmas medidas. Entretanto, essa ideia extrema de distribuição igualitária, a despeito de pretender promover as mesmas oportunidades a todos os indivíduos, acabou por mostrar-se agravante de desigualdade. Isso porque nem todas as pessoas encontram-se inicialmente nas mesmas condições; às vezes o ponto de partida já é desequilibrado.
Para sanar essa situação, ergue-se a igualdade material, resumida nas lições doutrinárias como “Dar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na medida de sua desigualdade”. Nas ocasiões em que os patamares estão desnivelados, para que haja igualdade material, é preciso conferir porção maior a quem possui menos e porção menor a quem já possui mais.
Nesse sentido, igualdade formal pretende fornecer os mesmos instrumentos a todos os indivíduos, enquanto que a igualdade material intenta outorgar mais aquele que detém menos para equilibrar o resultado final. A igualdade material não é totalmente oposta à igualdade formal, porém quebra o caráter absoluto que esta pregava.
No caso dos princípios contratuais aqui tratados, há a mesma relação. A possibilidade de mudança das condições contratuais, reordenando as obrigações segundo as novas condições percebidas no decorrer do contrato, não representam desvinculação total ao pacta sunt servanda. Pelo oposto, há manutenção das obrigações e da vontade das partes em contratar; o que se realiza são apenas adequações dos termos contratuais, para que o adimplemento possa ocorrer segundo a nova realidade enfrentada pelas partes.
Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, ao tratar sobre ambos os princípios, em seu artigo O Contrato Administrativo no Brasil, narra que:
“Na Teoria Geral o vínculo é regido, ao menos precipuamente, pelo princípio pacta sunt servanda, não pela cláusula rebus sic stantibus. Aclare-se que pelo pacta sunt servanda o contrato faz lei entre as partes, de tal sorte que suas cláusulas vinculam os contratantes como se fossem normas imperativas de direito, donde se deflui a imutabilidade do contrato. De revés, na cláusula rebus sic stantibus, por seu turno, ‘as obrigações contratuais hão de ser entendidas em correlação com o estado de coisas ao tempo em que se contratou. Em
consequência, a mudança acentuada dos pressupostos de fato em que se embasaram implica alterações que o Direito não pode desconhecer, (...)’”16
Tomando especialmente os contratos administrativos, fortemente atrelados ao interesse público objeto da contratação, a hipótese de adaptação das condições contratuais para garantia do adimplemento, consequentemente da satisfação do interesse subjacente, é hipótese que se alinha à eficiência administrativa. Fosse o contrato absolutamente intangível, a alteração das circunstâncias que interferissem em sua execução poderiam resultar em frustração do pactuado, com necessidade do Poder Público retomar todo o procedimento para estabelecimento de novo contrato.
Pode-se dizer que a teoria da imprevisão é mais uma evolução do pacta sunt servanda que sua contradição, uma vez que as alterações somente ocorrem para garantia da execução contratual, mantida a equação bônus-encargos inicialmente estipulada pelas partes. Aliás, este será princípio tratado em tópico próprio, já que a equação econômico-financeira originalmente pactuada pela Administração é núcleo duro e deve ser mantida ao longo de toda a vigência contratual.
Em suma, o que se pretendeu expor é que os princípios pacta sunt servanda e rebus sic standibus coexistem simultaneamente no ordenamento jurídico do Direito Público, para preservar e manter o contrato administrativo na finalidade originalmente pactuada. A possibilidade de modificações não autoriza a desconfiguração do acordo celebrado; pelo contrário, permite que alterações ocorram para que seja mantida a eficácia contratual, e para que uma das partes não suporte o ônus que, por xxxxxxx, possa surgir com eventos imprevistos.
2.2.2 – Mutabilidade do contrato administrativo em função do interesse público
Outro princípio com reflexos nos contratos administrativos é a mutabilidade do ajuste em função do interesse público.
16 ESTEFAM, Xxxxxx Xxxxxxxxx. O Contrato Administrativo no Brasil. Revista Trimestral de Direito Público nº
57. p. 245/266, apud XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de, Curso de Direito Administrativo, 29ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2012. p. 630.
Sobre o assunto, leciona Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx di Xxxxxx:
“O assunto tem que ser analisado sob dois aspectos: o das circunstancias que fazem mutável o contrato administrativo e o da consequência dessa mutabilidade, que é o direito do contratado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.
(...)
2. álea administrativa: que abrange três modalidades:
a) uma decorrente do poder de alteração unilateral do contrato administrativo, para atendimento do interesse público; por ela responde a Administração, incumbindo-lhe a obrigação de restabelecer o equilíbrio voluntário rompido;
b) a outra corresponde ao chamado fato do príncipe, que seria um ato de autoridade, não diretamente relacionado com o contrato, mas que repercute indiretamente sobre ele; nesse caso, a Administração também responde pelo restabelecimento do equilíbrio rompido;
c) a terceira constitui o fato da Administração, entendido como ‘toda conduta ou comportamento desta que torne impossível, para o co-contratante particular, a execução do contrato’ (Escola, 1977, v. I:434); ou, de forma mais completa, é ‘toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda, agrava ou impede a sua execução’ (Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, 2003:233).”17
O princípio da mutabilidade refere-se às alterações unilaterais do contrato promovidas pela Administração Pública, as quais o particular está sujeito, para atendimento a interesse público superveniente à celebração do contrato.
Esclareça-se que não se trata da mesma hipótese da teoria da imprevisão, situação esta em que as condições que influenciam na execução do contrato se modificam por circunstâncias alheias às partes, restando aos contratantes adaptarem as obrigações de acordo com os novos encargos ou privilégios, para garantir o adimplemento contratual.
No caso de mutabilidade, é a Administração que percebe interesse público superveniente e determina a alteração. A superveniência é requisito que afasta a possibilidade de alterações ilícitas ou por mau planejamento administrativo: se a Administração tinha condições de planejar desde logo o objeto contratual e não o fez, a alteração posterior pode ser configurada como irregular.
17 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 4. p. 264/265.
Assim, vê-se que a alteração unilateral do contrato administrativo, com o fito de atender o interesse público, autoriza a mutabilidade do contrato administrativo, respeitados os limites estabelecidos em legislação. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx explica que essa possibilidade, ainda que seja considerada discricionária, não é livre ao administrador:
“A faculdade deferida à Administração Pública não consagra seu arbítrio nem significa ausência de força vinculante do contrato relativamente à Administração.
Antes de realizar o contrato, a Administração desenvolve atividades internas que definem a extensão e o conteúdo dos contratos que serão firmados. A Administração elabora o ato convocatório e define o objeto da licitação; fixa o conteúdo do contrato; promove a convocação dos terceiros interessados, definido os requisitos e as exigências necessárias à participação e à seleção da melhor proposta. Não se pode conceber que após desenvolvidas todas essas atividades, a própria Administração delibere alterar o conteúdo do contrato, modificando substancialmente o conteúdo dos deveres impostos ao contratado. Se tal fosse possível, teria de reconhecer-se como desnecessária e inútil a atividade licitatória. Ao expedir o ato convocatório e conduzir a licitação até seu encerramento, promovendo a contratação, a Administração exercitou sua competência discricionária. Bem por isso não se admite a revogação do contrato administrativo regularmente firmado, ignorando os direitos do particular. A autoridade administrativa exaure sua competência discricionária ao optar pela contratação.
Logo, a modificação unilateral do contrato pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação. A Administração tem a faculdade de modificar o contrato, mas tendo em vista ocorrências subsequentes à data de contratação. Deverá ter ocorrido uma modificação das circunstâncias de fato ou de direito, motivando a necessidade ou a conveniência de alterar o contrato. Há uma força vinculante do contrato administrativo mesmo para a Administração Pública. Porém, essa força vinculante põe-se rebus sic standibus.”18
Acrescentem-se as lições de Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, que em sua obra destaca que o princípio da estabilidade deixa de ser regra geral quando esbarra no princípio da mutabilidade. Este deve estar fundamentado em motivos determinantes, que demandem a alteração, a fim de sanar risco de inviabilidade contratual.
“Portanto, o princípio da estabilidade, já nas fases de execução, não faz regra geral administrativa. Esbarra no princípio da mutabilidade quando ocorrem motivos determinantes. O segundo princípio submetendo o primeiro conforme conveniências negativas impostas por intransponíveis necessidades do serviço.
18 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 709.
Sem dúvida, não é apenas uma simples faculdade, mas um poder cautelar que está em jogo, pois a Administração, em face de motivos determinantes, quando intervém está prevenindo responsabilidades, a querer que o serviço público não sofra prejuízos ligados aos procedimentos executórios contratuais.
Em tese e na prática, ‘o fundamento do poder da Administração, para modificar os contratos administrativos, não é outro do que atender ou satisfazer da melhor forma as pertinentes necessidades pública’. A conduta possível rege, no interesse público, todas as contratações, qualquer que seja a natureza do serviço.
(...)Depreende-se, no sentido de conhecimento, que a mutabilidade nos contratos administrativos, não fazendo nunca regra geral, é atividade que decorre necessariamente do poder de tutela da Administração diante do ‘interesse’ que concede o ‘direito’ de controlar todas operações executórias.”19
São estas alterações unilaterais que constituem o objeto do presente estudo, cujos requisitos, limites e desdobramentos serão analisados nos capítulos seguintes.
2.2.3 – Manutenção da equação econômico-financeira
Enquanto os dois primeiros princípios têm reflexos mais direcionados à Administração, a garantia de manutenção da equação econômico-financeira da proposta é princípio dirigido à proteção do particular contratado pela Administração e que se sujeita às situações de alteração contratual.
Se, por um lado, a teoria da imprevisão e a mutabilidade do contrato administrativo permitem que as condições pactuadas sejam alteradas em benefício da satisfação do interesse público, por outro, há um núcleo duro e intangível, abarcado pela noção de pacta sunt servanda, que não pode ser modificado: a equação econômico-financeira estabelecida na proposta do particular. E caso haja alteração dessa equação, o particular tem
19 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Contratos Administrativos. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 50/51, apud Xxxxx xx Xxxxxxxxx, Existence du pouvoir de modification unilatérale, in Traité théorique et pratique des contrats administratifs, Paris, 1956, t. 2, p. 331-5, e “Se bem que o princípio da imutabilidade tem império no Direito Privado não ocorre o mesmo no Direito Público, onde a necessidade de adaptar o contrato a conveniências gerais produz quebra do princípio da imutabilidade, permitindo essa modificação” (v. Xxxxxx X. Xxxxxxxxxx, op. cit., t. 3-A, p.396), e Xxxxxx X. Xxxxxxxxxx, op. cit., t. 3-A, p. 397, e Consultar: G. Péquignot, Des contrats administratifs, Paris, 1953, p. 313; Xxxxx Xxxxxxx, Précis de droit administratif, paris, 1953, p.620.
direito subjetivo ao reequilíbrio do balanço de encargos e de remuneração inicialmente pactuado.
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx salienta que a manutenção do equilíbrio vai além de atributos meramente econômicos, alcançando outros encargos de contratação:
“O equilíbrio econômico-financeiro abrange todos os encargos impostos à parte, ainda quando não se configurem como ‘deveres jurídicos’ propriamente ditos. São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo previstos no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias-primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo para pagamento etc.
O mesmo se passa quanto à remuneração. Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes, tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas também as épocas previstas para sua liquidação.”20
Diz-se que o particular tem direito subjetivo ao reequilíbrio, pois não há necessidade dessa possibilidade estar prevista no ato convocatório ou no contrato, vez que deriva do próprio texto constitucional, em seu art. 37, inciso XXI. Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx assim comenta o dispositivo da Carta Magna:
“O particular contratado pelo Poder Público tem direito subjetivo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mesmo que se reconheça existir regime jurídico especial aos contratos administrativos decorrente da presença de cláusulas exorbitantes do direito comum (regime jurídico especial dos contratos administrativos). Com efeito, o regime jurídico dos contratos garante à Administração Pública posição privilegiada na relação jurídica com o contratado, pois o interesse público que está sob sua cura demanda, não raro, mutabilidade unilateral das regras da avença.
(...) A garantia do contratado nos contratos administrativos, residente na intangibilidade da cláusula de remuneração, engloba reajustes – provenientes da corrosão do poder aquisitivo da moeda (art. 3º da Lei 10.192, de 14 de fevereiro de 2001) –, e recomposições (ou revisões) – oriundas de alterações nos parâmetros equacionais da proposta, derivados de atos do Poder Público ou de eventos alheios à vontade das partes que interfiram diretamente na execução do contrato.”21
20 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 746.
21 XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxx. Comentário ao art. 37, XXI. In: XXXXXXXXX, X. X. Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxx X.; XXXXXX, Xxxx X.; XXXXXX, Xxxxx X. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 884.
Além dos limites intrínsecos às alterações unilaterais, que serão apresentados nos capítulos seguintes, há como limite extrínseco a intangibilidade da equação econômico- financeira do contrato (da proposta), estando o Poder Público obrigado a reestabelecer o balanço entre encargos e remuneração conforme inicialmente pactuado. Postos estes princípios pertinentes ao tema da modificação de contratos administrativos, passe-se à análise dos tipos de alterações unilaterais.
Capítulo 3 – Alterações contratuais previstas no art. 65, da Lei 8.666/93
3.1 - Tipos de alteração contratual
O art. 65 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos prevê dois tipos de alteração contratual a que podem estar sujeitos os ajustes firmados pelo Poder Público: as alterações promovidas unilateralmente pela Administração, dispostas no inciso I; e as alterações ditas pela lei como consensuais, presentes no inciso II do mesmo artigo.
Invertendo a ordem posta no dispositivo legal, as alterações consensuais serão mencionadas em primeiro momento, por breves comentários, já que o foco deste estudo é a análise das situações de modificação unilateral dos contratos.
3.1.1 – As alterações por acordo entre as partes
De início, grifa-se a alteração por acordo entre as partes disposta no inciso II, do art. 65, da Lei 8.666/93:
“Da Alteração dos Contratos
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...)
II - por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”22
O inciso II, do art. 65, ao aludir à possibilidade de alteração por acordo entre as partes, não deve ser entendido como casos de alteração facultativa, por livre conveniência das partes. Como bem alerta Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, o referido inciso traz, em suas alíneas, hipóteses de alteração facultativa e de alteração obrigatória: no primeiro caso, cabe às partes deliberar sobre a modificação ou não do ajuste; enquanto que no segundo, a modificação deve ocorrer e, às partes apenas assiste modular o conteúdo e efeitos da alteração.
“A alteração por acordo das partes envolve tanto hipóteses de modificação facultativa como de modificação obrigatória. Há casos em que a modificação se impõe mesmo que uma das partes não a repute desejável. As hipóteses contidas nas diversas alíneas são heterogêneas. Assim, a substituição da garantia por ‘conveniência’ (al. ‘a’ do inc. II) depende da concordância das partes. Porém, as condutas da al. ‘b’ são obrigatórias e devem ser formalizadas ainda que uma das partes preferisse manter a situação anterior. Em tais casos, o acordo das partes se refere ao conteúdo da modificação.”23
Como bem observado no trecho supra, de fato, a única hipótese em que as partes podem deliberar sobre a modificação é a constante na alínea “a”, de substituição da garantia de execução, vez que a própria lei autoriza que assim se faça por conveniência. Todavia, mesmo esta pode ser tida, no caso concreto, como obrigatória, nas situações em que a garantia de execução se extinguir ou se tornar insuficiente (exemplo: o garantidor da fiança bancária sofre insolvência). Assim, para que a execução contratual não seja descoberta, há o dever de substituição da garantia, limitando-se às partes a acordar apenas sobre o conteúdo da modificação.
22 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
23 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 744/745.
Na alínea “b” do inciso II, também a modificação será obrigatória, visto tratar de alteração necessária por razão de inaplicabilidade dos termos contratuais originários concernentes ao regime de execução ou modo de fornecimento. O caso é de circunstância superveniente que ameaça a própria viabilidade do contrato, logo põe em risco a satisfação do interesse público contratual. Nesse quadro, a alteração é imperativa, cabendo ao contratado e contratante modular um novo regime ou modo de execução.
Para o cenário da alínea “c”, a modificação das condições de pagamento também é necessária, por imposição de circunstâncias supervenientes, que ameacem a viabilidade contratual. Vale ressaltar que este dispositivo deve ser interpretado restritivamente, vez que a regra geral é de manutenção das condições da proposta (intangibilidade da equação econômico-financeira).
No tocante à última alínea do inciso II, do art. 65, tem-se a positivação do princípio de manutenção da equação econômico-financeira nas hipóteses de teoria da imprevisão. Havendo superveniência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis com consequências incalculáveis, retardados ou impeditivos da execução, ou ainda caso fortuito, força maior e fato do príncipe, deve-se restabelecer a relação entre encargos do contratado e remuneração como inicialmente pactuada.
Conforme mencionado no capítulo que tratou dos princípios dos contratos administrativos aplicáveis ao tema da alteração contratual, a manutenção da equação das mesmas condições da proposta é direito subjetivo do contratado previsto no texto constitucional, em seu art. 37, inciso XXI, não havendo necessidade sequer de estar previsto em contrato ou no ato convocatório.
Cada uma dessas situações de modificação por acordo entre as partes tem sua problemática própria, que não será explorada nesta oportunidade em virtude do objetivo metodológico estar delimitado às alterações unilaterais. No entanto, somente como forma de ilustrar a discussão, a modificação do regime de execução, por exemplo, é alteração grave nas condições contratadas, cabendo muita cautela na verificação da legitimidade desse tipo de modificação.
Isso porque a Administração, no momento que decide efetivar a contratação e inicia o procedimento licitatório, precisa empenhar-se no planejamento adequado do objeto, de modo a lançar a contratação com todas as condições de execução previamente definidas.
Isso serve tanto para orientar os particulares interessados em concorrer no certame, quanto para estabilizar a segurança jurídica da contratação.
Ainda que a Administração comprove que a necessidade de modificação do regime de execução seja derivada de circunstância superveniente ou que não poderia ser conhecida no momento da abertura do procedimento de contratação, essa alteração não pode se fazer unilateralmente, posto que bastante significativa. O contratado deve acordar no conteúdo da modificação para que seja possível a efetividade do contrato.
Traçado o quadro geral das alterações realizadas em comum acordo das partes, cumpre adentrar no exame das alterações unilaterais promovidas pela Administração.
3.1.2 – As alterações unilaterais
A permissão para alteração unilateral dos contratos administrativos é uma das cláusulas exorbitantes mencionadas pela doutrina, derivada do poder que compete ao Estado na tutela do interesse público.
Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx narra com clareza que a desigualdade instalada nos contratos administrativos por meio de cláusulas exorbitantes tem o intuito de tutelar o bem comum:
“Na correta lição de XXXX XXXXXX, ‘o princípio da igualdade entre as partes, que importa a regra da imutabilidade dos contratos, cede passo ao da desigualdade, ao predomínio da vontade da Administração sobre a do outro contratante’.
O efeito dessa desigualdade consiste na atribuição, pela própria lei, de vantagens especiais destinadas à Administração.
Cláusulas de privilégio, também denominadas de cláusulas exorbitantes, são as prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada.
Tais cláusulas constituem verdadeiros princípios de direito público, e, se antes eram apenas enunciadas pelos estudiosos do assunto, atualmente transparecem no texto legal sob a nomenclatura de ‘prerrogativas’ (art. 58 do Estatuto). São esses
princípios que formam a estrutura do regime jurídico de direito público, aplicável basicamente aos contratos administrativos (art. 54 do Estatuto).”24
Também merece destaque a preciosa lição do mestre Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, em que o autor sustenta que o poder de modificação unilateral é preceito de ordem pública e de competência exclusiva da Autoridade Pública, sendo que as alterações só poderão atingir as cláusulas regulamentares e de serviço, ou seja, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.
“O poder de modificação unilateral do contrato administrativo constitui preceito de ordem pública, não podendo a Administração renunciar previamente à faculdade de exercê-lo, como, muito acertadamente, sustentam Jèze e Xxxxxxx. Seu fundamento, segundo Xxxxxxxxx, é a competência exclusiva das autoridades para organizar e administrar as obras e serviços públicos como verdadeiros donos. Por isso mesmo, a alteração só pode atingir as denominadas cláusulas regulamentares ou de serviço, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução (...).”25
A possibilidade de a Administração promover alterações no contrato administrativo sem a necessidade de concordância do contratado é primeiramente prevista no art. 58 da Lei 8.666/93, dispositivo que enumera as chamadas cláusulas exorbitantes, advindas do poder estatal.
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I – modifica-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;”26
De pronto, vê-se que a lei atribui uma prerrogativa à Administração para modificar os contratos, porém, imediatamente impõe um pressuposto e um consequente necessário: como pressuposto, a alteração somente será possível se direcionada a melhor adequar o ajuste às finalidades pretendidas pelo interesse público subjacente à contratação; e o consequente necessário é que qualquer modificação deverá resguardar os direitos do contratado.
24 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Obra citada na Nota 9. p. 209, apud XXXXXX, Caio. Direito Administrativo, Saraiva, SP, 1975. p. 292.
25 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Obra citada na Nota 11. p. 215, apud Xxxxxx Xxxx, Derecho Administrativo, trad. Depalma, Xxxxxx Xxxxx, 0000, XX/000; Xxxxx Xxxxxxx, Droit Administrativo, Paris, 1943, pp.620 e ss; e Xxxxx xx Xxxxxxxxx, Do Poder da Administração para impor unilateralmente alterações nas cláusulas dos contratos administrativos, in RDA 37/45 e também em seu Contrats Administratifs, 1956, II/329 e ss.
26 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
Em relação ao primeiro, atrelado às finalidades do interesse público, alguns comentários já foram trazidos por ocasião do Capítulo 2 que tratou das características do contrato administrativo.
Dentre os vários critérios que os doutrinadores mencionam para qualificação de um ajuste como contrato administrativo estão as cláusulas exorbitantes. Contudo, a presença desse tipo de prerrogativa talvez seja o sinal imediato do aspecto público do contrato; porém, a essência repousa no fator mediato, naquilo que justifica a existência das cláusulas exorbitantes: o interesse público subjacente à contratação.
Retomando a ordem lógica dos atos de contratação: no início, a Administração percebe a existência de uma necessidade pública, uma demanda concreta que não pode ser suprida diretamente pelo Estado; surge então o interesse público em suprir essa demanda, fator que legitima a contratação. Nesse sentido, o interesse público subjacente à contratação não é noção geral, difusa ou fluida, mas sim palpável e concreta, pois direcionada ao atendimento de determinada necessidade específica.
As cláusulas exorbitantes de um contrato administrativo se prestam a conferir poderes instrumentais para que a Administração interfira no ajuste de modo a garantir a melhor satisfação do interesse público subjacente à contratação. Por isso se diz que a presença dessas prerrogativas não é o que caracteriza o contrato administrativo, e sim é reflexo do que de fato marca o contrato como administrativo – o interesse público pretendido pela Administração.
“Na verdade, o critério de conhecimento das cláusulas exorbitantes não é suficiente para a qualificação dos contratos administrativos. Não é por meio delas, quando impostas por motivações públicas, que um contrato se converte em administrativo.
Inusitadas no Direito Privado, ou possivelmente existentes no Direito Público, não obstante posições doutrinárias locadas no interesse geral, tais cláusulas jamais podem determinar a natureza jurídica dos contratos realizados pela Administração. (...)
Não há mais razão, portanto, depois de impostas as obrigações, fora da finalidade específica, querer definir um contrato pelas suas cláusulas. Não passam as
cláusulas exorbitantes de medidas cautelares manifestadas no interesse público para a satisfação de necessidade públicas.”27
Por conseguinte, tem-se que a alteração unilateral, espécie do gênero cláusulas exorbitantes, é prerrogativa instrumental, ou seja, é dever-poder da Administração que só se legitima para tutelar o interesse público. Se não existir interesse público que justifique a alteração, esta não será possível. A ideia de interesse público antecede a alteração unilateral, daí aquele ser pressuposto lógico desta.
“Insista-se, sempre, que essa ‘prerrogativa’ constitui-se em um poder-dever. A Administração dispõe de um poder jurídico, que lhe é outorgado não no interesse próprio – mas para melhor realizar um interesse indisponível. Verificados os pressupostos normativos, a Administração tem o dever de intervir no contrato e introduzir as modificações necessárias e adequadas à consecução dos interesses fundamentais.”28
Estabelecido o pressuposto, realizada a alteração contratual, depara-se, em seguida, com o consequente necessário: a guarda dos direitos do contratado, especialmente a manutenção da equação econômico-financeira do contrato.
Com dever-poder da Administração de alterar unilateralmente o contrato, ao particular resta somente sujeitar-se às alterações. Evidente que há requisitos e limites a serem observados, que serão assunto deste estudo, mais adiante, em capítulos próprios. Também a Administração, ao promover a alteração, cientificar o contratado. Por ora, basta dizer que, preenchidos os requisitos e obedecidos os limites, o particular não pode se opor à alteração, porque esta se faz fundamentada (pressuposta), frise-se quantas vezes mais, no interesse público subjacente à contratação.
Contudo, mesmo que a modificação unilateral ocorra em estrita legalidade, ainda haverá a responsabilidade do Poder Público de reestabelecer a equação econômico-financeira do contrato nos casos em que esta for alcançada pela alteração contratual.
27 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Obra citada na Nota 19. p. 153/154.
28 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 708.
3.1.2.1 – Alterações unilaterais: qualitativas, quantitativas e qualitativas com aspectos quantitativos
O art. 58, inciso I, da Lei 8.666/93, elenca a possibilidade de alteração unilateral do contrato administrativo dentre as cláusulas exorbitantes; no entanto é o art. 65, inciso I, xxxxxxx “a” e “b”, que define as formas de modificação do contrato pela Administração:
“Da Alteração dos Contratos
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;”29
Pela leitura do dispositivo, a alteração unilateral do contrato administrativo pode ocorrer em duas vertentes: a primeira, atingindo o objeto em aspecto qualitativo, quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; a segunda, restringindo-se à modificação quantitativa do valor contratual, quando necessária para acréscimo ou diminuição do objeto. Há ainda uma terceira espécie colocada pela doutrina nos casos em que a alteração qualitativa imprime reflexos quantitativos (no valor com ajuste).
“São alterações que se têm qualificado como qualitativas umas, e quantitativas outras do contrato, assim consideradas, respectivamente, as previstas no art. 65, inciso I, alínea a e b, da Lei 8.666/93.”30
Cumpre aqui destacar os ensinamentos de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
29 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
30 CAMMAROSANO, Márcio. Aditamentos qualitativos e quantitativos dos contratos administrativos e os limites legais. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte _ RPGMBH, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 233-248, jan.jun. 2008. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000. Acesso em: janeiro de 2015.
“Uma segunda distinção que merece nota especial diz respeito aos diferentes tipos de alterações que as cláusulas de execução podem sofrer. A doutrina distingue entre alterações (i) quantitativas; (ii) qualitativas; e (iii) qualitativas com repercussões quantitativas.”31
Referido autor menciona, em nota de rodapé, outros doutrinadores no mesmo
sentido:
“V., por todos, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx (Alteração unilateral do contrato administrativo: exegese de dispositivo da Lei 8.666/93. Revista dos Tribunais, n. 814, p83, 88-89, 2003): ‘No direito nacional, a Lei 8.666/93, reproduziu o item I do art. 55 do revogado Dec-lei 2.300/86, disciplinou, em seu art. 65, os parâmetros do poder de modificação unilateral do contrato administrativo, estabelecendo limites à competência. A norma consagrou duas ordens distintas de alterações contratuais: as alterações qualitativas, previstas pela alínea a do inc. I, e as alterações quantitativas, constantes da alínea b do mesmo inciso, prescrevendo regimes jurídicos distintos para cada um’; e Yara Police Monteiro (Contrato administrativo: alterações qualitativas do objeto: cautelas necessárias. Boletim de Licitações e Contratos, n. 10, p.606-607, 2001): ‘De sorte que a lei autoriza duas espécies distintas de alterações contratuais, uma de natureza qualitativa e outra quantitativa. (...) Como se vê, o legislador tratou das duas modalidades de modificações contratuais em dispositivos separados (alíneas a e b) para lhes conferir regimes distintos’.”32
Seguindo com as considerações de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
“A doutrina e o Tribunal de Contas da União destacam que a alínea ‘a’ do art. 65, I, da Lei nº 8.666/93 trata de modificações qualitativas do contrato, ao passo que a alínea ‘b’ se refere a modificações quantitativas.
(...) De forma simples, as alterações quantitativas são aquelas que envolvem apenas o acréscimo ou diminuição do objeto contratual, com a consequente modificação de seu valor. As alterações qualitativas, por sua vez, são aquelas necessárias para melhor atendimento dos objetos do ajuste e, fácil perceber, estão diretamente relacionadas com a realização mais adequada do interesse público a ele vinculado. Nem sempre, porém, a distinção entre modificações quantitativas e qualitativas será absolutamente rígida. Em especial, não é incomum que modificações qualitativas importem, e.g., acréscimo do objeto contratual, na medida em que isto seja necessário para a melhor adequação técnica aos objetivos do contrato. Nessas hipóteses, é possível falar de modificações qualitativas com repercussões quantitativas, as quais aplicam, por natural, a mesma lógica e o mesmo regime jurídico das alterações qualitativas simples. Observe-se, porém, que
31 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Contratos administrativos: limites e possibilidade de alteração. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 145, p. 46-55, jan. 2014.
32 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 31.
não se admite, a pretexto de alterações qualitativa, a modificação essencial do objeto contratual.”33
Xxxxxxx Xxxxx Xxxx, em “Os limites das alterações qualitativas nos contratos administrativos”, narra:
“As alterações qualitativas têm como cerne a insofismável modificação de especificações/característica do objeto contratado, visto que a sua finalidade poderá restar prejudicada ou não atingida caso não aconteça a devida adequação do projeto. São, de regra, imprevisíveis ou, então, inevitáveis, exigindo, porém, justificativa de ordem técnica que justifique a sua imperiosidade para o alcance do mister pactuado.
(...) De forma diversa às alterações qualitativas, entabulam-se as modificações de cunho quantitativo, as quais referem-se apenas ao acréscimo ou à supressão da quantidade do objeto. Esta espécie de alteração não modificará as especificações ou critérios contratuais. Inclusive, o texto legal dispõe que sucederão ‘nas mesmas condições contratuais’ (§ 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93) e devem processar-se apenas nos limites permitidos, havendo norma expressa nesse sentido (§ 2º do art. 65 da mencionada lei).”34
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx grafa que:
“O primeiro bloco de alterações reúne aquelas que a Administração pode introduzir no contrato sem consultar o contratado, isto é, alterações que a este obrigam porque decorrentes do poder de disposição unilateral que a lei outorga à Administração quanto às cláusulas de serviço ou regulamentares.
Duas são as possibilidades: (a) alteração que, no contrato, corresponda a modificação de projeto ou de especificações; (b) alteração que ajuste valores contratados a reduções ou acréscimos quantitativos do objeto a ser executado.” 35
A despeito de existirem modalidades diversas de alteração unilateral, vale averiguar os requisitos que possibilitam a verificação de validade dessas modificações.
33 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 31.
34 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Os limites das alterações qualitativas nos contratos administrativos. A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, ano 6, n. 25, p. 109 – 132, jul./set. 2006. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000. Acesso em: janeiro de 2015.
35 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, Renovar, 6ª ed., 2003, p. 650.
Capítulo 4 – Requisitos gerais e condição de eficácia para alteração contratual unilateral (artigo 65, I, Lei 8.666/93)
4 – Requisitos para alteração contratual unilateral
A contratação pública advém de processo exaustivamente regulamentado e, mesmo nas situações em que não é realizada licitação, por dispensa ou inexigibilidade, outros procedimentos são necessários de modo a garantir a lisura da despesa derivada daquele contrato, como estudos de viabilidade técnica e economicidade, comprovação de regularidade fiscal do contratado.
Como regra geral, a Lei 8.666/93 atribui ao Poder Público o dever de promover a licitação que, para ser deflagrada, deve contar com a adequada definição do objeto do contrato que se pretende celebrar. Assim, a Administração deve elaborar estudos, projetos básico e executivo, memoriais descritivos, planilhas, para que, com a maior precisão possível, seja delimitado o objeto, estimados os custos e estabilizada a contratação.
Destarte, as alterações unilaterais não estão a serviço dos caprichos da Administração, para corrigir falhas resultantes do mau planejamento licitatório ou para favorecimento de um ou outro contratado. Há força vinculante no contrato administrativo e estabilidade dos termos pactuados, de modo que as hipóteses de alteração unilateral devem sempre ser lidas como exceção.
No entanto, não raras vezes, os contratos celebrados, principalmente os de trato sucessivo, por mais que tenham precisa e certamente definido seu objeto no momento da contratação, precisam ser aditados para adequação dos termos ajustados ao interesse público almejado.
Contudo, somente a presença de interesse público demandando a alteração não é suficiente. Há imposição de requisitos que devem ser observados sob pena de invalidade da
alteração. A doutrina não é pacífica na enumeração desses requisitos, então, alguns autores serão mencionados para, posteriormente, seguir-se a definição dos requisitos.
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx destaca expressamente em seu artigo que natureza, vulto ou dimensão e especificações técnicas ou características são aspectos de relevância para efeitos de alteração contratual.36Antônio Xxxxxx Xxxxxx do Amaral, ao discorrer sobre os limites da alteração contratual, leciona que tais atos se justificam, por exemplo, em razão do interesse coletivo primário, situações superveniente, imprevisível e excepcional.
Luís Roberto Barroso37, ao expor sobre a possibilidade da alteração contratual, evidencia os parâmetros (a) gerais e (b) específicos para a ocorrência deste fato e, estes respectivos requisitos se resumem em: (a.1) justificação para o ato, (a.2) e inviabilidade de licitar de forma autônoma a alteração; (b) Lei 8.666/93.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxx leciona que três dos requisitos necessários para permitir a alteração contratual qualitativa e quantitativa são os mesmos, sendo que a alteração qualitativa, além dos três, possui mais um requisito específico:
“Para essa espécie de alteração suceder, alguns pressupostos deverão ser observados, a fim de que o procedimento agasalhe-se da adequada legalidade, os quais são38:
a) fato superveniente ou de conhecimento superveniente, suficiente para ensejá-la;
b) motivo de ordem técnica, devidamente motivada no processo, tornando-se impreterível para tal conclusão que o interesse público da contratação clame esta mudança;
c) mantença do objeto inicialmente convencionado, não podendo de maneira alguma haver a transmutação ou desnaturação do objeto, sob pena de violação ao preceito constitucional do dever de licitar;
d) respeito aos direitos adquiridos dos licitantes (manutenção do equilíbrio econômico-financeiro).
(...)
36 CAMMAROSANO, Márcio. Obra citada na Nota 30.
37 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 31.
38 Aqui, fala-se em alteração qualitativa.
Os requisitos obrigatórios para o acontecimento de alteração quantitativa são:
a) fato superveniente ou de conhecimento superveniente, suficiente para ensejá-la;
b) motivo de ordem técnica, devidamente motivada no processo, tornando-se impreterível para tal conclusão que o interesse público da contratação clame esta mudança;
c) respeito aos direitos adquiridos dos licitantes (manutenção do equilíbrio econômico-financeiro).”39
De acordo com os trechos transcritos, vê-se que a doutrina não é convergente na quantidade de requisitos ou quais seriam aqueles que deveriam ser preenchidos. Em nosso entendimento, três são os requisitos gerais que validam as alterações tanto quantitativas quanto qualitativas, e, ainda, há uma condição de eficácia a ser explorada. Os requisitos gerais são: (i) superveniência; (ii) possibilidade de contratação autônoma; (iii) e eficiência. Como condição de eficácia da alteração, tem-se a cientificação do contratado.
O que se demonstrará nos tópicos seguintes é que os requisitos gerais estão escalonados em uma sequência lógica, de modo que só será possível analisar o requisito seguinte se o anterior estiver atendido.
4.1 – Superveniência do interesse público
O primeiro requisito geral que se apresenta para verificação de validade da alteração unilateral promovida pela Administração é a superveniência.
De acordo com o mencionado em tópico anterior, o contrato administrativo orbita um interesse público derivado de uma necessidade pública percebida pela Administração. Assim, é o interesse público, prevalecente sobre o anseio privado, que orienta toda a contratação, desde o procedimento licitatório até a execução do contrato. Logo, a Administração deve bem planejar a contratação, de modo a captar o interesse público e prever as condições contratuais necessárias a sua satisfação.
39 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Obra citada na Nota 34.
O requisito da superveniência refere-se à modificação no cenário da contratação, com interferência na viabilidade contratual. Isso porque as hipóteses de alteração unilateral somente se destinam a adequação do contrato às situações em que o quadro fático foi modificado em relação àquele estabelecido no momento da contratação.
Imagine-se a situação ideal, em que a Administração efetive estudos de viabilidade técnica e de economicidade, elabore projeto básico e memorial descritivo suficientemente detalhados, licite o objeto e celebre contrato administrativo. Se houver a ocorrência de fato superveniente que altere as condições de execução do contrato, ou mesmo fato que, apesar de existente ao tempo da contratação, não poderia ser conhecido pela Administração (conhecimento superveniente), o cenário de execução contratual será diverso daquele imaginado no momento da contratação, não por falha de planejamento do Poder Público, mas por circunstância estranha à contratação.
A superveniência também pode ocorrer por motivo de inovação tecnológica que resulte em opção mais adequada à execução do contrato, que a metodologia inicialmente contratada.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxx esclarece que a alteração unilateral é legitimada pela causa da adequação que o interesse público demanda frente a fatos supervenientes, cabendo à Administração Pública utilizar seu dever-poder de alterar os contratos administrativos.
“A causa legítima para a variação unilateral fundamenta-se na adaptação que o interesse público exige em face de fatos supervenientes sucedidos, os quais coagem a Administração Pública a praticar a mutação. Fala-se em coação para demonstrar a ideia de que a alteração revela-se impreterível para o alcance do interesse público, porque se está diante de um dever-poder e não de um ‘poder- dever’.”40
Deve-se atentar que o Poder Público não tinha conhecimento do fato antes da celebração do ajuste, ou que não tinha condições de certificar-se das circunstancias no momento em que se celebrou o contrato. Para tanto, a conduta deve ser pautada pelo princípio da motivação:
“(...) implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação logica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em
40 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Obra citada na Nota 34.
que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.”41
Nas lições de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, as alterações contratuais podem ocorrer em face das sujeições imprevistas, as quais se mostram como obstáculos para a persecução do interesse público primário. Não se trata de mera liberalidade de celebração da alteração, mas de um processo necessário, com implicações diretas no resultado final, sem o qual a satisfação do interesse público é prejudicada.
Preenchido o requisito de superveniência no cenário contratual, segue-se análise para o segundo patamar: de possibilidade de contratação autônoma.
4.2 – Possibilidade de contratação autônoma
Havendo interesse público e justificativa fundada em situação superveniente, antes de efetivar a alteração unilateral, a Administração deve avaliar se seria possível exaurir o contrato administrativo celebrado nos moldes originais e buscar nova contratação para ajustar o cenário contratual ao interesse público. Esse requisito deriva da regra geral de estabilidade do contrato administrativo, em manutenção dos termos contratuais nos mesmos moldes em que foram pactuados.
A alteração contratual, mais ainda a de iniciativa unilateral, é exceção à contratação pública, porque o contrato administrativo guarda valores maiores que somente àqueles restritos às partes. A contratação pública é processo complexo, permeado por garantias e princípios, dentre os quais, a isonomia de oportunidades na celebração de acordos com o Poder Público. Nesses moldes, a tendência deve ser por nova contratação sempre que surgir necessidade pública, de forma a ampliar o universo de oportunidades aos particulares que pretenderem ter o Estado como parceiro contratual.
Há situações em que as condições de execução sofrem modificação, demandando alteração do contrato original, contudo o objeto da alteração está de tal modo intimamente ligado ao objeto do contrato principal que não existe, nem mesmo em tese, possibilidade de
41 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 112.
contratação autônoma. Nesses casos, a alteração unilateral é válida, sem necessidade de se verificar o terceiro requisito.
Segundo defendido neste estudo, há um escalonamento lógico a ser seguido pela Administração para promover alteração unilateral do contrato administrativo. O pressuposto é o interesse público que legitima a alteração. O primeiro quesito é a superveniência, que exclui da possibilidade de alteração unilateral hipóteses de mau planejamento da Administração. Em segundo requisito, se não houver meio de contratação autônoma, logicamente a alteração será a única solução disponível à Administração, daí dispensar-se o terceiro quesito.
Entretanto, em viés oposto, existem situações em que o objeto da alteração unilateral é total ou relativamente independente do objeto do contrato original; daí existe, ao menos em tese, possibilidade de buscar nova contratação para somar-se à primeira, de modo a ajustar as condições do novo cenário contratual existente, garantindo o interesse público. E como a tendência deve ser pela nova contratação, essa é questão que deve ser avaliada pela Administração.
Nessa toada, colaciona-se decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que grifa expressamente que a alteração pressupõe a verificação da excepcionalidade, custo para a Administração, e alternativa de instaurar outro certame para a contratação do objeto equivalente:
“Ou seja, a validade do termo aditivo que acresceu valor em percentual superior ao preceituado na norma pressupõe não só a verificação da excepcionalidade das obras e serviços que motivaram o incremento contratual, mas também o custo de oportunidade apresentado à Administração a partir da opção pelo aditamento, relativamente à alternativa de se instaurar outro certame licitatório para a contratação de objeto equivalente.”42
Havendo a possibilidade de contratação autônoma, necessário seguir ao questionamento seguinte, do terceiro e último requisito geral, para verificar qual das opções seria mais eficiente.
42 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 17610/026/99. Tribunal Pleno. Rel. Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Julgado em 24 de novembro de 2010.
4.3 – Eficiência
Licitando determinada parcela de forma autônoma, questiona-se: a execução do objeto contratado sofreria atraso para conclusão? Determinada parcela executada por outro, que não aquele que está realizando a obra ou serviço, poderia comprometer a utilidade do objeto contratado? Seria mais custoso para o Poder Público promover nova contratação ou alterar o contrato existente? Determinada parcela poderia ser realizada por qualquer pessoa, inclusive por aquele contratado, sem que houvesse qualquer tipo de obstáculo na continuidade do cumprimento do objeto inicialmente contratado e de gastos com os recursos públicos?
Eficiência, como requisito geral para alteração unilateral do contrato administrativo, é critério comparativo. A eficiência, que sempre esteve presente nos atos administrativos, por meio da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, foi consagrada como princípio a ser observado pela Administração Pública pelo art. 37, da Carta Política. O Princípio da Eficiência exige que os atos emanados pelo Poder Público sejam eficientes para que as atividades possam ser realizadas com a maior perfeição e rendimento funcional com a consequente obtenção de resultado satisfatório. A eficiência na alteração contratual unilateral não se resume em obter um bom resultado, mas o melhor resultado.
No tópico anterior, esclareceu-se que, entre licitar de forma autônoma ou alterar o contrato, a princípio deve-se preferir a contratação autônoma; porque a própria noção de licitação informa que ao Poder Público cabe ampliar a oportunidade de contratação com o maior número de particulares, em benefício da isonomia no acesso aos recursos públicos. No entanto, essa é apenas uma inclinação, pois outros são os fatores também relevantes que informam a contratação pública e a decisão por uma ou outra alternativa.
Além de promover a igualdade de oportunidade de contratar com a Administração, o processo de contratação (de que é espécie o procedimento licitatório), paralelamente, visa à obtenção da melhor proposta, em benefício da economicidade, vez que os recursos públicos são escassos. Assim, frente às duas opções – alteração unilateral e contratação autônoma –, a Administração deve balizar qual das escolhas contribuirá em eficiência para o interesse público envolvido.
Nesse sentido, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx:
“2.3.6 Eficiência – O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. (...) exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e dos membros.”43
“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente púbico, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”44
Neste momento, merece transcrição o julgado do Tribunal de Contas da União, em que se constatou que a compra de certo material de obra, não caracterizado como material de natureza especifica e que só pudesse ser fornecido por empresa com especialidades próprias e diversas, poderia ser alvo de aditamento, vez que era material ordinário de construção. Em resumo, era desnecessário que fosse licitado de forma autônoma.
“A orientação contida no Acórdão 325/2007 não se aplica indistintamente às obras públicas. A contratação em separado ou a redução do BDI somente se justifica no fornecimento de equipamentos e materiais que possam ser contratados diretamente do fabricante ou de fornecedor com especialidade própria e diversa da contratada principal.
O precedente mencionado não se aplica a materiais e equipamentos ordinariamente fornecidos pela contratada. Esse é o entendimento que se extrai do relatório recepcionado pelo Acórdão 325/2007:
‘Assim, quando existir parcela de natureza específica que possa ser executada por empresas com especialidades próprias e diversas ou quando for viável técnica e economicamente, o parcelamento em itens se impõe, desde que seja vantajoso para a Administração. (...)
Também deve-se considerar que as atividades precípuas da construtora são serviços de engenharia e o fornecimento de equipamentos uma atividade acessória. Portanto, sua estrutura e seus recursos tecnológicos são dedicados à prestação de serviços e têm seus custos estimados para isso. (...)
43 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Obra citada na Nota 11. p. 96.
44 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 4. p. 84.
A intermediação para fornecimento de equipamentos é uma tarefa residual, que não deve onerar os custos operacionais da empreiteira e, em consequência, seu impacto no custo de administração central previsto no LDI deve ser mínimo.” 45
Na mesma esteira da decisão acima, destaca-se julgado da Corte de Contas Paulista em que se narra a possibilidade de alteração contratual (inclusive em percentual acima do limite legal) quando tal medida se mostrar mais econômica para a Administração, do que deflagrar nova licitação:
“ATJ-Assessoria, analisando os aspectos da execução contratual, manifestou-se pela regularidade da matéria, no que foi acompanhada pela digna Chefia que citou antecedente julgado nos autos do TC-003.683/026/97 (Conselheiro Relator Xxxxxxx Xxxxxx de Alvarenga), onde restou consignado que é possível aceitar percentual acima do limite legal quando tal medida se mostrar mais econômica para a Administração do que deflagrar nova licitação.”46
A decisão da Administração em optar pela alteração ou pela contratação autônoma deve ser devidamente motivada. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, ao expor seus ensinamentos sobre os parâmetros gerais (justificação e inviabilidade de licitar de forma autônoma a alteração), grifa que os atos praticados pelo Poder Público podem ter desvio de finalidade a ponto de configurar sua ilicitude e, por isso, merecem ser justificados, ou seja, os esclarecimentos se prestam para que a Administração, e até mesmo o Poder Judiciário, possam analisar as razões que motivaram a realização do ato (alteração contratual) frente a realidade que o interesse público se encontra.
A justificação dos atos é o meio pelo qual se demonstrará a inviabilidade de licitar de forma autônoma, seja pela inviabilidade de competição, pela perda de tempo e de recursos públicos que uma nova licitação causará, ou pela não adequação da execução do objeto da alteração ser realizada por outra empresa.
Nesse momento, é salutar transcrever as lições de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx sobre a justificação dos atos:
“Pois bem. Cabe ao administrador justificar, de maneira explicita, por que considera necessária a alteração – à vista do interesse público, da eficiência e da economicidade – e por que, igualmente, está convencido de que não há qualquer
45 BRASIL. Tribunal de Contas da União. TC 28.235/2010-0. Plenário. Rel. Min. Xxxx Xxxxx. Julgado em 25 de outubro de 2011.
46 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 17661/026/02. Rel. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Julgado 03 de fevereiro de 2009.
ilicitude em seu procedimento, considerando as exigências à igualdade, à impessoalidade e probidade. (...)
Embora a necessidade de justificar a alteração possa parecer um elemento muito débil de controle, ela acaba por exigir do administrador um esforço de racionalidade para sua decisão, o que poderá inviabilizar a pratica dos atos abusivos mais grosseiros. Ademais, a existência de uma motivação explicita permitirá o controle tanto da realidade dos motivos apresentados quanto de sua consistência, facilitando o controle ‘a posteriori’ das ações administrativas, tanto pela própria Administração tanto pela Poder Judiciário.”47
Em mesmo artigo, prossegue o autor:
“Essa ordenação hierárquica entre os dois propósitos do procedimento licitatório
– atender o interesse público e assegurar a isonomia – é importante para que não se incorra no equívoco de supor que a licitação deve garantir uma isonomia em tese e descontextualizada, em sacrifício do interesse público específico que se deseje atender. (...)
Nesse contexto, quando há elementos no interesse público que apenas podem ser atendidos por um dos agentes no mercado, ou pelo próprio particular já contratado pela Administração, não há possibilidade de competição e a licitação será inexigível. Ou, dito de outra forma, se apenas um agente pode oferecer determinada vantagem, que interessa de forma relevante ao interesse público, não será possível estabelecer uma competição objetiva entres os supostos interessados e, por isso, a licitação será inviável.
Um exemplo ilustra o ponto. Imagine-se uma alteração qualitativa qualquer, com repercussões quantitativas, que incremente o custo das obras a cargo de determinada empreiteira. A contratada, exatamente pela circunstância de já estar executando a obra no local, terá um custo substancialmente menor para implementar a alteração – não terá de montar novo canteiro e poderá utilizar, ao menos em parte, o pessoal já alocado para execução da obra como um todo – e tem condições de fazê-lo em prazo substancialmente menor. Imagine-se ainda que seja fisicamente possível, do ponto de vista técnico, que terceiros levem a cabo essa mesma alteração. O prazo de execução e o custo nessas hipóteses, porém, seriam substancialmente maiores, já que qualquer outra empreiteira teria de deslocar para a execução da obra contingente pessoal especifico, montar canteiro de obras, obter licença para tanto, dentre outras providencias. Em cenário como o do exemplo, a competição não é viável, já que um dos agentes pode licitamente oferecer vantagens para o interesse público que os demais não podem. Por isso mesmo, levar a cabo uma licitação na hipótese importaria apenas perda de tempo e de recursos públicos.”48
47 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 31.
48 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 31.
Em conclusão, atendido o terceiro e último requisito geral, o de eficiência, a alteração unilateral promovida pela Administração será válida, restando apenas a obrigação de notificação do contratado acerca da modificação contratual.
4.4 – Cientificação do contratado
A despeito de alguns autores mencionarem a ciência do contratado como requisito para a alteração unilateral dos contratos administrativos, considera-se, com a vênia ao entendimento, que esta pode não ser a melhor interpretação. O fato de a Administração ter de notificar o contratado não é fator que influencia na validade da alteração contratual, e sim em sua eficácia.
Buscando a teoria geral dos negócios jurídicos, chega-se aos três planos a que se sujeitam os negócios no mundo do Direito: planos da existência, da validade e da eficácia. No plano da existência, estão os elementos que compõem e caracterizam o negócio jurídico em seu tipo (a ausência de qualquer dos elementos torna o negócio inexistente). No plano da validade, encontram-se os requisitos, atributos de regularidade que tornam o negócio apto a ingressar no mundo jurídico (a ausência de requisitos de validade torna o negócio inválido). Enfim, no plano da eficácia, repousam as condições que possibilitam ao negócio válido produzir efeitos jurídicos (a ausência das condições de eficácia torna o negócio sem efeitos).
Nesse aspecto, a cientificação do contratado não é requisito de validade da alteração prevista no art. 58, inciso I, e art. 65, inciso I, ambos da Lei 8.666/93. Isso porque trata-se de hipóteses de ato unilateral da Administração Pública, para o qual o contratado não concorre, apenas se sujeita. Por conseguinte, a ausência de cientificação do contratado não torna a alteração unilateral inválida, e sim ineficaz, pois é o contratado que terá de implementar a execução da alteração contratual nos moldes determinados, resguardando-lhe a manutenção da equação econômico-financeira do contrato.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxx, acerca da cientificação do contratado, colaciona as manifestações de Xxxx Xxxxx Xxxxxxx X’Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, que se posicionam de forma diferente quanto a obrigatoriedade, ou não, do Poder Público em notificar o contratado, a fim de obter uma manifestação favorável ou desfavorável à alteração
unilateral. Respectivamente, transcrevem-se os ensinamentos dos dois estudiosos do direito acima mencionados:
“‘(...) a Administração, ao alterar unilateralmente os contratos administrativos, não está obrigada a notificar previamente o contratado com vistas a estabelecer o contraditório. Todavia, seria conveniente e aconselhável fazê-lo, em razão do princípio da transparência dos atos administrativos. (Santos, 2001, p. 262).’”49
“Em síntese, com pauta nos valores constitucionais do devido processo legal, do contraditório, do dever dos atos administrativos serem motivados e da própria boa-fé contratual que se espera em especial da Administração Pública, conclui-se pela necessidade das alterações unilaterais dos contratos administrativos serem precedidas de momento em que se permita ao contratado contraditar a pretensão do Poder Público contratante, bem como demonstrar o impacto que essas modificações surtirão sobre a equação econômico-financeira, participando assim de maneira ativa das decisões administrativas. Entende-se que assim a Administração Pública estará adotando postura mais condizente com os princípios democrático e republicano que devem orientar o exercício da função pública. (SAMPAIO, 2004, p. 1162).”50
No mais, a Lei 8.666/93, em seu artigo 65 § 1º, dispõe que o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, alterações em percentuais de 25% e 50%. Ocorrendo até estes patamares, o Poder Público notifica o contratado para informar sobre a alteração, sem necessidade de abertura de contraditório e ampla defesa, uma vez que a permissão de alteração está expressamente prevista em lei. No entanto, em ocorrendo alterações acima destes limites, se assim for possível, deve-se instalar o direito de resposta do contratado, pois daí decorreriam ônus e bônus acima daqueles que as partes estão sujeitas pela lei.
A cientificação do contratado é posta, portanto, como condição de eficácia, visto que, ainda que este não possa se negar a acatar a alteração unilateral, é ele (contratado) o responsável por torná-la eficaz, executando o aditamento contratual. Se o contratado não conseguir demonstrar sua impossibilidade para assumir o aditamento acima do legal, ele deverá ser compelido a executar o contrato sob pena de rescisão, uma vez que está em jogo o
49 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Obra citada na Nota 34. apud XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx dos. Contrato. Alteração unilateral. Princípio do contraditório. In: DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx dos; X’XXXXX, Vera Lúcia Machado. Temas Polêmicos sobre licitações e contratos, 5. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
50 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Obra citada na Nota 34. apud XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Revista Zênite de Licitações e Contratos _ ILCm Curitiba, n. 130, p. 1162, dez. 2004.
interesse público, o qual demanda de todos envolvidos, numa mesma relação, esforços para seu alcance.
Capítulo 5 – Os Limites de cada tipo de alteração unilateral
5. Os limites como requisitos específicos
Segundo visto, a doutrina classifica os tipos de alteração unilateral do contrato administrativo de acordo com o aspecto contratual modificado: mudanças no projeto ou nas especificações são tidas como alterações qualitativas; ao passo que meros acréscimos ou diminuições representam alterações quantitativas. Entretanto, esta é uma classificação científico-doutrinária para explicar o fenômeno das alterações unilaterais, sendo que a realidade da prática contratual administrativa aponta para situações em que os dois aspectos se misturam, no que a doutrina costumou chamar de alterações qualitativas com repercussões quantitativas.
A prerrogativa da Administração de alterar o contrato administrativo é dever- poder (poder instrumental), sempre destinado à satisfação do interesse público subjacente à contratação. Independentemente do tipo de alteração unilateral, há requisitos gerais que precisam ser observados, segundo sua ordem de escalonamento.
A despeito de existirem requisitos comuns, o fato é que as hipóteses de modificação são separadas pela própria Lei 8.666/93 em suas alíneas “a” e “b”, do inciso I, do art. 65, atribuindo limites específicos à alteração qualitativa (alínea “a”) e à alteração quantitativa (alínea “b”).
Superveniência, possibilidade de contratação autônoma e eficiência são requisitos comuns porque precisam estar presentes para as alterações qualitativas, quantitativas e qualitativas com efeitos quantitativos. Entretanto, pode-se dizer que a Lei de Licitações estabeleceu limites próprios para cada tipo de alteração que, tecnicamente, são também requisitos que informam o plano de validade da alteração, visto que, caso não observados, podem resultar em invalidade da modificação contratual.
5.1. Os limites para alteração qualitativa
Iniciando pela alínea “a”, do inciso I, do art. 65 da Lei 8.666/93, à Administração é permitido alterar unilateralmente o contrato “quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos”.
No texto de lei, as alterações qualitativas definem-se por modificações no projeto contratual (projeto básico e/ou executivo) ou nas especificações do objeto, com a finalidade de proporcionar melhor adequação técnica aos objetivos pretendidos pelo ajuste.
Em primeira observação, o que legitima e autoriza a alteração unilateral qualitativa é a melhor adequação do contrato aos seus objetivos, ou seja, novamente o interesse público subjacente à contratação, pressuposto para qualquer alteração contratual, faz-se presente no dispositivo legal: a alteração deve ser direcionada ao melhor atendimento do interesse público in concreto.
Em segunda nota, se a lei menciona “melhor adequação” é porque se supõe que o projeto ou as especificações inicialmente pactuadas mostraram-se não satisfatórios. Entretanto, deixe-se claro que não se trata de condescendência com o mau planejamento da Administração; não é o caso de adequação em virtude do Poder Público ter sido negligente na preconcepção do ajuste. A motivação deve ser superveniente, seja por inexistente ao tempo da contratação, seja por não poder ser conhecida naquele momento.
A Corte de Contas Paulista já anotou que, em situações nas quais a alteração contratual tiver como razão a ausência de planejamento prévio suficiente, há violação à norma legal do art. 65:
“Assim, os aditamentos, diversamente do ponderado pela Sanasa em sua defesa, não se enquadram nas hipóteses previstas no artigo 65 da Lei de Licitações, mas decorrem da falta de cuidado da Administração na preparação do certame e inobservância do disposto no inciso IX, do artigo 6º da mencionada norma legal.
(...)
Por fim, as alterações promovidas pelos três primeiros termos aditivos foram substanciais e alteraram o projeto básico, não se enquadrando, portanto, nas hipóteses previstas no artigo 65 da Lei 8666/93.
Ante o exposto, o meu voto é pelo não provimento dos presentes recursos interpostos, mantendo-se na íntegra os exatos termos e judiciosos fundamentos da
r. Decisão combatida.” 51 (grifos nossos)
Nos ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, esse tipo de modificação contratual é mais presente nos acordos de maior vigência:
“A melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era a mais adequada. Os contratos de longo prazo ou se grande especialização são mais suscetíveis a essa modalidade de alteração.” 52
Nesse sentido, o Autor prossegue, ilustrando duas situações em que seria possível a alteração qualitativa do contrato em benefício da necessidade de adequação técnica:
“Também se admite a incidência do dispositivo para respaldar modificações derivadas de situações preexistentes, mas desconhecidas por parte dos interessados. O grande exemplo é o das ‘sujeições imprevistas’, expressão clássica do Direito francês e que indica eventos da natureza ou fora do controle dos seres humanos, existentes por ocasião da contratação, mas cuja revelação se verifica apenas por ocasião da execução da prestação. O grande exemplo é o da falha geológica de terreno, que impede a implantação da obra tal como inicialmente prevista.
Mas deve-se considerar que a hipótese também abrange os casos de inovações tecnológicas que apresentem soluções de qualidade superior àquela considerada por ocasião da licitação. Assim se verifica especialmente nas contratações vinculadas à Tecnologia da Informação, em que existe um processo permanente de aperfeiçoamento dos equipamentos e programas. Nesses casos, a Administração terá o dever de promover alterações para assegurar a obtenção de objetos adequados e satisfatórios, evitando o recebimento de prestação obsoleta.” 53 (grifos nossos)
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo possui decisões que se alinham a doutrina transcrita:
“Transcreveu, a propósito, excerto do voto proferido pelo E. Conselheiro XXXXXXX XXXXXXXXXXX XXXXXXXX nos TCs-33929/026/97 a 33931/026/97, 33933/02697 e 35215/026/97:
51 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC-2904/003/05. Tribunal Pleno. Rel. Cons. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Julgado em 05 de novembro de 2014.
52 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 743.
53 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 743.
‘O princípio da mutabilidade dos contratos administrativos, lastreado na lei, encontra seus próprios limites no objeto ajustado e na consecução do interesse público motivador da contratação, formando, desta forma, um ‘sistema vivo’, na linguagem dos administrativistas espanhóis, o qual segue em busca do resultado que lhe originou: a resolução de uma campanha social, o término do contrato de escopo, etc. Daí porque se ensina que a imutabilidade das cláusulas dos contratos privados converte-se, no âmbito da Administração, em imutabilidade do fim (Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx). Com efeito, o contrato de obra pública é um contrato de resultado, ou de escopo, pelo qual a contratada obriga-se a entregar para o Poder Público uma obra completa e terminada. Esta obra, prevista no projeto básico, está sujeita a inúmeras modificações que podem ocorrer no curso de sua execução, não só em virtude de alterações do projeto técnico para melhor adequação aos objetivos da Administração, como também em decorrência de dificuldades materiais imprevistas que impõem modificações para melhor atendimento ao ‘interesse coletivo primário’.” 54 (grifos nossos)
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ao explicar o dispositivo de alteração unilateral qualitativa, menciona que a adequação deve resultar de necessidade técnica comprovada nos autos do processo administrativo de contratação e importar utilidade à finalidade do contrato:
“No primeiro caso (inciso I, alínea “a”), a autorização para alterar o contrato terá de atender a duas condições:
(a) refletir, tão-só refletir, enfatize-se, a necessidade, que se comprovou tecnicamente em processo administrativo, de modificar o projeto ou as especificações, ou seja, modificação que afeta a qualidade do objeto contratado (por exemplo, verifica a Administração, em execução a obra, que um traçado definido no projeto deve ser substituído por outro, com economia de tempo e custos);
(b) a mudança de projeto ou de especificações é necessária para melhor ajustar a prestação contratada aos objetivos que a Administração tem em mira com a execução do contrato (no mesmo exemplo anterior, a substituição do traçado não pode ser devida a um preciosismo técnico, mas importa ao cumprimento da finalidade da obra, que resultaria comprometido sem a modificação).” 55
Como mencionado, a necessidade da modificação do projeto ou das especificações guardar relação direta com a finalidade do contrato não é requisito, é pressuposto: se não houvesse o interesse público in concreto justificando, nem se haveria de pensar na alteração contratual.
54 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 19706/026/95. Plenário. Rel. Cons. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx. Julgado em 11 de março de 2010.
55 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Obra citada na Nota 35. p. 712.
O limite para alteração qualitativa, requisito específico dessa modalidade, é a proibição de transfiguração do próprio objeto do contrato. Ainda que a Administração possa efetivar adaptações, o núcleo do contrato não pode ser desnaturado, em função da força vinculante da contratação pública.
Cada procedimento de licitação/contratação é delimitado pelo objeto e suas condições de execução, com previsibilidade suficiente para que os particulares interessados possam gozar de segurança jurídica com o que foi pactuado. Se o Poder Público, a pretexto de alteração qualitativa, desconstrói o próprio contrato, há violação aos princípios da contratação pública, da segurança jurídica, da força vinculante dos contratos.
O Tribunal de Contas da União, no que se refere à intangibilidade do objeto do contrato, já decidiu que as modificações não podem desconfigurar a natureza do ajuste:
“Considerando que o objeto do contrato distingue-se em natureza e dimensão, tem-se a natureza sempre intangível, tanto nas alterações quantitativas quanto nas qualitativas.
(...) Conquanto não se modifique o objeto contratual, em natureza ou dimensão, é de ressaltar que a implementação de alterações qualitativas requerem [sic], em regra, mudanças no valor original do contrato.” 56
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, em artigo específico sobre alterações unilaterais, explica que a lei não estabeleceu limites rígidos para a hipótese de modificação qualitativa; no entanto, a Administração está restrita à própria natureza do objeto contratado:
“Também é verdade que a inexistência de limites rígidos para fazer frente a alterações qualitativas e ou situações imprevistas não autoriza desnaturar o objeto do contrato, nem realizar intervenções de tal ordem que lhe alterem profundamente as características consoante inicialmente concebidas e consubstanciadas no projeto e orçamento anexos ao edital do certame licitatório.
Alterações dessa magnitude poderiam caracterizar burla à licitação realizada, ofensa aos princípios da isonomia, da moralidade administrativa e da razoabilidade, razão suficiente para que a execução do contrato não prossiga, seja e fosse elaborado novo projeto e realizado novo certame.” 57 (grifos nossos)
56 BRASIL. Tribunal de Contas da União. TC 930.039/1998-0. Decisão 215/1999. Plenário. Rel. Min. Substituto Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Julgado em 12 de maio de 1999.
57 CAMMAROSANO, Márcio. Aditamentos qualitativos e quantitativos dos contratos administrativos e os limites legais. In. Revista Diálogo Jurídico. Nº 18 – 2012. Salvador, Brasil. Disponível em:
Como se percebe, o requisito de intangibilidade da natureza do objeto contratual não possui contornos nítidos e, por vezes, a situação prática aponta para fronteira tênue entre o que seria uma mera alteração qualitativa e o que seria desconstituição do objeto inicialmente pactuado. Essa é uma análise que cabe caso a caso.
5.2. Os limites para alteração quantitativa
No que tange às modificações contratuais que interferem na dimensão do objeto pactuado, o art. 65 da Lei de Licitações, em seu inciso I, alínea “b”, permite a necessária alteração do valor contratual, por acréscimos ou diminuições quantitativas, nos limites definidos em lei.
Por menção expressa da referida alínea “b”, ao citar os limites legais impostos pela Lei 8.666/93, imediatamente o intérprete é remetido ao § 1º, também do art. 65, que determina:
“Art. 65.
§ 1º. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizeram nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou se equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.”58
Socorrendo-se, uma vez mais, às lições de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ao discorrer sobre as alterações quantitativas, tem-se:
“No segundo caso (inciso I, alínea “b”), a autorização para alterar o contrato terá de satisfazer também a duas condições cumulativas:
(a) cingir-se a refletir modificação meramente quantitativa do objeto contratado, para mais ou para menos (por exemplo, verifica a Administração, em execução a obra, que devem ser acrescidos, ou diminuídos, 20 metros quadrados de área
xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/00000000/xxxxxxxxxxx_xxxxxxxxx_xxx_xxxxxxxxxxx.xxx Acessado em fevereiro de 2015.
58 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
construída), o que determinará ajustamento no preço pactuado, para nele incluir o acrescido ou para dele excluir o suprimido;
(b) o acréscimo ou a diminuição contenha-se nos limites que a lei estabelece (no mesmo exemplo anterior, os 20 metros quadrados devem corresponder a valor que não ultrapasse 25% do valor global do contrato, ou 50% se se tratar de obra de reforma de edifício ou de equipamento.” 59
Vale lembrar que, como qualquer alteração unilateral, a Administração não pode exercê-la livremente, porém, somente nas situações em que o aumento ou a diminuição do objeto se fizerem necessários ao atendimento do interesse público subjacente à contratação.
Marçal Justen Filho60 apresenta, como primeira problemática, a questão do critério baseado no valor. No exemplo ideal, em que o objeto do contrato administrativo for caracterizado por unidades específicas e divisíveis, com preço proporcional à quantidade, a porcentagem de 25% é aplicada com facilidade.
Todavia, nas situações em que o acordo se der por preço global, haverá inviabilidade de se dimensionar o acréscimo ou a supressão pelo valor inicialmente pactuado. Nessas situações, o § 3º, do art. 65 determina que os preços serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos no § 1º do mesmo artigo. Ao cabo, a capacidade de alteração deixa de ser unilateral para depender do ajuste entre Administração e contratado.
O autor continua, indicando outra questão que parece ter escapado da normatização: a economia de escala. Para alguns itens, mesmo que sejam de natureza específica e divisível, o fornecimento em grande quantidade pode implicar redução dos valores unitários. Sendo este o caso, o particular não está obrigado a fornecer o objeto com proporcionalidade no preço.
Em outro aspecto que merece ser ressaltado sobre o cálculo das porcentagens é o valor que servirá como base numérica: de acordo com o § 1º, deve ser o valor inicial atualizado do contrato. A referência ao valor inicial do contrato se presta a impedir que as alterações quantitativas sejam fracionadas, sobrepondo-se percentuais como em juros sobre juros. Imagine-se um contrato com valor de 100 unidades monetárias. Este sofre um primeiro acréscimo de 20 unidades monetárias, o aumento de 20% estaria dentro do patamar legal.
59 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Obra citada na Nota 35. p. 715.
60 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 744.
Posteriormente, se a Administração tomasse o valor aditado, de 120 unidades monetárias, poderia pretender segundo acréscimo de 30 unidades (25% de 120), e assim sucessivamente, frustrando a norma. Esse ciclo não é autorizado pela legislação.
Da mesma forma, imagine-se que o contrato de 100 unidades monetárias fosse aditado em 20% em determinado momento, para ser aditado posteriormente em 5%. Ainda que a soma dos percentuais esteja no limite imposto pela lei, calcular aumento de 5% sobre o valor aditado, de 120 unidades monetárias, resultaria ao final 126 unidades monetárias, novamente em burla ao limite legal. Em vista disso, a aplicação dos limites do § 1º deve levar como base de cálculo o valor inicial do contrato.
Mas não é só; é preciso considerar o valor inicial atualizado. Isso porque fatores de correção monetária, como é exemplo o reajuste contratual, não representam aumento efetivo do objeto, apenas compensação pela desvalorização da moeda. Daí se retiram duas implicações: a aplicação de reajustes não é computada como alteração quantitativa, não se sujeitando aos limites do § 1º do art. 65; e, uma vez reajustado, a base de cálculo para alteração quantitativa deve ser o valor atualizado, ou seja, a partir do reajuste ou da correção monetária.
“§ 8º. A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.”61
Além das consequências acima mencionadas, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx enumera uma terceira, de suma importância: na hipótese de haver reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, a base de cálculo dos percentuais também deve ser alterada para o valor após o reequilíbrio. Isso porque a recomposição da equação econômico-financeira do contrato, à semelhança da correção monetária, não indica aumento ou supressão do objeto contratual, mas somente readequação do balanço entre encargos e remunerações inicialmente pactuados.
Aliás, o direito subjetivo do contratado de reaver a equação econômico-financeira como inicialmente pactuada é previsto nos §§ 5º e 6º, do art. 65 da Lei de Licitações:
61 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
“§ 5º. Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.
§ 6º. Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”62
Também é direito do contratado a indenização pelos materiais que houver adquirido antes da supressão do objeto, conforme § 4º do mesmo artigo: “No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados.”63
Postas as observações referentes aos limites percentuais, as complicações iniciam- se da interpretação dada aos §§ 1º e 2º, do art. 65, tema a ser enfrentado abaixo.
5.2.1. A impossibilidade de compensação entre acréscimos e supressões
A respeito dos acréscimos e supressões no valor do contrato, um adendo merece destaque. Eventualmente, em contratos mais complexos, pequenos ajustes quantitativos são necessários tanto para aumentar algumas parcelas do objeto quanto para suprir outras, sempre com a direção de atender ao interesse público subjacente à contratação. Entretanto, a ocorrência simultânea de acréscimos e supressões não autoriza que o Poder Público compense os valores para cálculo da porcentagem.
Ilustrando a discussão com exemplos numéricos, imagine-se um contrato com valor de 100 unidades monetárias. No decorrer da execução, a Administração nota que seria preciso aumentar a quantidade de uma parcela do objeto e suprimir outra. O acréscimo representaria 30% do valor inicialmente pactuado, enquanto que a diminuição corresponderia
62 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
63 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
a 15% do valor inicialmente pactuado. Esses montantes não são compensados, devendo ser analisados isoladamente, para impedir o que a jurisprudência denominou “jogo de planilhas”.
Essa denominação provém de práticas irregulares que eram intentadas para escapar dos limites percentuais de alteração unilateral quantitativa. Os particulares apresentavam propostas em licitação com grandes parcelas do objeto em subpreço, e pequenas parcelas em sobrepreço, para o que valor da proposta fosse reduzido e vencesse o certame. Daí, assinado o contrato, a Administração suprimia a quantidade da parcela em subpreço e acrescia a parcela em sobrepreço, compensando os valores de modo que o valor final continuasse no patamar dos percentuais do § 1º, do art. 65 da Lei 8.666/93. Permitir a compensação de valores seria esvaziar o sentido da norma legal, conferindo amplos poderes ao Poder Público para manipular todo o contrato.
Em conseguinte, a verificação dos percentuais de acréscimos e supressões é computada de modo independente e isolado, havendo orientação do Tribunal de Contas da União nesse sentido:
“Nesse tom, além de acenar sobre a correta interpretação do art. 65 – in caso, no que concerne à proibição da compensação entre acréscimos e supressões no cálculo para o limite de aditamentos – chamou-se a atenção para a envergadura expressiva das modificações já empreendidas. Os 16,95% estampados no item 9.3 do Acórdão 3.364/2012-Plenário foram incluídos – deixo claro – apenas em tom de alerta.” 64 (grifos nossos)
Contudo, como a realidade da prática contratual, em maioria das vezes, é mais complexa que as definições doutrinárias, o Tribunal de Contas da União analisa as alterações quantitativas segundo três situações.
A primeira é a regra geral e orientação predominante na Corte de Contas Federal, inadmitindo-se que acréscimos e supressões possam ser compensados:
“(1) Acréscimos e supressões - regra geral:
Na primeira vertente, de modo mais simples, são analisados os itens contratuais com acréscimos ou supressões de quantitativos e serviços, que são simplesmente alterados por termo aditivo, para maior ou menor. Este caso se aplica tanto à inclusão/exclusão de serviços quanto à alteração de quantitativos.
64 BRASIL. Tribunal de Contas da União. TC 36.898/2012-0. Plenário. Rel. Min. Valmir Campelo. Julgado em 30 de janeiro de 2013.
Trata-se da jurisprudência dominante nesta Corte, tendo sido objeto de diversos acórdãos, por exemplo, os Acórdãos Plenários 749/2010, 1599/2010, 2819/2011 e 2530/2011, que preconizam a vedação da compensação entre acréscimos e supressões de serviços e fornecimentos.” 65 (grifos nossos)
A segunda, é situação especial, em que ainda que tecnicamente implique em acréscimo de um item e supressão de outro, nada mais é do que a troca do “mesmo item”, apenas com modificação de característica acessória, não sendo possível a substituição de item para o qual se exigiu comprovação de qualificação técnica:
“(2) Trocas de itens idênticos:
A segunda vertente que merece destaque é quando há no desenvolvimento do contrato razões técnicas ou tecnológicas para a implementação de alterações contratuais, representadas por soluções mais econômicas, de melhor qualidade, de menor prazo de implantação, ou mesmo de aplicação de nova tecnologia ou em caso de descontinuação da tecnologia contratada.
Para que itens se encaixem nessa situação, estes devem coadunar rigorosamente com a qualificação técnica da contratada nos termos expressos no processo licitatório (capacitação técnica) de acordo com os termos do art. 30, II da Lei 8.666/93 e essa qualificação técnica deve ser mantida íntegra durante toda a execução do contrato, nos termos do art. 55, XIII da mesma lei. Ou seja, o item a ser trocado não pode ser um dos serviços para o qual se exigiu habilitação técnica na licitação.
Como exemplo desse tipo de situação contratual, cita-se a troca de cor de um veículo adquirido por um ente público.
Por uma ótica, se enxergaria isso como a troca de um veículo que fora contratado para ser entregue na cor branca por outro idêntico, mas na cor prata, ligeiramente mais caro, como uma supressão de um veículo branco (e a glosa de seu valor integral no contrato) seguido do acréscimo, simultâneo, de outro na cor prata (e o acréscimo do seu valor integral no contrato). Por outra, se veria isso como um acréscimo contratual no exato valor da diferença de preço entre os dois carros.
(...) Mantidas, então, as condições de qualificação técnica exigíveis quando da licitação, ou seja, não se suprimindo ou substituindo item especificamente considerado como um dos que exigiram comprovação específica na licitação (art. 30, § 1º, I e § 2º da Lei 8.666/93), e mantendo-se constantes as premissas da composição de preços é compreensível que a Administração possa aceitar uma alteração contratual que lhe traga vantagens adicionais comprovadas, justificada, sem mudar a essência do objeto licitado. Então, nestes casos, não se considera o
65 BRASIL. Tribunal de Contas da União. TC 9.095/2013-6. Plenário. Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Julgado em 4 de setembro de 2013.
novo item como um acréscimo, mas considera-se, para efeito de cálculo, somente a diferença entre valores, ou seja, admitir-se-ia a compensação.” 66 (grifos nossos)
Enfim, a terceira situação em que o TCU verifica alterações quantitativas refere-se às hipóteses em que a modificação do valor do contrato não é modificação derivada, mas sim modificação do valor utilizado como base de cálculo para aplicação dos percentuais do § 1º do art. 65, como é exemplo o reequilíbrio econômico-financeiro, o reajuste e outras formas de atualização monetária, e a situações de vício de origem não imputáveis às partes:
“(3) Itens indevidos, vícios de origem e reequilíbrios:
Uma última vertente na análise do impacto dos termos aditivos diz respeito à atualização do valor original do contrato (P0) após supressões ou acréscimos em razão, por exemplo, de vícios de origem ou do restabelecimento do reequilíbrio econômico-financeiro. Este caso gera uma nova base de cálculo para fins de incidência do percentual máximo de 25% de acréscimos, o verdadeiro valor do contrato, também chamado de valor original corrigido.
A supressão de itens que nunca deveriam ter sido considerados necessários ou que tenham sido incluídos em duplicidade ou que apresentam sobrepreço na origem deve implicar na correção do valor original, para mais ou para menos, como forma de se corrigir o vício de origem ou a distorção caracterizada como imprevisível ou de consequências incalculáveis.” 67 (grifos nossos)
Feitas as ressalvas de excepcionalidade, a regra geral é imperativa, não permitindo “jogo de planilhas” em compensação entre acréscimos e supressões.
5.3. A interpretação conferida aos §§ 1º e 2º, do art. 65, da Lei 8.666/93
De início, veja-se a redação da norma inscrita nos dispositivos em comento:
“Art. 65.
§ 1º. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso
66 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão mencionada na Nota 65.
67 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão mencionada na Nota 65.
particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2º. Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:
I – (VETADO)
II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.”68
A discussão que se impõe, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, diz respeito à extensão das vedações contidas nos §§ 1º e 2º, em relação a duas vertentes. Na primeira, interroga-se se o sentido de “acréscimos ou supressões” do § 1º seria aplicável somente às alterações quantitativas, ou também às qualitativas com reflexos quantitativos. A segunda, debate sobre a intransponibilidade dos limites percentuais como proíbe o § 2º do art. 65.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, em estudo sobre o tema, fez os questionamentos que se trazem ao presente estudo:
“Antes disto, contudo, para um descortino mais completo do tema, cumpre anotar que, com relação especificamente ao tópico examinado, caberiam, ainda, dois questionamentos, a saber: (a) no caso de modificação de projeto, o contratado estaria forçado a aceitar ditas superações ou seria necessária sua concordância, em despeito de tal hipótese não haveria sito arrolada entre os casos de alteração consensual previstos nas letras do inciso II do art. 65? b) na hipótese da letra ‘b’, jamais caberia superação dos limites em apreço, ou existiram situações em que ela seria de aceitar, em despeito da redação enfática do § 2º?” 69
Analisando a primeira vertente, de extensão dos limites percentuais também às hipóteses de alteração qualitativa com efeitos quantitativos, doutrinadores como Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx defendem a posição afirmativa, de que as percentagens estabelecidas em lei devem ser respeitadas em qualquer tipo de alteração, pois o § 1º não realiza distinção entre os tipos de alteração unilateral:
“No que diz respeito aos limites de alterações fixados no art. 65, § 1º, do Estatuto, divergem os autores sobre se o dispositivo seria aplicado apenas às alterações quantitativas (art. 65, I, ‘b’) ou se seria estendido também às alterações
68 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993. Citada na Nota 12.
69 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Extensão das Alterações dos Contratos Administrativos: a questão dos 25%. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 4, nov/dez 2005, jan 2006. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx. Acesso em fevereiro de 2015.
qualitativas (art. 65, I, ‘a’). Para uns, os limites não se aplicariam a estas últimas por serem com elas incompatíveis pela própria natureza. Para outros, impõe-se a observância dos limites em virtude de não haver distinção na lei. Filiamo-nos, com a devida vênia, a este último entendimento. De fato, o art. 65, § 1º, não faz qualquer distinção entre os tipos de alteração contratual e alude a obras, serviços e compras em geral. Se o legislador pretendesse discriminar as espécies de modificação, deveria tê-lo feito expressamente, o que não ocorreu. Assim, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Avulta, ainda, observar que o art. 65, § 2º, com alteração da Lei nº 9.648/98, é apenas no sentido da impossibilidade e exceder os referidos limites, ressalvando apenas a hipótese de supressão, desde que consensual. Ademais, é preciso lembrar que a fixação dos limites visou exatamente a evitar que alterações profundas no contrato chegassem ao extremo de desnaturá-lo ou de alterar o núcleo originário do objeto.”70
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx compactua com a mesma orientação acima defendida:
“Prolongado dissenso doutrinário instalou-se quanto aos limites percentuais do § 1º incidirem, indistintamente, sobre as hipóteses de ambas as alíneas do inciso I do art. 65, ou apenas sobre aquela inscrita na alínea ‘b’ (modificação quantitativa do objeto). Sob a perspectiva do Tribunal de Contas da União, ditos limites alcançam ambas as hipóteses, com as ressalvas definidas na Decisão nº 215/99.
O § 2º, com a redação da Lei nº 9.648/98, veio conter toda e qualquer alteração contratual, inclusive a decorrente de acordo, nos limites de acréscimo ou supressão estabelecidos no § 1º, salvo se a alteração consistir em supressão consensual. Quer dizer que, até 25% ou 50%, conforme o caso, a supressão poderá ocorrer por ato unilateral da Administração; acima desses limites, poderá ocorrer a supressão, desde que haja acordo. Compreenda-se a inteligência do novo § 2º: os limites não podem ser ultrapassados quando se tratar de acréscimo porque estar-se-ia a vulnerar a principiologia dos contratos administrativos.”
Pelo trecho supra, tem-se que esta é também a posição do Tribunal de Contas da
União:
“a) tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;” 71 (grifos nossos)
70 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Obra citada na Nota 9. 211/212.
71 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão mencionada na Nota 56.
Passando-se para o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a definição dos Conselheiros desta Corte não é nítida. Em algumas situações, há o afastamento dos limites percentuais nas hipóteses de alteração qualitativa, como são exemplos o primeiro e o segundo julgados abaixo transcritos. Entretanto, parece haver predominância de que a regra geral seja pela aplicação dos limites do § 1º, do art. 65, em todas as hipóteses de alteração unilateral, sendo excepcional a permissão para que a alteração qualitativa ultrapasse esses valores, decisão presente no terceiro julgado e nos posteriores:
“A lei não estabelece limites qualitativos para essa modalidade de modificação contratual. Não se pode presumir, no entanto, existir liberdade ilimitada. Não se caracteriza a hipótese quando a modificação tiver tamanha dimensão que altere radicalmente o objeto contratado. Não se alude a uma modificação quantitativa, mas a alteração qualitativa. No entanto, a modificação unilateral introduzida pela Administração não pode transfigurar o objeto licitado em outro, qualitativamente distinto. Reputa-se que a alteração fundada no inc. I, al. “a”, não se sujeita à limitação do § 2º.” 72 (grifos nossos)
“A Lei nº 8.666/93 é clara ao restringir a 25% as alterações quantitativas (artigo 65, §§ 1º e 2º). Modificações de natureza qualitativa, embora não possuam limites pré-fixados, exigem comprovação de circunstâncias excepcionais ou supervenientes, enquadrando-se à hipótese do artigo 65, II, “d”. Entretanto, aqui, é nítida a inocorrência de fatos imprevisíveis e/ou inevitáveis.” 73 (grifos nossos)
“ATJ-Assessoria, analisando os aspectos da execução contratual, manifestou-se pela regularidade da matéria, no que foi acompanhada pela digna Chefia que citou antecedente julgado nos autos do TC-003.683/026/97 (Conselheiro Relator Xxxxxxx Xxxxxx de Alvarenga), onde restou consignado que é possível aceitar percentual acima do limite legal quando tal medida se mostrar mais econômica para a Administração do que deflagrar nova licitação.
(...)
SDG entendeu que a somatória dos dois tipos de acréscimo (quantitativo e qualitativo) não pode ultrapassar o limite fixado no §1º, do artigo 65 da Lei de Licitações, que define 25% para obras novas e 50% para reforma, bem como os termos do § 2º que impedem qualquer acréscimo ou supressão que exceda os limites legais, excluídas deste as supressões resultantes de acordo entre as partes.
(...)
72 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 10812/026/06. Decisão Monocrática. Rel. Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Julgado em 04 de outubro de 2012.
73 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 1953/010/05. Segunda Câmara. Rel. Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Julgado em 31 de janeiro de 2012.
O ponto fulcral do presente exame prendesse ao acréscimo proporcionado pelo 5º Termo de Aditamento ao contrato celebrado entre a Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo e Araguaia Construtora Brasileira de Rodovias S/A., que alterou quantitativamente e qualitativamente os serviços inicialmente previstos, representando um acréscimo de 30,62% (sendo 8,08% referente a quantitativos e 22,54% a qualitativos).
(...)
Consoante bem delineado pela digna SDG encontra-se na doutrina explanação a respeito da permissibilidade de alteração acima do limite, desde que esteja apoiada no princípio da imprevisão, ou seja, na impossibilidade de se prever o fato e, não da simples ausência de previsão ocasionada pelo planejamento imperfeito.” 74 (grifos nossos)
“Dessa conjuntura extraiu a Prefeitura a possibilidade de celebração do 2º termo aditivo, que visou ao acréscimo de serviços correspondentes a 8,92% do valor inicialmente contratado. Contudo, o 1º termo aditivo já havia consignado um aumento de 24,35%, totalizando 33,27% e extrapolando o limite legal de 25%, previsto no artigo 65 da Lei n. 8.666/932.
Diante da extrapolação do limite legal, não há como aprovar o aditamento em exame.
Como expôs com precisão, voto do E. Conselheiro XXXXXX XXXXXX XXXXXX, no TC-024225/026/97, a possibilidade de, na hipótese de a Administração, na alteração contratual qualitativa, ultrapassar os limites legais estipulados, depende de “um conjunto de critérios e condições que, somados, caracterizam uma situação extraordinária, especial”. Os autos não informam essa situação.” 75 (grifos nossos)
“Não se desconhece a posição de alguns doutrinadores, a exemplo daqueles citados pelo Recorrente, os quais, por meio de interpretação extensiva do artigo 65 da Lei nº 8.666/93, admitem a possibilidade de superação dos limites previstos em seu § 1º, quando haja alteração de natureza qualitativa nos contratos administrativos.
Contudo, tal interpretação encontra óbice no § 2º do mesmo dispositivo, que determina que nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites de
74 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 17661/026/02. Segunda Câmara. Rel. Cons. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Julgado em 03 de fevereiro de 2009.
75 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 20931/026/05. Primeira Câmara. Rel. Cons. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx. Julgado em 03 de junho de 2009.
25%, nos casos de obras, serviços ou compras, e de 50%, tratando-se de reforma de edifício ou de equipamento.” 76 (grifos nossos)
Nesse ponto, a discussão sobre aplicação dos percentuais às alterações qualitativas já indica também a solução para questão de transposição dos limites no § 2º do art. 65: nas alterações quantitativas, os percentuais tendem a ser lidos como patamares rígidos, enquanto que nas alterações qualitativas, há possibilidade, ainda que excepcional, de ultrapassagem.
A disposição do Tribunal de Contas da União é no sentido de que, em alteração qualitativa, os limites percentuais possam ser excedidos desde que preenchidas outras condições:
“b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea ‘a’, supra - que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja,
76 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 54/001/04. Plenário. Rel. Cons. Xxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. Julgado em primeiro de outubro de 2014.
gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;” 77
(grifos nossos)
Na citada Decisão 215/99 do Tribunal de Contas da União, paradigmática sobre o tema, a argumentação desenvolvida pelos Ministros é de que a legislação anterior, que regulamentava a licitação pública (Decreto-Lei 2.300/1986), previa, expressamente, a possibilidade de superação dos limites percentuais nas alterações unilaterais. Com a supressão dessa previsão na nova legislação, percebe-se a intensão legal em coibir práticas abusivas.
Essa foi a primeira corrente doutrinária e jurisprudencial acerca da interpretação dada ao §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/93.
Chega-se, então, ao segundo posicionamento. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, Yara Darcy Police Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx posicionam-se no sentido de que os limites de 25% e 50% não se aplicam à alteração qualitativa, uma vez que a alínea “a”, inciso I, art. 65, dispõe de forma expressa sobre modificações do projeto ou de suas especificações; e não como na alínea “b”, que traz em seu texto “alteração” ou “diminuição” do objeto contratado.
Argumenta-se também que a própria alínea “b” faz menção aos limites permitidos pela Lei 8.666/93, ao passo que a alínea “a”, em momento algum, alude a limites para alteração qualitativa. Segundo os autores dessa orientação, as alterações qualitativas estão associadas ao atendimento do interesse público primário, não havendo lógica em fixar limites a priori.
“A segunda questão discutida envolve a aplicabilidade dos limites referidos aos diferentes tipos de alterações contratuais possíveis. Quanto a este ponto, há amplo consenso no sentido de que as regras em questão se aplicam apenas às alterações quantitativas, e não às qualitativas. Com efeito, apenas a alínea b inciso I – que trata das alterações quantitativas – faz menção a ‘limites permitidos por esta Lei’ e o § 1º refere expressamente a supressões e acréscimos. Ademais, as alterações qualitativas estão associadas ao atendimento do interesse público, de modo que não haveria sentido em fixar-se, a priori, um limite objetivo para essas alterações, em prejuízo eventual das necessidades concretas do interesse público.” 78 (grifos nossos)
“Note-se que a vedação contida no § 2º do art. 65 da Lei 8.666 – a de exceder os 25 ou 50% - está reportada tão-somente à alteração unilateral a que se remete a
77 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão mencionada na Nota 56.
78 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada na Nota 31.
letra ‘b’ do inciso I (‘quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei’, os quais estão fixados no § 1º). Não diz respeito, pois, ao que está mencionado na letra ‘a’ (‘modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos’).
De fato, o § 2º do art. 65 (que declara inaceitáveis quaisquer acréscimos ou supressões excedentes dos limites fixados) remete expressamente ao parágrafo anterior. Ora, neste, ou seja, no § 2º, está estabelecido que o contratado fica obrigado a aceitar acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras até 25% ou, no caso de reforma, 50%. Portanto, ambos os parágrafos (1º e 2º) estão reportados a ‘acréscimo’ ou ‘diminuição’: expressões idênticas ou equivalentes às utilizadas na letra ‘b’ do art. 65, I (‘acréscimo ou diminuição’), que é o que trata de alteração de quantitativos. Demais disto, é também nesta letra ‘b’ – e unicamente nela – que se faz referência a ‘nos limites permitidos por esta lei’ – expressão que inexiste na letra ‘a’ (que trata de ‘modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos’). Esta inclusão dos limites em uma e exclusão em outra não pode ser desconsiderada.” 79 (grifos nossos)
“A alínea b diz respeito à aplicação do § 1º do art. 65, que estabelece os limites de acréscimos ou supressões do objeto contratual em vinte e cinco por cento do valor inicial atualizado do contrato, ou sem caso de reforma de edifícios ou equipamentos, em cinquenta por cento.
Observa-se que o § 2º do art. 65 determina que ‘nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: (...) II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes’.
Assim, verifica-se que a aplicação dos referidos limites é relativa à alínea b, pois aqui se trata de alterações quantitativas, e a alínea a, quando envolver apenas alterações qualitativas no objeto contratual, não está adstrita a tais limites.” 80 (grifos nossos)
“O §2º determina que os acréscimos e supressões não podem superar aos limites previstos no § 1º, ressalvada a hipótese de redução consensual. O tema tem dado margem a inúmeras disputas. Há os defensores da interpretação ampla do § 2º. Isso significa que nenhuma modificação, prevista no art. 65, poderia ultrapassar os limites do § 1º, Discorda-se desse entendimento.
(...)
Ora, o §2º refere-se à vedação a acréscimo ou supressão. Examinando-se o elenco do inc. I, identifica-se claramente que a hipótese se configura no caso da al. ‘b’. Esse é o dispositivo que trata de ‘acréscimo ou diminuição quantitativa de
79 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Obra citada na Nota 3. p. 632/633.
80 XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 2. p. 408.
seu objeto’. Portanto, a redação do § 2º tem clara e inquestionável relação com o disposto na al. ‘b’ do inciso I.
16.4) A natureza necessária da alteração nos casos de inadequação de projetos
Por outro lado, aplicar a vedação do § 2º às hipóteses previstas na al. ‘a’ do inc. I conduziria a resultados despropositados, não compatíveis com o disposto na al. ‘b’ do inc. I.” 81 (grifos nossos)
Portanto, dado o debate doutrinário, o que se pode afirmar é que os limites elencados nos §§ 1º e 2º, do art. 65, da Lei 8.666/93, são aplicáveis às alterações quantitativas. No tocante às alterações qualitativas, por todo o já exposto, entende-se como mais correto o segundo posicionamento, conforme o qual inexistem limites expressos para modificações no projeto ou nas especificações, uma vez que os fatos que ensejam esse tipo de alteração são imprevisíveis. Não obstante, devem obedecer ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, dentre outros, para que não ocorra a mutação do objeto inicialmente contratado.
No mais, se a lei pretendesse que as alterações qualitativas tivessem seus limites pré-estabelecidos, ao modificar o Decreto nº 2300/86, deveria ter incluído expressamente essa determinação no novo texto, do mesmo modo em que excluiu a possibilidade de superar os percentuais (§ 4º, art. 55, Decreto 2300/86).
Por derradeiro, merece destaque o fato de existir a possibilidade de transposição dos limites percentuais para alteração do contrato celebrado, nas situações em que a alteração contratual representar melhor alternativa ao interesse público subjacente à contratação.
5.4. A participação do contratado
Por fim, importante tecer considerações sobre a figura do contratado. Normalmente, sendo hipótese pura e simples de alteração unilateral, o contratado não contribui para a formação do ato de modificação contratual, nem se faz necessária sua concordância, mas sim somente sua cientificação, como condição de eficácia.
81 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Obra citada na Nota 18. p. 171/172.
No entanto, conquanto sejam classificadas como alterações unilaterais do contrato administrativo, derivadas de poderes instrumentais de que é titular a Administração Pública, por vezes o contratado é peça que conforma o ato modificativo, interferindo na alteração.
O primeiro exemplo dessa interferência do contratado já fora elucidado anteriormente, na discussão sobre o critério de aplicação dos percentuais do § 1º, do art. 65 da Lei 8.666/93 sobre o valor do contrato. Nos casos em que o acréscimo ou supressão do objeto não refletir proporcionalmente no preço do ajuste, como são os casos de contratos por preço global, a Administração será obrigada a negociar com o particular a respeito dos custos da alteração. Caso o contratado comprove que seus custos implicaram modificação contratual acima dos limites estabelecidos pela lei, a alteração terá de ser revista.
O segundo exemplo acontece nas situações em que, aberto o contraditório ao particular, este consegue demonstrar que não tem condições de adimplir com as alterações contratuais que pretende a Administração. Nestas hipóteses, há possibilidade de rescisão contratual, com ou sem penalidade por inexecução, a depender da culpabilidade do contratado.
Considerações finais
O contrato administrativo surgiu no Direito como uma modalidade diferente de contratação, rompendo com as noções até então existentes na teoria geral dos contratos, sensivelmente informada pelos princípios específicos do Direito Privado, inaplicáveis nos ajustes promovidos pela Administração.
A despeito do debate doutrinário quanto à natureza contratual e da divergência na caracterização do ajuste como contrato administrativo, há elementos comuns nas definições dos vários doutrinadores que apontam para os elementos mais expressivos: presença da Administração, submissão ao regime de Direito Público e interesse público subjacente à contratação, sendo este último mais significativo para a análise das alterações contratuais.
Toda a contratação administrativa orbita o interesse público mediato ao contrato. O ajuste somente se justifica se houver necessidade pública percebida pela Administração. O interesse público almejado é a condição que antecede e legitima a celebração do contrato administrativo e, ainda, em sucedendo alteração do cenário contratual, com interferência no interesse público, este será o pressuposto para que se efetive alteração.
Os princípios do pacta sunt servanda e do rebus sic standibus não são antagônicos, convivendo no contrato administrativo de modo sui generis. A intangibilidade é notável na equação econômico-financeira do contrato, desde a proposta, por determinação constitucional; e no núcleo do contrato (natureza do objeto e principais cláusulas de execução), que também não podem sofrer alteração sob pena de desconstituição do próprio acordo, de violação à força vinculativa do ajuste e até mesmo de eventual fraude licitatória. Por outro lado, o rebus sic stantibus, de que se derivou a atual teoria da imprevisão, admite as alterações sempre em benefício da efetivação do contrato. Entre eles, não há incompatibilidade, e sim harmonização, isto é, a aplicação concomitante destes dois princípios está ocorrendo do mesmo modo que evoluiu a aplicação do Princípio da Igualdade.
Dessas duas noções entre cláusulas ajustáveis e outras intangíveis, surgem os princípios da mutabilidade e da manutenção da equação econômico-financeira. A mutabilidade traz reflexos nos contratos administrativos, uma vez que permite à Administração intervir no inicialmente pactuado em função da busca do bem comum, isto é, este citado princípio está atrelado às alterações unilaterais, para atendimento do interesse público superveniente à celebração do contrato. Já a manutenção da equação econômico- financeira é tida como núcleo duro, invariável, portanto, abarcado pela noção de pacta sunt servanda.
Para que a alteração unilateral ocorra, ela deve ser direcionada para a melhor adequação do ajuste às finalidades pretendidas pelo interesse público subjacente à contratação e, qualquer modificação deverá resguardar os direitos do contratado. Por conseguinte, tem-se que a alteração unilateral é prerrogativa instrumental, ou seja, é poder-dever da Administração que só se legitima para tutelar o interesse público.
Dos tipos de alteração previstos no artigo 65, inciso I, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.666/93, a primeira hipótese atinge o objeto em aspecto qualitativo, quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; a segunda restringe-se à modificação quantitativa do valor contratual, quando necessária para acréscimo ou diminuição do objeto. Além disso, há uma terceira, híbrida, colocada pela doutrina, que é a alteração qualitativa com reflexos quantitativos.
Tendo como pressuposto o interesse público e como consequente necessário a observância dos direitos do contratado, as alterações contratuais unilaterais precisam atender a três requisitos gerais, segundo escalonados logicamente: superveniência, possibilidade de contratação autônoma e eficiência.
O primeiro requisito geral, a superveniência do interesse público, instaura-se no momento em que o cenário original da contratação é modificado por fatos inexistentes ou não previsíveis, tendo como consequência a inviabilidade contratual. O requisito de superveniência se presta a afastar as situações de mau planejamento administrativo.
Atendida a superveniência, passa-se à verificação da possibilidade de contratação autônoma. Para solução deste requisito geral, questiona-se: em tese, a parcela aditada poderia ser alvo de contratação autônoma? Se a alteração for tão intimamente ligada ao contrato
original que não puder ser licitada isoladamente, então nem será preciso seguir para o terceiro requisito geral, pois a alteração será a única alternativa possível.
Entretanto, havendo possibilidade de contratação autônoma, será necessário avaliar o terceiro requisito geral, que nada mais é que um comparativo de eficiência administrativa: sendo mais eficiente a alteração unilateral, esta estará justificada. Vale lembrar que a eficiência nos contratos administrativos não se resume em obter um bom resultado, mas o melhor resultado e, mais vantajoso e mais econômico para os cofres públicos na relação custo-benefício.
Por derradeiro, resta como condição de eficácia a cientificação do contratado, devendo ser satisfeita. Sobre este ponto, há discussão se ao contratado deve ser dada apenas ciência, ou, se deve ser estabelecido o contraditório e a ampla defesa. Partilhamos do entendimento de que, nos limites da lei, deve ser dada apenas cientificação ao contratado e, caso a alteração exceda os percentuais legais, o contratado pode demonstrar sua impossibilidade de cumprimento do contratado, hipótese em que será desonerado.
No entanto, ao lado dos requisitos gerais, cada tipo de alteração unilateral deve atender a seus requisitos específicos, tratados pela doutrina como limites. Inicialmente, o limite para a alteração qualitativa é a proibição de transfiguração do próprio objeto do contrato, ao passo que a alteração quantitativa, tem como parâmetro até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50%.
Para os percentuais de acréscimos e supressões, não deve haver compensação dos valores, por risco de “jogo de planilhas”, com exceção da hipótese permitida pelo Tribunal de Contas da União, de substituição do “mesmo item”, desde que não esteja dentre aqueles elencados para comprovação de capacidade técnica.
No tocante a extensão dos limites percentuais também às hipóteses de alteração qualitativa com efeitos quantitativos, doutrinadores e, os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, têm posicionamentos divergentes.
Partilhamos do entendimento de que os limites de 25% e 50% não se aplicam às alterações qualitativas pelo fato de: 1) a lei 8.666 prever expressamente que é a alteração quantitativa que deve respeitar os limites disciplinados em lei; 2) as alterações qualitativas são
derivadas de eventos imprevisíveis e, portanto, deve-se atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
As alterações qualitativas e quantitativas poderão superar os limites a elas estipulados, desde que preenchidos os requisitos gerais e que representem melhor alternativa ao interesse público subjacente à contratação. Some-se a isto, que os atos administrativos devem estar totalmente justificados e motivados, bem como as questões de eficiência e economicidade, exemplificativamente, devem ser totalmente demonstradas em favor do Poder Público.
Por fim, na cientificação do contratado analisa-se, apenas, a manifestação do contratado sobre a impossibilidade de executar a parcela aditada, quando a alteração superar os limites percentuais previstos em legislação.
À exceção dos requisitos comuns, cada tipo de alteração unilateral possui limites próprios, não devendo haver aplicação de uns em outros, visto que a natureza da modificação contratual – qualitativa ou quantitativa – demanda tratamento jurídico diverso. Ademais, a rigidez deve acompanhar o núcleo duro do contrato, que é a intangibilidade da equação econômico-financeira e a vedação de desconstituição do próprio objeto do contrato, não os percentuais de valor, seja porque o critério de valor pode não corresponder proporcionalmente à dimensão do objeto, seja porque o interesse público que conduz a contratação prevalece.
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