Dos Efeitos da Invalidade do Contrato de Gestação de Substituição na Aferição da Parentalidade
2.º CICLO DE ESTUDOS
CIÊNCIAS JURÍDICO-CIVILÍSTICAS
Dos Efeitos da Invalidade do Contrato de Gestação de Substituição na Aferição da Parentalidade
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx
M
2023
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Dos Efeitos da Invalidade do Contrato de Gestação de Substituição na Aferição da Parentalidade
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx
Dissertação elaborada sob orientação da Professora Doutora Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, conducente à obtenção do grau de Mestre em Direito na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas.
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Porto, julho de 2023
Agradecimentos
Um primeiro agradecimento é devido à Professora Doutora Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, pela orientação, pela ajuda e pela sapiência com que me brindou na elaboração deste trabalho. O seu contributo foi indispensável.
De igual modo, dirijo uma palavra de gratidão à Faculdade de Direito da Universidade do Porto, enquanto instituição e nas suas pessoas, pelo caminho que juntos trilhamos nestes anos de licenciatura e de mestrado.
Um agradecimento à minha família, em especial aos meus avós Xxxxx e Xxxxxxxxx, aos meus pais Xxxxxx e Xxxx, e aos meus irmãos, Xxxxxx e Xxxxxx, por me darem asas para voar e me assegurarem que a porta sempre estará aberta para regressar.
Ao Xxxx – porque nenhumas palavras poderão traduzir o suporte, a amizade, a companhia, a confiança e o amor que me foram dados durante o período de elaboração deste trabalho –, fica o meu “obrigada”, certa de que não será suficiente.
Impõe-se, também, um agradecimento aos meus amigos, por me convencerem de que sou capaz de fazer tudo aquilo a que me proponho.
Finalmente, o meu “muito obrigada” aos meus colegas, especialmente aos colegas de profissão, pela consideração, entreajuda e apoio.
“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”
Xxxx Xxxxxxxx, “Ensaio sobre a Cegueira”, 1995
Aos meus avós Xxxxx e Xxxxxxxxx, por serem o exemplo de força, de superação e de amor que levo para a vida
Resumo
Com a presente dissertação de mestrado pretende-se motivar uma reflexão sobre o atual regime legal da gestação de substituição, especificamente no que respeita com a sua regulamentação através do instituto jurídico do contrato. Centraremos a nossa análise nas problemáticas advenientes da aplicação do regime contratual à gestação de substituição, examinando se existe a possibilidade de declarar a invalidade deste contrato e se essa eventual declaração de invalidade poderá interferir – e em que medida – na aferição da parentalidade da criança que nascerá daquele negócio jurídico.
Assim, iniciaremos este trabalho com uma exposição histórica sobre o regime da gestação de substituição, desde a sua primeira menção na normatividade nacional, enquanto maternidade de substituição – com a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho –, até aos dias de hoje. Posteriormente, examinaremos quais os requisitos que a Lei da Procriação Medicamente Assistida atualmente em vigor impõe para que se possa recorrer à gestação de substituição. Ademais, analisaremos o regime geral das invalidades contratuais (concretamente, da nulidade e da anulabilidade), de modo a que consigamos compreender, na senda do avançado, se a lei permite que se declare a invalidade do contrato de gestação de substituição, e, em caso positivo, quais os fundamentos em que poderemos ancorar essa invalidade. Mais a mais, exploraremos a igual ou desigual valoração destes fundamentos à luz da lei.
Finalmente, avançaremos para o cerne desta dissertação, que passa pelo estudo dos efeitos que a eventual invalidade deste negócio jurídico poderá ter na aferição da parentalidade da criança nascida ou a nascer, concluindo o trabalho com a exposição do nosso entendimento pessoal na matéria e com a examinação da questão de se o regime do contrato é, de facto, o instituto jurídico mais adequado para regular a gestação de substituição.
Palavras-chave: procriação medicamente assistida; contratos de gestação de substituição; invalidade do contrato; parentalidade; superior interesse da criança.
Abstract
This master’s thesis aims to encourage a reflection on the current legal regime of surrogacy, specifically regarding its regulation through the legal institute of the contract. We will focus our analysis on the problems arising from the application of the contractual regime to surrogacy, examining whether there is the possibility of declaring the invalidity of this contract and whether this eventual declaration of invalidity may interfere – and to what extent – in the assessment of the parenthood of the child born as the result of this legal transaction.
Thus, we will begin this work with a historical exposition on the regime of surrogacy, since its first mention in national law, as surrogate motherhood – with the Law 32/2006, of July 26 –
, until the present day. Subsequently, we will examine which requirements the Medically Assisted Procreation Law currently in force imposes to be able to use surrogate pregnancy. Furthermore, we will analyse the general regime of contractual invalidity (specifically, the regime of nullity and annullability) so that we can understand, in the path of the advanced, if the law allows the invalidity of the surrogacy contract to be declared and, if so, on what grounds we can base such invalidity. In addition, we will explore the equal or unequal valorisation of these grounds according to the law.
Finally, we will move on to the core of this dissertation, which involves analysing the effects that the eventual invalidity of this legal transaction may have on the assessment of the parenthood of the child born or to be born, concluding the work with the exposition of our personal understanding on the matter and with an examination of the question of whether the contractual regime is, in fact, the most appropriate legal institute to regulate surrogacy.
Keywords: medically assisted procreation; surrogacy contracts; invalidity of the contract; parenthood; best interests of the child.
Sumário
Resumo 3
Abstract 4
Sumário 5
Abreviaturas 7
Capítulo I – Introdução 9
Capítulo II – Do contrato de gestação de substituição 13
1. Breve apresentação histórica 14
1.1. O regime introduzido pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho 14
1.2. O regime introduzido pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto 15
1.3. O Acórdão n.º 225/2018, de 24 de abril, do Tribunal Constitucional 19
1.4. O regime introduzido pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro 20
2. Os requisitos atuais da gestação de substituição 21
Capítulo III – Da invalidade contratual do contrato de gestação de substituição 28
1. As espécies de invalidades contratuais 28
2. As possíveis causas de invalidade do contrato de gestação de substituição e a problemática do regime aplicável 33
2.1. A revogação do número 12 do artigo 8.º da Lei da Procriação Medicamente Assistida na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto 35
2.2. A (des)igual valoração das causas de invalidade do contrato de gestação de substituição 38
Capítulo IV – A definição da parentalidade em caso de invalidade do contrato de gestação de substituição 42
1. Os efeitos da invalidade do contrato de gestação de substituição na aferição da parentalidade: apresentação do problema 42
2. As várias perspetivas avançadas para a definição da parentalidade da criança nascida de uma gestação de substituição assente num contrato inválido 43
2.1. Do estabelecimento da maternidade da criança em relação à gestante 44
2.2. Do estabelecimento da parentalidade da criança em relação ao casal de beneficiários 47
2.3. Do estabelecimento da parentalidade da criança através de uma apreciação judicial casuística 50
2.4. A insuficiência das soluções que se extraem do regime vigente e a necessidade de revisão da lei 52
3. Da aferição dos efeitos práticos das várias soluções 54
3.1. Da solução que conduz à definição da maternidade em relação à gestante 55
3.2. Da solução que conduz à definição da parentalidade em relação ao casal de beneficiários 58
4. As críticas apontadas a cada solução 60
5. Posição adotada 64
5.1. Da adequação da solução que atribui a maternidade à gestante 66
5.2. Da adequação da solução que atribui a parentalidade ao casal de beneficiários
.................................................................................................................................... 70
5.3. Da adequação da solução que defende o estabelecimento da parentalidade através de uma apreciação judicial casuística 74
5.4. O contrato como o instituto jurídico mais adequado? 77
Capítulo V – Considerações conclusivas 86
Referências bibliográficas 89
Jurisprudência 98
Estudos, Pareceres e Fichas técnicas 98
Notícias 99
Abreviaturas
Ac. Acórdão
al./als. alínea/xxxxxxx
AR Assembleia da República art.º/arts.º artigo/artigos
CC Código Civil
CCP Código dos Contratos Públicos
CDC Convenção sobre os Direitos da Criança
CEEDC Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças cfr. conforme
cit. obra citada
CNECV Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida CNPMA Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida Coord. Coordenação
CP Código Penal
CRC Código do Registo Civil
CRP Constituição da República Portuguesa DR Diário da República
ed. edição
GS Gestação de substituição
LPMA Lei da Procriação Medicamente Assistida MP Ministério Público
MS Maternidade de substituição
n.º/n.ºs número/números
p./pp. página/páginas
PMA Procriação Medicamente Assistida TC Tribunal Constitucional
Vol. Volume
I. INTRODUÇÃO
A par das técnicas de PMA, a GS foi instituída com o primordial desígnio de auxiliar casais com problemas de infertilidade ou esterilidade1 na realização do projeto parental e familiar por eles assumido. Porque “o desejo de procriar traduz uma das mais ancestrais aspirações da humanidade, um misto de instinto e cultura”2, a existência de casos de infertilidade e esterilidade motivou uma discussão acerca do reconhecimento – e dos eventuais contornos – de um verdadeiro direito à reprodução3 para estas pessoas. Ainda que este entendimento não seja linear, há quem defenda4 que a concretização do direito à reprodução, para quem se debata com um daqueles diagnósticos, poderá passar pelo recurso às variadas técnicas de PMA existentes.
1 Os conceitos de “infertilidade” e de “esterilidade” são distintos. Atente-se na definição avançada para cada uma destas doenças: “do ponto de vista clínico, a infertilidade tem sido definida como a incapacidade de engravidar ou de levar uma gravidez a termo após um ano de relacionamento sexual, se a mulher tiver menos de 35 anos e seis meses se tiver mais de 35 anos, sem a utilização de contraceptivos”. Já a “esterilidade, corresponde à total incapacidade de um homem ou mulher gerar filhos biológicos devido a limitações nos seus sistemas reprodutivos”. Nesta esteira XXXXXXX XXXXXXXX; XXXX XXXXXXXXX – Osíris – Conceber – Guia para profissionais e pessoas com problemas de fertilidade [Em linha]. XXXXXX XXXXX [coord.]. [S.l.]: Associação para o Planeamento da Família, 2012. [Consultado em 26.11.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxx/xx- content/uploads/2020/06/conceber_guia_infertilidade.pdf, p. 5.
2 XXXX XXXXX XXXXXX – “«Dá-me licença que tenha filhos?»: restrições legais no acesso às técnicas de reprodução assistida”. In AAVV – Revista Direito GV (Xxxxxxx Xxxxxx) [Em linha]. N.º 33, vol. 15, n.º 2, e1915 (maio/agosto 2019), p. 2. [Consultado em 08.12.2021]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxx/xxxxx/xxxx/0000. Na mesma senda, XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios Contemporâneos em torno da Gestação de Substituição. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2022, p. 376.
3 Sobre o direito à reprodução, XXXX XXXXX XXXXXX – “«Dá-me licença que tenha filhos?» (…)”, cit., pp. 2-3, assevera que “o direito à reprodução pressupõe dois requisitos. Por um lado, a ligação biológica com a prole (…) ou, pelo menos, obter uma aparência de ligação biológica, tal como sucede quando se recorre à doação de gâmetas. (…) implica ainda o desejo de manter a criação junto de si, amando-a e educando-a, constituindo com ela uma família (…). Em contrapartida, o direito a formar família apenas pressupõe o desejo de viver (em família) com a criança, haja ou não relação genética entre ambos. A adopção estará englobada no direito a constituir família, mas não no direito à reprodução”.
4 A favor deste pensamento, veja-se XXXXX XXXXX; XXXXXXXX XXXXXXX XXXX – “A maternidade de substituição à luz dos direitos fundamentais de personalidade”. In AAVV – Lusíada. Direito [Em linha]. Série II, n.º 10 (2012),
p. 261. [Consultado em 17.12.2022]. Disponível para acesso em xxxx://xxxxxxxx.xxx.xxxxxxxx.xx/xxxxx.xxx/xxx/xxxxxxx/xxxx/000, quando dizem que “a ordem jurídica portuguesa consagra um direito fundamental a procriar, através de recurso a técnicas de procriação medicamente assistida, nos termos do artigo 36.º, número 1, da CRP. A própria CRP impõe ao Estado, no já aludido artigo 67.º, no âmbito do seu dever de protecção da família, o dever de regulamentar a procriação medicamente assistida (…)”. Nas palavras de Xxx Xxxxxxxx (XXX XXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 67.º”. In XXX XXXXXXXX; XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa Anotada – Tomo I. 2.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 1366), o art.º 67.º da CRP “claramente evidencia a relevância da procriação medicamente assistida para a efetivação do direito constitucional a procriar”. Todavia, como se disse, embora a doutrina não negue a existência de um direito à reprodução, divergências existem quanto ao seu alcance, mormente quanto à inclusão, naquele, do direito a reproduzir com recurso à PMA (necessária para a utilização da GS). Na postura perfilhada por Xxxxx Xxxxxx (XXXXX XXXXXX – In Vitro Veritas? – A Procriação Medicamente Assistida na Constituição e na Lei. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pp. 36-37), inexiste um direito constitucional a reproduzir através da PMA, mas existe, outrossim, uma tutela constitucional desta forma de reprodução. Na mesma senda, XXXX XXXXXX XXXX – Procriação Assistida e Responsabilidade Médica. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Coleção Stvdia Ivridica, n.º 21), p. 71.
Integrando-se ou não o uso de técnicas de PMA no direito constitucional à reprodução, a verdade é que é urgente encontrar uma solução para a problemática5 exposta. De facto, de um estudo datado de 20096, denominado de “AFRODITE”, desenvolvido por XXXX XXXX XXXXX XXXXXXXX e por XXX XXXXXX numa colaboração estabelecida com a SOCIEDADE PORTUGUESA
DE MEDICINA DA REPRODUÇÃO, a KEYPOINT – KNOWLEDGE & PEOPLE, e a FACULDADE DE
MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO, pôde-se concluir que entre 9 a 10% dos casais portugueses sofriam à época, ou sofrerão, em qualquer momento da sua vida conjunta, de infertilidade.
Assim, não só a lei7 determina que o Estado deve proporcionar ajuda na concretização de um projeto parental, como os números expressos trazem consigo uma outra justificação para a ingerência do Estado nesta matéria. Efetivamente, também do ponto de vista da natalidade é importante que existam outras formas de procriar, além da procriação derivada da prática de relações sexuais. Atendendo ao estudo dirigido pela PORDATA e pelo INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA8, atualizado em junho de 2023, entre o ano de 2000 e o ano de 2022 (inclusive) verificou-se, em Portugal, uma redução da taxa bruta de natalidade em 3,7%0, sendo a taxa bruta de natalidade, no ano de 2022, de uns míseros 8%0. Esta redução é motivada por alguns fatores9, dos quais destacamos, por relevantes para este estudo, a infertilidade e a esterilidade. A existência de métodos científicos de procriação ajudará a ultrapassar alguns casos de infertilidade e esterilidade, o que, simultaneamente, impactará a taxa bruta de natalidade.
5 Isto porque os motivos de infertilidade têm aumentado globalmente. A este propósito, XXXXXXX XXXXXXXX; XXXX XXXXXXXXX – Osíris – Conceber (…), cit., p. 5, quando enunciam que “a infertilidade tem aumentado nos países industrializados devido a factores como o adiamento da idade de concepção, o maior número de Infecções Sexualmente Transmissíveis, os hábitos sedentários e consumo excessivo de gorduras, tabaco, álcool e drogas, bem como os aditivos e conservantes, utilizados nos produtos alimentares e os químicos libertados na atmosfera”. 6 XXXX XXXX XXXXX XXXXXXXX; XXX XXXXXX – Estudo AFRODITE – Caracterização da Infertilidade em Portugal [Em linha]. [S.l.]: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução e Keypoint – Knowledge & People, 2009. [Consultados em 08.12.2021]. Disponível para acesso em xxxx://xxxxxx.xxxxxxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx/XxxxxxxxXxxxxxxxxxxxx.xxx, p. 57, e em xxxxx://xxxxxxx.xx.xx/xxxx/xx/xxxxxxxx_xxxxx.xxx_xxxxxxx?x_xxx0000.
7 De acordo com os arts.º 36.º e 67.º da CRP, tal como se explicará, e como preceituam o n.º 1 e n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 3/84, de 24 de março.
8 PORDATA; INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA – Estudo sobre a taxa bruta de natalidade em Portugal [Em linha]. [S.l.]: PORDATA, 1960-2022. [Consultado em 02.07.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxxxx.xx/Xxxxxxxx/Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx-000.
9 Quais sejam, a título de exemplo, a estabilidade financeira e a vontade das pessoas. Neste sentido, o INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA – Inquérito à Fecundidade 2019 [Em linha]. [S.l.]: Instituto Nacional de Estatística, 2019-2020. [Consultado em 02.07.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx/xxx?xxxx&xxxxx&xx&xxxxxx&xxxxxxxxxx&xxx&xxxxxxx&xxxxx0&xxxx0xxXXXxxXx aGmrv AhWEsaQKHctQBT0QFnoECBEQAw&url=https%3A%2F%0Xxxx.xxx.xx%2Fngt_server%2Fattach fileu.jsp%3Flook_parentBoui%3D467568911%26att_display%3Dn%26att_download%3Dy&usg=AOvVaw2tv- kSkS7jncH7a_ue3_-B&opi=89978449, p. 1.
Após ponderar os problemas que se vêm de elencar, o legislador relevou o direito constitucional a constituir família10 e a tutela do instituto familiar que a CRP assegura não só11, mas principalmente, no art.º 67.º da Lei Fundamental. Nessa sequência, foi publicada a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, que permitiu o recurso a várias técnicas de PMA12 e que referenciou, pela primeira vez – e para o que aqui importará – a maternidade de substituição13, nos termos que melhor se adensarão.
Pese embora as sucessivas alterações legislativas14 à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, o regime da gestação de substituição15 não é, ainda, um regime pacífico – visto que se podem identificar três núcleos de sujeitos jurídicos (a criança a conceber, o casal que recorre à gestação
10 Estipulado no n.º 1 do art.º 36.º da CRP, este direito distingue-se do direito à reprodução constitucionalmente consagrado e já antes referenciado. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxxxx (XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., pp. 384-385), “a família pode ser formada por um mero vínculo emocional, por quem deseja criar uma criança e estabelecer com ela um vínculo de filiação, mesmo que não exista ligação genética. Nesse caso estamos perante o mero exercício do direito a constituir família. Pelo contrário, o concreto exercício do direito à reprodução implica cumulativamente a vontade (concretizada) de estabelecer uma ligação biológica ou genética com a criança que venha a nascer e a intenção de estabelecer o vínculo da filiação”. Contudo, tal como acontece para o direito à reprodução, levantam-se dúvidas acerca da existência de um direito constitucional a constituir família através da PMA heteróloga, na qual se insere a GS. Neste sentido, XXXXXX XXXXXXXXX – Comentário aos projetos de lei para alteração da lei nº 32/2006, de 26 de Julho, que regula a Procriação Medicamente Assistida [Em linha]. Porto: Instituto de Bioética da Universidade Católica do Porto, 2016. [Consultado em 15.10.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxx/xxx.xxx?xxxxx0000000000000x000x000000000x000x0000000x0000000 c6379395953556c4a5447566e4c304e505453383551314d765247396a6457316c626e527663306c7561574e7059 585270646d46446232317063334e686279396b4f5445324e3251355a53316d4f444d784c54526b5957457459546
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11 A tutela do instituto familiar também é visível no n.º 4 do art.º 36.º da CRP, quando se proíbe a discriminação de filhos nascidos fora do casamento, e no art.º 68.º da CRP, que protege a maternidade e a paternidade.
12 Não obstante Xxx Xxxxxxxx (XXX XXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 67.º”. In XXX XXXXXXXX; XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa Anotada (…), cit., pp. 1359-1366) afirme que a al. e) do n.º 2 do art.º 67.º da CRP impõe ao Estado o dever de regular as técnicas de PMA, o Autor diz que o mencionado artigo não permite que se exija uma prestação imediata ao Estado, porquanto não nos encontramos perante uma prestação exequível per se. Xxxxx Xxxxxxxx (XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 390) refere que aquilo que o art.º 67.º da CRP faz é compelir o Estado na obrigação de regular esta matéria, não se constituindo, na esfera da população, qualquer direito à reprodução assistida.
13 Assim começou por se referir à figura, adotando esta opção terminológica.
14 As quais detalharemos na secção 1. do capítulo II desta dissertação de mestrado.
15 Designação atualmente utilizada.
e que a LPMA16/17 denomina de “beneficiários”, e a gestante) cujos interesses, valores e direitos devem ser ponderados e se encontram em constante conflito18 – nem um regime completo, já que existem questões, respeitantes à validade do contrato, que permanecem sem resposta. De facto, a lei definiu um conjunto de requisitos para a celebração de um contrato de GS (os quais serão oportunamente indicados) sem estipular, pelo menos diretamente, se a afetação desses requisitos poderá ter implicação na validade do contrato. Nessas situações, qual será o regime a aplicar? E quais as consequências de tal regime? Em especial, quais as implicações da eventual invalidade do contrato na parentalidade da criança nascida ou a nascer?
Por compreendermos que tais questões merecem estudo, propomo-nos examiná-las neste trabalho. Para tanto, após apresentarmos, no capítulo II, a figura do contrato de GS, enunciando os requisitos impostos para a celebração deste negócio jurídico, analisaremos, no capítulo III, da possibilidade de declarar a invalidade do contrato de GS (atenta a revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto), ainda examinando se os motivos que poderão justificar uma eventual declaração de invalidade do contrato de GS devem ser valorados do mesmo modo, de acordo com a lei. Por conseguinte, no capítulo IV desta dissertação analisaremos se a eventual declaração de invalidade do contrato de GS terá alguns efeitos – e, em caso afirmativo, quais – na aferição da parentalidade da criança cuja gestação é suportada pela gestante, expondo, no final, o nosso parecer na matéria, não só manifestando a nossa posição sobre a filiação da criança nascida ou a nascer da celebração de um contrato de GS eventualmente inválido, mas também examinando da adequação do regime do contrato para regular uma figura jurídica tão importante, como é a GS. Finalmente, no capítulo V, enunciaremos, sucintamente, as conclusões que retiramos do estudo realizado.
16 Salvo exceções enunciadas no texto, todas as referências feitas à LPMA aludem ao regime legal em vigor aquando da entrega desta dissertação, regime o qual foi introduzido pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro. Também a referência a outros diplomas legais deve ser entendida como feita àqueles diplomas na redação em vigor aquando da entrega desta dissertação, a não ser que qualquer ressalva seja feita.
17 No art.º 6.º e no art.º 8.º da LPMA.
18 Quanto à matéria, Xxxxxxx Xxxxx (XXXXXXX XXXXX – “«Gestação de substituição» no contexto luso-brasileiro: uma análise à luz da bioética e do biodireito”. In AAVV – Direito e Bioética – Estudos em homenagem à Professora Xxxxx Xxxxxx. XXXX XXXXXXX XXXXXXXXX [et al.] [coord.]. Coimbra: Almedina, 2020, p. 485) avança que “não há consenso no mundo sobre a validade da «gestação de substituição», mas a técnica existe e, se não há como frear avanços da ciência e das tecnologias médicas, cabe ao homem regular, de algum modo, esse tipo de PMA. Xxxxxxxxx, sempre, que os interesses do ser assim concebido devem prevalecer aos dos pais que nutrem o desejo por concebê-los”. Na mesma xxxxx, x xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx Xxxxxx (XXXX XXXXX XXXXXX – “Surrogacy Contracts Are Not Just Another Contract”. In AAVV – Medicine and Law [Em linha]. Vol. 38, n.º 3 (setembro 2019), p. 538. [Consultado em 21.01.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx/XXX/XxxxxxxXxxx?xxxxxxxxxxx.xxxxxxxx/xxx00&xxxx00&xxx&xxxxx), de acordo com quem “there is a triangle of interests: the surrogate woman, the intended parents and the child to be born. In no other contract is there such a complex triangle of interests”.
II. Do contrato de gestação de substituição
Quer no âmbito do Direito, quer da Medicina e da Bioética19, a GS causou uma intensa discórdia, nomeadamente no que respeita à sua admissibilidade, às suas condições e ao modelo contratual que lhe subjaz.
Tentando ultrapassar tais questões, em 2016, com a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, admitiu-se20 o recurso à GS em Portugal. Afastou-se, nesse momento, a terminologia até então utilizada, em que para se referir a figura idêntica, se usava a expressão “maternidade de substituição”21. A lei definiu a GS como consubstanciando “qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade”. Uma vez que tal definição não foi alterada desde então, é este o objeto do contrato de GS cujos contornos analisaremos. Antes,
19 Marcante desta divergência é a posição adotada, em 2012, na Declaração Conjunta emitida sobre o Parecer n.º 63/CNECV/2012 sobre Procriação Medicamente Assistida e Gestação de Substituição (XXXXXX XXXXXX [et al.] – Declaração Conjunta sobre o Parecer n.º 63 do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Procriação Medicamente Assistida e Gestação de Substituição [Em linha]. [S.l.]: Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 2012. [Consultado em 08.12.2021]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxx- conjunta?download_document=3128&token=aa3899aacf64b12df0b8403a07ee5907, p. 3), onde os Conselheiros que votaram contra a GS, escrevendo sobre aquele Parecer n.º 63/CNECV/2012, disseram que “o Parecer aprovado por maioria altera o sentido global da maternidade, o que, aliás, pressupõe a promoção intencional de um dualismo filosófico entre a vertente natural da maternidade e a sua vertente socio-jurídica e política – dualismo com o qual filosoficamente não concordamos e que não nos parece ser a marca de um progresso civilizacional”.
20 No n.º 1 do art.º 8.º daquela LPMA.
21 A diferença terminológica que se estabeleceu entre “maternidade de substituição” e “gestação de substituição” é justificada pelo seguinte: de acordo com a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, a MS era proibida, pelo que sempre que uma mulher assumisse a posição hoje tida como sendo a da gestante, a mesma seria considerada, para todos os devidos e legais efeitos, como mãe da criança nascida. Uma vez que a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, alterou o panorama legal vigente em Portugal, permitindo a válida celebração daquele contrato, sentiu-se a necessidade de modificar a nomenclatura do negócio jurídico, dissociando-se o fenómeno da gestação e do parto da atribuição da qualidade jurídica de “mãe”. Aceitou-se a possibilidade de a mulher que suporta a gestação da criança e que participa no parto não ser legalmente tida enquanto mãe da mesma. Nesta matéria, ver o Parecer n.º 63/CNECV/2012 do CNECV (CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA – Parecer n.º
63/CNECV/2012 sobre Procriação Medicamente Assistida e Gestação de Substituição [Em linha]. [S.l.]: Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 2012. [Consultado em 19.11.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x-xxxxxxxx-xx- sub, pp. 7-8), em que o CNECV refere que “optou pela expressão gestação de substituição e gestante de substituição, que traduzem as realidades objetivas que medeiam o processo”. Ainda, XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 111, e XXXXXX XXXX – “A gestação de substituição no direito internacional privado português”. In AAVV – Debatendo a Procriação Medicamente Assistida [Em linha]. XXXX XXXXXXXX XXXXX; XXXXX XXXX [coord.]. Porto: Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2018. [Consultado em 17.09.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxxx-xxxxxx.xx.xx/xxxxxx/00000/000000. p. 64, que afirma que a GS “não corresponderia àquilo que se designa por «maternidade de substituição tradicional» ou
«procriação de substituição» (traditional surrogacy) segundo a qual a gestante é também mãe genética da criança (independentemente de ter utilizado ou não técnicas de PMA)”.
realizaremos uma breve apresentação histórica da figura, desde a sua primeira previsão em Lei, até à atualidade.
1. Breve apresentação histórica
1.1. O REGIME INTRODUZIDO PELA LEI N.º 32/2006, DE 26 DE JULHO
A Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, que veio regular a utilização de técnicas de PMA em Portugal, referia-se à maternidade de substituição22/23, proibindo a sua prática24. Xxxxxxxx negócio jurídico de MS que fosse celebrado, sob a alçada da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, seria considerado nulo, e, para todos os devidos e legais efeitos, a mãe da criança seria aquela em cujo útero se desse a gestação, id est, a mulher hoje tida como sendo a gestante de substituição25.
Na verdade, esta determinação legal – espelho de uma mentalidade social enraizada em convicções distintas no que respeita aos meios aceitáveis para a instituição de uma família26 – encontrava justificação na cláusula geral vertida no n.º 2 do art.º 280.º do CC, de acordo com a qual seria “nulo o negócio jurídico contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”27. Assim, a solução adotada, de atribuição da maternidade da criança à mulher que consentiu na utilização do seu útero para gestação daquele embrião, não era mais do que a
22 Naquele momento, era esta a designação atribuída ao objeto do negócio jurídico. Aquela nomeação já indiciava a solução adotada pelo legislador quanto ao estabelecimento da maternidade da criança que nascesse daquele contrato.
23 O regime da MS encontrava-se previsto no art.º 8.º da aludida lei, mantendo-se, até hoje, estatuído na mesma norma.
24 Decorrência necessária de todo o teor do art.º 8.º introduzido pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho.
25 Neste sentido propugnavam o n.º 1 e o n.º 3 do art.º 8.º da LPMA, na redação vigente à época.
26 Denote-se que, então, a esmagadora maioria das gestações eram assumidas pela mãe gestacional, biológica, genética e intencional. É dizer: a mulher que assumia biologicamente a gestação era a que assumia o projeto maternal e a que concedia o seu material genético para a gestação. Ainda que, atualmente, estes casos ainda se assumam a regra, outros tipos de gestação se começam a equacionar para casos excecionais.
27 Stela Barbas (STELA BARBAS – Direito ao Património Genético. Coimbra: Almedina, 2006, p. 154) propugnava que “é nulo e de nenhum efeito todo o contrato (gratuito ou oneroso) que tenha por objecto a procriação ou a gestação de um ser humano por métodos naturais ou por inseminação ou fecundação artificial (…). Este negócio está ferido de nulidade absoluta porque o seu fim é contrário à lei, à própria dignidade-humana e ofensivo dos bons costumes nos termos do artigo 280.º do Código Civil”. Sobre o tema, Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx (XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – Mãe há só uma duas! – O contrato de gestação. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 45), refere que “a gestação e entrega do filho, a troco de dinheiro, afecta a dignidade do filho que é avaliado em dinheiro e trocado por certa quantia”. Xxxxxxx Xxxxxx (XXXXXXX XXXXXX – “Gestação de Substituição e Dignidade da Pessoa Humana: A Difícil Saída de uma Encruzilhada – Anotação ao Acórdão n.º 225/2018 do Tribunal Constitucional em vista do subsequente processo legislativo”. In AAVV – Revista Portuguesa de Direito Constitucional [Em linha]. N.º 1 (2021), p. 62. [Consultado em 17.12.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxx.xx/xx- content/uploads/2021/12/rpdc-xxxxxxx-xxxxxx-online.pdf) asseverava que, nos casos em que o contrato fosse gratuito, ainda que não se ofendesse a dignidade da gestante e da criança, a ordem pública seria afetada, uma vez que se colocaria em causa o princípio da taxatividade dos meios que regulam o destino dos menores.
aplicação da regra geral de estabelecimento da maternidade, já naquela altura prevista no n.º 1 do art.º 1796.º do CC, que prescrevia que “relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento”.
Mas, se esta foi a solução vigente nos dez anos subsequentes ao de 2006, verdade é que a sociedade evoluiu. Por conseguinte, foi publicada a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, que alterou a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, e impôs um regime jurídico novo para a gestação de substituição, na nova terminologia adotada28. Permitindo o recurso à GS – não obstante impor vários requisitos estritos e exigentes, como a utilização excecional da GS e a gratuitidade do envolvimento da gestante, entre outros29 – a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, alterou o panorama legislativo da LPMA.
Para que consigamos analisar a pertinência dos avanços e recuos nos quais a lei nacional incorreu ao traçar o longo caminho da GS, torna-se imperioso destacar os principais traços de cada alteração normativa e as implicações resultantes de cada uma dessas alterações.
1.2. O REGIME INTRODUZIDO PELA LEI N.º 25/2016, DE 22 DE AGOSTO
Foram várias as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto em face do regime inaugural estatuído pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho. A principal foi a consagração da admissibilidade da GS, o que até então era normativamente vedado.
Possibilitando o recurso à GS por casais (casados ou em união de facto30) heterossexuais e por casais homossexuais compostos por duas mulheres, a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, exigiu que os membros do casal tivessem idade igual ou superior a 18 anos31 e um historial clínico comprovado que justificasse a utilização deste método de procriação32. Além de impor a excecionalidade33 e gratuitidade34 do contrato de GS, a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, determinou, ainda, que tal negócio jurídico deveria revestir a forma escrita35. Releva ainda dizer
28 A lei abandonou a designação que tinha adotado com anterioridade: “maternidade de substituição”.
29 Os requisitos da GS serão abordados na secção 2. do capítulo II.
30 Por via do n.º 1 do art.º 6.º da LPMA em vigor na época.
31 Por via do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 6.º, em conjugação com o n.º 2 e n.º 3 do art.º 8.º da LPMA, todos na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
32 Era necessário que se verificasse ausência de útero, lesão ou doença deste órgão que impedisse absoluta e definitivamente a gravidez da mulher, ou que se verificasse um qualquer outro motivo médico que justificasse o recurso à GS. Neste sentido, o n.º 2 do art.º 8.º da LPMA na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto. 33 Ao abrigo do n.º 2 do art.º 8.º da LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
34 Vejam-se o n.º 2 e o n.º 5 do art.º 8.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
35 Por via do n.º 10 do art.º 8.º da LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
que a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto definiu o contrato de GS como sendo um contrato bilateral36 imperfeito37, assumindo a gestante as obrigações de i) suportar a gravidez da criança;
ii) entregar a criança ao casal de beneficiários, finda a gestação; e iii) renunciar aos poderes e deveres da maternidade38. Por sua vez, ao abrigo deste regime, era obrigação do casal de beneficiários suportar todas as despesas médicas e de transporte em que a gestante incorresse, fruto do contrato de GS39 e, por sua vez, da correspondente gestação. A Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, proibiu a celebração de um contrato de GS entre pessoas já ligadas entre si por uma relação de subordinação económica40, e impôs a supervisão da celebração do contrato por entidades terceiras, imparciais (CNPMA e Ordem dos Médicos)41/42.
Além destas, outras exigências foram definidas pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto. Todavia, atento o limite de páginas imposto para a elaboração desta dissertação de mestrado, nos parágrafos seguintes concentraremos a nossa atenção nos pressupostos de admissibilidade que, ulteriormente, foram colocados em causa pelo TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril. Os requisitos que não mereceram um juízo de desconformidade à CRP e que se mantêm hoje – os pressupostos de admissibilidade da GS que foram introduzidos por aquele diploma legal consubstanciam-se, ainda hoje, em pressupostos de cariz essencial para a celebração do contrato de GS – serão considerados mais à frente, quando atentarmos ao regime em vigor.
36 Já que cria obrigações nas esferas jurídicas das duas partes contratuais, id est, gestante e casal de beneficiários. 37 A doutrina, de entre a qual se destacam as palavras de Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx (XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX; XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX; XXXXX XXXX XXXXX – Teoria Geral
do Direito Civil. 4ª ed, 2.ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 388) tem vindo a descrever os contratos bilaterais imperfeitos como aqueles em que “há inicialmente apenas obrigações para uma das partes, surgindo eventualmente mais tarde obrigações para a outra parte, em virtude do cumprimento das primeiras e em dados termos”. No caso do contrato de GS, as obrigações das partes não estão ligadas por um eixo sinalagmático ou de correspetividade, o que significa que o cumprimento das obrigações do casal de beneficiários não pode ser visto como uma contrapartida da gestação suportada pela gestante. Além disso, o incumprimento das obrigações de uma das partes não é motivo bastante para que a contraparte do negócio jurídico possa invocar a exceção de não cumprimento do contrato estatuída no art.º 428.º do CC e incumpra, também ela, as obrigações contratuais que o negócio jurídico criou na sua esfera jurídica. Assim, o cumprimento das obrigações da gestante não depende do cumprimento das obrigações que impendem sobre o casal de beneficiários, e vice-versa.
38 Vide n.º 1 do art.º 8.º da LPMA na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
39 De acordo com o n.º 5 do art.º 8.º da LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
40 Veja-se o n.º 6 do art.º 8.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
41 Por via do n.º 8 do art.º 8.º da LPMA na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
42 Para uma análise mais minuciosa sobre o regime jurídico do contrato de GS consagrado na Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, ver XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado»: a contratualização da gestação humana e os problemas relativos ao consentimento”. In AAVV – Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, cit., pp. 111-117, XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida: Gestação de substituição, anonimato do dador e outros problemas. 1.ª ed. Coimbra: Gestlegal, 2022, pp. 225-227, e XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – O Direito da Família Contemporâneo. 6.ª ed. Coimbra: Editora AAFDL, 2019, pp. 187-188.
Porquanto, o primeiro elemento que releva destacar, à luz da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, é a previsão da possibilidade de a gestante revogar o consentimento que havia prestado quanto à entrega da criança que nascerá, podendo fazê-lo “até ao início dos processos terapêuticos de PMA”43/44.
Ressalta-se, também, que por decorrência do n.º 11 do art.º 8.º da LPMA, na redação conferida pela lei em análise, o contrato de GS não podia ditar restrições comportamentais à gestante de substituição, nem fixar normas que atentassem contra os seus direitos, liberdade e dignidade.
Um outro aspeto do regime imposto pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto é que, ao abrigo do art.º 15.º da LPMA, os dadores de material genético, bem assim a gestante, estavam protegidos pela confidencialidade da sua doação. DIANA COUTINHO45 sustenta que aqui se demarcava o “direito ao sigilo sobre o procedimento e a identidade das partes envolvidas e o direito ao assento de nascimento não conter qualquer menção sobre o nascimento por via da GS ou das técnicas de PMA”.
Finalmente, cumpre colocar em evidência, porque é de enorme relevância para o cerne deste trabalho, que na vigência da LPMA com a redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, qualquer contrato que fosse celebrado em desrespeito pelos requisitos normativamente consagrados no art.º 8.º da LPMA seria tido como nulo46.
Não obstante a solução legal adotada, em nenhum momento a lei determinou se – e, em caso positivo, quais – a invalidade do negócio jurídico celebrado teria efeitos na definição da
43 Neste sentido, o n.º 4 e o n.º 5 do art.º 14.º, aplicáveis por via do n.º 8 do art.º 8.º da LPMA, na redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
44 Várias questões foram colocadas quanto a este aspeto, na medida em que, desde logo, não ficou concretizado o momento específico a que o início dos processos terapêuticos da PMA reportava – se ao momento em que se inicia a recolha do material genético, se ao exato momento que antecede a transferência do embrião para o útero da gestante (quanto a esta questão, XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 602). Em adenda, alguns Autores começaram a expressar-se contra o limite temporal até ao qual a livre revogação do consentimento da gestante era possível, arguindo, em suma, que sendo a gestação um processo pessoal, só após o decurso integral da mesma poderá a gestante saber se pretende, efetivamente, revogar o consentimento inicialmente prestado. A título de exemplo, veja-se Xxxxxx Xxxx e Xxxx (XXXXXX XXXX E REIS – “Alterações recentes no direito da família: três exemplos”. In AAVV – Coleção Formação Contínua Parentalidade e Filiação – Jurisdição da Família e das Crianças do Centro de Estudos Judiciários [Em linha]. 1.ª ed. (2018, atualizado em 2020), p. 89. [Consultado em 22.10.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/XxxxXxxxx.xxxx?xxxxxxxxxxx00XXXxXXxX0%0X&xxxxxxxxx00), quando escreveu que a limitação que aquele regime criou, quanto à livre revogabilidade do consentimento por parte da gestante, não era compatível com o n.º 2 do art.º 81.º do CC nem com a livre revogação dos direitos de personalidade.
45 XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., pp. 631-632.
46 De acordo com o n.º 12 do art.º 8.º da LPMA, na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
parentalidade da criança nascida da GS. É verdade que o regime legal determinado pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, define que a criança será tida como filha dos beneficiários. Mas será isso bastante para afirmar que a solução será sempre essa, independentemente dos vícios que enfermam ou possam enfermar o contrato celebrado?
A solução a dar à questão tecida não é simples e unívoca: se há quem sustente47 que, mesmo em casos de invalidade do contrato de GS, a parentalidade deveria ser atribuída ao casal de beneficiários, também existe quem propugne em sentido oposto48, alegando que a invalidade do negócio jurídico de GS implicaria a atribuição da maternidade da criança à gestante.
Atenta a problemática evidenciada49, pese embora demarcasse um inegável avanço legal e tivesse permitido a aprovação50 de projetos parentais a serem concretizados através da GS, a vigência deste regime foi curta. Em 24 de abril de 2018, foi prolatado, pelo TC, o Ac. n.º 225/2018. Vejamos, sucintamente, os aspetos principais do seu teor, nomeadamente no que concerne ao objeto desta dissertação.
47 Nas palavras de Xxxx Xxxxx Xxxxxx (XXXX XXXXX XXXXXX – “Tudo aquilo que você sempre quis saber sobre contratos de gestação (mas o legislador teve medo de responder)”. In AAVV – Revista do Ministério Público. [Em linha]. N.º 149 (janeiro/março de 2017), pp. 13-14. [Consultado em 21.01.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxx/000000000_Xxxx_xxxxxx_xxx_xxxx_xxxxxx_xxxx_xxxxx_xxxxx_xxxxxxx os_de_gestacao_mas_o_legislador_teve_medo_de_responder) e de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx (XXXX XXXXXXXX XXXXX
– “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? Breves reflexões sobre o novo regime jurídico da Procriação Medicamente Assistida”. In AAVV – Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, cit., pp. 165- 166), o n.º 7 do art.º 8.º da LPMA na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto permitia uma interpretação no sentido de que, mesmo em caso de invalidade do negócio, a criança a nascer ou nascida seria tida enquanto filha dos beneficiários.
48 A título de exemplo, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., pp. 122-123). A Autora, escrevendo sobre a LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, explica que, quando perante um contrato de GS nulo, ainda que a atribuição da parentalidade ao casal de beneficiários pareça ser a solução legal, “o normativo transcrito que atribui a filiação aos comitentes pressupõe a celebração de um contrato de gestação de substituição válido, produtor de efeitos jurídicos. Embora o elemento sistemático não seja decisivo para a interpretação da lei, não podemos deixar de assinalar que esta regra da filiação surge no n.º 7 do artigo 8.º, entre as várias condições e requisitos de validade do contrato de gestação e não a rematar o preceito, depois de definida a consequência da nulidade em caso de preterição dos elementos elencados”.
49 À qual se juntaram outras críticas àquele regime, as quais não serão por nós detalhadas por não se inserirem no tema desta dissertação.
50 “Não obstante terem sido aprovados dois pedidos para a gravidez de substituição, o certo é que não sucedeu nenhuma gravidez evolutiva nos casos aprovados até à saída do Acórdão do TC” (XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX – “Que futuro para a gestação de substituição em Portugal? Um olhar bioético”. In AAVV – Colóquio Internacional: “Que Futuro para a gestação de substituição em Portugal?”. XXXXX XXXX XXXXXXX; XXXXXXXXX XXXXXXXXX [coord.]. Coimbra: Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2019, p. 55, e, a título de exemplo, a notícia “Avó autorizada a dar à luz o neto. Será a primeira gravidez de substituição em Portugal”, consultada em 06.11.2022, e disponível para acesso em xxxxx://xxx.xx.xx/xxxxxxxx/xxx-xxxxxxxxxx-x-xxx-x-xxx-x- neto-primeira-gravidez-de-substituicao-em-portugal-8757596.html).
1.3. O ACÓRDÃO N.º 225/2018, DE 24 DE ABRIL, DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Após requerimento apresentado por um grupo de trinta Deputados à AR, no sentido de que fosse declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos arts.º 8.º, 15.º e 20.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho e pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, o TC publicou o identificado Xxxxxxx n.º 225/2018, de 24 de abril.
Num primeiro momento, o TC reconheceu que o modo como a GS se encontra regulada na lei portuguesa não atenta contra a CRP. Todavia, tal constatação não implica que o regime legal do contrato de GS seja ausente de críticas51. Com efeito, asseverando que o regime legal vigente padecia de várias enfermidades52 – as quais não podemos escrutinar com pormenor e detalhe nesta dissertação –, o TC explicou que o legislador nada havia previsto para o estabelecimento da filiação da criança em casos de nulidade contratual, não se tendo regulado com cuidado uma matéria que assim o exigia, descurando-se o superior interesse da criança53.
Perante aquele circunstancialismo legislativo, o TC propôs uma solução54: uma vez que o regime consagrado no n.º 7 do art.º 8.º da LPMA vigente à época estabelecia uma regra especial de filiação, a verificação de qualquer um dos motivos que implicassem a invalidade do contrato por nulidade afastaria aquela regra especial. Subsequentemente, deveríamos subsumir a situação concreta à regra geral de aferição da maternidade, prevista no n.º 1 do art.º 1796.º do CC e, desta forma, deveríamos atribuir a maternidade da criança à gestante55.
Sem prejuízo do afirmado, o TC56 constatou que da sobredita solução derivam várias consequências, nomeadamente relativas ao próprio regime da nulidade e à possibilidade da sua invocação, a todo o tempo, por qualquer interessado, perante a inobservância de qualquer requisito. Por isso, aduziu o TC57 que não é de excluir em absoluto a consideração de outros
51 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, pp. 1919-1920.
52 Algumas delas identificadas na subsecção 1.2. do capítulo II, relacionadas com a revogação do consentimento da gestante, com as restrições impostas ao comportamento da gestante e com a afetação dos direitos, liberdade e dignidade da gestante. Ainda, questões conexas com a confidencialidade da doação e, por fim, com a invalidade contratual do negócio jurídico de GS.
53 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, pp. 1927-1928.
54 DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927.
55 Se esta fosse casada, o seu cônjuge beneficiaria da presunção do n.º 1 do art.º 1826.º do CC. Esta paternidade pode ser impugnada nos termos dos arts.º 1838.º e seguintes do CC, e poderá haver uma cessação da presunção, de acordo com o art.º 1828.º e o n.º 1 do art.º 1832.º do CC e, também, com o n.º 1 do art.º 119.º do CRC.
56 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, pp. 1927-1928.
57 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927.
entendimentos que propugnem respostas diversas para o tópico de aferição da parentalidade da criança quando o contrato de GS é nulo.
De qualquer modo, para o que aqui releva – relacionado com o regime contratual e com as invalidades do contrato – porque a invocação da nulidade a qualquer momento, por qualquer interessado, com qualquer fundamento, impede a consolidação das posições jurídicas das partes58, e porque, naqueles moldes, o regime contratual da GS afeta a segurança jurídica decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático – consagrado no art.º 2.º da CRP –, o direito à identidade pessoal da criança – previsto no n.º 1 do art.º 26.º da CRP – , e o dever do Estado de proteção da infância – vertido no n.º 1 do art.º 69.º da CRP –, o TC declarou a inconstitucionalidade59, com força obrigatória geral, e com efeitos retroativos quanto aos contratos de GS já iniciados, do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA, na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
Atenta aquela decisão, aguardou-se a elaboração de um novo diploma legal que regulasse adequadamente a questão60.
1.4. O REGIME INTRODUZIDO PELA LEI N.º 90/2021, DE 16 DE DEZEMBRO
Surge a Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2022. Este diploma legal, ainda que mantendo a maioria do regime introduzido em 2016, acarretou
58 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1928.
59 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, pp. 1945-1946.
60 Após o Ac. n.º 225/2018, prolatado pelo TC a 24 de abril, e ainda antes da publicação da Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, assistimos a três alterações legislativas à LPMA. As alterações foram introduzidas pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 48/2019, de 8 de julho, e pela Lei n.º 72/2021, de 12 de novembro. Ainda que não tenham especial relevância para o tema que é cuidado nesta dissertação, estas três leis impactaram o regime da LPMA, e por isso merecem ser referenciadas.
Ao eliminar os institutos da interdição e da inabilitação do CC e ao estabelecer o regime do maior acompanhado, a Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto alterou o regime dos beneficiários da PMA definido no n.º 2 do art.º 6.º da LPMA à época vigente: se até então estavam impedidos de assumir o papel de beneficiários da PMA aqueles que se encontrassem interditos ou inabilitados por anomalia psíquica, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto encontram-se impedidas de assumir o papel de beneficiárias da PMA as pessoas sobre quem recaia uma sentença de acompanhamento que vede o recurso a tais técnicas.
Relativamente à Lei n.º 48/2019, de 8 de julho, procedeu à alteração do regime da confidencialidade implementado nas técnicas de PMA. Com isto permitiu-se modificar a redação até então atribuída ao art.º 15.º da LPMA.
Por sua vez, a Lei n.º 72/2021, de 12 de novembro, veio introduzir na normatividade portuguesa a possibilidade de realização de inseminações post mortem (com recurso a sémen após a morte do dador). Além das alterações ao CC, esta lei modificou a redação dos arts.º 22.º e 23.º da LPMA e aditou os arts.º 22.º-A e 42.º-A a este mesmo diploma legal.
modificações legais naquelas que foram as maiores preocupações do TC, demonstradas no Acórdão de 24 de abril de 2018.
Por se assumir relevante para o tema desta dissertação, destaca-se o contributo do legislador para a matéria da definição da parentalidade da criança quando perante um contrato de GS nulo: não deslindando uma resposta clara quanto a este aspeto, o novo diploma revogou61 o n.º 12 do art.º 8.º da LPMA anteriormente em vigor, na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
Questiona-se o sentido inerente a tal revogação: cuidando-se de um contrato, não poderá o mesmo ser inválido? A verdade é que, na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, a hipótese de invalidade encontrava-se, tal como se afirmou, concretamente preceituada no n.º 12 do art.º 8.º da LPMA. Porém, com a revogação daquela norma, nenhuma menção é feita à invalidade contratual nem, subsequentemente, à aferição da parentalidade da criança, uma vez verificada a invalidade do negócio jurídico.
Desconhecem-se, por isso, as implicações que a revogação daquele artigo poderá ter na validade do negócio jurídico, bem assim se a eventual invalidade contratual poderá impactar a aferição da parentalidade da criança que nascerá da GS e, em caso afirmativo, de que modo o fará. Na subsecção 2.1. do capítulo III e nas secções 2. e 3. do capítulo IV desta dissertação aprofundaremos este tema.
2. Os requisitos atuais da gestação de substituição
Vamos detalhar quais os pressupostos que, de acordo com o regime em vigor, necessitam de ser preenchidos para que o recurso à GS se tenha por legalmente admissível.
Do art.º 8.º da LPMA vigente62, resulta, então, que o contrato de GS, excecionalmente63 celebrado nos casos de “ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão ou outra situação
61 Por prescrição do art.º 6.º da Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro.
62 A redação mais recente da LPMA (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro) entrou em vigor a 1 de janeiro de 2022. Do art.º 5.º da Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro resulta que “o Governo aprova, no prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, a respetiva regulamentação”. Não obstante a enunciada lei ter sido publicada em dezembro de 2021, o diploma ainda carece de regulamentação por parte do Governo.
63 Sobre a excecionalidade, Xxxxx Xxxxxxxx (XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 594) propugna que se compatibiliza “com a rácio da LPMA, que consagra o princípio da subsidiariedade. No artigo 4.º da Lei n.º 32/2006, estabelece-se as condições ou causas de admissibilidade do recurso à PMA e o princípio da subsidiariedade das técnicas (…). O cariz subsidiário das técnicas justifica-se, essencialmente, por quatro motivos,
clínica que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez da mulher”, é um negócio sujeito a requisitos de forma, devendo ser reduzido a escrito64/65/66.
É um contrato bilateral imperfeito67 que cria na esfera da gestante as obrigações de i) suportar a gravidez da criança; ii) entregar a criança ao casal de beneficiários, finda a gestação; e iii) renunciar aos poderes e deveres da maternidade68, e, na esfera do casal de beneficiários, o dever de suportar todas as despesas médicas e de transporte em que a gestante incorra, fruto do contrato de GS69.
Além disso, é um contrato necessariamente gratuito70. A gratuitidade do contrato de GS pretende relevar a intenção altruísta com que a gestante desempenha tal papel – que é essencialíssimo para o êxito do negócio jurídico71 – e, de outro modo, garantir a autonomia da gestante72. É também para promover a proteção material da autonomia da gestante que o n.º 8 do art.º 8 da LPMA prescreve que não pode haver qualquer subordinação económica entre as partes do contrato.
a saber: evitar a instrumentalização dos beneficiários e dos seus órgãos reprodutivos (proteção da dignidade humana); preocupações clínicas relacionadas com os nascimentos prematuros e taxa de mortalidade infantil de crianças concebidas com recurso às técnicas; receio de utilização das técnicas para aplicações inadequadas ou impróprias, tal como a seleção genética e, por fim, o próprio sistema de filiação português impõe a subsidiariedade”.
64 De acordo com o n.º 13 do art.º 8.º da LPMA, o contrato terá que ser celebrado por escrito, ao arrepio do princípio da liberdade de forma preceituado no art.º 219.º do CC.
65 “A forma legal pode ser exigida ad substantiam ou ad probationem. Na primeira circunstância, a forma é condição de validade do negócio (forma legalis, forma essentialis). Na segunda, é requisito probatório” (XXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Código Civil Anotado – Vol. I – Parte Geral (artigos 1.º a 396.º). 2.ª ed. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2019, p. 331). De igual modo, sobre a matéria, XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX; XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX; XXXXX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil, cit., pp. 428-429, declarando que o formalismo negocial “assegura uma mais elevada dose de reflexão das partes” e “permite uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes, facultando a correspondente assistência especializada”. Também XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), xxx., x. 000.
00 Além disso, só podem celebrar este contrato cidadãos nacionais e estrangeiros com residência permanente em Portugal. Neste sentido o art.º 2.º da Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro.
67 Na sequência do explicado na subsecção 1.2. do capítulo II.
68 Vide n.º 1 do art.º 8.º da LPMA.
69 Pelo n.º 7 do art.º 8.º da LPMA.
70 Imposição prevista no n.º 2, n.º 7 e na al. k) do n.º 13 do art.º 8.º da LPMA, bem como na al. k) do n.º 3 do art.º 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho (o qual regulamenta o acesso à GS). De denotar que o Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril, não declarou a inconstitucionalidade do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho, tendo este diploma permanecido em vigor.
71 Xxxxx xxxxxxx, XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 115.
72 Defensor desta postura, XXXXXXX XXXXXX – “Gestação de Substituição e Dignidade da Pessoa Humana (…)”,
cit., p. 70.
Só casais73 casados ou em união de facto74 podem recorrer à GS, quer sejam casais heterossexuais ou casais homossexuais compostos por duas mulheres75/76/77. Segundo o n.º 2 do art.º 6.º da LPMA, os membros do casal têm de ter idade igual ou superior a 18 anos e não pode existir uma sentença de acompanhamento que vede o recurso daqueles às técnicas de PMA78.
73 Nesse sentido, o n.º 1 do art.º 6.º, em conjugação com o n.º 4 do art.º 8.º da LPMA.
74 Por imposição do n.º 1 do art.º 6.º da LPMA.
75 Tal imposição deriva da conjugação da primeira parte do n.º 1 do art.º 6.º com a parte final do n.º 2 e com o n.º 4 do art.º 8.º da LPMA. Estes números do art.º 8.º da LPMA preceituam que só se poderá aceder à GS se a mulher beneficiária não conseguir suportar uma gravidez, por alguma das causas elencadas na lei. Ora, isto implica, então, que uma mulher esteja sempre envolvida no procedimento, no papel de beneficiária. Além disso, impõe o n.º 4 do art.º 8.º da LPMA o recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos respetivos beneficiários, solução que, por via das normas de interpretação da lei vertidas no art.º 9.º do CC, claramente determina que o número de beneficiários seja plural, logo superior a um. Pelo que só poderão recorrer à GS casais compostos por, pelo menos, uma mulher, mulher essa que tem de se encontrar numa das situações previstas na parte final do n.º 2 do referido art.º 8.º da LPMA. Quanto à possibilidade de recurso à GS por um casal formado por duas mulheres – possibilidade com a qual concordamos, por entendermos que resulta da lei, na senda do acabado de propugnar –, ver XXXX XXXXX XXXXXX – “«A parte gestante está proibida de pintar as unhas»: direito contratual e contratos de gestação”. In AAVV – Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, cit., p. 185, e XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX – Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição [Em linha]. [S.l.]: Julgar Online, janeiro 2017. [Consultado em 16.12.2022]. Disponível para acesso em xxxx://xxxxxx.xx/xx- content/uploads/2017/01/20170127-ARTIGO-JULGAR-Lei-da-Gesta%C3%A7%C3%A3o-de- Substitui%C3%A7%C3%A3o-Xxxxx-Xxxxxxxxx-Xxxxx-Xxxxxxx-v2.pdf, p. 9.
76 O que, desde logo, levanta grandes questões (atualmente por resolver) conexas com a afetação do princípio da igualdade previsto na parte final do n.º 2 do art.º 13.º da CRP no que respeita aos casais homossexuais compostos por homens, por aos mesmos estar vedado o acesso à GS (e às técnicas de PMA, por via da parte inicial do n.º 1 do art.º 6.º da LPMA). No seu Parecer n.º 63/CNECV/2012 (CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS
DA VIDA – Parecer n.º 63/CNECV/2012 sobre Procriação Medicamente Assistida (…), cit., p. 6), o CNECV disse que “sendo certo que a Constituição dá ao Estado a incumbência de proteger a família e regular a PMA, já não se vê, em primeiro lugar, em quê essa incumbência determina ou impõe que o Estado esteja obrigado a proteger apenas um tipo particular de família e, sobretudo, mesmo que se considerasse essa discriminação admissível, porque tal imporia, já não apenas a desproteção estatal, mas também a simultânea proibição e sanção do acesso à PMA a famílias ou situações pessoais de outro tipo quando é certo que o Estado as admite e legitima através da própria lei. Por outro lado, não há sequer qualquer relação de necessidade lógica entre a incumbência constitucional de regular a PMA para proteger a família e a limitação do acesso às técnicas de PMA a situações de doença que tenham como beneficiários exclusivos casais ou uniões heterossexuais e, muito menos, a proibição e sanção do acesso a pessoas fora desse quadro”. Socorremo-nos da argumentação expendida para avançar que, no nosso entender, inexistem motivos para proibir o acesso à GS a casais homossexuais formados por homens, uma vez que, bem ponderadas as circunstâncias que moldaram a criação desta figura, os casais formados por membros masculinos também não possuem condições físicas – mormente um útero – que lhes permita suportar a gestação de uma criança (quadro circunstancial que justifica o acesso à GS por parte de casais heterossexuais e homossexuais formados por dois membros do sexo feminino).
77 No caso de serem duas mulheres, recorrer-se-á ao material genético de um dador. A confidencialidade do dador ficou regulada no art.º 15.º da LPMA, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2019, de 8 de julho.
78 Os requisitos preceituados no n.º 2 do art.º 6.º da LPMA continuam a ser aqui aplicáveis, visto determinarem um regime geral para as técnicas de PMA (as quais serão naturalmente necessárias à concretização da GS). Na nossa visão, estes requisitos traduzem-se no limiar mínimo, definido pelo ordenamento jurídico – e, subsequentemente, pela lei – para que se possa confiar que os futuros beneficiários reúnem as condições necessárias para cuidar de uma criança. Cremos que o limite mínimo de idade foi fixado nos 18 anos por ser o mesmo limite que se encontra estatuído para o reconhecimento legal da capacidade de exercício de direitos, vide art.º 123.º e art.º 130.º do CC. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, a doutrina tem afirmado, pacificamente, que o requisito de idade se aplica a qualquer pessoa interveniente no processo, mormente à gestante. Veja-se, neste sentido, XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 108.
Para além disso, é necessário, para que se possa avançar com o processo de GS, o recurso ao material genético de, pelo menos, um dos membros do casal de beneficiários79.
Ademais, por via do n.º 3 do art.º 8.º da LPMA, “a gestante de substituição deve ser, preferencialmente, uma mulher que já tenha sido mãe”. Por detrás desta formalidade de caráter não obrigatório encontra-se a ideia de que, não obstante cada gestação ser uma experiência única e singular para quem a suporta, a hipótese de a gestante revogar o seu consentimento, já tendo passado pela experiência da gestação, é menor80.
Importará ainda referir a intervenção que, de acordo com a LPMA, tanto o CNPMA81, como a Ordem dos Médicos, como a Ordem dos Psicólogos82, desempenham. A estas entidades cabe a obrigação de se pronunciarem previamente sobre o recurso à GS por determinado casal83,
79 São duas as principais formas de GS: a GS gestacional, que se verifica quando a gestante suporta no seu útero a gestação de um feto com o qual não possui qualquer ligação genética, tendo o óvulo fertilizado sido fornecido pela mulher do casal de beneficiários, ou por uma mulher terceira, dadora de ovócitos; e a GS genética, que é a que ocorre quando a gestante não só contribui para a gestação do embrião, mas ela própria doa parte do seu património genético para aquela gestação. A doutrina refere-se a esta última modalidade de GS como sendo uma doação de ovócitos (XXXX XXXXX XXXXXX – De mãe para mãe: Questões Legais e Éticas Suscitadas pela Maternidade de Substituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 13, e XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – O Direito da Família Contemporâneo, cit., p. 180). Esta posição doutrinal é compreensível, uma vez que a redação consagrada na parte final do n.º 4 do art.º 8.º da LPMA é bastante clara quando estatui que a gestante não pode, “em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é parte”. Pelo que, podemos concluir que em Portugal só se permite o recurso à GS gestacional. O objetivo da definição deste requisito é que se torne mais fácil o estabelecimento da filiação da criança que, assim, deverá ter uma ligação genética com, pelo menos, um dos beneficiários, e nenhuma ligação genética com a gestante.
80 Na postura propugnada por Xxxxx Xxxxxxxx (XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 619) a existência de uma gravidez anterior bem sucedida deveria ser um requisito obrigatório, pois só assim se minimizavam efetivamente os riscos associados à criação de laços gestacionais entre gestante e feto.
81 A sua criação encontra-se definida no art.º 30.º da LPMA.
82 O primordial intuito da intervenção da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos é averiguar da capacidade física e mental da gestante para a adequada execução do contrato de GS. Pretende-se garantir que estão reunidas as melhores condições para a gestação, bem assim que a gestante tem pleno conhecimento de que o objetivo do contrato é entregar a criança nascida aos beneficiários, sem prejuízo de uma eventual revogação do consentimento, a qual lhe é reconhecida por lei como um direito (XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 621). Sem desmerecer a relevância assumida pela intervenção da Ordem dos Psicólogos, chama-se a atenção para o facto de que o Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho já exigia a intervenção prévia de um psiquiatra ou psicólogo no processo (al. d) do n.º 2 do art.º 2.º do enunciado Decreto-Regulamentar). Mais tarde, com a Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, o requisito alcançou outra dimensão, impondo-se, agora, o parecer favorável não de um profissional isolado, mas de toda uma Ordem Profissional.
83 Vide n.º 5 do art.º 8.º da LPMA. Primeiramente o CNPMA consulta a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Psicólogos e só ulteriormente poderá autorizar o recurso à GS. Por xxx xx x.x 0 xx xxx.x 0.x xx Xxxxxxx-Xxxxxxxxxxxx n.º 6/2017, de 31 de julho, a Ordem dos Médicos dispõe de um prazo de sessenta dias para emitir o seu parecer ao CNPMA. Após receção do parecer da Ordem dos Médicos, ou perante o decurso integral do prazo de sessenta dias, o CNPMA detém sessenta dias para decidir se autoriza ou rejeita a celebração do contrato (n.º 8 do art.º 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho). Nada é mencionado neste diploma relativamente a um eventual prazo para a Ordem dos Psicólogos emitir o seu parecer.
sendo que o CNPMA está também compelido a supervisionar o contrato que eventualmente seja celebrado84.
Interessa mencionar que o pedido de autorização prévia endereçado ao CNPMA, que sempre se assumiu necessário, tem, agora, que ser acompanhado de um conjunto de documentação – descrita nas als. a) a d) do n.º 6 do art.º 8.º da LPMA85 – e tem também de respeitar os termos enunciados no art.º 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho.
84 Oliveira Ascensão (XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXXX – “A Lei Nº 32/2006 sobre Procriação Medicamente Assistida”. In AAVV – Revista da Ordem dos Advogados [Em linha]. Ano 67, Vol. III (2007). [Consultado em 23.10.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxx.xx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxx-xx-xxxxx-xxx-xxxxxxxxx- roa/ano-2007/ano-67-vol-iii-dez-2007/doutrina/xxxx-xx-xxxxxxxx-ascensao-a-lei-n%c2%ba-3206-sobre- procriacao-medicamente-assistida/), crítico da proliferação de uma orgânica pesada nesta matéria, reconhece que “o CNPMA passa a ser a entidade estratégica em matéria de PMA”. Xxxxx Xxxxxxxx (XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 597) explica que a constituição de uma entidade imparcial para controlar a realização do contrato de GS, bem como fiscalizar as motivações dos beneficiários e da gestante, era defendida pela unanimidade da doutrina. Porém, acrescenta que a criação do CNPMA acabou sendo controversa. XXXXXX XXXXX XX XXXXX [et al.] – “Doação de gametas: questões sociais e éticas (não) respondidas em Portugal”. In AAVV
– Cadernos de Saúde Pública [Em linha]. N.º 35, ed. n.º 00122918 (2019), p. 3. [Consultado em 26.11.2022]. Disponível para acesso em xxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxxx/0000/00000, aduz que “os nove membros do CNPMA asseguram, desde 2006, a supervisão, acompanhamento e avaliação da pesquisa e das práticas na reprodução assistida, formulando recomendações não vinculativas, deliberações vinculativas e emitindo pareceres e outros documentos visando a adequação da reprodução assistida à evolução científica, tecnológica, cultural e social”.
85 Em idêntico sentido, as als. a) a e) do n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho. A declaração favorável do psiquiatra ou do psicólogo, enunciada na al. d) do n.º 2 do art.º 2.º deste diploma, foi substituída pelo parecer favorável da Ordem dos Psicólogos.
Consoante oportunamente expendido, o consentimento da gestante86/87, prestado de modo expresso e escrito perante o médico responsável88, deverá resultar de uma vontade interna, formada livre e esclarecidamente, e poderá ser revogado até ao registo da criança xxxxxxx00/90. Não é de olvidar, ainda assim, que também os beneficiários podem revogar o seu consentimento, desde que o façam até ao início dos processos terapêuticos de PMA91.
Na senda do acabado de dizer, como se está perante um contrato com um enorme impacto em múltiplos aspetos da vida dos intervenientes, mormente nos seus direitos de personalidade, a lei previu a obrigação de informação, à gestante e aos beneficiários, dos vários direitos que
86 Que terá que atender aos requisitos do art.º 14.º da LPMA, de acordo com o n.º 10 do art.º 8.º do mesmo diploma, ainda sendo de ponderar a al. j) do n.º 13 do art.º 8 da LPMA (a qual, por sua vez, é idêntica à al. j) do n.º 3 do art.º 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho).
87 Ainda quanto ao consentimento da gestante, releva a seguinte nota: “o consentimento que se exige aos intervenientes, maxime à gestante, corresponde à declaração de vontade que integra o contrato de gestação de substituição, através do qual se limita o direito à integridade física e o direito à liberdade, atribuindo aos beneficiários um direito subjectivo de exigir o comportamento correspondente. O consentimento que se exige à gestante é um consentimento vinculante (…)” (XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 118). Noutra obra, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “O regime do contrato de gestação de substituição no direito português, à luz do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/2018”. In AAVV – Temas de Direito e Bioética – Vol. I – Novas questões do Direito da Saúde [Em linha]. XXXXXXXX XXX XXXXXX; XXXXXX XXXXX; XXXXX XXXXXXX [coord.]. [S.l.]: DH-CII (Direito Humanos – Centro de Investigação Interdisciplinar), Escola de Direito da Universidade do Minho, JusGov (Centro de Investigação em Justiça e Governação), dezembro de 2018. [Consultado em 17.09.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxxx/0000/00000, p. 150) escreve que “também o consentimento das partes integra o contrato de gestação, assumindo a natureza de uma declaração negocial. As partes vinculam-se com a celebração do contrato e não antes. O consentimento para a implantação de um embrião, para suportar uma gravidez e dar à luz uma criança que será entregue aos beneficiários, bem como o consentimento para a transferência para a gestante de um embrião constituído com material genético de um dos beneficiários constituem declarações negociais que integram o contrato e das quais decorrem as respectivas obrigações”. Também o TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril (DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1897), diz que “o consentimento dos beneficiários e o da gestante, não só não são simétricos — uma vez que o da gestante implica a aceitação de intervenções continuadas em direitos fundamentais como a integridade física ou a saúde e o direito a constituir família e a ter filhos (…) como, sobretudo, não são consumidos pelo contrato que beneficiários e gestante celebram entre si”.
88 Por via do n.º 1 e do n.º 5 do art.º 14.º, aplicáveis por via do n.º 10 do art.º 8.º da LPMA.
89 De acordo com o n.º 1 do art.º 96.º do CRC, o nascimento ocorrido em território português deve ser declarado nos vinte dias imediatamente posteriores ao nascimento ou, se o nascimento ocorrer em unidade de saúde onde seja possível declarar o nascimento, até ao momento em que a parturiente receba alta da unidade de saúde.
90 Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX – “Breve análise de duas questões problemáticas: o direito ao arrependimento da gestante de substituição e o anonimato dos dadores”. In AAVV – Colóquio Internacional: “Que Futuro para a gestação de substituição em Portugal?”, cit., p. 30), escrevendo sobre a revogação do consentimento pela gestante, entende que “como fundamento da revogabilidade do consentimento (…) invoca-se a regra da voluntariedade do cumprimento, em matéria de disposição contratual de um bem da personalidade. É um argumento poderoso, pois, nesta zona nuclear da identidade e da verdade pessoais, deve ser salvaguardada, em princípio, a livre expressão, em todas as fases do devir da pessoa, do que corresponde ao seu modo de ser e de sentir”.
91 De acordo com o n.º 4 do art.º 14.º da LPMA, aplicável in casu por via do n.º 10 do art.º 8.º da LPMA, e o art.º 4.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho. De destacar, porém, as questões levantadas na subsecção
1.2. do capítulo II desta dissertação de mestrado sobre o que se deverá entender como sendo o momento do “início dos processos terapêuticos de PMA”.
lhe são reconhecidos e dos deveres92 que lhes são impostos. Pretende-se, com isto, que o consentimento prestado e a vontade negocial das partes sejam formados de modo totalmente esclarecido, não padecendo de qualquer vício93.
Não se podem restringir os direitos, liberdade e dignidade da gestante94. “Disciplina-se, deste modo, o conteúdo do contrato, quer positivamente quer de forma negativa, pretendendo o legislador salvaguardar a liberdade da gestante, obviando à introdução de cláusulas contratuais que ponham em causa, nomeadamente, o seu direito à liberdade física, psicológica, sexual”95.
Mais a mais, nas als. a) a m) do n.º 13 do art.º 8.º da LPMA consagram-se um conjunto de cláusulas contratuais que têm de ser introduzidas no contrato de GS a celebrar96 e respeitadas pelas partes.
Por não despiciendo, de acordo com o regime da GS, “a criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários”97.
Finalmente, e como se teve oportunidade de referir, o legislador – atenta a crítica que havia sido tecida pelo TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril98 – revogou a estatuição normativa que decretava a nulidade dos contratos celebrados em despeito do art.º 8.º da LPMA vigente à época. Nenhuma estipulação legal foi definida para substituir a norma entretanto revogada.
Será sobre este último conspecto assinalado que incidiremos, de seguida, a nossa análise, cabendo-nos compreender o que acontecerá ao contrato de GS que não preencha um dos requisitos antes enunciados.
92 Veja-se o n.º 11 do art.º 8.º da LPMA, em conjugação com os arts.º 12.º a 13.º-B também da LPMA.
93 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 116.
94 Nesta senda, o n.º 14 do art.º 8.º da LPMA.
95 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 115.
96 Porque relevante, refira-se que tais disposições já se encontravam previstas nas als. a) a m) do n.º 3 do art.º 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho.
97 Por decorrência do n.º 9 do art.º 8.º da LPMA.
98 Naquele aresto, o TC (DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927) escreveu que “a rigidez do regime da nulidade, nomeadamente quanto à invocabilidade de causas a todo o tempo, e a sua uniformidade decorrente da eliminação retroativa de todos os efeitos jurídicos decorrente da declaração de nulidade, suscitam dificuldades, quando confrontadas com a diversidade de situações possíveis e a dinâmica da própria vida, sobretudo depois de o contrato de gestação de substituição já ter sido integralmente executado”. Colocou-se em evidência, assim, o entendimento do TC quanto à desadequação do regime das invalidades contratuais quando aplicável neste contrato de GS.
III. Da invalidade contratual do contrato de gestação de substituição
Do que até aqui se disse pode-se afirmar que, à luz da lei, a GS só poderá ser concretizada se, previamente, for celebrado um contrato entre as duas partes nele envolvidas – id est, entre o casal de beneficiários e a mulher disposta a suportar a gravidez em proveito daqueles – que respeite os requisitos antes referidos.
Mas, e se esses requisitos não forem respeitados, quid iuris, em especial no que respeita à definição da parentalidade da criança?
Para examinar os efeitos que a eventual invalidade contratual poderá ter na aferição da parentalidade da criança que nascerá da GS, importa recordar, numa visão panorâmica, as espécies de invalidades de que um contrato pode padecer. É o que vamos fazer na próxima secção.
1. As espécies de invalidades contratuais
Dos arts.º 285.º e seguintes do CC resulta que a invalidade do negócio jurídico pode derivar quer da sua nulidade, quer da sua anulabilidade. Diferentes destas serão outras figuras jurídicas afins que também podem enfermar os contratos. Falamos, em concreto, da inexistência e da ineficácia em sentido estrito. Ensinam XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXXX e XXXXX XXXX PINTO99 que na inexistência, ou o negócio jurídico não tem a aparência material que deveria, ou, tendo-a, a realidade negocial não coincide com a aparência material evidenciada. Nestes casos, o negócio jurídico celebrado não produzirá quaisquer efeitos jurídicos porque se entende que o mesmo nem sequer existiu. Por sua vez, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA100 refere que a inexistência se consubstancia no nível mais elevado de ineficácia101.
No que contende com a ineficácia stricto sensu, está sujeita a um regime especial sobre o qual não nos vamos debruçar. Elucida-se, ainda assim, que “a ineficácia em sentido estrito verifica-se se um ato existente e válido não produzir imediatamente (ineficácia originária) ou
99 Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx; Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx; Xxxxx Xxxx Xxxxx – Teoria Geral do Direito
Civil, cit., pp. 617-618.
100 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX – Contratos V – Invalidade. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2020, p. 21.
101 Já Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx (XXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Código Civil Anotado – Vol. I, cit., p. 477), perfilha que “a inexistência distingue-se da invalidade. Esta comporta duas modalidades: nulidade e anulabilidade. Aquela subdivide-se, por seu turno, em material ou jurídica, consoante, respectivamente, o ato jurídico em causa inexista factualmente ou apenas seja, enquanto tal, juridicamente desconsiderado em termos absolutos”.
deixar de produzir (ineficácia subsequente) a totalidade ou parte dos seus efeitos. A ineficácia stricto sensu não é uma sanção nem um efeito sancionatório; é apenas a consequência de conformidade com a autonomia privada ou de desconformidade não valorativa com certas regras legais”102.
Centrando-nos na hipótese de invalidade, que é o foco desta dissertação, é importante destacar, primeiramente, as semelhanças existentes entre a nulidade e a anulabilidade contratuais, para, posteriormente, se evidenciarem as diferenças.
O primeiro aspeto a enunciar, e que é comum, é que os dois regimes de invalidade contratual têm efeitos retroativos, “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. Neste sentido prescreve o n.º 1 do art.º 289.º do CC. De acordo com o art.º 290.º do CC, as obrigações recíprocas “devem ser cumpridas simultaneamente”, podendo as partes opor entre elas as normas contendentes com a exceção de não cumprimento do contrato, previstas nos arts.º 428.º a 431.º do CC, quando tal se justifique.
Ainda que esta seja uma simetria, as diferenças aparecem logo no alcance inerente a cada um dos efeitos retroativos. Nas palavras de XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXXX e XXXXX XXXX PINTO103, “o negócio nulo não produz, desde o início (ab initio), por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia. O negócio anulável, não obstante a falta ou vício de um elemento interno ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação; exercido, mediante esta acção, o direito potestativo de anular pertencente a uma das partes, os efeitos do negócio são retroactivamente destruídos”. Sobre este assunto, XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX e XXXXX XXXXXX PAIS DE VASCONCELOS104 escrevem que “o negócio anulável, diferentemente do nulo, nasce válido, embora precário. Pode vir a ser anulado, mas também pode vir a não sê-lo (…) o negócio nulo não chega a alcançar eficácia jurídica; o negócio anulável nasce válido, mas precário e frágil, e ganha uma eficácia originária que pode, todavia,
102 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX – “Invalidade, inexistência e ineficácia”. In AAVV – Católica Law Review [Em linha]. Vol. I, n.º 2 (2017), p. 26. [Consultado em 29.10.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000.
103 Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx; Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx; Xxxxx Xxxx Xxxxx – Teoria Geral do Direito
Civil, cit., p. 619.
104 XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX; XXXXX XXXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX – Teoria Geral do Direito Civil. 9.ª ed.
Coimbra: Almedina, 2021, p. 732.
vir a ser destruída por uma anulação superveniente, que lhe destrói retroativamente os efeitos”105.
De qualquer modo, apesar desta dissemelhança, as possibilidades consagradas nos arts.º 292.º e 293.º do CC, respeitantes à redução e à conversão, respetivamente, são passíveis de ser aplicadas aos dois tipos de invalidade contratual, pese embora – como se verá – só o contrato anulável seja suscetível de confirmação106.
A redução implica que só uma parte do negócio celebrado se encontre inquinada, pelo que se acabará por “aproveitar” a parte não viciada, a não ser que se demonstre que o contrato não teria sido celebrado sem o segmento, entretanto, tido por inválido. Porquanto, a aplicação do regime da redução implica, necessariamente, que se possa dividir o negócio jurídico entre a parte inválida e a parte que será alvo de aproveitamento. O critério dessa divisibilidade será a já identificada vontade das partes em celebrar o negócio jurídico mesmo sem a parte viciada107. Por sua vez, a conversão verifica-se quando, perante uma invalidação total do contrato, é possível aproveitar o negócio jurídico para a celebração de um contrato de tipo ou conteúdo díspar do inicialmente assumido pelos contraentes. Para que tal seja viável, não só é necessário que se respeite a forma e a substância do contrato convertido, como é preciso que se consiga supor que, entre a invalidade e a conversão do contrato, as partes teriam preferido esta última hipótese108.
Vejamos, agora, algumas diferenças entre os regimes da nulidade e da anulabilidade. Além da já enunciada distinção quanto ao alcance dos respetivos efeitos retroativos, destaca-se a diferença existente quanto à legitimidade para invocação da invalidade contratual109, quanto ao âmbito das pessoas a que podem aproveitar os efeitos da invalidade do negócio jurídico, quanto
105 Na mesma senda, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX – Contratos V – Invalidade, cit., pp. 15-16. Por relevante, veja-se o entendimento de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx (XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 287.º”. In AAVV – Comentário ao Código Civil – Parte Geral. XXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX; XXXX XXXXXXX XXXXXXX [coord.]. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014, p. 710), quando, em sentido díspar ao já aduzido, escreve que “não se deve, contudo, dizer que o negócio anulável é um acto válido, pois a produção precária de efeitos não implica validade, sendo antes a consequência de uma irregularidade ou vício genético do negócio”.
106 Neste sentido, o n.º 1 do art.º 288.º do CC.
107 XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX; XXXXX XXXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX – Teoria Geral do Direito Civil, cit., p.
746.
108 XXXXX XX XXXX; XXXXXXX XXXXXX – Código Civil Anotado, Vol. I (Artigos 1.º a 761.º). 2.ª ed. revista e atualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 1979, p. 248. Também XXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Código Civil Anotado
– Vol. I, cit., p. 500.
109 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX – Contratos V – Invalidade, cit., p. 15, sufraga que uma das maiores distinções entre o instituto da nulidade e da anulabilidade ocorre ao nível dos pressupostos da sua invocação (arts.º 286.º e 287.º do CC).
à oportunidade de alegação do vício e, por fim, quanto à viabilidade de confirmação do negócio jurídico inválido.
Enquanto a nulidade pode ser invocada pelos interessados diretos ou indiretos do negócio jurídico ou, ainda, ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do CC110), a anulabilidade só pode ser invocada, necessariamente, por um interessado a quem a lei reconheça essa legitimidade111. Na visão perfilhada por XXXXX XX XXXX e ANTUNES VARELA112, será “interessado” o “titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio”.
Como o negócio jurídico nulo não tem qualquer eficácia, os efeitos da nulidade aproveitam não só a quem a invoca, mas a todos os demais abrangidos ou afetados pelo negócio jurídico nulo113. Contrariamente, os efeitos da anulabilidade do contrato só aproveitam àqueles em favor de quem a lei define a possibilidade de invocação desta invalidade, o que só pode ser determinado caso a caso114.
Sopesa ainda que a nulidade é invocável a todo o tempo, enquanto a anulabilidade só pode ser arguida, em princípio115, dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (parte final do n.º 1 do art.º 287.º do CC). Segundo MARIA CLARA SOTTOMAYOR116, o estabelecimento de um prazo reduzido para a invocação da anulabilidade motiva-se na segurança jurídica e na tutela da confiança da outra parte negocial. Esta é mais uma disparidade de destaque essencial, aquando da comparação dos dois regimes.
A outra distinção que necessita de ser assinalada concerne à possibilidade antes mencionada de confirmação do negócio jurídico. Com efeito, um contrato cominado com “a anulabilidade é sanável mediante confirmação”, ao abrigo do n.º 1 do art.º 288.º do CC. A confirmação
110 “Esta norma significa que a nulidade não carece de ser alegada pelas partes para ser conhecida pelo juiz. Este pode declará-la sempre que no processo tenha elementos para estar certo da sua existência”. Neste sentido, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx, em XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 286.º”. In AAVV – Comentário ao Código Civil – Parte Geral, cit., p. 709.
111 Decorrência direta do facto de a nulidade tutelar interesses de ordem pública, enquanto a anulabilidade protege interesses das partes, vide XXXXX XXXX DE VASCONCELOS; XXXXX XXXXXX PAIS DE VASCONCELOS – Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 732.
112 XXXXX XX XXXX; XXXXXXX XXXXXX – Código Civil Anotado, Vol. I (…), cit., p. 244.
113 A título de exemplo, o n.º 2 do art.º 605.º do CC, relativo à possibilidade de os credores invocarem a nulidade dos atos praticados pelo devedor.
114 XXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Código Civil Anotado – Vol. I, cit., p. 482.
115 Em princípio, já que o n.º 2 do art.º 287.º do CC cria um desvio àquela regra geral do n.º 1, na hipótese de o contrato não estar cumprido. No caso do contrato de GS, a partir do momento em que, após o parto, a criança é entregue ao casal de beneficiários, poder-se-á considerar cumprido o negócio, por terem sido realizadas as obrigações que dele emergem.
116 XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 287.º”, cit., p. 711.
permite que o negócio jurídico produza efeitos retroativos, “mesmo em relação a terceiro”, vide n.º 4 do art.º 288.º do CC. Aqui, a pessoa a quem a lei atribui legitimidade para arguir a anulabilidade do negócio jurídico declara que aprova o mesmo, ainda que viciado. A possibilidade acabada de descrever não se pode aplicar ao regime jurídico da nulidade contratual, perante o qual o contrato não é passível de ser confirmado117.
Do que ficou dito nos parágrafos anteriores resulta, portanto, que “ao invés do negócio nulo que assim se conserva de maneira irreversível, o negócio anulável não perdura indefinidamente nessa qualidade: ou é anulado ou verte-se em negócio definitivamente válido. Esta última hipótese comporta diversas modalidades. O negócio anulável abandonará essa condição: – se for confirmado pelo beneficiário da anulabilidade (artigo 288.º); – se caducar o prazo de anulação sem que o correspondente direito potestativo tenha sido exercido; – se o beneficiário da anulabilidade àquele renunciar”118.
Em face do que antecede facilmente se alcança que o regime que a lei previu para a nulidade é manifestamente mais exigente do que a disciplina criada para a anulabilidade. XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXXX e XXXXX XXXX PINTO119 defendem que o motivo
para o regime da nulidade ser mais penalizador quando comparado com o da anulabilidade nasce de um “fundamento teleológico”, consubstanciado “em motivos de interesse público predominante. As anulabilidades fundam-se na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses predominantemente particulares”. Já na visão advogada por CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA120, não será de adotar aquele critério para diferenciar os regimes das invalidades contratuais, visto que não é exato para as situações de vícios decorrentes de dolo ou coação moral em que o contrato é meramente anulável. Por isso avança o Autor: “porque não se vislumbra um outro critério material de distinção que se baseie numa destrinça clara segundo a natureza ou a categoria dos vícios geradores de invalidade, apenas se pode concluir modestamente que, na alternativa entre as duas espécies de invalidade, a nulidade é o regime regra (cfr. artigo 294.º), aplicando-se a anulabilidade ao conjunto de casos que a lei comina com
117 Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx (XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 288.º”. In AAVV – Comentário ao Código Civil – Parte Geral, cit., pp. 714-715) explica que a confirmação, nos negócios nulos, é admitida em casos contados, quais sejam as situações prescritas no art.º 968.º, no n.º 2 do art.º 1939.º, no art.º 1941.º e no art.º 2309.º, todos do CC. Sem prejuízo, aduz a Autora que em causa não está uma confirmação similar à do art.º 288.º do CC, mas aquilo a que tipicamente se chama de uma “confirmação imprópria”, a qual se traduz num instituto especial da confirmação.
118 XXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Código Civil Anotado – Vol. I, cit., p. 482.
119 Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx; Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx; Xxxxx Xxxx Xxxxx – Teoria Geral do Direito
Civil, cit., p. 620.
120 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX – “Invalidade, inexistência e ineficácia”, cit., p. 14.
tal consequência”. Na mesma esteira, LUÍS CARVALHO FERNANDES121, que ainda clarifica que este regime-regra é uma decorrência do anterior art.º 10.º do Código de Seabra122.
Realizada esta breve introdução, e com os ensinamentos colhidos no percurso que fizemos, atentaremos mais detalhadamente na eventual invalidade do contrato de GS.
2. As possíveis causas de invalidade do contrato de gestação de substituição e a problemática do regime aplicável
Na redação atribuída à LPMA pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, a lei previu a hipótese de o contrato de GS padecer de vários vícios e previu que, a verificar-se a ocorrência de algum deles, o negócio contraído seria inválido, porque nulo. Era este o sentido sancionatório inerente ao n.º 12 do art.º 8.º da LPMA da época.
Diferentemente, a legislação em vigor, implementada pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, revogou aquela norma123, e não responde (diretamente, pelo menos) à questão de se saber qual a cominação legal aplicável em caso de desrespeito de qualquer um dos requisitos que, de acordo com a lei, são essenciais para a celebração e cumprimento de um contrato de GS. Aliás: este novo regime não prevê, pelo menos diretamente, se o contrato de GS poderá ou não padecer de uma qualquer invalidade contratual. Escrevendo sobre o assunto, XXXXXX XXXX E REIS124 refere que “a resposta ao problema da nulidade e dos seus efeitos, em matéria de gestação de substituição, não pode passar pela eliminação tout court da referida sanção, deixando a dimensão sancionatória, por exemplo, para o direito criminal, isto é, consagrando apenas os já analisados tipos incriminadores para os casos em que se recorre ao procedimento em violação das regras legalmente estabelecidas”. Atento o regime legalmente plasmado, será que podemos (devemos) concluir que a lei foi assim tão longe, de modo a não fazer qualquer referência, ainda que indireta, à invalidade do contrato de GS, apenas submetendo a afetação de alguns requisitos contratuais a uma responsabilização penal125? Teremos, pois, que
121 XXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Teoria Geral do Direito Civil II – Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica. 5.ª ed. revista e atualizada. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2017, p. 499.
122 Também conhecido por “Código Civil Português de 1867”.
123 O anterior n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
124 XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida (…), cit., p. 252.
125 Por via do art.º 39.º da LPMA.
considerar este novo enquadramento normativo, analisando as problemáticas que a matéria coloca.
Primeiramente, questiona-se o que o legislador pretendeu transmitir com a revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto: quereria criar uma figura de um contrato inabalável, que, contrariamente aos ditames impostos pela lei, pelos bons costumes e pela ordem pública, nunca poderia ser tido como inválido (porventura por consideração dos especiais interesses envolvidos neste contrato)? Ou, ao invés, a lei pretenderia cominar com a nulidade os negócios que violassem qualquer um dos requisitos do contrato de GS126/127, diversamente do previsto na redação anterior da lei, em que, por via do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, só a violação dos requisitos previstos no art.º 8.º da LPMA implicaria a nulidade contratual128/129? Ou, ainda, a intenção da lei era que o contrato de GS fosse subsumido às regras gerais da invalidade do negócio jurídico estatuídas no direito civil, nomeadamente ao regime do art.º 294.º do CC130?
Mais a mais, pergunta-se se a aparente ausência de distinção entre requisitos significa que deveremos valorizar da mesma forma os vários pressupostos da GS, de modo a que a violação de qualquer um deles seja sempre submetida à mesma sanção jurídica.
As questões ora evidenciadas assumem suma pertinência, pois uma vez permitida a celebração de um contrato de GS, é obrigatório saber, de antemão, se o mesmo é passível de ser declarado inválido, quais as possíveis causas de uma eventual invalidade contratual e as modalidades que a mesma pode revestir, considerando também a (des)igual valoração dessas causas perante a lei. Em acréscimo, é importante saber quais os efeitos que a eventual invalidade contratual terá na aferição da parentalidade da criança – efeitos que, se até então geravam dúvidas, com a nova redação legal se tornam mais difíceis de identificar, devido ao silêncio da norma que regula a GS.
126 Não se olvide que existem requisitos gerais das técnicas de PMA – mormente previstos no art.º 6.º da LPMA – que também se têm de cumprir na GS.
127 No entendimento avançado por Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx (XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX; XXXXX XXXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX – Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 731), “salvo quando outro seja o regime que resulta da lei, a invalidade tem como consequência a nulidade”. Com consagração legal, o art.º 294.º do CC, relativamente aos negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de caráter imperativo.
128 De acordo com o n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
129 Não se prevendo a aplicação do n.º 12 do art.º 8.º daquela LPMA aos casos em que se violassem outros requisitos consagrados na LPMA, nomeadamente os requisitos estatuídos no art.º 6.º da LPMA da época.
130 Que define que a afetação de uma norma imperativa implica, em regra, a nulidade do negócio jurídico celebrado, a não ser que outra seja a solução legal estatuída para a situação.
2.1. A REVOGAÇÃO DO NÚMERO 12 DO ARTIGO 8.º DA LEI DA PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA NA REDAÇÃO ATRIBUÍDA PELA LEI N.º 25/2016, DE 22 DE AGOSTO
A primeira questão fulcral a ser avaliada centra-se em tentar alcançar o significado inerente à revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto. Atente-se, para tanto, no entendimento que alguma doutrina vem adotando sobre o assunto.
Escrevendo sobre a temática, XXXXXX XXXX E REIS131 diz que “é assaz duvidoso que, mesmo sem referência expressa à nulidade dos contratos violadores das condições legais impostas pelo artigo 8.º da Lei da PMO, a nulidade pudesse ser afastada, para as situações infractoras, atento o disposto no artigo 280.º do Código Civil, em conjugação com o disposto no artigo 1796.º e 1982.º, n.º 3, do mesmo Código. Assim, a nulidade apenas poderia ser afastada com norma expressa que o determinasse”.
Examinando a questão, DIANA COUTINHO132 acabou por deixar em aberto qual é, para si, o sentido inerente à revogação da norma, não avançando nenhuma posição definitiva sobre o tema. A Autora afirma, ainda assim, que sempre será de subsumir o contrato de GS às regras gerais da invalidade contratual.
MARIA RAQUEL GUIMARÃES133, debruçando-se, em geral, sobre os negócios jurídicos de GS
– não ponderando, portanto, qual o significado inerente à revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto – explica que o contrato de GS deverá ser submetido às regras gerais da invalidade dos negócios jurídicos. Sustenta que é, efetivamente, possível que “o contrato de gestação humana seja celebrado nos estritos termos previstos na LPMA mas, não obstante, enferme de um outro vício que conduza à sua invalidade”. A Autora densifica esta postura com alguns exemplos. Atente-se no caso em que a vontade das partes se encontra viciada por erro – “pense-se na beneficiária que apenas contrata depois de obter um diagnóstico, errado, de infertilidade – ou mesmo por dolo – se o mesmo diagnóstico de infertilidade é «fabricado» com o intuito de enganar a beneficiária”134. Estamos perante casos que, por causa do art.º 252.º do CC, a Autora entende que se enquadram no erro sobre os motivos. Na sua visão, são situações que sempre implicarão a anulabilidade do
131 XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida (…), cit., p. 252.
132 XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 724.
133 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 123.
134 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 124.
negócio135, dado que é reconhecido pelas partes que a infertilidade da beneficiária é motivo essencial para a celebração do contrato de GS.
Com um raciocínio similar, GUILHERME DE OLIVEIRA136 sugere que se deveria tentar executar “uma discriminação da importância dos fundamentos para (…) cominar a anulabilidade em vez da nulidade; acrescentar alguma flexibilidade ao regime da nulidade, estabelecendo um prazo de convalidação no interesse da estabilidade familiar da criança; e, nos casos de anulabilidade, usando a faculdade geral de confirmação dos atos omitidos ou defeituosos pelos interessados, e a convalidação pelo decurso do tempo”. Portanto, não obstante o Autor repute necessário modificar e adequar o regime da nulidade e da anulabilidade contratuais aplicável ao contrato de GS, defende que sempre será preciso subsumir o contrato de GS ao regime-regra da invalidade contratual.
Passando à análise de cada uma das possíveis implicações da revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, importa dizer, relativamente ao primeiro plano por nós exposto e equacionado, que não nos parece verosímil que a pretensão fosse criar um contrato que nunca poderia ser julgado inválido. Antes de tudo, porque tal regime, a ser criado, colocaria em causa o regime geral aplicável aos negócios jurídicos, criado para garantir a estabilidade e a segurança do tráfego jurídico, e a proteção da “Lei, a Moral e a Natureza”137. Além do mais, não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”138. Assim, uma vez que da normatividade vigente não
135 Num brevíssimo à parte, pense-se nas situações em que os beneficiários falsificam a sua infertilidade ou esterilidade – com o convénio das entidades médicas responsáveis por levar a cabo o diagnóstico, o que acarretará graves consequências para estas, quer a título disciplinar, quer a título civil, quer, eventualmente, a título penal – com a primordial finalidade de ser outra mulher a suportar a gravidez do filho que pretendem ter, pelo facto de a pretensa beneficiária não se querer sujeitar às alterações físicas e emocionais que a gestação acarreta. Atendendo ao preceituado no art.º 253.º e no art.º 254.º do CC, diríamos estar, também, perante uma situação justificativa da anulabilidade do negócio jurídico; todavia, impondo o n.º 2 do art.º 8.º da LPMA a verificação de determinados quadros clínicos para recurso à GS, a não verificação destes quadros clínicos, a nosso ver, implicará a nulidade do contrato de GS. E esta posição surge na senda do que propugnaremos na subsecção seguinte deste capítulo: o n.º 2 do art.º 8.º da LPMA é um dos normativos previstos no n.º 3 do art.º 39.º do mesmo diploma legal, e, para nós, o art.º 39.º da LPMA prevê os requisitos que, uma vez violados, implicarão a nulidade contratual. De verdade, se a afetação dos pressupostos enunciados no art.º 39.º da LPMA mereceu tutela criminal, então tal violação também levará a que se declare a invalidade contratual mais severa, que é a nulidade. Para mais desenvolvimentos, ver a subsecção 2.2. do capítulo III da presente dissertação de mestrado.
136 XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – “Gestação de substituição em Portugal”. In AAVV – Gestación Subrogada: Principales cuestiones civiles, penales, registrales y médicas, su evolución y consideración (1988-2019). Madrid: Dykinson, 2019, p. 817, apud XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida (…), cit., pp. 255-256. 137 XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX; XXXXX XXXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX – Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 731.
138 De acordo com o n.º 2 do art.º 9.º do CC.
resulta qualquer estatuição que nos permita concluir pela previsão de um negócio jurídico que afasta a possibilidade da sua invalidade contratual, a primeira solução apresentada terá, necessariamente, que ser desconsiderada.
Quanto à segunda hipótese ponderada – de que a lei teria pretendido cominar com a nulidade os contratos de GS que violassem qualquer um dos requisitos legais a que se encontram sujeitos, e não só os pressupostos vertidos no art.º 8.º da LPMA – ainda que nos possa parecer uma solução plausível, não tão questionável e violadora dos valores basilares do regime contratual como aqueloutra, a verdade é que a lei nada determina que nos permita assacar esse sentido. Presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados139, e sendo certo que nada na lei nos permite concluir por esta segunda via140, então também esta solução terá de naufragar.
A terceira solução em análise – que se traduz em defender que, ao revogar o n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, o legislador terá querido sujeitar o regime do contrato de GS às regras gerais de invalidade contratual vigentes para os demais negócios jurídicos – é a que nos parece mais adequada. No nosso entendimento, a nova redação atribuída ao art.º 8.º da LPMA, ao não referenciar qualquer tipo de invalidade contratual, evidencia a intenção da lei em regular a afetação dos pressupostos do contrato de GS através do regime geral da invalidade dos contratos, vertido noutros diplomas que não a LPMA, mormente previstos no CC141. Através deste regime, outras invalidades podem ser invocadas quando perante um contrato ilegal. Fala-se, concretamente, da possibilidade de se invocar a anulabilidade do negócio jurídico, contrariamente ao que resultava do revogado n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, que cominava com a nulidade (nada mencionando quanto à anulabilidade) os negócios jurídicos celebrados em violação do próprio art.º 8.º da LPMA. De seguida explanaremos como, no nosso parecer, o regime geral das invalidades do negócio jurídico se coaduna com o contrato de GS.
139 Vide n.º 3 do art.º 9.º do CC.
140 N.º 2 do art.º 9.º do CC.
141 Indo, portanto, no mesmo sentido da doutrina citada que, como visto, partindo ou não da revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, defendeu a subsunção do contrato de GS às regras gerais das invalidades dos contratos.
2.2. A (des)igual valoração das causas de invalidade do contrato de gestação de substituição
Contrariamente ao que sucedeu na redação da lei que foi imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, em que o legislador cominou com a nulidade a violação de qualquer requisito contratual previsto no art.º 8.º da LPMA142, na redação atual da norma a LPMA não sanciona, em especial, no plano civil, a violação de qualquer um dos requisitos antes enunciados. Embora compreendamos que o contrato de GS se deve subsumir às regras gerais dos contratos (concretamente, da invalidade contratual), questionamos se a ausência de uma distinção imediata entre requisitos legais do contrato de GS quererá significar que os mesmos têm igual valia. E, em caso afirmativo, pergunta-se: que valia será essa?
Não poderemos traçar uma resposta àquelas indagações sem partir da seguinte premissa: a disciplina do contrato em estudo terá de tutelar, sempre e acima de tudo, os interesses da criança que dele vier a nascer143. E, como se depreende, a omissão existente na LPMA atual quanto a saber se se aplicará, ou não, alguma sanção contratual caso se incumpra qualquer um dos requisitos contratuais coloca diretamente em causa o superior interesse da criança: não só não se sabe que regime seguir caso o contrato de GS esteja viciado, como não se alcançam, antecipadamente, os efeitos que a aplicação desse regime das invalidades contratuais terá na aferição da filiação da criança.
Pronunciando-se sobre o assunto perante o quadro normativo em vigor, XXXXXX XXXX E REIS144 defende que “deverão merecer diferentes graus de censura as situações em que a gestação de substituição ocorre «às escuras», em «mercado negro», e sem procedimento iniciado no CNPMA, e aqueles outros casos em que apenas não se respeitaram burocracias, ou ocorreram erros procedimentais (por exemplo, acabou por utilizar-se o ovócito da gestante, ou não foi ouvida previamente certa entidade, como a lei obrigava)”. Pelo que se viu, segundo este Autor, será de valorar distintamente os requisitos do contrato de GS.
142 Porquanto evidenciando que aos requisitos deveria ser reconhecida a mesma valoração.
143 Posição pacificamente adotada pela doutrina. Para tanto, olhe-se a XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXXX – “O início da vida”. In AAVV – Estudos de Direito da Bioética – Vol. II. XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXXX [coord.]. Coimbra: Almedina, 2008, p. 11, quando assevera que “os progenitores têm a responsabilidade pelo ser que trouxeram à vida. São colocados numa relação de serviço: os interesses do novo ser têm primazia em relação aos deles. (…) Por isso, se as técnicas disponíveis passam a ser utilizadas para satisfazer primacial ou exclusivamente interesses de progenitores, há um desvio de finalidade que inquina o processo”. Também XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – O Direito da Família Contemporâneo, cit., p. 167: “vejamos justamente (…) que a liberdade de procriar está limitada pelo interesse da futura criança. Xxxxx, o princípio do superior interesse da criança domina o Direito da Filiação”. 144 XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida (…), cit., pp. 254-255.
MARIA RAQUEL GUIMARÃES145, referindo-se ao regime legal anterior, introduzido pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, sufragou que a nulidade contratual muitas vezes resultaria da preterição de requisitos considerados “menores” para a validade do contrato. Esta posição, de que alguns requisitos serão “menores” em face dos demais, salienta um parecer de acordo com o qual nem todos os pressupostos legais impostos para a celebração do contrato de GS deverão ser valorados da mesma maneira. A Autora continua dizendo que a própria letra da lei permite concluir pela existência de uma distinção na valoração dos requisitos do contrato de GS: de acordo com o art.º 39.º da LPMA definido pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, só a violação dos requisitos previstos nos n.ºs 2 a 6 do art.º 8.º da mesma lei assumiria relevância penal. Porquanto, estes, em face dos demais, equivaleriam a pressupostos que se poderiam julgar hierarquicamente superiores.
O entendimento de XXXX LÚCIA RAPOSO146 apresenta-se próximo do que até então se vem de destacar. Não se alongando sobre o assunto, a Autora é direta a demarcar a sua perspetiva: não serão de valorar identicamente os vários requisitos do contrato de GS, não só porque os pressupostos não são materialmente iguais – não é idêntico violar a gratuitidade do negócio (o que atenta diretamente contra o regime do negócio de GS e sua admissibilidade na ordem jurídica) e a estatuição legal que impõe a previsão contratual da possibilidade de interrupção voluntária da gravidez por parte da gestante (uma vez que a gestante sempre beneficiará deste direito por efeito direto da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, e do art.º 142.º do CP) –, mas também porque a lei não lhes atribui um tratamento similar.
Finalmente, é importante lembrar que o próprio TC147, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril, além da consideração de outros motivos, também fundamentou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, no facto de o regime que lhe estava associado não diferenciar “em função do tempo ou da gravidade as causas invocadas para justificar a declaração de nulidade”.
Em sentido contrário ao até então exposto, pondera-se o argumento de que não há nenhuma previsão legal que direta e explicitamente acolha um tratamento diferenciado da violação dos requisitos do contrato de GS, no plano juscivilístico. E, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, nec nos distinguire debemus). Pelo que, não
145 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 123.
146 XXXX XXXXX XXXXXX – “Tudo aquilo que você sempre quis saber (…)”, cit., pp. 13-14 e p. 28.
147 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1928.
resultando diretamente da letra da lei qualquer distinção no tratamento que, no plano civilístico, deve ser dado a cada um dos pressupostos do contrato de GS, isso significará que o tratamento não poderá ser diferenciado, valendo todos os requisitos o mesmo, em face da lei.
Não entendemos que assim seja, partilhando o conhecimento perfilhado por XXXXXX XXXX E REIS, XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX e XXXX XXXXX XXXXXX (que foi, aliás, aquele que o Tribunal acolheu, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril148).
Efetivamente, no nosso parecer, a redação do art.º 39.º da LPMA continua a distinguir alguns requisitos em face dos demais. Veja-se o n.º 1 e o n.º 2 do art.º 39.º da LPMA, que atribuem relevância penal no caso de, em violação do n.º 2, n.º 7 e da al. k) do n.º 13 do art.º 8.º da LPMA149, se celebrar um contrato de GS oneroso. Ainda de ponderar o n.º 3 e o n.º 4 do mesmo art.º 39.º, que preceituam que, quando as partes concretizem “contratos de GS, a título gratuito, fora dos casos previstos nos n.ºs 2, 4, 5, 7 e 8 do artigo 8.º”, serão punidas. Também se atribui relevância penal aos casos em que alguém promove um contrato de GS ao arrepio dos requisitos vertidos nos n.ºs 2, 4, 5, 7 e 8 do art.º 8.º da LPMA – pelo n.º 5 do art.º 39.º da LPMA
–, e também quando alguém retira um qualquer benefício económico da celebração do contrato de GS ou da sua promoção (ao abrigo do n.º 6 do art.º 39.º da LPMA). Não se atribui, assim, relevância penal no caso de se preterirem outras formalidades, o que já demarca uma diferenciação de regime. Posto que, contrariamente ao argumento que antes se formulou para ponderação das duas eventuais soluções, é inequívoca a diferença de regime que a lei consagra consoante o pressuposto preterido. Na realidade, a lei distinguiu o que deveria ter tratamento diferenciado. Pelo que nos caberá, enquanto intérpretes da lei, analisar o art.º 39.º da LPMA de acordo com as regras da interpretatio legis vertidas no art.º 9.º do CC e, deste modo, reconhecer a diferenciação de regime que o mesmo consagra, atuando em conformidade e respeitando a solução acolhida legalmente (nomeadamente no que contende com a responsabilização penal das partes contratuais quando preteridas certas formalidades), adaptando-a no plano juscivilístico.
Compaginando o que ora se teceu com o que previamente se sustentou, relativamente à aplicação do regime da invalidade contratual aos contratos de GS, seguiremos a visão propugnada pela doutrina e pela jurisprudência quando defendem uma diferente valia legal dos requisitos da GS. Em face de tal afirmação, entendemos que a lei deverá sancionar o
148 DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1928.
149 Bem assim da al. k) do n.º 3 do art.º 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho.
incumprimento dos requisitos não previstos no n.º 1 a 6 do art.º 39.º da LPMA por uma outra via, mormente através da consideração do negócio jurídico inválido, porque anulável. Para justificar o nosso entendimento, diremos que os requisitos que não se encontram consagrados no n.º 1 a 6 do art.º 39.º da LPMA pretendem assegurar interesses pessoais das partes do contrato, e não necessariamente interesses que se possam enquadrar como sendo interesses públicos dominantes. Diversamente, nas situações em que sejam afetados os requisitos para os quais o n.º 1 a 6 do art.º 39.º da LPMA remetem150, deverá o contrato ser nulo. Se o legislador entendeu que a afetação de certos pressupostos merecia a tutela penal – em detrimento de outras formalidades cuja violação não merece essa tutela –, então podemos dizer que tais requisitos pretendem tutelar interesses públicos dominantes. Pelo que, a sua violação comportará, inevitavelmente, a nulidade do contrato de GS.
150 Fala-se, concretamente, da necessária excecionalidade e gratuitidade do contrato, da necessidade de os beneficiários serem um casal, da necessidade de verificação de determinado quadro clínico, do recurso ao material genético de, pelo menos, um dos beneficiários, da proibição de utilização de ovócitos da gestante – a GS deve ser gestacional –, da necessidade de haver uma autorização do CNPMA, antecedida de um parecer da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos, da necessidade de se garantir a inexistência de uma relação de subordinação económica entre as partes e, por fim, da proibição da obtenção de benefícios económicos derivados da celebração do contrato de GS ou da sua promoção. São estes os requisitos que, de acordo com o art.º 39.º da LPMA, se preteridos, implicam a responsabilização penal dos contraentes, e são estes os pressupostos que, se afetados, motivam a nulidade contratual, no nosso parecer.
IV. A DEFINIÇÃO DA PARENTALIDADE EM CASO DE INVALIDADE DO CONTRATO DE GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Devidamente ponderada a exposição anterior, surge inevitável a questão de se saber quais os efeitos que a invalidade contratual terá na aferição da parentalidade da criança nascida na decorrência de uma GS. Prima facie, nenhuma solução é avançada para tal interrogação, já que “intencionalmente, redigiu-se uma lei de conteúdo minimalista, o mais indeterminada e abrangente possível, evitando, cautelosa e propositadamente, questões que se sabiam inevitavelmente delicadas e polémicas noutros países e, com certeza, também entre nós”151.
1. Os efeitos da invalidade do contrato de gestação de substituição na aferição da parentalidade: apresentação do problema
No seguimento do que se deixou dito na secção 1. do capítulo III, quer a nulidade, quer a anulabilidade, produzem efeitos retroativos, ainda que com um alcance diferenciado: o negócio jurídico nulo não produz qualquer efeito jurídico, o que é uma derivação direta do interesse público dominante que o mesmo tutela; já quanto aos contratos anuláveis, os mesmos serão tidos como válidos, e produzirão todos os efeitos a que tendem, a não ser que algum interessado, nos termos do n.º 1 do art.º 287.º do CC, invoque a anulabilidade do negócio.
Invariavelmente se questiona, então, como poderemos coadunar aqueles dois regimes com a figura do contrato de GS (contrato que, no entendimento por nós defendido e já enunciado, continua a poder ser considerado inválido, por nulidade ou anulabilidade, dependendo dos requisitos violados). Repare-se que a restituição do que havia sido prestado entre as partes por decorrência do contrato, e que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do CC, é efeito direto da invalidade contratual, não é uma solução passível de ser aplicada linear e cegamente neste tipo contratual, em que a prestação contratual da gestante não é estanque (visto que, dia após dia, o feto se encontra em desenvolvimento no útero desta152).
Atenta a problemática enunciada, refletiremos acerca dos efeitos que a invalidade do contrato de GS terá na determinação da parentalidade da criança. Para tal, não consideraremos
151 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX – “Que futuro para a gestação de substituição em Portugal? (…)”, cit., p. 56.
152 Sobre o assunto, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., pp. 122-123) escreve que, ainda que possamos conceber que o contrato não produz mais efeitos jurídicos para o futuro por derivação da sua invalidade, existem efeitos que se mantêm e que não podem ser sujeitos à regra geral de eliminação retroativa dos efeitos do negócio jurídico.
a hipótese de a gestante pretender ser mãe da criança cuja gestação suporta. Antes, avançaremos no pressuposto de que somente o casal de beneficiários tem um projeto parental e que somente este casal pretende assumir a filiação da criança.
Assim, colocando a tónica no tema desta dissertação – que passa por analisar os efeitos que a nulidade ou anulabilidade do contrato de GS terão na filiação da criança –, incumbe esmiuçar o entendimento que vem sendo propugnado pela doutrina153 e pela jurisprudência, bem assim pelos conselhos científicos que escrevem sobre o tema.
2. As várias perspetivas avançadas para a definição da parentalidade da criança nascida de uma gestação de substituição assente num contrato
INVÁLIDO
O problema da determinação da parentalidade de uma criança nascida em consequência de uma GS assente num contrato inválido vem-se colocando ao longo do tempo perante os regimes sucessivamente vigentes.
Considerando os valiosos contributos que foram sendo avançados na matéria, destacamos as soluções mais apoiadas e dividimo-las em quatro grupos, a saber: i) aqueles que defendem que a invalidade do contrato de GS implicará que a gestante assuma o papel de mãe da criança;
ii) aqueles que sustentam que a parentalidade da criança deve ser definida em relação ao casal de beneficiários quando o negócio jurídico de GS seja inválido; iii) os que propugnam que só o tribunal poderá definir a parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido; e, por fim, iv) aqueles que, não avançando nenhuma solução concreta para a questão da parentalidade da criança, entendem que é necessário alterar o regime legal das invalidades contratuais a aplicar aos contratos de GS.
Analisaremos, com maior detalhe, cada uma das respostas avançadas.
153 Sem prejuízo de examinarmos o entendimento perfilhado pela doutrina, chama-se à atenção para o facto de a mesma ter escrito, maioritariamente, sobre os efeitos da nulidade do contrato de GS na aferição da parentalidade da criança, pelo que será a partir de tal raciocínio que faremos a nossa análise.
2.1. Do estabelecimento da maternidade da criança em relação à gestante
Iniciando a nossa exposição pela doutrina e jurisprudência que avança que, em caso de invalidade do contrato de GS, a maternidade da criança deve ser definida em relação à gestante, importa atender ao entendimento de XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX.
A Autora154, escrevendo sobre o anterior regime da nulidade do contrato de GS155, explica que o n.º 7 do art.º 8.º da LPMA em vigor naquele momento – que dizia que a criança nascida do contrato de GS era tida como filha dos beneficiários da GS – foi pensado para as situações em que o contrato de GS fosse válido. Sustenta a sua visão num argumento sistemático (que, ainda assim, reconhece não ser decisivo para a interpretação da lei): dado que o n.º 7 do art.º 8.º da LPMA alterada pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto surgia no seguimento dos requisitos cujo cumprimento era obrigatório para que o negócio jurídico de GS fosse considerado válido, então a atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários pressupunha que o contrato tivesse sido validamente celebrado. Contrariamente, como esta norma não se encontrava inserida depois do n.º 12 do mesmo art.º 8.º daquela LPMA – o qual cominava com a nulidade o contrato de GS celebrado em desrespeito pelas regras legais estatuídas naquele art.º 8.º – então não era clara a sua aplicação nos casos em que o contrato de GS fosse inválido. Além disso, aduz a Autora que, caso fosse pretensão do legislador aplicar aquele artigo aos casos de nulidade do contrato de GS, o legislador tê-lo-ia mencionado expressamente na letra da lei, o que não ocorreu. Por isso, concluiu MARIA RAQUEL GUIMARÃES156 que, quando perante um contrato de GS nulo, a gestante seria tida, para todos os legais efeitos, como mãe da criança.
O iter cognitivo trilhado por XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX pode ser aplicado, mutatis mutandis, para a atual solução legal. De facto, ainda que a lei já não comine com a nulidade o contrato de GS celebrado em desrespeito de alguns dos seus requisitos – o que implica a desconsideração do primeiro argumento da Autora –, o legislador em nenhum momento definiu que o contrato de GS, quando inválido (por nulidade ou anulabilidade), deveria produzir algum efeito jurídico ou os mesmos efeitos jurídicos de um contrato de GS válido. É este, portanto, um argumento a ter em consideração na formulação do nosso entendimento.
154 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., pp. 122-123.
155 Na versão da LPMA com a redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
156 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., pp. 122-123.
Também MARGARIDA SILVA PEREIRA157, pronunciando-se sobre o regime legal trazido pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto158, explica que a nulidade do contrato de GS impõe que este não produza os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes. No contrato de GS, isso significa que a parentalidade da criança não pode ser definida em relação ao casal de beneficiários, o que, por consequência, implica que a gestante tenha de assumir a maternidade da criança159, visto que é a mulher que dá à luz a mesma160. Para MARGARIDA SILVA PEREIRA161, “a gestante será a mãe da criança nos casos de celebração de contrato de gestação de substituição a título oneroso, sempre ilícitos e criminosos. E sê-lo-á igualmente sempre que o fundamento do recurso à técnica de substituição viole os fundamentos que a lei contempla: casos em que a gestação é também considerada criminosa”. Esta conceção poderá ser defendida à luz da atual redação da lei, uma vez invocada a anulabilidade ou verificada a nulidade do negócio jurídico celebrado inter xxxxxx000, já que a disciplina inerente a tais invalidades contratuais continua a impossibilitar, em abstrato, que o contrato inválido produza os mesmos efeitos que um contrato válido.
Por relevante, destaca-se o entendimento de MAFALDA MIRANDA BARBOSA163, o qual parte do regime imposto pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto e é idêntico ao parecer avançado por XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX: o contrato de GS que seja nulo – porque simulado ou oneroso – é um contrato do qual resulta o estabelecimento da maternidade em relação à gestante, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 1796.º do CC.
157 XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX – Uma gestação inconstitucional (…), cit., p. 13.
158 O qual cominava com a nulidade o contrato de GS celebrado em violação do art.º 8.º da LPMA.
159 Esta solução é avançada pela Autora embora a mesma reconheça que, para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, desde que exista uma ligação genética da criança com um dos membros do casal de beneficiários, é o critério do biologismo que releva. Neste sentido, XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX – “O conceito de vida familiar na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem face a turismo reprodutivo e maternidade de substituição (a propósito da decisão do Tribunal Pleno de 24 de janeiro de 2017, Paradiso Et Campanelli C. Italie, Queixa n.º 25358/12)”. In AAVV – Julgar Online [Em linha]. N.º 32 (maio/agosto 2017), p. 264 (quando fala dos Acórdãos Mennesson c. France, Labassee c. France, Xxxxxxx et Bouvet c. France e Laborie
c. France), e p. 280. [Consultado em 16.12.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxx.xx/xxxxxx_xx_xxxxx/0000/.
160 Aplicando-se, portanto, o regime da filiação vertido no n.º 1 do art.º 1796.º do CC.
161 XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX – Uma gestação inconstitucional (…), cit., pp. 13-14.
162 No nosso entendimento, o contrato de GS pode ser inválido por nulidade ou anulabilidade. Neste sentido, ver as subsecções 2.1. e 2.2. do capítulo III desta dissertação.
163 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX – “Entre a instrumentalização da mulher e a coisificação do filho: questões ético-jurídicas em torno da maternidade de substituição”. In AAVV – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra [Em linha]. Vol. 94, n.º 1 (2018), p. 243. [Consultado em 22.01.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx/XXX/XxxxxxxXxxx?xxxxxxxxxxx.xxxxxxxx/xxxxxxxxx00&xxxx00&xxx&xxxxx.
JORGE DUARTE PINHEIRO164 também se debruçou sobre o estabelecimento da maternidade em relação à mulher que suporta a gestação, por via do n.º 1 do art.º 1796.º do CC. Escrevendo numa altura em que a GS não era, sequer, permitida165, o Autor diz que, na perspetiva de nova lei, a gestante mesmo assim será a única mãe e progenitora que, ao momento do nascimento, a criança possuirá, atendendo à qualificação jurídica de “mãe”. Portanto, o entendimento do Autor não se altera na hipótese de um contrato validamente celebrado, porque a regra do estabelecimento da maternidade, no seu parecer, sempre decorrerá do n.º 1 do art.º 1796.º do CC. Defende, todavia, a necessidade de se repensar o regime, em primeiro lugar porque não parece adequado atribuir a parentalidade da criança a quem não a quer; em segundo lugar porque é imperioso proteger as crianças que nascerão na sequência daquele contrato. Este argumento pode ainda hoje ser ponderado quando perante a invalidade do contrato de GS, vista a redação do n.º 1 do art.º 1796.º do CC.
Importante para esta solução é, ainda, a tese perfilhada pela jurisprudência, aqui traduzida nas palavras do douto TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril, quando julgou pela inconstitucionalidade das normas da LPMA vigentes desde 2016, introduzidas pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, e pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto. Como oportunamente explicado166, o TC167 ajuizou no sentido de que, se perante algum motivo de nulidade contratual
– ao momento da emissão do Xxxxxxx falava-se somente na nulidade do contrato de GS – dever- se-ia subsumir a aferição da parentalidade da criança à regra prescrita no n.º 1 do art.º 1796.º do CC e, por inerência, dever-se-ia definir a maternidade da criança na gestante. A observação aqui tecida pode adaptar-se ao regime vigente no presente momento, também no que contende com a anulabilidade contratual. Sem prejuízo do entendimento avançado, o próprio Tribunal acrescenta que não serão de “excluir em absoluto outros entendimentos, fundados designadamente nos elementos histórico, teleológico e sistemático de interpretação”168/169.
164 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – “Mãe portadora: a problemática da maternidade de substituição”. In AAVV –
Estudos de Direito da Bioética – Vol. II, cit., p. 344.
165 Em 2008 encontrava-se em vigor a LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, a qual cominava com a nulidade os contratos de MS que fossem celebrados.
166 Na subsecção 1.3. do capítulo II da dissertação.
167 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927.
168 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927.
169 Com efeito, como se verá na subsecção 2.4. do capítulo IV desta dissertação, ainda que o TC tenha sufragado que a atribuição da maternidade à gestante era a solução que decorria da lei, o TC foi mais longe e criticou a aplicação qua tale do regime da nulidade contratual ao negócio jurídico de GS (DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1928).
Tal como se acabou de evidenciar, há quem advogue que em caso de invalidade do contrato de GS a maternidade da criança deve ser atribuída à gestante, mesmo não havendo qualquer intenção desta em assumir aquele projeto maternal. Todavia, e se assim o é, também se verá que existe quem argumente no sentido oposto.
2.2. Do estabelecimento da parentalidade da criança em relação ao casal de beneficiários
Partindo do regime legal introduzido pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, RUTE TEIXEIRA PEDRO170 refere que, perante a nulidade do contrato de GS, a parentalidade deve ser definida em relação ao casal de beneficiários. Sustenta o seu parecer, inter alia, no seguinte raciocínio: o n.º 7 do art.º 8.º da LPMA trazido por aqueloutro diploma legal não restringia o seu âmbito de aplicação aos contratos de GS válidos. Logo, será de equacionar que o que a lei pretendeu determinar foi que, independentemente da validade do contrato de GS, a criança nascida na sequência da utilização dos métodos de PMA na GS seria tida enquanto filha do casal de beneficiários. Acrescenta a Autora171 que à mesma solução se chegaria pela primazia que se deverá atribuir ao critério do superior interesse da criança172. Mais a mais, XXXX XXXXXXXX PEDRO173, partindo da análise do Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril, avança que, para que a filiação seja definida em relação ao casal de beneficiários, é necessário que a gestante, após o parto, mantenha a vontade de cumprir com o contrato, entregando livremente a criança àquele casal. Por isso, nesta argumentação da Autora – a qual vai de encontro ao primeiro argumento exposto – o estabelecimento da parentalidade no casal de beneficiários não fica dependente da validade do contrato, mas, outrossim, da vontade da gestante em assumir a maternidade.
Repare-se que se poderá invocar a argumentação avançada para a atual redação do art.º 8.º da LPMA. No que respeita com o critério literal, o n.º 9 do art.º 8.º da LPMA também reconhece que “a criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos
170 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., pp. 165-166.
171 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “The Dawn of a Brave New World in Portugal? A Critical Overview of the New Legal Framework Applicable to Medically-Assisted Procreation”. In AAVV – The International Survey of Family Law [Em linha]. (2017), p. 279. [Consultado em 22.01.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx/XXX/XxxxxxxXxxx?xxxxxxxxxxx.xxxxxxxx/xxxxxxx0000&xxxx00&xxx&xxxxx.
172 Este conceito será desenvolvido na secção 5. do capítulo IV desta dissertação.
173 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “O estabelecimento da filiação de criança nascida com recurso a contratos de gestação de substituição – reflexões à luz do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/2018, de 24 de abril”. In AAVV
– Temas de Direito e Bioética – Vol. I – Novas questões do Direito da Saúde, cit., p. 212.
respetivos beneficiários”174, não se excecionando a aplicação desta regra legal às situações em que os contratos de GS não são válidos (ou porque são nulos, ou porque são anuláveis). Para além disso, se, no pensamento da Autora, a atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários fica dependente da vontade da gestante, e se na premissa de que partimos, a gestante mantém a intenção de executar o contrato e de entregar a criança ao casal de beneficiários, então temos mais um argumento para ponderar a favor desta solução.
Muito próxima da visão de XXXX XXXXXXXX XXXXX é a apreciação legal feita por VERA LÚCIA RAPOSO175 que, referindo-se à Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, também argumenta que nada na LPMA excluía a aplicação do n.º 7 do art.º 8.º aos casos em que o contrato de GS fosse inválido, pelo que se deveria aplicar a regra de estabelecimento da parentalidade estatuída naquela norma (e atualmente consagrada no n.º 9 do art.º 8.º da LPMA) mesmo aos contratos de GS celebrados à margem da lei.
Por sua vez, expomos a visão de DIANA COUTINHO176 que, tal como XXXX XXXXXXXX XXXXX e XXXX XXXXX XXXXXX, procede a uma interpretação literal da lei – concretamente, do n.º 9 do art.º 8.º da LPMA atual. A Autora refere que, a não ser nas situações em que a gestante revogue o consentimento inicialmente prestado para a celebração e execução do contrato de GS com o casal de beneficiários, a criança nascida deverá ser tida enquanto filha destes últimos, independentemente do motivo que levou à nulidade177 contratual, pois a lei não restringe a aplicação do n.º 9 do art.º 8.º da LPMA aos casos em que o contrato é válido. Reforça a sua perspetiva com um outro argumento também parecido com o defendido por RUTE TEIXEIRA PEDRO178: a invalidade do contrato de GS não se pode confundir com, nem coloca em causa, o consentimento da gestante para a atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários, pelo que, mantendo-se tal consentimento, a parentalidade sempre haverá de ser definida em relação a estes. Na senda do que se disse, por maioria de razão, e porque onde se permite o mais, se permite o menos, também aplicaremos esta reflexão para os casos em que a invalidade do negócio jurídico de GS resulta da anulabilidade do mesmo.
174 Sem prejuízo das situações de revogação do consentimento pela gestante, previstas e consagradas no n.º 10 do art.º 8.º e no n.º 5 do art.º 14.º da LPMA.
175 XXXX XXXXX XXXXXX – “Tudo aquilo que você sempre quis saber (…)”, cit., pp. 13-14.
176 XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), xxx., x. 000.
000 Pese embora se pronuncie sobre a LPMA na redação trazida pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, a Autora só se refere à nulidade do contrato por ter sido a única invalidade contratual que a lei já previu expressamente para os contratos de GS celebrados à margem da lei.
178 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “O estabelecimento da filiação de criança nascida (…)”, cit., p. 212.
OLIVEIRA ASCENSÃO179, analisando uma versão da lei que cominava com a nulidade os contratos de MS180, dizia ser compreensível que, para dissuadir a prática destes negócios, a lei impusesse que os contratos produzissem o efeito contrário ao pretendido por quem os celebra, e que, por isso, se definisse a maternidade em relação à mulher que suporta a gestação. “Mas, se o objectivo é compreensível, o meio é incongruente. Porque não se joga com a maternidade a título de sanção. Esta atribuição de maternidade só se utiliza para conseguir objectivos de dissuasão. Mas o critério de atribuição da maternidade deve estar acima de quaisquer outras preocupações do legislador”. Por outras palavras, o Autor sustenta que, mais importante do que a aplicação das regras da invalidade contratual, é que não se imponha a maternidade da criança a alguém que não a pretende assumir. Ainda que genérico, é um ponto a considerar na atual ponderação e contraposição de entendimentos, já que nada obvia à sua invocação para o regime trazido pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro.
Por fim, ressalte-se a consideração tecida por MAFALDA DE SÁ181. De acordo com a Autora, atenta a desadequação do regime da nulidade para este tipo de negócio jurídico, mesmo quando o contrato seja nulo – fala-se da nulidade e não da anulabilidade porque o comentário foi tecido perante a redação legal trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto –, a solução passará pela atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários. Atuar-se-á, portanto, em prejuízo da invalidade do negócio jurídico e em benefício do superior interesse da criança, que é o critério utilizado pela Autora para sustentar a atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários. Por aplicação da premissa a maiori ad minus, cremos que, se na visão da Autora é possível desconsiderar a nulidade do contrato de GS, que é o regime de invalidades mais severo, então também será de permitir que não se atendam aos efeitos jurídicos operados pela anulabilidade do contrato de GS, podendo ainda tal ponto de vista ser transposto para a lei em vigor.
Além das posições expostas até ao momento, existe uma terceira solução que vem sendo avançada para que se proceda à definição da parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido.
179 XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXXX – “O início da vida”, cit., p. 25.
180 Portanto, a LPMA na redação imposta pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho.
181 XXXXXXX XX XX – “O estabelecimento da filiação na gestação de substituição: à procura de um critério”. In AAVV – Lex medicinae – Revista Portuguesa de Direito da Saúde [Em linha]. Ano 15, n.º 30 (julho/dezembro 2018), pp. 78-79. [Consultado em 22.10.2022]. Disponível para acesso em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx%X0%X0%X0%X0xx/xxxxxxx%X0%X0%X0%X0xx- online/lex-medicinae-revista-portuguesa-de-direito-da-sa%C3%BAde-ano-15-n%C2%BA-30.
2.3. Do estabelecimento da parentalidade da criança através de uma apreciação judicial casuística
Diferentemente dos entendimentos que vimos até aqui, e que defendem que, em caso de invalidade contratual, o estabelecimento da parentalidade deve assentar numa solução definida de modo geral e abstrato, surge uma outra posição, necessariamente intermédia. Com verdade, neste entendimento, não sabendo como solucionar o problema da determinação da parentalidade da criança nascida de um negócio de GS inválido, afirma-se que a resposta deverá ser casuisticamente formulada pelo tribunal.
Em 2012, analisando a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, o CNECV182 – ainda longe de cogitar a previsão legal que atualmente se encontra plasmada na letra da lei – afirmava que o estabelecimento da maternidade em relação à mulher que suporta a gravidez não parecia ser eticamente adequado e proporcional. Ao invés de se consagrar, ope legis, uma resposta única para a problemática da definição da maternidade da criança, o CNECV referiu que a melhor forma de resolução do problema seria submeter o caso à apreciação do tribunal que, analisando imparcialmente as características da factualidade concreta, determinaria em relação a quem estabelecer a parentalidade da criança ou, no limite, quem deveria assegurar a tutela e guarda da criança. Dizia o CNECV que a solução constante do n.º 3 do art.º 8.º da LPMA à época vigente e dos projetos de lei discutidos naquele momento – solução de acordo com a qual, quando perante contratos de MS, se deveria atribuir a maternidade à mulher que suporta a gravidez – ou criava uma “vinculação filial a quem a rejeita e nunca a assumiu em projeto parental próprio” ou, em contrapartida, determinava “a eventual institucionalização da criança”. Não foi avançada pelo CNECV nenhuma solução quanto à paternidade da criança.
Em 2019, o CNECV183, sedimentando o entendimento já afirmado no Parecer n.º 92/CNECV/2017184, e analisando o Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril, pronunciou-se sobre as consequências de uma GS realizada em violação da lei (tendo centrado a sua análise na
182 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 63/CNECV/2012 sobre Procriação
Medicamente Assistida (…), cit., pp. 11-12.
183 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 104/CNECV/2019 sobre a alteração
ao regime jurídico da Gestação de Substituição [Em linha]. [S.l.]: Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 2019. [Consultado em 19.11.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/000-xxxxx-0000, p. 8.
184 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 92/CNECV/2017 sobre o Projeto de
Decreto Regulamentar referente à Regulamentação da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, que regula o acesso à Gestação de Substituição [Em linha]. [S.l.]: Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 2017. [Consultado em 19.11.2022]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx- n-o-92-cnecv-2017-sobre-o-projeto-de-decreto-regulamenta, p. 10.
nulidade do contrato de GS), referindo que não se poderia atribuir a um contrato inválido os mesmos efeitos provenientes da celebração de um negócio jurídico válido. Todavia, por causa do que havia defendido no Parecer de 2012185 relativamente à atribuição da maternidade da criança à mulher que suporta a gestação, o CNECV não referiu em relação a quem deveria ser estabelecida a parentalidade da criança quando perante invalidades contratuais, deixando, por isso, a questão por responder.
Na mesma esteira podemos convocar o parecer apresentado por ANDRÉ DIAS PEREIRA186. O Autor, pronunciando-se sobre o regime introduzido pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, assevera que “esteve bem o legislador ao não consagrar uma «regularização do ilícito» automático que seria um «benefício ao infrator», configurando um convite ao desrespeito pelas condições rigorosas e restritivas com que se quis regulamentar a gestação de substituição em Portugal. Naturalmente que se surgirem casos concretos de uma atuação à margem da lei, terão os tribunais que decidir – casuisticamente – qual a solução adequada, atendendo à primazia do
«melhor interesse da criança», como vem exigindo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.
Assim, nesta terceira solução, ao invés de se adotar uma perspetiva vinculativa quanto à parentalidade da criança, remete-se para o juízo decisório de uma entidade terceira, imparcial. Se esta solução era defendida para a anterior redação da LPMA (trazida pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, e, posteriormente, pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto), então, aos dias de hoje, ainda pode ser sustentada, já que para o que aqui importa a redação legal atribuída ao art.º 8.º da atual LPMA não foi alterada. É dizer: a abertura e permissividade de que beneficiava a LPMA na redação imposta pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, e pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto continua a existir na LPMA vigente, introduzida pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, pelo que, se perante aquelas redações mais antigas se entendeu que o tribunal teria a possibilidade de ajuizar sobre o estabelecimento da parentalidade da criança nascida de um contrato de MS ou de um contrato de GS nulo, então o mesmo entendimento se poderá perfilhar para a redação atual, quando perante contratos de GS inválidos.
Expostas que estão as três primeiras soluções, impõe-se analisar e ponderar o último entendimento avançado para esta matéria da filiação da criança.
185 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 63/CNECV/2012 sobre Procriação
Medicamente Assistida (…), cit., pp. 11-12.
186 XXXXX XXXX XXXXXXX – “Filhos de Pai Anónimo no século XXI!”. In AAVV – Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, cit., p. 46.
2.4. A INSUFICIÊNCIA DAS SOLUÇÕES QUE SE EXTRAEM DO REGIME VIGENTE E A NECESSIDADE DE REVISÃO DA LEI
Para além dos pontos de vista que se vêm a enunciar, surge a posição que entende que para se avançar uma resposta para a questão da parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido se deve proceder, em primeiro lugar, a uma alteração urgente da lei, mormente no que respeita com a disciplina das invalidades contratuais quando aplicável ao contrato de GS. Ou seja, neste entendimento, os contornos do regime geral das invalidades contratuais não é adequado a regulamentar o negócio jurídico de GS. Uma vez que o regime das invalidades contratuais vigente aquando da entrada em vigor da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, se manteve inalterado até aos dias de hoje, os motivos que desde então são enunciados para sustentar tal desadequação continuam a poder ser invocados, agora, para a LPMA na redação imposta pela Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro.
Iniciaremos por esmiuçar o entendimento de XXXXXX XXXX E REIS187. Escrevendo sobre o atual regime legal, o Autor pensa que é excessiva a possibilidade de invocação da nulidade do contrato de GS. Por mero exemplo, descreve a situação de se terem passado alguns anos após o nascimento da criança e esta se encontrar completamente inserida no ambiente familiar do casal de beneficiários quando é invocada a nulidade do contrato de GS por preterição de algum dos requisitos. A ponderação deste circunstancialismo fáctico leva o Autor a concluir que as atuais regras da GS não dão uma resposta adequada e cabal para o problema da invalidade do contrato de GS, pois que não são acauteladas estas situações. Portanto, a solução “passa por uma definição mais rigorosa, pelo legislador, das violações legais que determinam a nulidade do contrato (porque nelas se ultrapassam linhas vermelhas), ou [por] consagrar um regime de invalidades sui generis ou de efeitos putativos que impeça, em certos casos, a revogação dos vínculos de filiação entretanto consolidados relativamente ao casal beneficiário, quando essa revogação seja exagerada ou ofenda o superior interesse da criança gerada”188. XXXXXX XXXX E XXXX não esclarece se a lei atribui a parentalidade da criança ao casal de beneficiários ou, contrariamente, a maternidade à gestante, quando perante a invalidade contratual; em vez disso, afirma que o regime da nulidade em si considerado é desadequado para o tratamento destas situações. Denote-se que o argumento aduzido para justificar a desadequação do regime da nulidade contratual poderá ser também adaptado ao regime da anulabilidade do negócio
187 XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida (…), cit., pp. 254-255.
188 XXXXXX XXXX E REIS – Procriação medicamente assistida (…), cit., p. 254.
jurídico. Com efeito, apesar de a invocação da anulabilidade negocial estar, em regra, limitada ao hiato temporal de um ano após a cessação do vício que lhe serve de fundamento189, esse primeiro ano é tempo suficiente para que a criança crie e consolide relações familiares.
GUILHERME DE OLIVEIRA190, escrevendo após a prolação do Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril, e analisando a disciplina aplicável pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, sugere que deixemos de parte a rigidez do regime das invalidades tradicionalmente seguido e que adequemos quer as sanções, quer o próprio regime das invalidades (invalidades nas quais se incluem a nulidade e a anulabilidade contratuais). Assim, o Autor discorda da aplicação da disciplina das invalidades contratuais qua tale ao contrato de GS, sufragando ser necessário proceder a uma alteração deste regime para que se responda adequadamente à questão da parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido. Pela abrangência do parecer, o mesmo pode ser sustentado para o regime atual.
De outro modo, é importante o contributo do TC, avançado no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril. Neste Xxxxxxx, debruçando-se sobre o regime legal trazido pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, e pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, e sem prejuízo de propugnar que a gestante deverá ser considerada mãe da criança quando perante a nulidade do contrato de GS, o TC julgou, inter alia, que “a rigidez do regime da nulidade, nomeadamente quanto à invocabilidade de causas a todo o tempo, e a sua uniformidade decorrente da eliminação retroativa de todos os efeitos jurídicos decorrente da declaração de nulidade, suscitam dificuldades, quando confrontadas com a diversidade de situações possíveis e a dinâmica da própria vida, sobretudo depois de o contrato de gestação de substituição já ter sido integralmente executado”191. Como se pode constatar, também o TC avança pela desadequação do regime das invalidades contratuais – concretamente, da nulidade – para o contrato de GS. Simplesmente, até existir solução legal direta para responder à problemática da aferição da parentalidade nestas situações, o TC determina, conforme visto192, que a gestante é a mãe da criança nascida de um contrato de GS inválido. Apesar de nada se dizer sobre a anulabilidade, entendemos que a invocação da mesma no ano subsequente à cessação do vício193 que a motiva criará problemas idênticos aos identificados pelo TC, nomeadamente no que contende com a relação familiar estabelecida.
189 Pela regra geral estabelecida no n.º 1 do art.º 287.º do CC.
190 XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – “Gestação de substituição em Portugal”, cit., p. 817.
191 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927.
192 Na subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação de mestrado.
193 Pela regra geral do n.º 1 do art.º 287.º do CC.
Finda a exposição de entendimentos, se não equacionássemos os efeitos decorrentes da invalidade contratual, imediatamente arbitraríamos que a solução que melhor tutela o superior interesse da criança, definido no n.º 1 do art.º 3.º da CDC194 e na al. a) do art.º 6.º da CEEDC195 como critério norteador e decisivo, seria a que procede à atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários. Todavia, não poderemos descurar as soluções avançadas pela lei para a invalidade dos negócios jurídicos. Encontramo-nos, por isso, perante uma situação que coloca em conflito valores medulares da ordem jurídica de qualquer Estado, quais sejam a tutela da criança e a validade dos contratos celebrados entre as partes.
3. Da aferição dos efeitos práticos das várias soluções
Além da posição que sustenta que o regime da invalidade contratual aplicável ao contrato de GS deveria ser urgentemente alterado – a qual não será por nós ponderada nesta aferição dos efeitos práticos, pois objetivamente não cria uma solução direta para o problema que se levanta em face da legislação atualmente em vigor, relativo à aferição da parentalidade da criança em caso de invalidade do negócio jurídico de GS –, quando perante um contrato de GS inválido, sabemos que a parentalidade da criança que dele nascer será estabelecida (porventura judicialmente) entre o casal de beneficiários e a gestante. Afasta-se, ab initio, a definição da parentalidade da criança em relação aos dadores de gâmetas (sejam eles dadores de ovócitos ou de espermatozóides) visto que é essa a solução expressamente consagrada na letra da lei196.
Estudaremos os efeitos práticos das soluções encontradas, sendo certo que, na examinação que se executará, partiremos do pressuposto de que, contrariamente à gestante, o casal de beneficiários pretende ficar com a criança e que, por isso, quer utilizar os meios reativos ao seu dispor quando perante a atribuição da parentalidade a outras pessoas.
194 Aprovada para ratificação na Resolução da AR n.º 20/90, de 12 de setembro.
195 Aprovada na Resolução da AR n.º 7/2014, datada de 27 de janeiro.
196 O n.º 2 do art.º 10.º da LPMA define que “os dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer”. Para o caso de dadores de espermatozóides utilizados em inseminação artificial, aplica-se ainda o art.º 21.º da LPMA. Na mesma esteira, XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Surrogacy in Portugal”. In AAVV – Eastern and Western Perspectives on Surrogacy. XXXX X. SCHERPE; XXXXXX XXXXXX-XXXXX; XXXXX XXXX [coord.]. Cambridge Family Law Center: Intersentia, 2019, p. 243.
3.1. Da solução que conduz à definição da maternidade em relação à gestante
Antes de indagarmos sobre como se procederá ao estabelecimento da paternidade nos casos em que a gestante adquire o estatuto de mãe da criança, devemos detalhar a repercussão que a atribuição da maternidade à gestante pode ter sobre a mesma, já que, na premissa de que partimos, a gestante nunca demonstrou qualquer intenção de estabelecer uma relação maternal com a criança cuja gestação suportou.
Nestas situações em que o estabelecimento da maternidade em relação à gestante é feito por via do n.º 1 do art.º 1796.º do CC, a gestante poderá não realizar a declaração de identificação da sua qualidade e do seu estado de “mãe”. Se também ninguém identificar197 a gestante como sendo a mãe da criança, então a maternidade poder-se-á ter por desconhecida. Porém, esse status quo será temporário, já que a ausência de menção da maternidade no registo de nascimento da criança motivará a averiguação oficiosa da maternidade, nos termos dos arts.º 1808.º e seguintes do CC, daí podendo derivar uma ação comum de investigação da maternidade (vide n.º 4 do art.º 1808.º do CC), a qual é relevada pelos arts.º 1814.º e seguintes do CC. Caso se defenda que a maternidade deve ser atribuída à gestante, a essa mesma solução se chegará na enunciada ação judicial198, por aplicação do regime de filiação vertido no n.º 1 do art.º 1796.º do CC.
Agora, estabelecida que seja a maternidade em relação à gestante, importa que nos debrucemos sobre a paternidade da criança, nessa circunstância199. São três as possibilidades: ou é tido como pai da criança i) o membro masculino do casal de beneficiários, perante a hipótese de ele ter contribuído para a GS com o seu material genético, ou ii) a paternidade permanece indefinida, para os casos em que se tenha recorrido a sémen de um terceiro dador200 e a gestante não esteja casada ou em união de facto, ou, ainda, iii) a paternidade é definida em relação ao marido ou unido de facto da gestante.
197 Por regra, o estabelecimento da maternidade é feito por mera declaração de identificação ou indicação da identidade da mãe no registo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1803.º do CC. A identificação da mãe é mencionada no registo, por via do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 112.º do CRC, registo o qual é obrigatório (al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC). Nesta matéria ver XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – Manual de Direito da Família. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2022, p. 459.
198 Ao início, o registo da maternidade poderá indicar que a mesma permanece desconhecida, pelo art.º 116.º do CRC, mas, posteriormente à ação para averiguação oficiosa, o nome da gestante constará do assento de nascimento, por via da al. b) do n.º 1 do art.º 1.º, do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 112.º do CRC.
199 Por causa do limite imposto ao trabalho, tratamos da situação mais comum – de casamento ou união de facto da gestante com um homem – não tendo ponderado a circunstância em que a gestante estivesse casada ou unida de facto com uma mulher.
200 Em relação a quem a paternidade não pode ser estatuída, vide n.º 2 do art.º 10.º e art.º 21.º da LPMA.
Para os casos em que a gestante não se encontra em união de facto nem é casada, mas se utiliza o material genético do homem do casal de beneficiários201, perfilhamos o parecer avançado pelo TC no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril, na parte em que este diz que “relativamente à situação de paternidade, deve continuar a ser considerado pai o beneficiário cujo material genético tenha sido utilizado na conceção, uma vez que este não é um qualquer
«terceiro dador» para efeitos do citado preceito”202. Em sentido de concordância, XXXX XXXXXXXX PEDRO203. Perante este quadro fáctico, o reconhecimento da paternidade poderá ser feito voluntariamente, através de perfilhação204 pelo membro masculino do casal de beneficiários, ou coercivamente, através de reconhecimento judicial205/206.
Circunstâncias existem, porém, em que a paternidade da criança não poderá ser definida em relação a ninguém. Pense-se nos casos em que o casal de beneficiários é formado por duas mulheres207, ou em que o membro masculino do casal de beneficiários – caso exista – não contribui com o seu material genético208, a gestante não é casada nem se encontra em união de facto e, simultaneamente, não há lugar à aplicação, no âmbito de uma ação judicial de investigação da paternidade209, de nenhuma das alíneas do n.º 1 do art.º 1871.º do CC, as quais possibilitam presumir, nesse âmbito, a paternidade210. Diz XXXXX XXXXXX PINHEIRO211 que, nestas circunstâncias, a não ser que o membro masculino do casal de beneficiários (caso exista)
201 Veremos de seguida a situação em que a gestante é casada ou se encontra em união de facto e se utiliza o material genético do membro masculino do casal de beneficiários.
202 DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927.
203 Sem prejuízo de não ser esta a solução que a Autora advoga – como visto na subsecção 2.2. do capítulo IV da dissertação, a Autora propugna que perante a nulidade do contrato, a filiação deve ser definida em relação ao casal de beneficiários –, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx pondera os efeitos que surgem da atribuição da maternidade à gestante. Para tanto, XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., pp. 165- 166.
204 Em respeito pelo regime prescrito nos arts.º 1849.º e seguintes do CC. O reconhecimento voluntário permite o registo da paternidade, por via do art.º 120.º do CRC, cumprindo-se a al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC.
205 Consagrado nos arts.º 1869.º e seguintes do CC. Novamente, o reconhecimento judicial da paternidade permite o registo da mesma, pelo art.º 120.º do CRC. Respeita-se a al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC.
206 Xxxxx resulta a filiação da criança, a qual se encontra obrigatoriamente sujeita a registo, pela al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC.
207 O que implica a utilização de material genético de um terceiro dador, o qual não poderá ser considerado pai da criança, por via do n.º 2 do art.º 10.º e do art.º 21.º da LPMA.
208 O que também implica a utilização, na GS, do material genético doado por um terceiro. Neste sentido, XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., p. 166.
209 Prevista no art.º 1869.º do CC.
210 Mesmo que se verificasse uma circunstância subsumível a alguma das alíneas do artigo – ao que falta substrato de verosimilhança –, sempre a presunção cairia facilmente nos termos do n.º 2 da norma, pois o homem relativamente ao qual a factualidade se verificava não teria contribuído com o seu material genético para a conceção da criança (critério em que assenta a atribuição da paternidade no CC). Portanto, seria simples criar dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.
211 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – “Mãe portadora: a problemática da maternidade de substituição”, cit., pp. 343-344.
se decida a perfilhar212 a criança, o registo de nascimento será omisso quanto à paternidade da mesma213.
Mas outra solução existe, que é a de a gestante ser casada e em relação ao seu marido funcionar a presunção pater is est quem justae nupciae demonstrant214, enunciada no n.º 1 do art.º 1826.º do CC. Faz-se notar que existem casos de cessação da presunção (o que pode ocorrer ao abrigo do art.º 1828.º, do n.º 1 do art.º 1832.º do CC e do n.º 1 do art.º 119.º do CRC) e de impugnação da presunção da paternidade nos termos dos arts.º 1838.º e seguintes do CC215.
Não se verificando os pressupostos do n.º 1 do art.º 1826.º do CC, e não constando do registo uma paternidade incompatível, qualquer homem – nomeadamente aquele com quem a gestante viva em união de facto – pode perfilhar a criança, em respeito pelos arts.º 1849.º e seguintes do CC.
De igual modo serão de ponderar as circunstâncias em que o companheiro da gestante (quer seja cônjuge, quer seja unido de facto) ficou reconhecido como pai da criança e o homem do casal de beneficiários, que forneceu sémen para a procriação, quer destruir essa paternidade216. Nesse caso, tudo depende dos termos em que a mesma ficou estabelecida: se ficou estabelecida com base na presunção do n.º 1 do art.º 1826.º do CC – o que só pode acontecer quanto ao marido da gestante – o membro masculino do casal de beneficiários, para impugnar a paternidade217 enquanto pai genético, terá de requerer a intervenção do MP218, o qual, por sua vez, deverá instaurar uma ação de impugnação da paternidade219; diversamente, se a paternidade foi estabelecida através de perfilhação – o que pode acontecer nomeadamente
212 De acordo com os arts.º 1849.º e seguintes do CC. O reconhecimento voluntário permite o registo da paternidade, por via do art.º 120.º do CRC, cumprindo-se a al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC.
213 Em respeito pelo art.º 120.º do CRC, a contrario sensu.
214 Comummente conhecida pelo brocardo pater is est….
215 Para tanto, XXXX XXXXX XXXXXX – “A idade da inocência: podem os contratos de gestação sobreviver sem lei reguladora?”. In AAVV – Revista Jurídica UniSEB [Em linha]. Ano I, n.º 1 (2011), p. 157. [Consultado em 29.01.2023]. Disponível para acesso em https://xxx.xxxxxxxx.xxx/7822990/_A_Idade_da_Inoc%C3%AAncia_Podem_os_Contratos_de_Gesta%C3%A 7%C3%A3o_Sobreviver_sem_Lei_Reguladora_The_Age_of_Innocence_Can_Surrogacy_Contracts_Survive_W ithout_Regulatory_Law_.
216 Se não tiver contribuído com o seu material genético, o homem do casal beneficiário não pode reagir perante a paternidade do cônjuge ou unido de facto da gestante, mesmo que isto se materialize na desconstrução do seu projeto paternal.
217 Excecionando a regra geral da inimpugnabilidade da presunção de paternidade, a qual se encontra prescrita no art.º 1838.º do CC.
218 Veja-se o n.º 1 do art.º 1839.º e o n.º 1 do art.º 1841.º do CC.
219 Vide art.º 1841.º do CC.
quanto ao unido de facto da gestante220 –, o pai genético deverá impugnar a perfilhação, nos termos e para os efeitos consagrados no n.º 1 e no n.º 2 do art.º 1859.º do CC.
Explicadas as consequências do estabelecimento da maternidade em relação à gestante, cumpre examinar os efeitos da definição da parentalidade da criança em relação ao casal de beneficiários.
3.2. Da solução que conduz à definição da parentalidade em relação ao casal de beneficiários
Para que se alcancem os efeitos da solução que atribui a parentalidade ao casal de beneficiários, importa destacar o n.º 1 do art.º 20.º da LPMA, relativo à determinação da parentalidade quando haja recurso à PMA221, conjugado com o n.º 9 do art.º 8.º da LPMA.
Nas situações em que o casal de beneficiários é casado e heterossexual, se se defender que estes devem ser considerados pais da criança222/223, o estabelecimento da parentalidade é de fácil resolução, relevada que seja a norma estatuída no n.º 1 do art.º 20.º da LPMA, de acordo com o qual a criança nascida da utilização de técnicas de PMA é “havida como filha de quem, com a pessoa beneficiária, tiver consentido no recurso à técnica em causa (…) nomeadamente a pessoa com quem ela esteja casada”224/225. Como referido, poder-se-á relevar, também, o n.º 9 do art.º 8.º da LPMA, ao abrigo do qual a criança nascida com recurso à GS é tida como filha do casal de beneficiários.
Nas circunstâncias em que o casal de beneficiários, também casado, é composto por dois membros do sexo feminino – as quais recorrem à doação de espermatozóides de um terceiro, o
220 Como oportunamente enunciado, o estabelecimento da paternidade em relação ao unido de facto da gestante faz-se através de perfilhação, em respeito pelos arts.º 1849.º e seguintes do CC.
221 Sobre o estabelecimento da filiação em caso de recurso à PMA, ver XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – O Direito da Família Contemporâneo, cit., pp. 197-201, e XXXX XXXXXXXX XXXXX – “O estabelecimento da filiação de criança nascida (…)”, cit., pp. 205-206.
222 O que só poderá ocorrer através do afastamento da presunção constante do n.º 1 do art.º 1796.º do CC.
223 O que é desenvolvido na subsecção 2.2. do capítulo IV da dissertação.
224 Por decorrência do n.º 1 do art.º 118.º do CRC é obrigatória a menção da paternidade no assento de nascimento em casos de paternidade presumida, cumprindo-se, concomitantemente, a obrigação de registo da filiação, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC.
225 Como se disse, o estabelecimento da maternidade é feito por mera declaração de identificação ou indicação da identidade da mãe no registo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1803.º do CC. A identificação da mãe é mencionada no registo, por via do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 112.º do CRC, registo o qual é obrigatório (al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do CRC). Nesta matéria ver XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – Manual de Direito da Família, cit., p. 459.
que se demonstrou ser possível226 – a solução passará pela atribuição da maternidade a favor daquelas duas mulheres227, nos termos do enunciado no n.º 1 do art.º 20.º e no n.º 9 do art.º 8.º da LPMA. Nos ensinamentos de GUILHERME DE OLIVEIRA228, a maternidade das beneficiárias, como não diretamente envolvidas na gestação e, por derivação, no momento do parto, é baseada no consentimento prestado para o recurso à GS, bem como na vontade que as mesmas terão em assumir o estatuto legal de mãe. Tal vontade manifestar-se-á por um dos modos prescritos no art.º 1803.º do CC (declaração ou indicação da maternidade)229. Quanto à paternidade da criança, será desconhecida, o que terá reflexos no assento de nascimento230. Não será iniciado qualquer processo de investigação oficiosa da paternidade (arts.º 1864.º e 1865.º do CC), nem será instaurada nenhuma ação de investigação da paternidade por parte do MP (tal qual consagrado no n.º 5 do art.º 1865.º do CC). Como justificação, invoca-se o estipulado no n.º 2 do art.º 10.º da LPMA, destacando-se também o art.º 21.º do mesmo diploma legal, ao abrigo do qual, nos casos em que se recorra à inseminação artificial com doação de sémen, “o dador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela”.
Se, porventura, o casal de beneficiários, ao invés de estar casado, se encontra em união de facto231, as soluções a aplicar e os respetivos efeitos são os mesmos que se acabaram de enunciar para os casais de beneficiários casados, quer sejam eles casais heterossexuais, quer sejam eles casais homossexuais formados por duas mulheres.
Sem embargo do que se vem adensando, importa dar ênfase ao n.º 4 do art.º 20.º da LPMA, de acordo com o qual “o estabelecimento da parentalidade pode ser impugnado pela pessoa
226 Ver secção 2. do capítulo II desta dissertação.
227 Para o membro feminino que contribuiu com os gâmetas, temos uma relação de parentesco. No caso do outro membro feminino do casal de beneficiários, encontramo-nos perante uma relação familiar inominada (nesta matéria, ver XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX – “Breve estudo sobre a procriação medicamente assistida no ordenamento jurídico português – Uma primeira aproximação ao tema”. In AAVV – O Direito [Em linha]. Ano n.º 154, n.º III (2022), p. 538. [Consultado em 29.01.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxx/x-xxxxxxx-xxx-000-0000-xxx/000). De qualquer modo, a filiação é estabelecida a favor das duas, sendo essa a realidade constante do assento de nascimento (al. b) do n.º 1 do art.º 1.º e n.º 1 e n.º 2 do art.º 112.º, todos do CRC). Nesta temática, escreve Xxxx Xxxxx Xxxxxx (XXXX XXXXX XXXXXX – “A idade da inocência (…)”, cit., p. 158) que “se porventura existirem duas mães volitivas – porque a parte contratante é um casal de lésbicas – desenham-se várias resoluções possíveis. Por exemplo, poder-se-á atribuir o estatuto de mãe a ambas, independentemente de quem forneceu o ovócito; ou então considerar mãe jurídica apenas esta última. Aquela primeira hipótese é a que melhor realiza o interesse das contratantes e a que contribui em maior medida para a coesão familiar. Se nenhuma destas mulheres tiver contribuído com material genético (…) também nos inclinamos para a consideração de ambas como mães legais”.
228 XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – Manual de Direito da Família, cit., pp. 526-527.
229 XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – Manual de Direito da Família, cit., p. 459.
230 Em respeito pelo art.º 120.º do CRC, a contrario sensu.
231 O que é possível por via do n.º 1 do art.º 6.º da LPMA.
casada ou que viva em união de facto com a pessoa submetida a técnica de PMA, se for provado que não houve consentimento ou que a criança não nasceu da inseminação para que o consentimento foi prestado”. Pese embora a linha de raciocínio traçada neste trabalho não passe por examinar as soluções permitidas por esta norma – partimos da premissa de que os membros do casal de beneficiários pretendem ser considerados pais da criança, o que levará a que não tenham interesse em impugnar a respetiva maternidade e paternidade –, releva referenciar o artigo.
Terminamos a análise que se fez acerca da concreta determinação da parentalidade da criança consoante as soluções propostas. Agora, é tempo de examinar a pertinência e adequação de cada uma delas.
4. As críticas apontadas a cada solução
Depois de expormos os entendimentos existentes quanto à definição da parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido, e após verificarmos as consequências práticas de cada uma daquelas soluções, cabe-nos apresentar as críticas que se vêm formulando para, finalmente, adotarmos posição na matéria. Também aqui não nos centraremos na solução que defende que é necessário modificar o regime das invalidades contratuais a aplicar ao contrato de GS, já que, conforme se disse, tal posição não avança uma resposta à problemática da parentalidade da criança em face do regime legal atualmente em vigor, que é o que nos propusemos estudar. De qualquer modo, sem desmerecer o contributo sério empregue pela doutrina, jurisprudência e pelos conselhos científicos competentes, não é preciso um esforço desmensurado para que compreendamos que, até ao momento, inexistem soluções isentas de críticas.
Iniciando pelo exame da solução que atribui a maternidade à gestante (e analisando-a do ponto de vista da maternidade, não tanto do prisma do estabelecimento da paternidade), atente- se no entendimento de MARIA RAQUEL GUIMARÃES232. Pese embora defenda que, perante a nulidade233 contratual, a gestante deve ser tida enquanto mãe da criança, a Autora reconhece
232 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 122.
233 A Autora debruça-se somente sobre o vício da nulidade do contrato de GS. Isto ocorre deste modo porque, ao momento da redação do artigo que se cita, o n.º 12 do art.º 8.º da LPMA com a redação imposta pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto apenas cominava com a nulidade os contratos de GS celebrados em violação do art.º 8.º daquela LPMA.
que, em termos práticos, os efeitos da nulidade são de difícil verificação: produzindo-se os efeitos da nulidade contratual – o que, na visão em análise, implicará a atribuição da maternidade da criança à gestante – “as prestações já realizadas deverão, por sua vez, ser devolvidas, o que levanta especiais problemas na medida em que a gestante entregou uma criança em cumprimento do contrato nulo, sendo ressarcida das despesas inerentes à gestação e parto”. Na nossa visão, este problema também se coloca para os contratos viciados por anulabilidade, já que nestes o dever de restituição continua a existir e, portanto, continua-se a questionar o que deve ser restituído. Na sequência do que se acabou de evidenciar, uma das maiores dificuldades desta solução – que defende que, produzindo-se os efeitos da invalidade do contrato, a maternidade da criança deve ser atribuída à gestante – é saber de que modo se produzirão os efeitos a que tende a invalidade contratual, principalmente no que contende com o dever de restituição.
O próprio TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril, após explicar que a solução que mais facilmente se coaduna com o regime legal é o da atribuição da maternidade da criança à gestante (quando perante um contrato de GS nulo234), esclarece que aquela solução pode levar a factualidades muito perversas235. Pense-se no caso em que, após a integração total da criança no ambiente familiar do casal de beneficiários, é invocada a nulidade do contrato de GS porque o mesmo não foi celebrado ou executado gratuitamente (tal como impõe o n.º 2, o n.º 7 e a al. k) do n.º 13 do art.º 8.º da LPMA236, na sua redação atual): “deve tudo regressar ao início abstraindo dos laços de convivência entretanto estabelecidos? É indiferente o tempo decorrido desde a entrega da criança? Ou o momento em que o pagamento em excesso foi realizado – antes, durante ou somente depois da execução do contrato? E a dimensão do excesso detetado? A solução deverá ser sempre a mesma quer esteja em causa um excesso de 10%, de 100% ou de 1000%?”237. Talqualmente ao previamente afirmado, estas questões levantam-se, ipsis verbis, no contrato de GS viciado por anulabilidade. Sem prejuízo do limite temporal que a lei impõe para a invocação da anulabilidade238, cremos que um ano de convivência e integração em determinado ambiente familiar será o suficiente para que a criança desenvolva laços familiares afetivos com o casal de beneficiários e restante família. Posto que, um outro fator a
234 No momento da prolação do Acórdão, a LPMA com a redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, cominava com a nulidade o contrato de GS que violasse o art.º 8.º da LPMA.
235 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927. 236 Em conjugação com a al. k) do n.º 3 do art.º 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho. 237 Ac. do TC n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927. 238 Na regra geral estatuída na parte final do n.º 1 do art.º 287.º do CC.
considerar nesta solução será o da repercussão que o estabelecimento obrigatório de uma relação maternal com a gestante terá na esfera da criança, quando a mesma já se encontrava totalmente inserida na família do casal de beneficiários.
Também XXXX XXXXXXXX PEDRO239 assinala que, no seu parecer, esta solução – de atribuição da maternidade da criança à gestante quando perante contratos de GS inválidos – é criticável. Partindo da análise das situações em que a gestante é tida como mãe e a paternidade da criança não será atribuída a ninguém, a Autora questiona se esta será a solução que melhor se coaduna com o superior interesse da criança. Ademais, ponderando o impacto que a defesa deste entendimento terá na gestante, parecerá adequado atribuir a maternidade a alguém que nunca traçou qualquer projeto maternal e parental em relação àquela criança? Encontramo-nos perante dois argumentos que serão de considerar quando se defenda que a invalidade do negócio jurídico de GS implica a atribuição da maternidade à gestante (independentemente do motivo que invalidou o contrato, id est, de se nos encontramos perante uma anulabilidade ou uma nulidade contratual).
A outra resposta que se avançou – a qual atribui a parentalidade da criança ao casal de beneficiários – também é condenável.
Surge, de imediato, a censura mais notável, que é a da atribuição a um contrato inválido dos mesmos efeitos jurídicos produzidos por um contrato válido. Sobre o assunto, o CNECV, nos seus Pareceres n.º 92/CNECV/2017240 e n.º 104/CNECV/2019241, assevera que permitir a produção de efeitos negociais nestes termos é eticamente reprovável, já que nada desmotivará a adoção de condutas ilegais. Portanto, no entendimento do CNECV, aquela solução – que atribui a parentalidade da criança ao casal de beneficiários – é criticável242. Em sentido totalmente concordante com o CNECV, surge o parecer de ANDRÉ DIAS PEREIRA243.
De salientar também será a postura sufragada por XXXX XXXXXXXX PEDRO244. A Autora assume que a solução por si propugnada – de acordo com a qual, em casos de invalidade
239 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., p. 166.
240 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 92/CNECV/2017 sobre o Projeto de
Decreto Regulamentar (…), cit., p. 10.
241 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 104/CNECV/2019 sobre a alteração
(…), cit., p. 8.
242 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 104/CNECV/2019 sobre a alteração
(…), cit., p. 8.
243 XXXXX XXXX XXXXXXX – “Filhos de Pai Anónimo no século XXI!”, cit., p. 46.
244 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., p. 165.
contratual, a parentalidade da criança deverá ser atribuída ao casal de beneficiários –, é igualmente censurável. Questiona se o superior interesse da criança justificará a atribuição da parentalidade ao casal de beneficiários mesmo quando o ato constitua um ilícito penal, nos termos e para os efeitos do art.º 39.º da LPMA vigente na época245. Não respondendo à questão formulada, mas também não ignorando que inexistem soluções isentas de problemas, XXXX XXXXXXXX PEDRO246/247 sustenta que, ainda assim, tenderia para a atribuição da parentalidade ao casal de beneficiários.
Averiguando da pertinência da última resposta apresentada – de que caberia ao tribunal decidir em relação a quem se definiria a parentalidade da criança quando perante um contrato de GS inválido –, a principal crítica aduzida é a da necessidade de a lei prever, de antemão, o regime legal a partir do qual o tribunal formulará o seu juízo no caso concreto. DIANA COUTINHO248 diz que, “por uma questão de segurança, previsibilidade e certeza jurídica das relações estabelecidas, especialmente da proteção da criança, esta situação deveria ficar definida na lei”. No parecer da Autora, terá de haver alguma disposição legal que, de modo geral e abstrato, determine a filiação da criança nascida de um contrato de GS inválido e o tribunal deverá partir da análise dessa mesma disposição legal para ajuizar na lide, sob pena de a decisão judicialmente adotada ser totalmente arbitrária e legalmente imponderada.
No mesmo sentido, XXXX XXXXXXXX PEDRO249, quando refere que seria muito importante que o legislador previsse os critérios a atender no juízo a levar a cabo, mormente no que contende com a ponderação de cenários particularmente problemáticos relacionados, por exemplo, com o desrespeito de requisitos legais do contrato de GS.
Devidamente considerado tudo o que até agora se expôs, somos compelidos a concluir que qualquer que seja a resposta por nós avançada para o estabelecimento da parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido, a mesma não será livre de censura.
245 Na altura da redação deste artigo pela Autora, a LPMA vigente era a LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
246 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., p. 166.
247 No mesmo sentido, XXXX XXXXXXXX XXXXX – “The Dawn of a Brave New World in Portugal? (…)”, cit., p. 279.
248 XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 640.
249 XXXX XXXXXXXX XXXXX – “O estabelecimento da filiação de criança nascida (…)”, cit., pp. 222-223.
5. Posição adotada
Conscientes de que o nosso parecer poderá ser criticado, ainda assim avançaremos aquela que, no nosso entendimento, será a melhor solução perante a problemática do estabelecimento da filiação da criança nestas circunstâncias em que o contrato de GS é inválido.
Recordamos, desde já, que sempre examinaremos a adequação da resposta por nós defendida partindo do pressuposto antes enunciado, de que a gestante não assumiu qualquer projeto maternal relativamente à criança cuja gestação suportou, e que a gestante não pretende ver-se reconhecida no estatuto legal de mãe. Por outro lado, os membros do casal de beneficiários mantêm-se na intenção de concluir com êxito a GS iniciada e, assim, ver-se reconhecidos na veste de pais da criança nascida. Por fim, examinaremos a solução independentemente do vício que inquina o contrato de GS, invalidando-o, focando-nos, antes, na circunstância de o contrato de GS ser inválido.
Na visão que sustentamos, o regime legal adotado para a GS seria tão minucioso que, na prática, seria impossível que o negócio jurídico de GS a celebrar entre as partes fosse declarado inválido. O CNPMA, no exame que tem de fazer a estes contratos de GS250, identificaria os eventuais motivos de invalidade contratual que existissem e não deixaria o negócio jurídico ser celebrado e avançar para a fase de execução até que se regularizasse a situação (nos casos em que a regularização fosse possível). Contudo, não obstante idealizarmos aquela solução, sabemos que mesmo assim não estava garantido o respeito e cumprimento de todos os requisitos que a lei estabelece para a adequada celebração e execução do contrato de GS, pois que muitos dos pressupostos podem ser corrompidos sem que o CNPMA disso tenha conhecimento. Basta equacionar a hipótese em que o casal de beneficiários entrega uma quantia monetária à gestante pela celebração e cumprimento do contrato: a violação do requisito da gratuitidade ocorreria na esfera privada da vida das partes contratuais, o que impossibilitaria que a violação do contrato fosse conhecida pelo CNPMA. Pelo que, compreende-se, a solução que prima facie defenderíamos não poderá bastar-se em motivar uma maior ingerência do CNPMA, porque por muito ampla que seja a sua intervenção no processo, existe uma esfera da vida privada na qual o CNPMA não poderá ingerir, reunindo-se nessa esfera as condições favoráveis a uma possível perturbação da validade do contrato de GS. A visão por nós propugnada não pode, portanto, cingir-se a requerer uma intervenção idealizada do CNPMA, quando se sabe de antemão que
250 Em respeito pelo n.º 5 do art.º 8.º da LPMA, bem assim pelo n.º 8 do art.º 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho.
essa intervenção não bastará para assegurar a validade do contrato de GS. Teremos, portanto, de avançar no nosso raciocínio e de ponderar o quadro factual em que o contrato de GS é celebrado e executado à margem da lei, devendo, nesse seguimento, determinar em relação a quem definir a parentalidade da criança, nestas circunstâncias.
Em cumprimento do consagrado no n.º 1 do art.º 3.º da CDC e na al. a) do art.º 6.º da CEEDC, examinaremos a pertinência das três soluções em que concentramos a nossa análise partindo do critério do superior interesse da criança nascida ou a nascer. Este é o critério que relevamos como primacial, em concordância com o que resulta da letra da lei251 e com o entendimento da jurisprudência mais douta, sufragada pelo TC252.
Antes de avançarmos, será importante, porém, tecer breves prolegómenos acerca do que se vem entendendo como consubstanciando o “superior interesse da criança”. Relativamente a este conceito indeterminado, MARIA CLARA SOTTOMAYOR253 escreve que “não é suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos. Este critério só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças”. A Autora continua explicando que o “método utilizado para determinar o interesse da criança envolve assim uma multiplicidade de fatores”254, e que sempre se deverá decidir de modo a que a criança seja entregue a quem “promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as suas necessidades e que tem com a criança uma relação afetiva mais profunda. A preferência da criança, quando esta queira e possa exprimi-la, coincidirá, normalmente, com os critérios anteriores”255. Por sua vez, na visão de XXXXX XXXXX e XXXXXXXX XXXXXXX LIMA256, “este princípio significa que todas as decisões que digam respeito à criança devem ter plenamente em conta o seu interesse, o qual deve ser especialmente considerado em relação aos demais, [e] devendo o Estado garantir à criança cuidados adequados quando os pais, ou outras pessoas responsáveis por ela, não tenham capacidade para o fazer”.
251 Nos termos dos já enunciados n.º 1 do art.º 3.º da CDC e da al. a) do art.º 6.º da CEEDC.
252 Nas palavras do TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril (DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1925), “a partir do nascimento, o interesse da criança deve ser o principal critério de todas as decisões que sejam tomadas em relação ao destino da mesma (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança e supra o n.º 33)”.
253 Em XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio. 8.ª ed. reimpressa, revista, aumentada e atualizada. Coimbra: Almedina, 2022, p. 60.
254 XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Regulação do Exercício (…), cit., p. 67.
255 XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Regulação do Exercício (…), cit., p. 65.
256 XXXXX XXXXX; XXXXXXXX XXXXXXX XXXX – “A maternidade de substituição à luz dos direitos fundamentais de personalidade”, cit., p. 277.
Isto posto, sem prejuízo de o conceito de “superior interesse da criança” se manter indeterminado, será a partir deste que examinaremos as respostas avançadas para o estabelecimento da parentalidade em caso de invalidade do contrato de GS.
5.1. Da adequação da solução que atribui a maternidade à gestante
No que respeita com a solução ao abrigo da qual a maternidade da criança deve ser estatuída em relação à gestante, cremos que são variados os problemas sérios que se colocam na esfera de todos os envolvidos, sendo de destacar os que se levantam na esfera da criança.
A atribuição da maternidade da criança à gestante implica a imposição do estatuto de mãe a alguém que nunca assumiu um projeto maternal relativamente à criança cuja gestação suporta ou suportou257. De igual modo, dependendo das circunstâncias concretas em que a GS foi realizada – se a favor de um casal de beneficiários composto por duas mulheres ou por um homem e uma mulher, se o membro masculino do casal de beneficiários (a existir) contribuiu para a gestação com o seu material genético – e do estado civil da gestante – se esta é solteira, casada ou unida de facto –, a gestante pode ver-se compelida a assumir, sozinha, a parentalidade da criança, ou a assumi-la com alguém com quem nunca estabeleceu um projeto parental (mormente, com o membro masculino do casal de beneficiários)258/259. Ora, ponderando que a gestante nunca quis assumir a maternidade da criança, perante uma situação em que se verifique uma invalidade contratual, e em que se equacione atribuir-lhe a maternidade, se ainda se estiver dentro do período legal em que a interrupção voluntária da gravidez é admissível260, a gestante poderá sentir-se impelida a abortar, por não querer ver-lhe imposta a maternidade da criança261. Não nos parece de todo proporcional, justo e adequado que alguém que (por regra) se move por pretensões altruístas – ajudar um casal a realizar um projeto familiar que não conseguiriam alcançar sozinhos –, se veja na situação de ter de optar entre uma interrupção voluntária da gravidez e a assunção do papel de mãe de uma criança que, na verdade, nunca quis para ela.
257 Também XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., p. 166.
258 Para mais desenvolvimentos, ver a subsecção 3.1. do capítulo IV desta dissertação de mestrado.
259 Na esteira do entendimento de XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., 166.
260 Até às dez primeiras semanas de gestação, por via da al. e) do n.º 1 do art.º 142.º do CP. Este limite temporal foi introduzido pelo art.º 1.º da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril.
261 Sobre esta possibilidade, também a al. h) do n.º 13 do art.º 8.º da LPMA.
Nestes casos, haverá uma afetação direta ao seu direito à integridade pessoal, vertido no art.º 25.º da CRP262.
Já para o caso de a gestação ter ultrapassado as dez primeiras semanas quando a gestante descobre que a maternidade lhe vai ser imposta, ou para as circunstâncias em que a gestação já terminou e a criança já nasceu quando a gestante é confrontada com a obrigação de assumir a maternidade, poderá a gestante decidir-se a entregar a criança para a adoção263/264, de acordo com o regime consagrado nos arts.º 1973.º e seguintes do CC, dos quais é de destacar o n.º 3 do art.º 1982.º do CC, ao abrigo do qual o consentimento da mãe para a entrega do seu filho para a adoção só pode ser prestado seis semanas após o parto265. Não nos parece que esta seja a melhor forma de tutelar o superior interesse da criança. Não se pode sustentar que entregar a criança para adoção logo após o nascimento, ou entregá-la para a adoção depois de ter sido retirada da família do casal de beneficiários266 onde estava totalmente inserida para ser entregue à gestante, é a melhor forma de solucionar estes casos e de considerar o interesse da criança.
262 Quanto ao art.º 25.º da CRP, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx (XXXXX XXXXXX XXXXXXX – Anotação ao “Artigo 25.º”. In XXX XXXXXXXX; XXXXX XXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada. Vol. I: Preâmbulo, princípios fundamentais, direitos e deveres fundamentais – artigos 1.º a 79.º. 2.ª ed. revista. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2017, p. 405) explica que “na sua expressão mais simples a proteção da integridade física e moral consiste no direito a não agressão ou ofensa ao corpo ou espírito, por quaisquer meios (físicos ou não), seja por entidades públicas, seja por particulares, enquanto pessoas singulares ou coletivas”.
263 Debruçando-se sobre o teor original da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho – de acordo com a qual a MS era proibida e, por isso, a maternidade sempre seria definida em relação à mulher que suportaria a gestação, ex vi n.º 3 do art.º 8.º daquele diploma legal – Xxxx Xxxxx Xxxxxx (XXXX XXXXX XXXXXX – “A idade da inocência (…)”, cit., pp. 164-
165) afirmou que uma das críticas a apontar à MS era a atribuição da maternidade à mulher que suporta a gestação, a qual só pretendeu ajudar um casal a satisfazer o seu projeto parental. Nestas situações, a Autora entende que à mulher que suportou a gestação apenas restava entregar a criança para adoção, já que nunca havia assumido um projeto maternal em relação à mesma. Este raciocínio pode ser transposto para a GS na atual redação legal, nos casos em que se defenda a atribuição da maternidade à gestante quando perante um contrato de GS inválido.
264 Esta situação é mais facilmente equacionável para os casos em que a gestante assume o papel de mãe e a paternidade não está atribuída, ou está atribuída ao seu companheiro (seja ele cônjuge ou unido de facto). Para o caso de o pai da criança ser o membro masculino do casal de beneficiários, poderá ele assumir a guarda da criança, havendo uma alienação parental do lado da mãe, alienação parental a qual poderá levar à inibição do exercício das responsabilidades parentais pela gestante, pelo n.º 1 do art.º 1915.º do CC, aplicando-se, quanto ao pai, o n.º 1 do art.º 1903.º do CC.
265 Sobre o processo de adoção, atentar na Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, a qual estabelece o regime jurídico do processo de adoção.
266 Debruçando-se sobre o processo “Paradiso et Campanelli C. Italie”, queixa n.º 25358/12, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX – “O conceito de vida familiar na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (…)”, cit., p. 277) questiona necessariamente “qual a coerência entre o cuidado de apartar a criança daqueles que a protegiam e o descuido subsequente face à sua identidade?”. Em proximidade de ideias, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx (XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – “Qual é o interesse da criança? Identidade biológica versus relação afectiva”. In AAVV – Volume Comemorativo dos 10 anos do curso de pós-graduação “Protecção de menores – Prof. Doutor F. M. Xxxxxxx Xxxxxx”. XXXXXXXXX XX XXXXXXXX [coord.]. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 27), quando afirma que “a invocação de direitos parentais tem por limite o interesse da criança, não podendo nunca incluir o poder de desenraizar a criança do ambiente em que tem vivido”. Quanto a este contributo, entendemos que, se a invocação de direitos parentais não pode levar a que a criança seja retirada do ambiente familiar em que se encontra inserida, então, para os casos em que a gestante não quer exercer
Claro está que a gestante até poderá aceitar assumir a maternidade da criança, educando-a e tratando-a como sua filha. Porém, estes serão casos muito excecionais, e não poderá ser a pensar nas exceções que se fará a regra geral da definição da filiação da criança quando o contrato de GS é inválido. Por norma, quem assume a parentalidade de uma criança que não quis não lhe oferecerá “um processo educativo e [de] um ambiente familiar adequados”267, acabando por negligenciar o seu desenvolvimento enquanto criança e, assim, enquanto xxxxxx.
Um outro motivo que nos leva a criticar esta solução de atribuição da maternidade à gestante é o facto de não compreendermos porque se daria à gestante um tratamento diferente do tratamento que é legalmente reconhecido aos dadores de gâmetas268. Com efeito, recordamos que os dadores de ovócitos ou de espermatozóides, não obstante terem uma ligação genética com a criança gerada da utilização de qualquer técnica de PMA, nunca poderão ser considerados pais da criança. Neste sentido preceitua o já enunciado n.º 2 do art.º 10.º e, para o caso particular do dador de sémen utilizado na inseminação artificial, o art.º 21.º, todos da LPMA. Tal estatuição foi adotada porque “o dador é um fornecedor de «material», não um participante num projecto de paternidade”269. Ora, mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer quanto à gestante, que somente aceita suportar a gravidez da criança por nove meses, e que, sem prejuízo de estabelecer uma relação biológica com esta, em momento algum delineou qualquer projeto maternal e nem participou com o seu material genético (ovócitos) na conceção e na gestação da mesma270/271. Pese embora a redação atribuída ao n.º 1 do art.º 1796.º do CC, não entendemos que o momento do parto justifique, por si só, um tratamento tão distinto entre gestante e dadores. Se, existindo relação genética, a lei – de modo a proteger os dadores de material genético das eventuais pretensões parentais que se possam estabelecer em relação a eles – impede que se atribua a parentalidade aos dadores, então essa solução também deveria valer para a gestante, de modo a protegê-la das pretensões familiares que se pretendam fazer valer em relação a ela e contra a sua vontade.
Mas não nos quedamos por aqui. Ainda que se saiba que a lei pretende desmotivar a celebração e execução de contratos de GS inválidos, não o deve fazer em detrimento de uma
responsabilidades e direitos parentais mas, contrariamente, lhe impõem a maternidade da criança, também a criança não poderá ser retirada do ambiente familiar em que vive, porque tal conduta é atentatória do seu interesse. 267 XXXXXXX XXXXXX – “Gestação de Substituição e Dignidade da Pessoa Humana (…)”, cit., p. 66.
268 Acerca da existência deste tratamento diferenciado, XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO – “A Lei Nº 32/2006 sobre Procriação Medicamente Assistida”, cit.
269 XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO – “A Lei Nº 32/2006 sobre Procriação Medicamente Assistida”, cit.
270 Neste sentido, a parte final do n.º 4 do art.º 8.º da LPMA.
271 XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO – “A Lei Nº 32/2006 sobre Procriação Medicamente Assistida”, cit.
parentalidade que proteja o interesse da criança. É dizer: não se compreende que em nome da adequada celebração e execução de contratos, a lei repute mais importante sancionar a gestante
– com o estabelecimento da maternidade – e o casal de beneficiários – com a não atribuição do estatuto de pais – que se decidiram a participar num contrato inválido, do que tutelar as relações familiares da criança que do contrato nasceu ou nascerá272. Por muito relevante que seja o regime do negócio jurídico, não pode o legislador estar mais preocupado em sancionar aqueles que o afetam do que em determinar o futuro de uma criança. Contudo, para os propulsores273 desta solução que atribui a maternidade da criança à gestante em casos de contrato de GS inválidos, é exatamente essa a ponderação valorativa que a lei faz, já que se define a maternidade em relação à gestante sem ponderar os efeitos que essa decisão acarretará para a criança nos laços familiares que a mesma estabelecerá, no seu desenvolvimento, na sua personalidade274. Outros meios existem para sancionar a (conduta da) gestante e (d)o casal de beneficiários (mormente através do regime estatuído no art.º 39.º da LPMA) sem que para isso seja necessário prejudicar as relações familiares da criança e atuar em detrimento do seu desenvolvimento pessoal.
Por fim, existe um argumento literal que tem que ser destacado e que, no nosso entendimento, também impede que se atribua à gestante o estatuto legal de mãe, nestas circunstâncias. Com efeito, o regime-regra estabelecido no n.º 1 do art.º 1796.º do CC é afastado na GS – a não ser que a gestante revogue o seu consentimento275 –, devendo, por isso, aplicar- se as regras da LPMA para o estabelecimento da filiação. E a LPMA nunca estatui que, em caso de invalidade do negócio jurídico de GS, a maternidade da criança deve ser atribuída à gestante. Por isso, pressupondo que a lei definiu as soluções que reputou mais acertadas e que o legislador soube exprimir o seu pensamento276, podemos sustentar que não é intenção do sistema normativo criar alguma permissibilidade à solução que atribui a maternidade da criança à gestante, em casos de contratos de GS inválidos, inexistindo algum artigo que imponha a aplicação, nestes casos, do n.º 1 do art.º 1796.º do CC.
272 XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO – “A Lei Nº 32/2006 sobre Procriação Medicamente Assistida”, cit.
273 Sobre esta matéria, ver a subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação.
274 “Serão estas soluções conformes à promoção do superior interesse da criança? Impor a maternidade a uma mulher que pode não querer ser mãe? Quer dizer um projeto procriativo que se funda na vontade de ser pai ou mãe redunda na imposição da maternidade a quem não a quer?” (XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., p. 166).
275 Por conjugação do n.º 10 do art.º 8.º com o n.º 5 do art.º 14.º da LPMA.
276 Tal como resulta do n.º 3 do art.º 9.º do CC.
Por tudo o quanto se veio de aduzir, não podemos afirmar que a atribuição da maternidade à gestante, nos casos de invalidade contratual do negócio de GS, nos parece ser a solução que melhor tutela o interesse da criança277. Porém, só se poderá concluir da sua pertinência depois de ponderadas as críticas a apontar às restantes respostas.
5.2. Da adequação da solução que atribui a parentalidade ao casal de beneficiários
Na solução que atribui a parentalidade da criança ao casal de beneficiários, são dois os grandes entraves por nós identificados. Em primeiro lugar, há o problema de se atribuir a parentalidade àqueles que, por via do art.º 39.º da LPMA, poderão vir a ter de ser penalmente responsabilizados pela celebração de um contrato de GS em detrimento da lei. Além disso, surge o evidente obstáculo que é a atribuição dos efeitos jurídicos decorrentes de um contrato válido a um contrato que é inválido.
Se é factual que estas problemáticas assumem suma relevância e peso na ponderação a ser feita quanto ao estabelecimento da filiação da criança, parece-nos, todavia, que estas são as críticas que mais facilmente se superarão.
277 Quem sustente que a invalidade contratual implica que a gestante é que deve ser tida como mãe da criança, mas entenda que essa solução pode ser perversa (nesse sentido, o TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril – DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927) poderá equacionar o seguinte enquadramento que, em abstrato, levaria à atribuição das responsabilidades parentais a um dos membros do casal de beneficiários: para os casos em que a gestante é tida como mãe, mas o membro masculino do casal de beneficiários é havido como pai, poder-se-á afirmar que a gestante, abandonando a criança, poderá conseguir que a mesma seja entregue somente ao pai e respetiva esposa ou unida de facto, pela conjugação do n.º 1 do art.º 1903.º e n.º 1 do art.º 1915.º, todos do CC. Acontece que, ainda que esta situação partisse da atribuição da maternidade à gestante e parecesse assegurar um bom relacionamento familiar por parte da criança (que seria integrada na vida familiar do seu pai e da esposa ou unida de facto que também traçou o projeto parental da GS), não cremos que seja uma solução adequada, já que mesmo assim se sujeitaria a criança a uma situação de abandono e de alienação parental por parte da gestante, que, para todos os devidos e legais efeitos, seria sua mãe. Para além disso, esta solução só funcionaria para estas situações, mas não para aquelas já vistas em que a gestante assume sozinha a parentalidade ou a assume com o seu cônjuge ou unido de facto, casos em que o abandono da criança pela gestante não seria acautelado pelo outro progenitor (ou porque esse outro progenitor não existe, ou porque, sendo o outro progenitor o cônjuge ou unido de facto da gestante, há uma probabilidade muito diminuta de o mesmo querer manter uma relação paternal com uma criança que não é biologicamente sua e com a qual a gestante, sua cônjuge ou unida de facto, não pretende estabelecer uma relação maternal). De modo a evitar-se todo este contorno da lei, o qual prejudica a esfera e o interesse da criança que se verá retirada de um ambiente familiar para ser inserida noutro, e o qual só é feito para que a gestante não tenha que assumir as obrigações inerentes à maternidade da criança, reputamos mais conveniente que a solução legal a adotar ressalve essa situação, não se atribuindo a maternidade da criança à gestante (que não a quer) excecionados (como já estão) os casos em que a mesma, voluntariamente, pretenda assumir a maternidade, o que fará através da revogação do consentimento inicialmente prestado, ao abrigo do n.º 10 do art.º 8.º e do n.º 5 do art.º 14.º, todos da LPMA.
Com efeito, no que contende com a relevância penal que pelo art.º 39.º da LPMA é reconhecida à afetação do contrato de GS, importa dizer que nem sempre a violação dos requisitos do contrato de GS impõe a aplicação da sanção penal do art.º 39.º da LPMA, já que, como resulta do artigo e como clarificado278, somente alguns pressupostos do negócio jurídico de GS são tutelados por aquela norma. Assim, serão reduzidas as situações em que a afetação dos requisitos do contrato de GS implicará a responsabilização penal do casal de beneficiários. Sopesa ainda que, para os casos em que exista, efetivamente, responsabilidade criminal daqueles, o CP, nos seus arts.º 41.º e seguintes, permite a substituição da pena de prisão por outras penas, mormente por pena de multa, ao abrigo do art.º 45.º do CP279. A pena de multa, enquanto pena principal e não como pena de substituição, também poderá ser substituída por outras, de entre as quais se destaca a prestação de trabalho prevista no art.º 48.º do CP. Mais a mais, entre a pena de multa e a pena de prisão como penas principais, dever-se-á dar preferência à pena de multa, por ser uma pena não privativa da liberdade, desde que deste modo se realizem adequada e suficientemente as finalidades da punição280/281. Portanto, esmiuçada a disciplina inerente a estas penas principais, conclui-se serem poucas as situações em que a afetação de um dos pressupostos do regime do contrato de GS levará à privação da liberdade do casal de beneficiários. Ora, não estando privados da sua liberdade, os membros do casal de beneficiários poderão criar e manter uma relação familiar com a criança. Por outro lado, a atribuição da parentalidade ao casal de beneficiários mesmo quando estes respondam penalmente pelo incumprimento dos requisitos legais do contrato de GS não conduzirá necessariamente a que se deixe de proteger a criança, visto que sempre existirão mecanismos de proteção da mesma,
278 Na subsecção 2.2. do capítulo III desta dissertação de mestrado.
279 De acordo com o qual a aplicação de pena de prisão em medida não superior a um ano é obrigatoriamente substituída por pena de multa ou outra pena não privativa da liberdade.
280 Neste sentido, o art.º 70.º do CP, que sob a epígrafe “Critério de escolha da pena”, estatui que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
281 Quanto a esta temática, Xxxxxx xx Xx Xxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx (XXXXXX XX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX XXXXXXXXX – Código Penal Anotado e Comentado: Legislação Conexa e Complementar. 2.ª ed. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2014, pp. 237-238) ensinam que “no âmbito das penas aplicáveis ocorrem, por vezes, casos de crimes aos quais a lei faz corresponder certa alternativa: penas institucionais ou penas não institucionais (…). A escolha, a propósito e em princípio, deve incidir nas últimas, em detrimento da privação da liberdade”. Continuam que “toda a alternativa impõe uma escolha. O facto de, a propósito, in casu, a lei apontar para um dos dois termos em jogo, preferindo-o, não significa que aquela não deva ter lugar”.
quais sejam a tutela282, o apadrinhamento civil283 e a entrega da criança a terceira pessoa284, os quais poderão cessar285 quando cumprida a pena pelo casal de beneficiários.
Finalmente, cumpre dilucidar que, se o cerne desta crítica é o da atribuição da parentalidade a alguém cuja conduta é penalmente reprovável, também para o caso da atribuição da maternidade à gestante essa crítica é válida, já que, por via do n.º 2 e do n.º 4 do art.º 39.º da LPMA, também a gestante poderá ser penalmente responsabilizada por aceitar celebrar um contrato de GS que viola a lei. Porquanto, esta censura será invocada nas duas soluções até agora equacionadas e, se para aqueles que defendem que a maternidade deve ser definida em relação à gestante, a questão da relevância penal da conduta da gestante pode ser resolvida e ultrapassada, então o mesmo se terá de propugnar para a solução contrária que se analisa, a qual sustenta que a parentalidade deve ser atribuída ao casal de beneficiários.
Avançando para a segunda problemática desta solução – que se centra no facto de não ser legalmente adequado atribuir os mesmos efeitos jurídicos a um contrato válido e a um contrato inválido –, pese embora compreendamos o cerne da crítica, não cremos que esta seja inultrapassável.
Com verdade, são várias as situações em que a lei permite que se ignorem os efeitos da invalidade contratual para se beneficiar a posição de um terceiro para o qual o contrato surge efeitos. A título de exemplo, releva-se o n.º 1 do art.º 291.º do CC, que refere que a nulidade ou a anulação do negócio jurídico celebrado sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não afetará os direitos onerosamente adquiridos sobre os mesmos bens por terceiro de boa-fé. Também, os arts.º 1647.º e 1648.º do CC, relativos ao casamento putativo: de acordo com estas normas, o casamento civil, ainda que anulado, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, poderá produzir os seus efeitos relativamente a estes e a terceiros. Por relevante, veja-se ainda a disciplina inerente ao n.º 4 do art.º 285.º do CCP, de acordo com a qual, não sendo possível reduzir ou converter o contrato, o efeito anulatório do mesmo pode ser afastado se, ponderados os interesses em conflito e a gravidade do vício contratual em causa, se entender que tal efeito anulatório é desproporcional ou contrário à boa-fé. Não poderá ser também o contrato de GS
282 Consagrada nos arts.º 1921.º e seguintes do CC.
283 Cujo regime se encontra estatuído na Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro.
284 De acordo com o regime dos arts.º 1907.º, 1918.º e 1919.º do CC.
285 Por via do art.º 1961.º do CC, do art.º 25.º da Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro, e do art.º 1920-A do CC, respetivamente.
uma das circunstâncias em que se tutela um outro interesse – aqui, o superior interesse da criança –, em detrimento da produção dos efeitos invalidantes do contrato? Cremos que sim.
Denote-se que a lei define, nos já invocados n.º 1 do art.º 3.º da CDC e na al. a) do art.º 6.º da CEEDC, que sempre que esteja em causa uma situação que possa ter efeitos reflexos ou diretos numa criança, são os interesses da criança – e mais nenhuns – que ditarão a solução a adotar. Parece claro, aplicando as regras de interpretação da lei vertidas no art.º 9.º do CC, que o superior interesse da criança também se sobreporá aos valores e regras jurídicas determinadas para tutelar a figura do negócio jurídico. Por isso, se é natural que se equacione que a gestante, porque nunca quis aquele filho, poderá negligenciar a sua maternidade ou entregar a criança para a adoção, então parece-nos claro que a solução a adotar é a que melhor resguardar a criança, devendo esta última ser entregue ao casal de beneficiários, mesmo que com isso se prejudique a produção dos efeitos advenientes do regime da invalidade contratual. De verdade, se noutros casos – tais como os já vistos do n.º 1 do art.º 291.º e dos arts.º 1647.º e 1648.º do CC, bem assim do n.º 4 do art.º 285.º do CCP – a invalidade contratual não produz os seus efeitos para proteger outros interesses, então o afastamento dos efeitos da invalidade contratual é ainda mais justificado quando o outro interesse em ponderação é o superior interesse da criança.
A somar à argumentação que se vem de tecer, importa assinalar (na senda do que oportunamente avançamos quando nos debruçamos sobre a atribuição da maternidade da criança à gestante) que também a literalidade da lei vertida no n.º 1 do art.º 20.º e no n.º 9 do art.º 8.º da LPMA parece reconhecer o casal de beneficiários como pais da criança, independentemente do contexto em que o contrato foi celebrado e executado. Efetivamente, o n.º 1 do art.º 20.º da LPMA define que a filiação da criança deve ser estabelecida em relação àqueles que autorizaram o recurso às técnicas de PMA (sendo que é através das técnicas de PMA que a GS se concretiza). Por sua vez, o n.º 9 do art.º 8.º da LPMA prescreve que a criança será tida como filha dos beneficiários. A aplicação destas regras não é legalmente afastada quando perante um contrato de GS inválido286, o que permite que sustentemos o estabelecimento da filiação da criança em relação ao casal de beneficiários, mesmo se perante um contrato de GS celebrado à margem da lei.
286 Adota-se, nesta parte, um argumentário idêntico ao avançado por XXXX XXXXXXXX XXXXX – “Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? (…)”, cit., pp. 165-166, por XXXX XXXXX XXXXXX – “Tudo aquilo que você sempre quis saber (…)”, cit., pp. 13-14, e por XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 640, desenvolvidos na subsecção 2.2. do capítulo IV desta dissertação de mestrado.
Sabemos que esta resposta – que é permissiva à atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários – não é acrítica, visto que atenta contra o cerne e a génese do regime contratual. Porém, do outro lado da ponderação de interesses temos o interesse de garantir que a criança é entregue a uma família que sempre a quis, que tudo fez para concretizar o seu projeto parental e familiar e que com elevada probabilidade lhe dará o lar, afeto, amor e educação que a criança não terá se for entregue à gestante – que nunca a pretendeu assumir como sua filha – ou que demorará a encontrar se for entregue a uma família adotiva (já que, neste último caso, a criança terá de passar, obrigatoriamente, pelo processo de adoção, o qual será longo e demorado, podendo não chegar a concretizar-se numa adoção efetiva).
5.3. Da adequação da solução que defende o estabelecimento da parentalidade através de uma apreciação judicial casuística
Porque ainda falta analisarmos a última solução avançada, questiona-se se, efetivamente, quando perante um contrato de GS celebrado em violação da lei, a definição da filiação da criança não poderá ser resolvida casuisticamente pelo tribunal, sem que haja qualquer interferência legal prévia na matéria.
Entendemos que não. De verdade, não se nega que a intervenção do tribunal possa ter suma relevância, já que, exercendo o poder jurisdicional, ele pode efetivamente atribuir a parentalidade da criança a quem julgue ser(em) a(s) pessoa(s) com maior capacidade para tomar conta dela. Todavia, verdade é que o tribunal sempre deverá partir da letra da lei para decidir um caso concreto. Ou seja, no nosso entendimento, a lei deve enunciar em relação a quem a parentalidade da criança deverá ser definida em caso de invalidade contratual do negócio jurídico de GS e, posteriormente, analisando o caso particular, o tribunal pode ajuizar pela aplicação ou afastamento daquela regra legal ao/no caso. Não se poderá desvirtuar o poder legislativo e permitir que o tribunal decida de modo legalmente infundado, sob pena de afetação da previsão constitucionalmente consagrada no art.º 203.º da CRP, ao abrigo da qual “os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”287.
287 Xxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxx (XXX XXXXXXXX; XXXXX XXXX XXXXXXXXX – Anotação ao “Artigo 203.º”. In XXX XXXXXXXX; XXXXX XXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada. Vol. III: Organização do poder político, garantia e revisão da Constituição, disposições finais e transitórias – artigos 202.º a 296.º. 2.ª ed. revista, atualizada e ampliada. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2020, pp. 34-35) afirmam que “a proclamação da independência dos tribunais não vale como abertura ao arbítrio, significando antes subordinação – e subordinação exclusiva – à lei. Trata-se, pois, de uma independência que permite aos tribunais impor a validade do direito perante
Para nós, esta é a maior censura a esta solução, porquanto os seus defensores288 aduzem que a melhor forma de tutelar o superior interesse da criança nos casos em que o contrato de GS é celebrado à margem da lei é sujeitar a criança a uma decisão judicial adotada caso a caso, nada referindo quanto ao teor do pretenso normativo legal a partir do qual o tribunal deveria analisar o caso concreto, necessariamente por reputarem que tal norma não é precisa. Não se compreende como poderá ser tutelado o superior interesse da criança com uma decisão judicial tomada sem partir da segurança e certeza jurídicas conferidas pela lei289.
Não reputamos possível que o tribunal possa decidir o estabelecimento da filiação da criança sem partir de uma norma legal e, sendo necessária uma previsão legal que defina qual a solução a adotar, então a ingerência decisória do tribunal acaba por ser relegada para segundo plano. Dizemos isto porque o tribunal terá de partir do quadro normativo vigente – que estabelecerá a quem se deve atribuir a parentalidade da criança em casos de invalidade do contrato de GS – e terá de adaptar a solução legal ao caso concreto, não podendo, contrariamente ao proposto290, ajuizar o caso concreto, sem para tanto partir da ponderação e aplicação de uma lei prévia. Visto que terá que existir uma disposição legal que enuncie a solução a adotar, que essa solução normativa tem que ser adotada necessariamente antes de o tribunal poder decidir o caso, e que é o teor dessa solução legal que acabará por ser ponderado pelo tribunal para saber em relação a quem estabelecer a parentalidade da criança quando
as situações concretas que suscitam a problemática da sua aplicação. Naturalmente, subordinação à lei deve hoje ser entendida como subordinação, não apenas ao bloco de legalidade estrito, mas também à Constituição e a outras normas jurídicas prevalecentes, incluindo do Direito da União Europeia ou do Direito internacional, podendo, neste sentido, afirmar-se que o princípio da legalidade subjacente ao artigo 203.º se confunde hoje com um princípio de juridicidade”.
288 Mencionados na subsecção 2.3. do capítulo IV deste trabalho.
289 Veja-se, nesta matéria, o parecer de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx (XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Regulação do Exercício (…), cit., p. 62), quando propugna que “o julgador não pode seguir acriticamente a conclusão a que o conduz o seu sentimento jurídico, pois nele poderiam estar contidos os seus preconceitos, a sua experiência pessoal da vida, a sua visão do mundo. Tem sido denunciado, quer em Portugal, quer noutros países europeus, (…) que o carácter indeterminado do conceito de interesse da criança conduz à falta de transparência das decisões judiciais tomadas de acordo com as convicções pessoais do julgador disfarçadas ou encobertas pelo carácter apelativo do interesse da criança, critério que se tem revelado inútil porque permite legitimar qualquer decisão. Na verdade, este critério carece de ser definido pelo legislador para vincular mais fortemente o juiz à lei e evitar decisões distintas para casos semelhantes, solução inaceitável num Estado de Direito e que viola os direitos dos cidadãos à igualdade e à segurança jurídica”. Posteriormente, a Autora conclui o seguinte: “a fim de limitar este poder discricionário e de facilitar o controlo das decisões judiciais, seria aconselhável que o legislador definisse o conceito de interesse da criança (…). Esta técnica legislativa visa conferir à lei maior clareza e tornar mais preciso o conceito de interesse da criança (…)” (XXXXX XXXXX XXXXXXXXXX – Regulação do Exercício (…), cit., p. 67). Também XXXXX XXXXXXXX – As Problemáticas e os Desafios (…), cit., p. 640, sobre a necessidade de, antes de tudo, existir uma disposição legal que regule a definição da parentalidade da criança nos casos de contratos de GS nulos. A Autora apenas ponderou a nulidade contratual por ter sido a invalidade que a lei já previu expressamente para o contrato de GS celebrado à margem da lei.
290 Por parte da doutrina e pelo CNECV, nos termos referidos na subsecção 2.3. do capítulo IV da dissertação.
perante um contrato de GS inválido – a eventual decisão do tribunal será uma confirmação ou derrogação do que se encontra plasmado na lei –, então perde-se a intencionalidade inerente a esta terceira solução, que era a de o tribunal definir a filiação da criança sem para isso ter de partir de qualquer norma.
Para além disso, em nenhum artigo em vigor se determina que o tribunal deverá decidir a quem atribuir a parentalidade da criança nascida do contrato de GS inválido sem, para tal, partir da lei. Assim, contrariamente ao proposto por alguma parte da doutrina e pelo CNECV291, antes de a solução advir do tribunal, deverá encontrar-se estatuída em lei clara e só posteriormente à consideração dessa disposição legal é que o tribunal poderia decidir por aplicar ou afastar a norma ao/no caso concreto.
Em acréscimo, e sem prejuízo da importância da crítica até então exposta, na ponderação desta terceira solução uma outra problemática é de equacionar, relacionada com a elevada duração de um processo judicial. Com efeito, de um estudo promovido anualmente pela DIREÇÃO-GERAL DA POLÍTICA DE JUSTIÇA292, em 2022 a duração média das ações cíveis em primeira instância foi de onze meses293. Ponderados eventuais recursos (os quais naturalmente aumentarão aquela pendência), parece-nos que a demora judicial não dá conta da urgência atinente à aferição da parentalidade da criança nascida ou a nascer de um contrato de GS inválido. Posto que, também por este motivo, a definição da filiação por parte do tribunal não nos parece ser a solução mais consentânea com o superior interesse da criança.
Assim, em resenha, não se nega a intervenção do tribunal nos casos em que a aplicação da lei é problemática (tal como nunca poderia acontecer) e muito menos se ignora a importância decisória que o tribunal poderá ter para adaptar a solução legalmente vertida ao caso concreto. Mas, para adequar a lei à fattispecie da situação, é necessário, naturalmente, que essa solução legal já exista, não podendo a decisão judicial ser adotada sem qualquer prescrição e base legal,
291 Nesta matéria, ver a subsecção 2.3. do capítulo IV da dissertação.
292 DIREÇÃO-GERAL DA POLÍTICA DE JUSTIÇA – Estudo sobre a duração média (em meses) dos processos nos tribunais judiciais de primeira instância [Em linha]. [S.l.]: Direção-Geral da Política de Justiça, 2015-2022. [Consultado em 06.07.2023]. Disponível para acesso em xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxx/xx- pt/Paginas/Duracao-media-de-processos.aspx.
293 Sem prejuízo de se saber que poderiam ser criados mecanismos que impusessem um tratamento urgente destes processos, a realidade é que, ao momento, tais mecanismos não existem, pelo que não poderão ser ponderados. Além disso, por muito urgentes que tais mecanismos pudessem ser, os processos judiciais sempre têm uma duração associada, a qual não tutela a criança nascida que, durante a pendência, permaneceria com a parentalidade indefinida, nem a criança a nascer, que, no momento do nascimento, poderia não ter, ainda, a sua parentalidade judicialmente estabelecida, o que, nesta solução, implicaria a indefinição da mesma.
em total violação do princípio da separação dos poderes294. Deste modo, a via através da qual o tribunal estabeleceria, caso a caso, a parentalidade da criança nascida da GS não é, verdadeiramente, uma solução real e atendível, visto que sobrepõe o poder judicial ao poder legislativo, propugna que o tribunal pode proceder ao estabelecimento da filiação da criança sem partir de uma disposição legal existente e nem sequer questiona qual o teor da solução legal que deveria já encontrar-se prescrita na lei, concedendo ao tribunal liberdade para decidir do modo que repute conveniente e adequado, de maneira totalmente livre e discricionária. Sopesa ainda que a demora inerente à pendência judicial não vai de encontro nem acautela a urgência destas matérias, não podendo a criança ficar numa situação de parentalidade indefinida até que haja decisão judicial transitada em julgado relativamente ao estabelecimento da sua filiação.
Posto que, em face de tudo o que se explicou, e depois de uma ponderação de todos os argumentos e críticas ante expostos, entendemos que a solução a ser adotada quanto ao estabelecimento da filiação da criança nos casos em que o contrato de GS é inválido será aquela que atribui a parentalidade da criança ao casal de beneficiários. Resumindo-se tudo à ponderação de dois interesses – o superior interesse da criança e o interesse pela aplicação do regime dos contratos – decorre da própria lei (no n.º 1 do art.º 3.º da CDC, e na al. a) do art.º 6.º da CEEDC) a supremacia do primeiro interesse (o da criança) em face do segundo (e, na verdade, em face de qualquer outro interesse com o qual o superior interesse da criança se debata).
5.4. O contrato como o instituto jurídico mais adequado?
Analisada a problemática da definição da parentalidade em caso de invalidade do contrato de GS, fomos conduzidos a questionar a adequação do regime contratual à figura da GS. De facto, devidamente ponderadas todas as censuras que foram sendo assinaladas, pergunta-se se o instituto jurídico do contrato será o mais pertinente para disciplinar a GS. Para a análise desta
294 Acerca deste princípio, Xxxxx Xxxxxxx (XXXXX XXXXXXX – Anotação ao “Artigo 2.º”. In XXX XXXXXXXX; XXXXX XXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada. Vol. I (…), cit., pp. 84-85) assevera que “separação de poderes significa mais do que reserva de competência de vários órgãos uns perante os outros. Significa (…) não tanto pluralidade de órgãos quanto distribuição de competências em moldes funcionalmente adequados, na qual, a par de uma conexão mais ou menos próxima com as funções do Estado, sobreleva o intuito de divisão, de desconcentração, de limitação de poder. Por isso não pode deixar, ao mesmo tempo, de postular interdependência. Numa perspetiva mais estrita, a separação de poderes manifesta-se, principalmente: – No primado de competência legislativa da Assembleia da República (artigos 161.º, 164.º, 165.º e 169.º); – Na exclusão da competência administrativa da mesma Assembleia; – Na reserva de jurisdição dos tribunais (artigo 202.º)”.
questão, consideraremos alguns dos contributos que se vêm sedimentando sobre a matéria. Partindo destes, formaremos o nosso próprio parecer.
Iniciemos pelo entendimento propugnado por XXXX XXXXX RAPOSO295, que afirma que o regime dos contratos deverá adaptar-se à figura da GS de modo a acolhê-la, mas sem que isso implique qualquer afetação dos interesses das partes. Dá o exemplo do contrato de casamento, que é um contrato que estabelece relações familiares entre as partes e que em pouco se aproxima das regras gerais vertidas para o negócio jurídico. Acrescenta que o direito contratual deve ser permeável para que se proteja o superior interesse da criança nestes contratos de GS.
Todavia, sem prejuízo daquele entendimento, há quem sustente que essa capacidade de adequação do regime do contrato à figura da GS não se verifica. XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX assevera que a regulação da GS através do instituto jurídico do contrato “parece levantar mais problemas do que propriamente proporcionar um conjunto de soluções adequadas e eficientes para as questões debatidas. São, em muitos casos, evidentes os limites das normas contratuais e a sua desadequação neste campo, nomeadamente a ineficiência das regras da nulidade do negócio para todas as situações que a lei comina com tal consequência”296.
Compreendemos a argumentação avançada por MARIA RAQUEL GUIMARÃES297 quando sustenta que a adaptação da GS ao regime do contrato poderá levantar mais problemas do que solucionar os já existentes. Volvidos mais de quinze anos desde a publicação da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho – legislação que já submetia a MS ao regime do negócio jurídico e que impunha a nulidade298 do contrato de MS – ainda hoje não é claro o regime que disciplina a GS em certas ocasiões. Não se sabe, por exemplo, como proceder ao estabelecimento da filiação da criança nascida de um contrato de GS inválido, sendo que, como contrato, o mesmo estará sujeito às regras da invalidade do negócio jurídico299/300.
Todavia, no panorama legislativo português não cremos que existam, ao momento, institutos jurídicos mais adequados do que o do negócio jurídico para regulamentar a GS.
295 XXXX XXXXX XXXXXX – “«A parte gestante está proibida de pintar as unhas» (…)”, cit., pp. 170-171.
296 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 126.
297 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX – “«Subitamente, no Verão Passado» (…)”, cit., p. 126.
298 Neste sentido o n.º 1 do art.º 8.º da LPMA na sua redação inicial, introduzida pela Lei n.º 32/2006, de 26 de julho.
299 Prescritas nos arts.º 285.º e seguintes do CC.
300 Para maiores desenvolvimentos sobre a subsunção do contrato de GS às regras gerais da invalidade do negócio jurídico, ver a subsecção 2.1. do capítulo III desta dissertação.
O contrato, beneficiando da liberdade consagrada no art.º 405.º do CC, é a figura que mais respeita a autonomia privada das partes301. No contrato, as partes manifestam a sua vontade de se vincularem a direitos e/ou obrigações que consideram satisfazer os seus interesses. O Direito, através da figura do contrato, acolhe a concertação de pretensões dos privados, respeitando o funcionamento da autonomia privada.
Além disso, o regime do negócio jurídico foi pensado para acautelar a posição das partes contratuais mesmo quando estas se bastam em declarar aquela que é a sua vontade302. Deste modo, não obstante conceder liberdade para a autorregulação das partes, o instituto do negócio jurídico não se escusa da responsabilidade de proteger os interesses das mesmas.
Ora, no caso da GS, está-se perante uma concertação de vontades (a da gestante – de suportar a gravidez da criança para no final a entregar ao casal de beneficiários –, e a do casal de beneficiários – de realizar o seu projeto parental) e de interesses (da gestante, do casal de beneficiários e, mais relevante, da criança que nascerá), pelo que é relevante que esta seja regulada pelo instrumento jurídico que foi pensado e criado necessariamente para cuidar das situações onde exista uma panóplia de intervenientes e de interessados. Esse instrumento jurídico é o contrato.
Mas, se entendemos que a disciplina da GS continua a dever estar submetida às regras vertidas na lei (nomeadamente no CC) para o regime dos contratos, sufragamos também que, para futuro, aquela disciplina deverá ser adaptada, atenta a relevância e pessoalidade dos interesses envolvidos303. Tal como ocorre com o contrato de casamento – que não deixa de ser
301 “A autonomia da vontade ou autonomia privada consiste no poder reconhecido aos particulares de autoregulamentação dos seus interesses, de autogoverno da sua esfera jurídica. Significa tal princípio que os particulares podem, no domínio da sua convivência com os outros sujeitos jurídico-privados, estabelecer a ordenação das respectivas relações jurídicas”. “Estamos perante o instrumento principal de realização do princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada”. Neste sentido, XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX; XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX; XXXXX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 102 e p. 380.
302 Como exemplo invoca-se o regime que a lei estabeleceu para proteção das partes negociais quando perante vícios da vontade, quais sejam o erro sobre a pessoa do declaratário (art.º 251.º do CC), o erro sobre o objeto do negócio (art.º 251.º do CC) e o erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio (art.º 252.º do CC).
303 Nesta parte, concordando com a posição enunciada na subsecção 2.4. do capítulo IV desta dissertação, de acordo com a qual o mais adequado seria proceder à alteração do regime das invalidades contratuais, quando aplicável ao contrato de GS. Porém, como se viu, antes de sustentarmos esta solução, propusemo-nos analisar em relação a quem estabelecer a parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido, perante o regime atualmente em vigor. É esta última parte que nos diferencia da doutrina enunciada na subsecção 2.4. do capítulo IV que, sem avançar uma resposta para a problemática da filiação da criança, sustenta que o regime das invalidades contratuais deveria ser adaptado quando aplicado ao negócio jurídico de GS.
tido como um negócio jurídico para efeitos legais –, no caso do contrato de GS deverão ser adotadas regras especiais em face do regime-regra previsto para os contratos privados.
Para o que nos importa – o impacto da invalidade contratual do negócio jurídico de GS na aferição da parentalidade da criança –, perfilhamos, em parte, o parecer propugnado por GUILHERME DE OLIVEIRA304: dever-se-á “acrescentar alguma flexibilidade ao regime da nulidade, estabelecendo um prazo de convalidação no interesse da estabilidade familiar da criança; e, nos casos de anulabilidade, usando a faculdade geral de confirmação dos atos omitidos ou defeituosos pelos interessados, e a convalidação pelo decurso do tempo”.
Com efeito, limitando-se o prazo para a arguição da nulidade do contrato305/306/307, conseguir-se-á garantir uma maior segurança e certeza jurídicas, pois que se saberá que, ultrapassado o momento legalmente estipulado para a invocação da nulidade, o contrato de GS se terá convolado num contrato válido e, assim, se terá sedimentado na ordem jurídica. Desta maneira, a invalidade contratual derivada da nulidade não mais possibilitará que a criança seja separada, a qualquer momento, do ambiente familiar em que se encontra inserida. De certa forma, a adaptação do regime da nulidade contratual passaria, num primeiro momento, por limitar temporalmente a invocação da nulidade do negócio jurídico de GS do mesmo modo como o legislador circunscreveu o momento até ao qual se pode invocar a anulabilidade do contrato para os negócios jurídicos em geral308. Cremos que esta limitação é compreensível atenta a fragilidade da posição da criança no negócio: dever-se-ão adotar todos os mecanismos possíveis para diminuir a sujeição da criança aos interesses das partes envolvidas e aos interesses de terceiros em invocar a invalidade contratual.
304 XXXXXXXXX XX XXXXXXXX – “Gestação de substituição em Portugal”, cit., p. 817.
305 A atual redação do art.º 286.º do CC define que a nulidade do contrato é invocável a todo o tempo.
306 Por via da parte final do n.º 1 do art.º 287.º do CC, a invocação da anulabilidade do negócio jurídico já se encontra, em princípio, temporalmente limitada.
307 O TC, no Ac. n.º 225/2018, de 24 de abril (DR, I Série, n.º 87, de 7 de maio de 2018, p. 1927) demonstra que, também no seu entendimento, é excessivo permitir-se que a arguição da nulidade seja feita a qualquer momento. Assevera que “a rigidez excessiva inerente à invocabilidade da nulidade sem limite de tempo torna-se evidente quando confrontada com a possibilidade de o procedimento criminal relativamente aos crimes tipificados no artigo 39.º da LPMA se extinguir, por prescrição, nos prazos de dois ou cinco anos, conforme a pena máxima aplicável [cfr. o artigo 118.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código Penal]. Por outro lado, o regime da nulidade não permite diferenciações, seja em função da gravidade de cada causa, seja em função da realidade criada na sequência da execução de um contrato nulo”.
308 No sentido legislado na parte final do n.º 1 do art.º 287.º do CC.
Relativamente à anulabilidade, além da possibilidade de confirmação do negócio jurídico309, sustentamos a definição de um limite temporal idêntico ao que proporemos para a invocação da nulidade do contrato. Também aqui, a não invocação da anulabilidade do negócio jurídico no hiato temporal proposto (em derrogação do prazo geral vertido na parte final do n.º 1 do art.º 287.º do CC), ou a confirmação do contrato naquele mesmo prazo, implicarão a convolação do contrato inválido num contrato válido. Essa convolação impossibilitará que a criança seja retirada do seio familiar em que se vem formando e crescendo.
E qual o momento no qual se deve definir o limite temporal da invocação da invalidade contratual (quer da nulidade do negócio jurídico, quer da anulabilidade do mesmo)?
Entendemos que a arguição da invalidade contratual, por qualquer um dos seus vícios310, deverá ser feita até seis semanas após o parto311. Efetivamente, ao abrigo do n.º 10 do art.º 8.º e do n.º 5 do art.º 14.º da LPMA, o consentimento prestado para a GS pela gestante pode ser livremente revogado até ao registo da criança nascida. Por virtude do n.º 1 do art.º 96.º do CRC, o nascimento ocorrido em território português deve ser declarado nos vinte dias imediatamente posteriores ao nascimento ou, se o nascimento ocorrer em unidade de saúde onde seja possível declarar o nascimento, até ao momento em que a parturiente receba alta da unidade de saúde. Se até ao momento em que a gestante poderia ter revogado o seu consentimento e assumido a maternidade da criança, ela não o fez, então isso significará que a gestante não tem qualquer pretensão de ser tida como mãe da criança. Ora, não existindo essa pretensão por parte da gestante, não se deve permitir que exista no ordenamento jurídico um mecanismo que possibilita, intemporalmente312, e a qualquer pessoa interessada313, que o contrato seja
309 A qual decorreria – tal como hoje decorre – do art.º 288.º do CC. Aqui, a pessoa a quem a lei atribui legitimidade para arguir a anulabilidade do negócio jurídico celebrado vem declarar que concorda com o teor do contrato, mesmo que viciado.
310 Criando-se, portanto, um regime especial em face dos regimes gerais de invocação da invalidade contratual resultantes do art.º 286.º (para a nulidade) e do art.º 287.º do CC (para a anulabilidade).
311 Em circunstância idêntica à prevista no n.º 3 do art.º 1982.º do CC que se refere ao tempo que deve decorrer até que a mãe biológica possa prestar o seu consentimento para a entrega do seu filho para a adoção. Se no caso da adoção o prazo de seis semanas se reputa adequado para a mãe biológica equacionar se quer efetivamente entregar a criança para a adoção, no caso da GS o mesmo prazo deverá ser bastante para que as partes interessadas na invocação da nulidade (por via do art.º 286.º do CC) ou com legitimidade para arguir a anulabilidade (pelo n.º 1 do art.º 287.º do CC) se decidam na invocação, ou não, da invalidade do negócio jurídico. As relações familiares estabelecidas pela/com a criança não podem ficar condicionadas, ad eternum, à arguição da invalidade contratual. Justifica-se a limitação do prazo de invocação da invalidade contratual às primeiras seis semanas após o parto tendo em conta a natureza dos interesses envolvidos, id est, o superior interesse da criança.
312 Para o caso de arguição da nulidade do contrato, tal como preceitua o art.º 286.º do CC.
313 No caso da nulidade, vide art.º 286.º do CC.
declarado inválido e a maternidade da criança seja imposta à gestante314, sob pena de a criança poder ser retirada do ambiente familiar em que se encontra totalmente inserida para ser entregue à gestante que não a quer como filha e, nesse seguimento, a criança ser abandonada pela gestante315.
A limitação do prazo para a invocação da invalidade do contrato de GS, além de proteger a criança (tentando impedir que a mesma seja retirada do ambiente familiar que conhece), evita a deturpação do regime jurídico inerente ao contrato de GS. Com efeito, conforme se acabou de dizer, o consentimento da gestante só pode ser revogado até um certo momento316. Se sustentarmos que a invalidade contratual da GS implica a atribuição da maternidade da criança à gestante317/318, e não limitarmos o momento até ao qual as partes podem invocar a nulidade319 do negócio jurídico, estaremos a conceder à gestante uma outra via (temporalmente ilimitada) para ter os mesmos efeitos que derivariam da revogação do seu consentimento: a atribuição, à gestante, do estatuto de mãe da criança. De facto, a forma como o regime atual está pensado permite que a gestante revogue o seu consentimento até ao registo da criança nascida320 e que a própria gestante invoque a nulidade do contrato em qualquer momento321. Permitir a arguição da nulidade do contrato a qualquer momento – principalmente para os casos em que se defende que o contrato de GS, quando inválido, implica a atribuição da maternidade à gestante322 – deturpa o limite temporal da revogação do consentimento prestado pela gestante323 e é atentatório do direito da criança ao estabelecimento de relações familiares e a um
314 Para aqueles que propugnam que a invalidade do contrato de GS implica a atribuição da maternidade da criança à gestante (posição com a qual não concordamos, tal como justificado na subsecção 5.1. do capítulo IV desta dissertação de mestrado). Para maior detalhe veja-se a subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação.
315 Para mais desenvolvimentos sobre esta matéria, remetemos para a subsecção 5.1. do capítulo IV desta dissertação de mestrado.
316 O consentimento da gestante pode ser revogado até ao registo da criança, o qual deverá ser feito nos vinte dias imediatamente posteriores ao nascimento ou, se o nascimento ocorrer em unidade de saúde onde seja possível declarar o nascimento, até ao momento em que a parturiente receba alta da unidade de saúde (neste sentido o n.º 10 do art.º 8.º e o n.º 5 do art.º 14.º da LPMA, conjugado com o n.º 1 do art.º 96.º do CRC).
317 Atente-se na subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação de mestrado.
318 Postura com a qual discordamos, na sequência do avançado na subsecção 5.1. do capítulo IV desta dissertação. 319 Não falamos da anulabilidade porque o regime-regra limita temporalmente a sua arguição na parte final do n.º 1 do art.º 287.º do CC.
320 Por conjugação do n.º 10 do art.º 8.º e do n.º 5 do art.º 14.º da LPMA com o n.º 1 do art.º 96.º do CRC.
321 Por via do já enunciado art.º 286.º do CC.
322 Para maior detalhe, atente-se na subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação.
323 Revogação a qual, como se disse, só pode ser realizada até ao registo da criança nascida, de acordo com o n.º 10 do art.º 8.º e o n.º 5 do art.º 14.º da LPMA, conjugados com o n.º 1 do art.º 96.º do CRC.
desenvolvimento e crescimento estáveis e saudáveis324/325. Por causa de tudo o que se vem de dizer, o limite temporal que ora se propõe teria que ser adotado, e, parece-nos, não poderá ser muito afastado do momento do nascimento, pelos motivos acabados de explanar, sob pena de as relações familiares se encontrarem ainda mais sedimentadas no momento da invocação da invalidade contratual, o que implica que os efeitos práticos desta invalidade sejam mais nocivos.
Assim, cremos que o limite das seis semanas após o parto é um prazo razoável para que as pessoas a quem se reconhecerá legitimidade para arguir a invalidade do negócio jurídico de GS invoquem a ocorrência de um vício no contrato. Após o decurso desse tempo, consideramos que a criança já se encontra totalmente inserida no ambiente familiar que a acolheu e, deste modo, a sua permanência naquela família não pode ficar sujeita à vontade de alguém ou alguma entidade se decidir a invocar a ocorrência de uma invalidade contratual326.
Por fim, a outra adaptação que sugerimos para o regime contratual aplicável à GS é o da limitação do âmbito de pessoas que podem arguir a invalidade do negócio.
324 Para esta afirmação pensamos, concretamente, nas circunstâncias em que se defende que a invalidade do contrato de GS implica o estabelecimento da maternidade da criança em relação à gestante (subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação de mestrado). Para quem sustenta que a parentalidade deve ser atribuída ao casal de beneficiários mesmo quando perante um contrato de GS inválido (ver subsecção 2.2. do capítulo IV desta dissertação), a arguição da invalidade não terá impacto na criança, que se manterá inserida no mesmo ambiente familiar. Para mais desenvolvimentos ver também a subsecção 5.2. do capítulo IV da dissertação.
325 O raciocínio acabado de expor também poderia ser invocado em relação ao casal de beneficiários. De facto, ultrapassado o momento até ao qual podem revogar o consentimento prestado – o casal de beneficiários pode revogar o consentimento até ao início dos processos terapêuticos de PMA, pelo n.º 4 do art.º 14.º da LPMA, em conjugação com o n.º 10 do art.º 8.º do mesmo diploma legal –, o casal de beneficiários, se não mais quiser assumir a parentalidade da criança, pode, a qualquer momento (de acordo com o regime da nulidade contratual consagrado no art.º 286.º do CC), invocar a nulidade do contrato de GS para que a maternidade da criança seja definida em relação à gestante (para quem defenda essa solução, nos termos explicados na subsecção 2.1. do capítulo IV desta dissertação). Todavia, no nosso parecer, nas situações em que o casal de beneficiários não pretenda assumir a filiação da criança, este, muito provavelmente, equacionará a entrega da criança para a adoção, nos termos consagrados nos arts.º 1973.º e seguintes do CC. Através da entrega da criança para a adoção o casal de beneficiários consegue assegurar que a parentalidade da criança não lhes será atribuída. De outro modo, a definição da maternidade em relação à gestante pode implicar, em certos casos, que a paternidade da criança seja atribuída ao membro masculino do casal de beneficiários (conforme visto na subsecção 3.1. do capítulo IV da dissertação). 326 Repare-se que, o que o regime ora proposto impedirá é que a manutenção da relação familiar da criança com o casal de beneficiários seja colocada em causa pela alegada ocorrência de vícios contratuais que são tidos por menores quando comparados com o superior interesse da criança a ser acolhida e inserida numa família que a quer (sobre este assunto, remetemos para a subsecção 5.2. do capítulo IV da dissertação), principalmente num quadro circunstancial em que a gestante não quer assumir o estatuto de mãe da criança. Tal regime não impede, porém, que na decorrência ou posteriormente ao decurso do prazo para arguição da invalidade contratual, o casal de beneficiários, a gestante ou o pretenso pai da criança impugnem a parentalidade. Pense-se no caso em que a criança nascida é concebida numa relação sexual estabelecida entre a gestante e outro homem: aqui existirão outros mecanismos para tutelar os interesses dos envolvidos, os quais não passam pela arguição da invalidade do negócio jurídico celebrado.
Conforme se teve oportunidade de dizer na secção 1. do capítulo III desta dissertação de mestrado, se a nulidade do contrato pode ser invocada por “qualquer interessado”327, a legitimidade de invocação da anulabilidade do negócio jurídico está limitada àqueles a quem a lei reconheça essa possibilidade328.
Atentos os interesses em causa no contrato de GS – principalmente, o superior interesse da criança que dele nascerá, em torno do qual o contrato de GS se deverá reger329 –, não se entende que, pelo menos no que respeita com o regime da nulidade contratual, “qualquer interessado” possa arguir a invalidade. Como aqui já se disse, a doutrina330 tem explicado que será “interessado” o “titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio”. Todavia, para efeito do negócio jurídico de GS, não cremos que mais ninguém, além das partes contratuais (gestante e casal de beneficiários), das entidades que intervêm no procedimento de GS (tais como o CNPMA, a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Psicólogos331), do Estado e do MP, possa ser tido como “interessado” na invocação da nulidade do negócio jurídico: as primeiras, porque são partes contratuais; as segundas, porque lhes compete garantir que o contrato de GS é celebrado e executado em respeito pela lei. Quanto à intervenção do Estado, justifica-se como garante do interesse público. Por fim, cabe ao MP atuar em representação do sujeito jurídico que se gera e da criança nascida332/333.
No nosso entendimento, para o contrato de GS é imperioso circunscrever o conceito de “interessados” vertido no art.º 286.º do CC, não se permitindo que naquele conceito sejam abrangidos todos os que, em regra, podem alegar a nulidade de um negócio jurídico. Quando aplicável ao contrato de GS, ficam excluídos dos “interessados” mencionados no art.º 286.º do CC quaisquer outros parentes do casal de beneficiários ou da criança, bem assim o unido de facto ou marido da gestante e qualquer outro parente desta última.
327 Vide art.º 286.º do CC.
328 Pelo n.º 1 do art.º 287.º do CC.
329 Desde logo pela imposição legal estatuída no n.º 1 do art.º 3.º da CDC e na al. a) do art.º 6.º da CEEDC.
330 XXXXX XX XXXX; XXXXXXX XXXXXX – Código Civil Anotado, Vol. I (…), cit., p. 244.
331 A intervenção destas entidades no processo da GS encontra-se explicada na secção 2. do capítulo II desta dissertação.
332 O MP atua sempre em representação e tutela dos interesses das crianças. Considere-se, a título de exemplo do que se disse, o art.º 1776-A, o n.º 4 do art.º 1808.º, o art.º 1810.º, o art.º 1836.º, o art.º 1841.º, o n.º 5 do art.º 1865.º, o art.º 1867.º, o art.º 1918.º, o art.º 1920.º e o n.º 2 do art.º 1921.º, todos do CC.
333 Sem prejuízo de sabermos que a criança figura como a principal interessada no contrato, e não obstante lhe reconhecermos legitimidade para arguir a invalidade contratual, a verdade é que, atento o limite temporal que propomos para essa invocação, e atento o facto de a criança nascida se encontrar inserida no ambiente familiar do casal (de beneficiários) que sempre a projetou e quis, não compreendemos que, na premissa de que partimos, exista algum interesse em a criança invocar a invalidade contratual, ainda que por representação do MP.
O âmbito subjetivo que se acabou de referir deverá aplicar-se, de igual modo, à anulabilidade do contrato de GS. Efetivamente, partindo do n.º 1 do art.º 287.º do CC, e adaptando-o à realidade deste contrato, cremos que, para os casos de contratos de GS anuláveis, a lei só deverá reconhecer legitimidade para arguição desta invalidade às pessoas acabadas de detalhar.
Ainda que saibamos que o regime que propomos não é isento de censuras e críticas – principalmente porque aceitando a subsunção da GS ao regime do contrato, a disciplina proposta altera as regras basilares da invalidade dos negócios jurídicos –, entendemos que, ainda assim, é aquele que melhor protege a criança que nascerá ou que nasceu da celebração e execução deste contrato: restringindo-se o limite temporal e as pessoas que podem invocar a invalidade do contrato (quer quando se verifique um vício que implica a sua nulidade, quer quando ocorra qualquer afetação de pressupostos que levam à anulabilidade do negócio jurídico), diminuímos a sujeição da criança à vontade dos demais envolvidos e, dessa forma, reduzimos a possibilidade de os interesses da criança virem a ser colocados em causa e afetados porque confrontados com interesses das partes no negócio ou de terceiros ao mesmo.
Contudo, consoante se logrou demonstrar, a adaptação do regime da invalidade contratual não impede que a invalidade do negócio jurídico seja arguida e declarada. Nos casos em que seja invocada a nulidade ou a anulabilidade do negócio jurídico de GS, em que a gestante não pretenda ser mãe da criança cuja gestação suporta e em que o casal de beneficiários pretenda assumir a parentalidade334, voltamos à solução que já avançamos na subsecção 5.2. e na parte final da subsecção 5.3., ambas do capítulo IV desta dissertação, e a parentalidade da criança deverá ser definida em relação ao casal de beneficiários, pois, no nosso parecer, só assim se tutela o superior interesse da mesma335.
334 Esta é a premissa da qual parte a nossa dissertação de mestrado, conforme mencionado na secção 1. e na secção
5. do capítulo IV.
335 Pela limitação deste trabalho, e atenta a premissa de que partimos, também aqui só ponderamos a invocação da invalidade contratual num quadro em que a gestante não quer ser mãe da criança e o casal de beneficiários pretende ver-se reconhecido no estatuto de pais da criança. Não ignoramos, todavia, que também podem existir situações em que a gestante invoca a invalidade contratual porque quer assumir a maternidade ou o casal de beneficiários a invoca porque não quer que a parentalidade da criança lhes seja atribuída. Ainda que o regime das invalidades contratuais que propomos deva ser aplicado a qualquer situação de invocação de invalidade do contrato de GS, para estas situações acabadas de descrever não valerá a resposta por nós avançada, de estabelecimento da filiação em relação ao casal de beneficiários quando perante um contrato de GS inválido, porque a nossa resposta parte, como se disse, de premissas circunscritas, as quais não se encontram preenchidas naqueles casos.
V. Considerações conclusivas
Chegados a este momento, e sem depreciar os avanços legislativos que se verificaram na GS desde a primeira versão da LPMA – introduzida com a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, a qual se referia à MS –, entendemos que estes foram manifestamente insuficientes para resolver todas as problemáticas que podem advir da celebração deste contrato, principalmente no que respeita com a possível invalidade do mesmo.
Como tivemos oportunidade de analisar, após a prolação do Acórdão n.º 225/2018 do TC e posterior entrada em vigor da Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro – a qual revogou o artigo que cominava com a nulidade os contratos de GS celebrados à margem da lei (n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação atribuída pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto) – a lei manteve-se omissa quanto a saber se era possível invocar a invalidade contratual do negócio jurídico de GS, e, em caso afirmativo, quais os efeitos que essa invalidade poderia ter na aferição da parentalidade da criança cuja gestação é suportada pela gestante.
No entendimento por nós sustentado, a revogação do n.º 12 do art.º 8.º da LPMA na redação trazida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, não teria inerente a pretensão de criar um contrato que não se sujeitasse às regras gerais da invalidade contratual, nem a pretensão de declarar a nulidade do contrato quando preteridos qualquer um dos requisitos impostos à GS, previstos ou não previstos no art.º 8.º da LPMA336. Outrossim, o sentido inerente à revogação daquela norma era o de sujeitar o contrato de GS às regras gerais da invalidade contratual, podendo o contrato de GS ser declarado nulo ou ser anulado, consoante o vício de que padeça.
Na sequência do que se acabou de avançar, uma segunda questão se coloca, referente à igual valoração dos vários requisitos impostos para a celebração de um contrato de GS. Terão os pressupostos legais consagrados para o recurso à GS a mesma valia perante a lei? Na nossa visão, não: o art.º 39.º da LPMA permite fazer uma destrinça quanto aos vários requisitos da GS, de modo a saber quais os requisitos que, uma vez violados, motivarão a declaração de nulidade do negócio jurídico de GS, e quais os pressupostos que, se afetados, implicarão a anulabilidade do contrato. Aquela norma, atribuindo relevância penal à afetação de alguns pressupostos, demonstra que a lei pretendeu atribuir um tratamento diferenciado aos vários requisitos, protegendo mais uns em face de outros. Assim, o contrato de GS celebrado ao arrepio dos requisitos determinados nos n.ºs 2, 4, 5, 7 e 8 do art.º 8.º da LPMA, ou do qual se retire
336 A título de exemplo, vejam-se os requisitos inerentes aos beneficiários, definidos no art.º 6.º da LPMA.
algum benefício económico com a sua celebração ou promoção – requisitos enunciados no art.º 39.º da LPMA – é um contrato que deverá ser declarado nulo. Por sua vez, a afetação dos demais pressupostos da GS motivará a que se declare a anulabilidade do negócio jurídico.
Após refletirmos sobre as questões que, até então, foram levantadas – sendo certo que a resposta a estas era essencial para a formação do nosso entendimento no que respeita ao cerne desta dissertação –, entramos na análise da problemática que nos propusemos estudar, que passa por saber quais os efeitos que a invalidade contratual terá na aferição da filiação da criança que nascerá na sequência daquele contrato de GS, partindo da premissa de que somente o casal de beneficiários – e não a gestante – pretende assumir a parentalidade da criança.
Como vimos, esta problemática do estabelecimento da filiação da criança quando perante um contrato de GS inválido tem vindo a ser examinada pela doutrina, pela jurisprudência – mormente, pelo TC, no seu Acórdão n.º 225/2018, de 24 de abril – e, de igual forma, pelos conselhos científicos que, de algum modo, se têm debruçado sobre o processo da GS (de onde destacamos, nesta dissertação, o contributo do CNECV). Depois de profunda análise das soluções avançadas para o estabelecimento da filiação aquando da invalidade do contrato de GS, constatamos que eram essencialmente quatro as posições a considerar, a saber: i) a atribuição da maternidade da criança à gestante; ii) a atribuição da parentalidade da criança ao casal de beneficiários; iii) a posição de acordo com a qual só o tribunal poderá definir, casuisticamente, em relação a quem se estabelecerá a parentalidade da criança nascida de um contrato de GS inválido; e, por fim, iv) o entendimento ao abrigo do qual é necessário reformar o regime legal das invalidades contratuais quando aplicado ao contrato de GS, nada se dizendo para a questão da filiação da criança em caso de invalidade contratual.
Ultrapassado este último entendimento – que não cria uma solução direta para o atual problema da aferição da parentalidade da criança em caso de invalidade do negócio jurídico de GS, antes propondo uma modificação do regime vigente –, foram três as soluções por nós equacionadas para a adoção de uma posição quanto à filiação da criança, tendo-nos pautado pelo critério do superior interesse da criança na análise de cada uma delas.
De harmonia com o que se expôs, no nosso parecer, a solução que atribui a parentalidade da criança ao casal de beneficiários, mesmo quando perante um contrato de GS inválido, é a solução que melhor se coaduna com o interesse da criança a nascer daquele negócio jurídico.
É inegável que todas as soluções em ponderação são criticáveis. Todavia, propusemo-nos desconstruir a argumentação por detrás de cada censura para, desde modo, compreendermos qual a via que nos parecia mais adequada, atenta a criança e os seus interesses. Tendo chegado à conclusão de que tudo se resumia ao conflito de dois interesses – o superior interesse da criança e o interesse pela aplicação e respeito pelo regime dos contratos –, no nosso entender, outra solução não seria de adotar senão aquela que coloca o interesse da criança acima de todos os outros337. Assim, em detrimento da produção dos efeitos da invalidade do contrato, defendemos que a criança deve ser considerada filha do casal de beneficiários que sempre a projetou e quis, ao invés de ser entregue à gestante que nunca criou qualquer projeto maternal em relação à mesma.
Finalmente, depois de analisarmos a problemática da definição da filiação da criança nascida de um contrato de GS inválido, questionamo-nos acerca da adequação do instituto jurídico do contrato para o tratamento desta figura que é a GS.
Pese embora entendamos, conforme visto, que este é o instituto jurídico que melhor acautela a autonomia privada das partes, concertando as respetivas pretensões e os interesses das mesmas, reputamos necessário que se proceda a uma adaptação do regime, atentas as especificidades do contrato de GS e os interesses nele envolvidos. Tentando contribuir para essa solução, propusemos a alteração do âmbito temporal e subjetivo dos regimes das invalidades contratuais quando invocáveis perante o contrato de GS. Assim, reduzindo-se o prazo para a arguição da nulidade e da anulabilidade contratuais, bem assim o número de pessoas que, à luz da lei338, podem invocar a invalidade dos negócios jurídicos, diminui-se a sujeição da criança aos interesses das partes contratuais e de eventuais terceiros ao contrato. Para os casos em que a invalidade contratual do negócio jurídico de GS é invocada em cumprimento dos limites por nós propostos, partindo da premissa de que a gestante não quer assumir a maternidade da criança e que, contrariamente, o casal de beneficiários pretende assumir a parentalidade, voltamos à solução defendida339 e a parentalidade da criança deverá ser definida em relação ao casal de beneficiários, visto que só deste modo se protegem os interesses da criança de se ver inserida e de crescer numa família que sempre a quis e desejou, de forma a que não se comprometa o seu bem-estar e desenvolvimentos pessoais.
337 É, aliás, essa a imposição da própria lei, prevista no n.º 1 do art.º 3.º do CDC, e na al. a) do art.º 6.º do CEEDC.
338 Dos arts.º 286.º e 287.º do CC.
339 Na subsecção 5.2. e na parte final da subsecção 5.3. do capítulo IV da dissertação.
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