O CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL: LINHAS CRÍTICAS SOBRE O CASO BRASILEIRO
O CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL: LINHAS CRÍTICAS SOBRE O CASO BRASILEIRO
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx*
D
INTRODUÇÃO
iscorrendo sobre a jornada de trabalho, antes mesmo de se disseminarem as leis trabalhistas que limitavam a jornada, Xxxx Xxxx ponderava que, no modo capitalista de produção, o capitalista com- pra a força de trabalho pelo seu valor diário, de
modo que o respectivo valor de uso passa a lhe pertencer, du- rante toda a jornada de trabalho; adquiria, assim, o direito de exigir do trabalhador um dia de trabalho. O dia de trabalho, por natureza, haveria de ser “menor” que um dia natural, por razões óbvias. Mas – indaga Xxxx – menor quanto?1 E responde:
O capitalista tem seu próprio ponto de vista sobre essa extrema, a fronteira necessária da jornada de trabalho. [...] O capital é trabalho morto que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo e quanto mais o suga mais forte se torna. O tempo em que o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capi- talista consome a força de trabalho que comprou. [...] O capi- talista apoia-se na lei de troca de mercadorias. Como qualquer outro comprador, procura extrair o maior proveito possível do valor de uso de sua mercadoria.2
Nessa ordem de ideias, se se entende, com Xxxxxxx, que
* Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1.ª Vara do Trabalho de Taubaté (TRT 15). Livre-docente em Direito do Trabalho pela USP. Doutor em Direito Penal pela USP e em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
1 XXXX, Xxxx. O capital: crítica da economia política. Trad. de Xxxxxxxxx Xxxx’Anna.
22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, Livro I, Cap. VIII, passim.
2 Id., Ibid.
Ano 8 (2022), nº 4, 1355-1374
jornada é o “[...] lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato”, configurando “a medida principal do tempo diário de disponibilidade do obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho que os vin- cula”, pelo qual “mensura-se [...], objetivamente, a extensão de transferência de força de trabalho em favor do empregador do contexto de uma relação empregatícia” – sendo, pois, a “me- dida da principal vantagem empresarial (apropriação dos ser- viços pactuados)” –,3 está claro que, a par dos evidentes impac- tos sobre a própria saúde do trabalhador (o que perfaz a indelével conexão entre os incisos XIII, XVI e XXII do art. 7º da CRFB),4
3 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017, p.977.
4 E determina, por outro lado, a irretorquível inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 611-B da CLT. V., a respeito, XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx. Ainda so- bre a Reforma Trabalhista: para melhor situar a caverna e os seus habitantes. Jota. Coluna Juízo de Valor, 8 mai. 2017. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x- analise/colunas/juizo-de-valor/para-melhor-situar-a-caverna-e-seus-habitantes- 08052017?msclkid=547c9492bb0411ecb0179349114380d1. Acesso em: 9 abr. 2022. In verbis: “[...] Todos nós sabemos, e é algo que está nas próprias origens do Direito do Trabalho, que os temas da jornada de trabalho e dos intervalos laborais entron- cam-se diretamente com a questão da saúde e da segurança do trabalhador. Não por acaso, o Peel Act (2.6.1802), considerado pelos historiadores a primeira lei propria- mente “trabalhista” do nosso tempo, tratava basicamente de limitar o trabalho diário dos aprendizes a doze horas diurnas, excluindo as pausas para refeições (que não po- diam ser “indenizadas” por acordo individual, como agora admitirá o artigo 59-A do projeto); chamou-se Peel Act em homenagem a xxx Xxxxxx Xxxx, então primeiro-mi- nistro da Grã-Bretanha, mas sua real denominação histórica era “Health and Morals of Apprentices Act” (= “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes”), e sua propositura deveu-se ao surto de uma “febre maligna” que vitimou diversos aprendizes no ano de 1784, especialmente na cidade de Radcliffe. [...] Indiscutível, portanto, a correlação entre duração de jornada e saúde do trabalhador (especialmente os mais jovens), desde os primórdios do Direito do Trabalho. Como, ademais, hoje reconhece placidamente, fora de qualquer dúvida razoável, a própria Organização Internacional do Trabalho, de que o Brasil é Estado-Membro desde 1919. Vejam-se, p. ex., os artigos 4º e 5º da Convenção n. 155, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 1.254/1994 [...]. Não é as- sim, porém, na “moderna” visão do PL n. 6.787/2016 [que viria a se transformar na Lei 13.467/2017 – Lei da Reforma Trabalhista]. Pelo seu texto para o artigo 611-B, parágrafo único, da CLT, estará dito que “[r]egras sobre duração do trabalho e in- tervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do
quaisquer alterações legais no regime jurídico da jornada, fora dos baldrames do art. 7º da Constituição e do art. 58 da Conso- lidação das Leis do Trabalho, tendem a impactar na própria co- mutatividade natural do contrato individual do trabalho. E, não raro, impacta negativamente (i.e., em detrimento do trabalhador e do seu direito à desconexão, direta ou indiretamente), fazendo com que o capitalista obtenha ainda maiores ganhos, sem retri- buir, proporcional ou justamente, o trabalho vivo incorporado ao trabalho morto. O que nos devolve a Xxxx, emulando a voz do obreiro: “O que ganhas em trabalho, perco em substância. A utilização de minha força de trabalho e sua espoliação são coi- sas inteiramente diversas”.5
Não foi diferente com o chamado “contrato de trabalho a tempo parcial”, originalmente introduzido pela Medida Provisó- ria n. 2.164-41/2001 e depois coonestado – e recrudescido – pela Lei 13. 467/2017. Alterou-se a comutatividade natural do con- trato individual de trabalho, tradicionalmente pensado para jor- nadas de oito horas (na velha lógica da tripartição das horas do dia: oito horas para a vida laboral, oito horas para a vida pessoal, oito horas para o repouso). E, com o advento da proclamada “Re- forma Trabalhista” de 2017, aprofundou-se a perda salarial rela- tiva do trabalhador. A diferença – aparente – é que antes, nos oitocentos, o capitalista promovia a reprodução ampliada do ca- pital, entre outros caminhos, promovendo a extensão da jornada
trabalho para os fins do disposto neste artigo” (i.e., para fins de vedação da preva- lência do negociado sobre o legislado). E, já por isso, na linha mestra do negociado sobre o legislado, o futuro artigo 611-A da CLT permitirá, entre outras coisas, que, sem a necessidade de qualquer aval técnico do Ministério do Trabalho, de auditores- fiscais do trabalho e/ou de médicos e engenheiros do trabalho, os sindicatos profissio- nais “negociem”, com sindicatos patronais ou com empresas, a piora das condições de trabalho em temas como intervalo intrajornada, “respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas” (inciso III), ou como enquadra- mento do grau de insalubridade, ou ainda como prorrogação de jornada em ambientes insalubres, “sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Tra- balho” (inciso XIII)... [...] Sinceramente, nada mais absurdo. Diria, talvez, nada mais “cavernoso”. Retrocede-se em mais de duzentos anos.”
5 XXXX, Xxxx. O capital..., passim.
de seus trabalhadores: aumentava-lhes a jornada laboral efetiva (i.e., distendia o dia de trabalho), nos limites possíveis do dia natural da vida. Agora, no século XXI, à vista dos adicionais de horas extras (CRFB, art. 7º, XV), engendram-se mecanismos ju- rídicos para que ele também logre aumentar seus ganhos por meio da redução da jornada laboral efetiva, nos estritos limites da sua própria necessidade (e, logo, sem perdas de produtivi- dade), reduzindo os patamares remuneratórios mínimos até en- tão legalmente exigíveis (e, logo, com ganhos de lucratividade).
Eis a funesta equação.
Vejamos, porém, com maior vagar.
1. O CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA: CONCEITO, INSPIRA- ÇÃO E CRÍTICA
Conceitualmente, o empregado a tempo parcial é o tra- balhador assalariado que, por ajuste ou adesão, submete-se a uma atividade laboral com “uma duração inferior à dos traba- lhadores a tempo completo em situação compatível”.6 O con- trato de trabalho a tempo parcial é, portanto, um instituto essen- cialmente ligado à ideia do “pacta sunt servanda”, i.e., à auto- nomia privada individual. Nesse sentido, consubstancia uma ex- ceção relativa à ideia de que à jornada máxima juridicamente inexcedível – ressalvadas as exceções atreladas à necessidade7 –
6 V. Convenção 175 da Organização Internacional do Trabalho (art. 1º). V. ainda XXX- XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Trabalho a tempo parcial no direito comparado. Re- vista Genesis. Curitiba: Editora Genesis, t. 13, n. 76, pp. 536-537, abr. 1999; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 563 e ss.
7 Por isso, justamente, as horas excedentes das oito diárias e/ou das quarenta e quatro semanais são constitucionalmente ditas horas de “serviço extraordinário” (CRFB, art. 7º, XVI). Nada obstante, a realidade laboral configurou um processo vertiginoso de “ordinarização” das horas extras. Cf., por todos, XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx; DIAS, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx X.; TOLEDO FILHO, Xxxxxx Xxxxxx. Comentários à Lei da Reforma Trabalhista: dogmática, visão crítica
deveria corresponder, qual “mimimum minimorum”, uma remu- neração mínima juridicamente irredutível. Nessa linha de exce- ção, aliás, a figura do trabalho intermitente, consagrada nos arts. 443, §3º, e 453-A da CLT pela Lei 13.467/2017, viria a ser a sua máxima expressão.8
Como trabalhadores a tempo parcial não se consideram, entretanto, aqueles cuja jornadas ordinárias já sejam obrigatori- amente reduzidas, por força da Constituição ou das leis, inde- pendentemente de acordos individuais, porque, nesses casos, as jornadas reduzidas não são casuísticas, mas se devem, antes, aos predicamentos específicos do trabalho (como nos trabalhos es- pecialmente degradantes, agressivos ou exaustivos,9 a exemplo dos turnos ininterruptos de revezamento10, dos bombeiros civis11 e das atividades de teleatendimento ou telemarketing12), às
e interpretação constitucional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018, passim (comentários ao art. 59-B).
8 Uma vez que, à vista do art. 452-A, caput e §§ 1º, 2º e 5º, da CLT, o empregado
intermitente recebe tão somente pelas horas efetivamente trabalhadas, respeitado o salário mínimo hora; por outro lado, só trabalha efetivamente quando convocado pelo empregador, de acordo com sua estrita necessidade. Consequentemente, à falta de convocação, esse “empregado” poderá passar meses vinculado a determinado empre- gador, sem receber um tostão sequer. Tal modelo vulnera, em nossa opinião, a regra constitucional do art. 7º, IV e VII, da CRFB. Nesse sentido, aliás, v. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, pp. 154 e ss. Cf., ademais, o Enunciado n. 73 da 2ª Jornada Nacional de Direito Material e Processual do Trabalho, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Ana- matra), realizada quando este Autor a presidiu (2018): “CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional o regime de tra- balho intermitente previsto no art. 443, § 3º, e art. 452-A da CLT, por violação do art. 7º, I e VII da Constituição da República e por afrontar o direito fundamental do tra- balhador aos limites de duração do trabalho, ao décimo terceiro salário e às férias remuneradas”. É como pensamos.
9 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso..., p. 1037 e ss.
10 CRFB, art. 7º, XIV.
11 Lei 11.901/2009, art. 5º.
12 Ministério do Trabalho, Norma Regulamentadora n. 17, item 6.3 (jornada de seis horas, nela incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração).
características especiais do indivíduo (caso do menor apren- diz13) ou às notas essenciais da profissão (amiúde em função de conquistas de classe historicamente consolidadas, como no caso dos bancários,14 dos jornalistas15, dos músicos profissionais16 ou dos advogados17).
Tampouco são trabalhadores a tempo parcial aqueles cu- jas jornadas ordinárias já sejam reduzidas, por força da negocia- ção coletiva, também independentemente de acordos individu- ais, porque, nessas hipóteses, as jornadas reduzidas tampouco são casuísticas, mas se devem, antes, aos efeitos positivos, gerais e abstratos do exercício competente da autonomia privada cole- tiva.
Não se consideram trabalhadores a tempo parcial, enfim, os trabalhadores a tempo completo que se encontrem em situa- ção de “desemprego parcial”, isto é, que se vejam afetados por uma redução coletiva e provisória da duração norma de sua jor- nada, por motivos econômicos – inclusive de ordem pandêmica (como foi, no Brasil, o caso da Medida Provisória n. 936/2020 e de seu “programa emergencial de preservação de emprego e renda”),18 tecnológicos ou estruturais. É o que dita, a propósito,
13 CLT, art. 432, caput (jornada de seis horas, vedadas a prorrogação e a compensação de jornada).
14 CLT, art. 224, caput (jornada de seis horas).
15 CLT, art. 303 (jornada de cinco horas).
16 CLT, art. 232 (jornada de seis horas).
17Lei 8.906/1994, art. 20 (jornada de quatro horas, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva).
18 A autorizar, no auge da pandemia do novo coronavírus, a redução de salários - com a correlata redução proporcional de jornada - em três faixas distintas (25%, 50% e 70%), sob contrapartida do chamado “benefício emergencial de preservação do em- prego e da renda”, de natureza assistencial, no respectivo percentual de 25%, 50% e 70% do valor que seria devido a título de seguro-desemprego. Para quem recebia mais de R$ 12.102,12 (equivalente, à época, a duas vezes o valor máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social), tendo curso superior, e para os que não per- cebessem mais que R$ 3.135,00 (três salários mínimos nacionais à época), essa redu- ção poderia ser negociada diretamente, inclusive sem a intervenção do sindicato. Cf., por todos, XXXXXXXXX, Guilherme Guimarães; XXXXXXXX, Xxxxxxx. O governo, a pandemia e o trabalho: crônica de uma judicialização anunciada. Disciplinas da USP:
o art. 1º, “d”, da Convenção OIT n. 175, de 24.6.1994, sobre trabalho a tempo parcial, a que se somam os dispositivos da Re- comendação OIT n. 182, sobre o mesmo tema.
O contrato de trabalho a tempo parcial não se confunde, outrossim, com o contrato de trabalho temporário, regido pela Lei 6.019/1974, que pressupõe uma triangulação contratual (em- presa tomadora/empresa prestadora/trabalhador terceirizado) para fins de terceirização de atividades-fim, sob regramentos bem específicos, mas que não foge à regra geral das oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanas (CRFB, art. 7º, XIII). Tampouco se confunde com o contrato de trabalho por tempo determinado instituído pela Lei 9.601/1998, que tisnou direitos sociais fundamentais (como o FGTS e as verbas rescisórias) e inclusive instituiu o banco de horas, mas tampouco interferiu com o marco constitucional da jornada de trabalho.
Diga-se, enfim, que a figura do trabalho a tempo parcial, introduzida formalmente no ordenamento legal brasileiro em 2011 (infra), aparenta ter se inspirado especialmente nas experi- ências normativas europeia e internacional.
No plano estrangeiro, merece referência a Resolução do Conselho Europeu de 18 de dezembro de 1979, cujo art. 4º já reconhecia o trabalho a tempo parcial – tomando-o mesmo como indissociável da atual realidade do mercado de trabalho – e es- tatuía como condições para a sua regularidade (a) a voluntarie- dade e a acessibilidade do trabalho a tempo parcial aos homens e às mulheres, indistintamente; (b) a impossibilidade de que fosse imposto a tantos quantos quisessem trabalhar a tempo in- tegral; e (c) a necessidade de que os trabalhadores a tempo par- cial fruíssem os mesmos direitos e obrigações sociais dos traba- lhadores a tempo integral, sem prejuízo das características espe- cíficas de cada modalidade. Dez anos depois, veio a lume a
ambiente virtual de apoio à graduação e pós-graduação. Disponível em: xxxxx://xxxx- xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx.xxx/0000000/xxx_xxxxxxxx/xxxxxxx/0/XXx%00x%00xxxx- navi%CC%81rus%20-%20FSP.pdf. Acesso em: 11 abr. 2022.
Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, que estabeleceu regras concernentes a diversos aspectos da or- ganização do horário de trabalho, incluindo a redução consen- sual de jornada com proporcional redução de salário. E, em pa- ralelo, a seção 7º, 1, da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais do Trabalhador (sobre “[m]elhoria das condições de vida e de trabalho”), adotada pelo Conselho Europeu em 9 de dezembro de 1989, dispôs que "a realização do mercado in- terno deve portar a um melhoramento das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores na comunidade europeia”, sendo certo que, em relação aos obreiros, impor-se-ia progredir “prin- cipalmente no que se refere à duração e à organização do horá- rio de trabalho e as formas de trabalho a tempo determinado, o trabalho a tempo parcial, o trabalho temporal e o trabalho es- tacional".19
No plano internacional, por outro lado, o texto deita cla- ras raízes na predita Convenção n. 175, da Organização Interna- cional do Trabalho, que terminou por chancelar, no plano inter- nacional, a figura do trabalho a tempo parcial, com algumas pou- cas ressalvas e salvaguardas.
Entre as ressalvas, cite-se a possibilidade de que as orga- nizações representativas de empregados e empregadores, nota- damente as sindicais, possam excluir categorias particulares de trabalhadores e/ou de estabelecimentos da possibilidade legal de se ajustar a contratação a tempo parcial, uma vez que o regime de trabalho a tempo parcial possa engendrar, nesses nichos, “problemas particulares de importância considerável” (art. 3º, 1). No Brasil, essa exclusão setorial negociada não tem sido uti- lizada.
Entre as salvaguardas, por outro lado, cite-se a do art. 4º, pela qual
[d]evem tomar-se medidas a fim de que os trabalhadores a tempo parcial recebam a mesma proteção que a concedida aos
19 V. a respeito, por todos, VILLATORE, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Trabalho..., passim.
trabalhadores a tempo completo que se encontrem numa situa- ção comparável no que respeita: a) Ao direito de organização, ao direito de negociação coletiva e ao de agir na qualidade de representantes dos trabalhadores; b) À segurança e à saúde no trabalho; c) À discriminação no emprego e na profissão.
Além disso (art. 5º),
[d]evem tomar-se medidas adequadas à legislação e à prática nacionais para que os trabalhadores a tempo parcial não rece- bam, apenas pelo facto de trabalharem a tempo parcial, um sa- lário de base que, calculado proporcionalmente com base na hora, no rendimento ou à peça, seja inferior ao salário de base, calculado segundo o mesmo método, dos trabalhadores a tempo completo que se encontrem numa situação comparável.
E se asseguram aos trabalhadores a tempo parcial, ade- mais, “condições equivalentes às dos trabalhadores a tempo completo que se encontrem numa situação comparável nos se- guintes domínios: a) Proteção da maternidade; b) Cessação da relação de trabalho; c) Férias anuais pagas e dias feriados pa- gos; d) Licença por doença”, sendo certo que “as prestações pecuniárias poderão ser determinadas proporcionalmente à du- ração do trabalho ou aos ganhos” (art. 7º).
A seu modo, a legislação brasileira parece atender todas essas salvaguardas. Resta saber se, à luz da Constituição da Re- pública Federativa do Brasil, isto basta.
2. O CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL SOB A MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.164-41/2001
Conquanto a prática laboral já revelasse hipóteses diver- sas de contratação a tempo parcial e similares, com ou sem o beneplácito sindical pela via da negociação coletiva, o fato é que, até 2001, a legislação brasileira era silente a respeito. A ju- risprudência nacional, por conseguinte, era reticente.
Em 24 de agosto de 2001, todavia, o então Presidente da República, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, fez publicar a Medida Provisória n. 2.164-41, que “[a]ltera a Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, para dispor sobre o trabalho a tempo parcial, a suspensão do contrato de trabalho e o programa de qualifica- ção profissional, modifica as Leis nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965, 5.889, de 8 de junho de 1973, 6.321, de 14 de abril de
1976, 6.494, de 7 de dezembro de 1977, 7.998, de 11 de janeiro
de 1990, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 9.601, de 21 de janeiro de 1998, e dá outras providências”. A intenção normativa, irre- sistível à época – o Brasil vivia, a partir do governo anterior (Xxxxxx xx Xxxxx), o seu primeiro arroubo neoliberal após o fim da ditadura civil-militar iniciada em 1964 –, era precisamente a de flexibilizar a jornada de trabalho na perspectiva do interesse das empresas, reduzindo-lhes os custos e tornando-as mais com- petitivas, interna e externamente.20
A MP n. 2.164-41/2001 introduziu na Consolidação das Leis do Trabalho o artigo 58-A, em sua versão originária, pela qual se considerava trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não excedesse a vinte e cinco horas semanais. Di- tava-se ainda, na direção da Convenção OIT n. 175 (art. 5º), que o salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo par- cial seria proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprissem, nas mesmas funções, tempo integral. Desse modo, passava a ser formalmente legal o pagamento, a um em- pregado hipotético, de uma remuneração inferior ao salário mí- nimo legal mensal ou ao piso normativo da respectiva categoria profissional, desde que o contrato individual de trabalho tivesse como base uma quantidade horária inferior às quarenta e quatro horas semanais do art. 7º, XIII, da CRFB.
A medida provisória ainda estabeleceu os parâmetros de exercício da autonomia privada individual para fins de validação do trabalho a tempo parcial. Para os empregados que em agosto
20 V., e.g., XXXXXX Xx., Brasilio. O Brasil sob Xxxxxxx: neoliberalismo e desenvol- vimentismo. Dossiê FHC: 1º Governo. Tempo social: revista de sociologia. Departa- mento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni- versidade de São Paulo, v. 11, n. 2, out. 1999, passim. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx/00.0000/X0000-00000000000000000. Acesso em: 5 fev. 2022. .
de 2001 estivesse contratados por tempo integral, a adoção do regime de tempo parcial só poderia ser feita mediante opção ma- nifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva. Não se admitia, portanto, a mera adesão subjetiva ao novo regime, sem a intervenção ou a devida forma sindical. Era, sem dúvida, uma boa cautela, já que se tratava – insista-se – de uma clara iniciativa de flexibilização da jornada destinada a atender predominantemente os interesses das empresas (ainda que a retórica executiva de justificação con- siderasse outros elementos, como, p. ex., as necessidades espe- ciais de mulheres que, devido às tarefas do “lar”, não poderiam se ativar por quarenta e quatro horas semanais)21.
Previa-se, ademais, no parágrafo 4º do art. 59 da CLT, que os empregados sob o regime de tempo parcial não poderiam prestar horas extraordinárias, sob pena de desnaturação do re- gime de tempo parcial. Era igualmente uma importante cautela, já que, na perspectiva patronal e obreira, a redução consensual da jornada ordinária -= com consequente e proporcional redução salarial – justificava-se precisamente porque, de regra, o empre- gador não necessitava de mais horas e/ou o trabalhador não po- dia prestá-las. Admitir o advento de horas extraordinárias seria, portanto, uma contradição legislativa insuperável, do ponto de vista ético, jurídico e até mesmo em perspectiva puramente car- tesiana. E, por isso mesmo, a jurisprudência nacional vinha sis- tematicamente descaracterizando os contratos de trabalho cele- brados sob o regime de tempo parcial – o que significa conferir ao trabalhador o direito à integralidade do salário, qual
21 Corroborando e recrudescendo, como é evidente, o estereótipo sexista da “mulher dona de casa”, única responsável pelos trabalhos domésticos de cuidado – típico tra- balho não remunerado –, eximindo-se o homem de quaisquer obrigações a respeito. Dados recentes revelam que, a rigor, 75% dos trabalhos de cuidado não remunerados em todo o mundo são realizados exclusivamente por mulheres, somando 12 bilhões de horas de trabalho todos os dias. Cf. INSTITUTO TRICONTINENTAL DE PES- QUISA SOCIAL. CoronaChoque e Patriarcado. 5 nov. 2020, passim. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xx-xx/xxxxxxx-0-xxxxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxxxx/. Acesso em: 10 abr. 2022.
empregado a tempo completo – sempre que se verificasse con- cretamente a prestação habitual de sobrejornada.22 Como dire- mos a seguir, porém, o legislador póstero, no ano de 2017 (Lei 13.467/2017), não teve o mesmo discernimento.
O novo regime de tempo parcial não se bastou, ademais, na afetação do direito à remuneração. Passou a impactar também o direito às férias (CRFB, art. 7º, XVII). Nos termos do novel art. 130-A da CLT, na modalidade do regime de tempo parcial, após cada período de doze meses de vigência do contrato de tra- balho (= período aquisitivo), o empregado teria o seu direito a férias dimensionado conforme a duração semanal de trabalho ajustada individualmente, calculando-se os dias de férias nas se- guintes proporções (a partir de dezoito dias de descanso – as fé- rias “cheias” no tempo parcial –, e não de trinta):
(a) dezoito dias, para a duração do trabalho semanal superior a vinte e duas horas, até vinte e cinco horas;
(b) dezesseis dias, para a duração do trabalho sema- nal superior a vinte horas, até vinte e duas horas;
(c) quatorze dias, para a duração do trabalho sema- nal superior a quinze horas, até vinte horas;
(d) doze dias, para a duração do trabalho semanal su- perior a dez horas, até quinze horas;
(e) dez dias, para a duração do trabalho semanal su- perior a cinco horas, até dez horas; e
22 V., e.g., TRT 6ª Reg., RO 0001480-55.2012.5.06.0016, rel. Des. Xxxxx das Graças de Arruda França (para o acórdão), j. 25/3/2019, 3ª Turma, publ. 29/3/2019. In verbis: “CONTRATO EM TEMPO PARCIAL. DESCONFIGURAÇÃO. Incontroverso que a
jornada 12x12 foi acordada entre os litigantes, como se vê da cláusula 3ª, do con- trato de trabalho (fl. 09 do volume apartado). Contudo, a relação de emprego foi ce- lebrada sob regime de tempo parcial, conforme dispõe a cláusula quarta, estabele- cendo o limite legal de 25 horas semanais (art. 58-A, da CLT ). E o conjunto proba- tório evidenciou que o demandante laborava em jornada acima da fixada no con- trato de trabalho, pois além das três ocasiões pontuadas pela d. magistrada sentenci- ante, a prova testemunhal confirmou a regularidade das convocações para cumpri- mento de jornadas extras. Correta, portanto, a nulidade contratual decretada pelo MM. Juízo a quo. Recurso empresarial ao qual se nega provimento, no aspecto”.
(f) oito dias, para a duração do trabalho semanal igual ou inferior a cinco horas.
Dispunha-se, outrossim, que o empregado contratado sob o regime de tempo parcial que tivesse mais de sete faltas injustificadas ao longo do período aquisitivo teria o seu período de férias reduzido à metade. O tratamento anti-isonômico esta- belecido suscitava, a rigor, fundadas dúvidas quanto à própria constitucionalidade do predito art. 130-A (hoje revogado), mercê dos princípios constitucionais da igualdade (CRFB, art. 5º, caput) e da não discriminação (CRFB, arts. 3º, IV, e 5º, XLI), inclusive no trabalho (CRFB, art. 7º, XXX, XXXI e XXXII).
Nada obstante, com o advento da Emenda Constitucional
n. 32/2001 – cujo artigo 2º dispôs que “[a]s medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda [12.9.2001] continuam em vigor até que medida provisória ul- terior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional” –, os efeitos normativos da MP 2.164- 41/2001 foram perenizados, nos seus inteiros termos. Até o ad- vento da Lei 13.467/2017.
Vejamos.
3. O CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL SOB A LEI 13.467/2017 (REFORMA TRABALHISTA)
Sustentamos alhures, a partir do escólio de Xxxxxxx Xxx- xxxx, que a Reforma Trabalhista de 2017, introduzida pela Lei n. 13.467, de 13.7.2017, teve por objetivo central promover uma antitética modernização conservadora, com “[...] [r]epúdio ao intervencionismo estatal, mesmo se voltado à garantia de míni- mos existenciais. Geração de superávits primários como regra de ouro da economia. Proteção social cada vez mais afeiçoada à assistência e à caridade”.23 Assim foi. E isso evidentemente
23 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. A Reforma Trabalhista de 2017: o passo mais ousado da “modernização conservadora”. Prefácio.
se refletiu no tratamento legal que a Reforma pretendeu dedicar ao tema da jornada de trabalho, como se refletiu, ademais – vi- sivelmente –, na nova regulação que o diploma estatuiu para o contrato de trabalho a tempo parcial.
Expliquemos com maior vagar.
Sob o pálio da Lei 13.467/2017, o trabalho em regime de tempo parcial passou a ser válido em duas distintas hipóteses. A uma, para trabalhos cuja duração semanal não exceda a 30 (trinta) horas semanais, sem a possibilidade – nesse caso – da realização de horas extraordinárias semanais. A duas, para tra- balhos cuja duração não exceda a 26 (vinte e seis) horas sema- nais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suple- mentares semanais. Quebrou-se, pois, o tênue fio de coerência que, bem ou mal, ainda cerzia o modelo de trabalho a tempo par- cial instituído pela MP 2.164-41/2001 (supra, seção 1.2). A par- tir de 11.11.2017 (data da entrada em vigor da Lei 13.467/2017), passou-se a admitir, no Brasil, horas extraordinárias por parte de trabalhadores a tempo parcial, na contramão de todo o dis- curso utilitário que referendara, na origem, esse novo regime de trabalho (a saber, a desnecessidade circunstancial de um número semanal superior de horas, pelo lado da empresa, e a impossibi- lidade/inconveniência de dedicação durante todas as horas se- manais de uma jornada completa, pelo lado do trabalhador). Diga-se bem claramente: se cabem horas extraordinárias – in- clusive habituais – sem a desnaturação do regime de trabalho a tempo parcial,24 é porque, a rigor, a funcionalidade do novo mo- delo jamais se dirigiu realmente à configuração de jornadas mais confortáveis e adequadas para empregados e empregadores; sua funcionalidade dizia, antes, com o aumento da lucratividade da empresa (pela redução comparativa dos custos variáveis) e com
In: : XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx; TREVISO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx; FONTES, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx (orgs.). Reforma Trabalhista: visão, compre- ensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017, passim.
24 Hipótese, registre-se, que não tem respaldo explícito sequer na Convenção OIT n. 175, por si mesma flexibilizadora.
a aleatoriedade da jornada no interesse do empregador.
Tais horas extraordinárias devidas ao trabalhador a tempo parcial – para os contratos cuja duração semanal não ex- ceda a 26 horas – passam a ser pagas com o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-hora normal, como de praxe (CFRB, art. 7º, XVI), salvo se forem prestadas em dias feriados ou de repousos semanais (caso em que o acréscimo de- verá ser de 100%, “ex vi” da Súmula n. 146 do Tribunal Supe- rior do Trabalho). De todo modo, podem também ser compensa- das na semana imediatamente subsequente, conforme art. 58-A,
§5º, da CLT.
Como antes, a adoção do regime de tempo parcial seguiu exigindo a opção individual dos empregados que até então se ativavam em regime de jornada completa, a ser manifestada pe- rante a empresa, na forma prevista em instrumento normativo decorrente de negociação coletiva. Para as contratações havidas a partir de 11.11.2017, porém, o contrato de trabalho a tempo parcial pôde ser imediatamente ajustado, com uma ou outra hi- pótese de jornada reduzida (CLT, art. 58-A), em relação a todos os novos empregados, independentemente de quaisquer formas ou controles sindicais.
Observe-se que, sendo de oito horas a jornada constitu- cional completa, com a respectiva duração semanal fixada em quarenta e quatro horas – de modo a totalizar, pela regra forense pacificamente aceita, a média de 220 horas mensais (= 5 x 44h), donde o divisor 220 para o cálculo das horas extras em geral –, tornou-se forçoso deduzir que, no trabalho a tempo parcial, (a) se a duração for de até 30 horas semanais, o total mensal será de 150 horas (= 5 x 30h; e, logo, será de 150 o divisor para o cálculo das horas extras); e (b) se a duração for de até 26 horas semanais, o total mensal será de 130 horas (= 5 x 26h; e, logo, será de 130
o divisor para o cálculo das eventuais horas extras).
De resto, são aplicáveis aos empregados contratados em regime de trabalho a tempo parcial todas as demais normas da
Consolidação das Leis do Trabalho, naquilo em que não confli- tem com as normas-regras específicas ínsitas ao art. 58-A da CLT. Consequentemente, os empregados sob regime de tempo parcial fazem jus, e.g., ao aviso prévio trabalhado ou indeni- zado, aos descansos semanais remunerados, ao recebimento de adicionais de remuneração (e.g., adicional noturno, adicional de periculosidade, adicional de insalubridade etc.) e à indenização de 40% sobre o FGTS (Lei 8.036/1990, art. 18, §1º), entre outros direitos trabalhistas típicos; e, bem assim, aos direitos previden- ciários e assistenciais básicos (como, e.g., o auxílio-doença, o auxílio-acidente, o auxílio-reclusão e o salário-maternidade).
Relativamente às férias, por outro lado, a Lei 13.467/2017 trouxe uma surpreendente “novatio in mellius”. A partir de 11.11.2017 (i.e., para os períodos aquisitivos que não se encerraram até 10.11.2017), o direito de férias dos trabalha- dores a tempo parcial passa a se sujeitar às mesmas regras que regem as férias dos trabalhadores a tempo completo (i.e., com duração semanal de 44 horas). Aplica-se, pois, a qualquer em- pregado, independentemente do modelo de jornada (a tempo completo ou a tempo parcial), o regramento do art. 130 da CLT (v. art. 58-A, §7º), o que significa que as férias serão fruídas/in- denizadas com base em períodos que vão de 12 a 30 dias, a de- pender do número de faltas injustificadas do empregado no pe- ríodo aquisitivo (sem qualquer influência do regime de jornada): após doze meses de trabalho, terão direito a 30 dias corridos de férias, se não tiverem mais que 5 faltas injustificadas; terão di- reito a 24 dias corridos de férias, se tiverem entre 6 e 14 faltas injustificadas; terão direito a 18 dias corridos de férias, se tive- rem entre 15 e 23 faltas injustificadas; e terão direito a 12 dias corridos, se tiverem entre 24 e 32 faltas injustificadas. Acima disso, perde-se o direito às férias para o período aquisitivo res- pectivo. De outra parte, os empregados a tempo parcial podem converter um terço das férias a que tiver direito em abono pecu- niário, nos termos do art. 58-A, §6º, da CLT.
Corrigiu-se, com dezesseis anos de atraso, um descon- certante tratamento discriminatório que, a bem da verdade, ja- mais fora cabalmente reconhecido pelos tribunais superiores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fixação da jornada – ou, “in casu”, da duração sema- nal do trabalho – de acordo com os interesses da empresa repre- sentou, ao longo dos séculos, uma excepcional estratégia para que o patronato pudesse aumentar suas margens de produtivi- dade e de lucratividade, sem proporcionar o correspondente acréscimo de ganho na retribuição econômica do trabalhador. Enquanto tal estratégia lidava apenas com a capacidade física de aumentar a produção em uma mesma unidade de tempo (p. ex., ao longo de um dia natural), estávamos circunscritos à hipótese marxiana da mais-valia absoluta, incrementada com a intensifi- cação do ritmo do trabalho e da vigilância sobre o processo pro- dutivo, entre outras técnicas. Havia limites impostos pela própria natureza das coisas, dos tempos e das dimensões. Quanto, po- rém, a estratégia passou a incorporar alternativas tecnológicas e/ou jurídico-discursivas para aquele mesmo aumento (como, p. ex., a introdução de novos institutos jurídicos de perfil flexibili- zador), começamos a margear a própria ideia de mais-valia re- lativa, na medida em que – na dicção de Xxxx – revoluciona- vam-se silenciosamente os processos técnicos de trabalho e as suas combinações sociais.
O instituto do contrato de trabalho a tempo parcial segu- ramente consubstancia uma dessas estratégias jurídico-discursi- vas, uma vez que, no limite, apenas cria ensejos para a pauperi- zação dos trabalhadores e a precarização dos postos de trabalho. Pode-se perceber esse pendor, no caso brasileiro pós-reforma, com uma simples comparação: no limite do novel art. 00-X, xx- xxx, xx XXX, o trabalhador a tempo parcial pode se ativar por 26 horas semanais “ordinárias” e mais seis horas extraordinárias,
totalizando 32 horas semanais; já um bancário, com sua jornada ordinária (CLT, art. 224, caput), faria nesse mesmo mês apenas 30 horas semanais (seis horas/dia para cinco dias úteis trabalha- dos), recebendo, porém, a integralidade do seu salário (à dife- rença do trabalhador a tempo parcial, que se sujeitaria à “pro- porcionalidade” do art. 58-A, §1º, da CLT e do próprio art. 5º da Convenção OIT n. 175, podendo receber menos do que o piso normativo de sua categoria (ou ainda menos do que o salário mí- nimo nacional mensal, ao arrepio do art. 7º, IV, da CRFB, se esse fosse o seu salário).
Diante desse quadro fático, propositalmente simplifi- cado, caberia indagar: o que impediria um banco de substituir paulatinamente o seu corpo de empregados a tempo completo – bancários típicos – por empregados a tempo parcial, bancários ou mesmo terceirizados (notadamente após o decidido nas ADIs 5.685 e 5.695), contratando-os a partir do advento da Lei 13.467/2017 (i.e., sem sequer a necessidade de opção sob con- trole ou forma sindical)? Neste momento, entrevê-se uma única
– e incerta – resposta: a intervenção corretiva da Justiça do Tra- balho. E, ainda assim, construindo a decisão a partir de normas- princípios, várias delas suscitadas acima, por absoluta falta de norma-regra proibitiva claramente enunciada.
Daí porque, volvendo uma última vez a Xxxx, é curial dar-lhe a derradeira razão: entre direitos iguais e opostos, pró- prios da lógica liberal – e da igualdade legal-formal dos moder- nos –, decidirá a força (e, em especial, a força econômica). E, nesse encalço, sob os ares “modernos” da flexibilização e da des- regulamentação, menos será mais: menos jornada, mais riqueza acumulada.
Daí porque a história da regulamentação da jornada de trabalho já não pode ser, doravante, apenas a luta pela limitação da jornada de trabalho. Deve ser, quiçá mais ingentemente, a luta pela manutenção do valor da mínima contraprestação econô- mica do trabalho, em parâmetros absolutos, inclusive para as
relações jurídico-laborais de zona gris (pense-se, e.g., na condi- ção dos trabalhadores intermitentes, já reportada alhures, como ainda na dos trabalhadores “on demand”, por aplicativos digi- tais, ou mesmo na dos trabalhadores virtuais em “crowdwor- king”). Em todo caso, um caminho hermenêutico retilíneo, sem margem a subterfúgios jurídicos que atendam apenas ao inte- resse da produção.
Que se construam, doravante, novos caminhos como
esse.
W
REFERÊNCIAS
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