SUMÁRIO
Processo nº 694/2017(*) Data: 18.07.2019
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Loja de Centro Comercial.
Contrato para o seu uso. Contrato de adesão.
Cláusulas contratuais gerais. Incumprimento.
Resolução do contrato. Compensação de créditos. Cláusula penal (Redução). Juros.
SUMÁRIO
1. O contrato através do qual se cede o direito ao uso de uma loja de um Centro Comercial deve ser considerado um “contrato atípico”, (e inominado).
2. Por “cláusulas contratuais gerais” entende-se as que são previamente formuladas para valer num número indeterminado de contratos e que uma das partes apresenta à outra, que se limita a aceitar.
3. “Contrato de adesão” é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas,
se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.
4. Se no âmbito dos “princípios da autodeterminação e da liberdade contratual” as partes estipularam uma “cláusula penal compensatória” a fim de se fixar antecipadamente o “valor da indemnização” para os casos de mora, cumprimento defeituoso ou incumprimento, a mesma apenas pode ser reduzida, de acordo com equidade, se se vier a revelar “manifestamente excessiva”, (ou se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida).
O relator,
Xxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx
Processo nº 694/2017(*)
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂ NCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “A COTAI, S.A.”, (“A 路氹股份有限公司”)., propôs acção declarativa de condenação com processo ordinário contra “B LIMITED”, (“B 有限公司”), alegando o que consta da sua petição inicial e pedindo que fosse declarada válida a resolução do “contrato de cessão do direito
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
ao uso da loja 2330” do nível 3 do “The Grand Canal Shoppes” e do “contrato de licença para uso de uma Unidade de Arrumos”, pela A. comunicada à R., e que fosse esta condenada a lhe pagar:
“a) A quantia de HKD1,313,117.92 a títu lo de remuneração contratual vencida e não paga;
b) Juros calculados sobre a quantia prevista na alínea a) desde a data de vencimento de cada factura, a uma taxa de juros correspondente ao triplo da taxa de juros legal;
c) A quantia de HKD3,333,517.83 a título de cláusula penal;
d) Xxxxx calculados sobre a quantia prevista na alínea c) desde a data da citação, à taxa de juros legal, acrescida de uma sobretaxa de 2% ao ano.
e) O valor correspondente ao imposto do selo efectivamente pago pela Autora, por força da celebração do Contrato, no valor de MOP136.382,53, mas cujo montante final está ainda por fixar em processo de impugnação pendente”; (cfr., fls. 2 a 30 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
O processo seguiu os seus termos com contestação por parte da R., (cfr., fls. 209 a 221), e réplica da A., (cfr., fls. 252 a 268), proferindo-se, seguidamente, despacho saneador, (cfr., fls. 274 a 286), e, oportunamente, sentença, onde, na parcial procedência da acção, decidiu-se:
“1. Declarar válida a resolução do contrato existente entre as partes promovida pela Autora, A Cotai, S.A., e comunicada à Ré, B Limited;
2. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de HK$6.221.809,11;
3. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 29,25% sobre a quantia de HK$1.280.303,72, contados a partir de 7 de Agosto de 2015;
4. Condenar a Ré a pagar à Autora juros à taxa de 11,75% sobre a quantia de HK$3.333.517,83, contados a partir de 7 de Agosto de 2015;
5. Condenar a Ré a restituir à Autora o valor do imposto de selo efectivamente pago pela Autora pela celebração do contrato a liquidar
em execução da presente sentença; e
6. Absolver a Ré do restante pedido formulo pela Autora.
*
Custas pela Autora e Ré na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 391 a 423-v).
*
Inconformada com o assim decidido, a R. recorreu.
Nas suas alegações de recurso produziu as seguintes conclusões: “1) Vem o presente recurso interposto da seguinte sentença que julgou a
acção interposta pelo Autor procedente por provada e, em consequência, declarou válida a resolução do contrato existente entre as partes promovida pela Autora e comunicada à ora Ré, e, condenou a Ré condenando a Ré ao pagamento das seguintes quantias, (i) HKD$6,221,809.11, juros à taxa de 29,95% sobre a quantia de HKD$1,280,303.72 contados a partir de 7 de Agosto de 2015; (ii) juros à taxa de 11.75% sobre a quantia de HK$3,333,517.83 contados a partir de 7 de Agosto de 2015; (iii) restituir à Autora o valor de imposto de selo efectivamente pago pela Autora pela celebração do contrato a liquidar em execução de sentença;
2) Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a
decisão da causa:
- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à construção e gestão de centros comerciais (alínea A) dos factos assentes).
- A Ré é uma sociedade comercial constituída ao abrigo das leis de Regiã o Administrativa Especial Hong Kong (alínea C) dos factos assentes).
- A Autora em 22 de Março de 2007 celebrou com a Ré um acordo, titulado em inglês "Agreement for the Grant of a Right to Use a Shop in the Grand Hotel Shoppes at the A Macau, conforme constante a fls. 44 a 124 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
- A data de início do prazo de contrato ("Commencement Date") foi fixada em 29 de Agosto de 2007 (alínea I) dos factos assentes).
- O termo final do contrato é, pois, 28 de Agosto de 2014 (alínea J) dos factos assentes).
- Foi acordado que as quantias que precedem têm início no "commencement date" (alínea CC) dos factos assentes).
- Acordou igualmente a Ré em proceder ao pagamento, à Autora, dos consumos de água, electricidade, gás, telefone, limpeza de esgotos e remoção de lixo que lhe fossem fornecidos/prestados pela Autora durante a vigência do contrato (alínea DD) dos factos assentes).
- A Autora celebrou também com a Ré, em 17 de Setembro de 2007, um contrato, titulado em inglês "License for Use of a Storage Unit", conforme resulta a fls. 128 a 144 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea EE) dos factos assentes).
- Ao abrigo do acordo referido em EE), a Ré prestou uma caução a favor da Autora, no valor de HK$56,250.00 (alínea FF) dos factos assentes).
- A Ré pagou por duas vezes o valor da caução respeitante ao referido em FF), uma primeira vez em 27 de Novembro de 2007 e uma segunda vez em 14 de Janeiro de 200 (alínea GG) dos factos assentes).
Base instrutória:
- Mediante o acordo referido em al. D), foi acordada entre as partes a
cedência de uso da loja 2330, localizada no nível 3 do The Grand Canal Shoppes, à Ré, com vista à instalação de um restaurante japonês de alta categoria, com a designação "XXXX Sushi" ou outra que seja aprovada pela Autora.
- Como contrapartida pelo uso da loja, acordaram as partes que a Ré estaria obrigada a pagar mensalmente à Autora uma denominada "Base Fee" ("BF") no montante mensal de HK278,120.00 durante os primeiros 5 anos do Contrato.
- Por força do "License for Use of a Storage Unit" referido em EE, a Autora autorizou a Ré a usar a unidade de arrumos designada por B4, sita no piso LG-01;
- Foi acordado que, o contrato de licença teve o seu início a 19 de Setembro de 2007 e a Ré obrigou-se a pagar à Autora, como contrapartida pelo uso da unidade d arrumos, a quantia mensal de HKD11,250.00, a título de "License Fee" (LF).
- Foi acordado que a Ré deveria constituir uma sociedade em Macau, a ser detida pela 1.ª Ré em, pelo menos 90% do capital, para a qual cederia a posição contratual, logo que a nova sociedade local se encontrasse registada (resposta ao quesito da 5ª da base instrutória).
- A Autora interpelou por diversas vezes, insistindo pela necessidade de proceder à cessão de posição, sempre sem sucesso (resposta ao quesito da 6ª da base instrutória).
- As partes estipularam, para o efeito, uma taxa moratória correspondente ao triplo da taxa de juros legal (resposta ao quesito da 39ª da base instrutória).
- Para caucionar p cumprimento das suas obrigações contratuais ao abrigo do acordo referido em D), a Ré prestou à Autora uma caução no valor de HKD1,390,600.00 (resposta ao quesito da 40ª da base instrutória).
- Esta caução destina-se a garantir o pontual e completo cumprimento, pela Ré, das suas obrigações contratuais, podendo também ser aplicada no pagamento de danos, penas contratuais ou compensações (resposta ao quesito da 40ªA da base instrutória).
- Mais tendo ficado clausulado no n.° 8 da Cláusula 41 que tem a Autora também o direito de receber, a titulo de cláusula penal e como montante indemnizatório mínimo. o montante que resultar da soma dos valores de "Base Fee",
"Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy", desde a data da resolução do contrato até ao termo final inicialmente estipulado do contrato, sendo que, a este valor deverão ser abatidos os montantes que a Autora receba, de terceiros, com respeito ao período de tempo que, à data de resolução do Contrat o, faltava ainda decorrer para que se completasse a vigência do Contrato (resposta ao quesito da 46ª da base instrutória).
- A Autora conseguiu encontrar entretanto novo lojista para a loja 2330, ao abrigo de um contrato de cessão de loja em centro comercial (resposta ao quesito da 47ª da base instrutória).
- A Autora suportou o pagamento de imposto de selo pela celebração do Contrato, no montante de MOP136,382.53 que pagou em 28 de Junho de 2014 (resposta ao quesito da 49ª da base instrutória).
- A referida liquidação foi impugnada pela Autora, por não concordar com o entendimento perfilhado pela Direcção dos Serviços de Finanças que está na base da referida liquidação (resposta ao quesito da 50ª da base instrutória).
- As partes acordaram no Contrato que todos os impostos devidos pela assinatura do Contrato, designadamente imposto de selo, seriam suportados pela Ré (resposta ao quesito da 51ª da base instrutória).
- A Ré apresentou à Autora os relatórios de demonstrações financeiras juntos a fls. 221 a 226 (resposta ao quesito da 57ª da base instrutória).
- As negociações com o novo lojista tiveram início em Junho de 2011 (resposta ao quesito da 70ª da base instrutória).
- A Autora retomou a loja em 12 de Maio de 2011 (resposta ao quesito da 71ª da base instrutória).
- O contrato com o novo lojista foi celebrado em 6 ou 7 de Novembro de 2011 (resposta ao quesito da 72ª da base instrutória).
3) O entendimento do Tribunal da Primeira Instância foi o seguinte:
1) Natureza das relações estabelecidas entre as partes
Diz a douta sentença que "Em primeiro lugar, o papel desempenhado pela Autora não se enquadra no de um mero senhorio cuja obrigação é essencialmente de
natureza passiva: tolerar o gozo do espaço arrendado por parte do inquilino. Em segundo lugar, e por força disso, goza a Autora de uma série de prerrogativas sobre os lojistas do centro comercial inclusivamente e o direito ao livre acesso ao espaço detido aos lojistas para proceder a inspecções, fiscalizações, obras de renovação, manutenção e reparação (cfr. Cláusula 10 do contrato junto a fls. 44 e 24), e impor regras de funcionamento dentro e fora do espaço cedido inclusivamente as respeitantes ao hotário de funcionamento da loja e as fixadas no manual dos lojistas alterando-as quando quiser (cfr. Cláusulas 14ª a 16ª do mesmo contrato). Em terceiro lugar, além do direito de receber as contrapartidas acima referidas, goza a Autora o direito de receber uma outra contrapartida designada por "Turnover Fee" que corresponde a uma certa percentage, sobre o voulme de vendas feitas pela Ré."
Mais refere, "Em quarto lugar, nos diferente considerandos constante do início do contrato, as partes, por várias vezes, salientaram as diversas lojas o carácter integrado e interdependente das lojas do centro comercial as quais ficma sujeitas a uma gestão centralizada orientada sob uma estratégia global e unitária.
"Daí que não se está perante um contrato nos moldes tradicionais em que o único ponto de convergência entre as partes é o acordo de vontades e quanto ao resto as partes não podem estar mais divergente, pois prosseguem interesses antagónicos e normalmente à custa dos interesses da contraparte". Entendendo, portanto que, o primeiro contrato não tem natureza locatícia.
Quanto ao segundo contrato, "apenas está provado que o contrato se designa por "License for Use of a Storage Unit" e que permitia à Ré usar uma unidade de arrumos mediante o pagamento de uma quantia mensal designada por "License Fee". Das cláusulas contratuais deste contrato, o espaço destinava-se tão só a ser utilizado para o depósito de bens e materiais relacionados com a actividade comercial da Ré.
Tendo novamente presente as normas dos artigos 969.° e 970.° do CC, julga-se que o segundo contrato tem efectivamente natureza locatícia."
2) Validade das cláusulas 15ª, 16ª, 19, 3ª, 41,7ª e 41,8ª do primeiro contrato Entende o douto tribunal que, "São, assim, três os requisitos ou pressupostos
para que uma cláusula possa ser classificada como cláusula contratual geral: pré-
elaboração, rigidez e uso indeterminado.
Uma vez que não ficou provado que a Ré tinha sido privada da possibilidade de negociação e que as cláusulas impugnadas eram pré-elaboradas para serem utilizadas num número indeterminado de contratos, nenhum dos três requisitos está preenchido.
Assim, nada justifica a aplicação desse regime ao presente caos com que fica precludida, por ora, a necessidade de analisar se as cláusulas impugnadas são demasiadamente onerosas para a Ré."
3) Mora e incumprimento da Ré
"Dos factos provados, constata-se que, por força do primeiro contrato, a Ré tinha, de facto, a obrigação de constituir uma sociedade local a quem seria transferida a posição contratual e de apresentar as contas anuais auditadas…"
"No que se refere à retribuição dos serviços de licenciamento da loja, por ser uma das despesas relacionada com a exploração do restaurante, é evidente que cabe à Ré pagar. Mais, está provado que a Ré nunca constitui a sociedade local e, no que diz respeito à apresentação das contas auditadas, a Ré forneceu à Autora relatórios das demonstrações financeiras juntos a fls. 221 a 226.
Quanto à falta de pagamento, resulta dos factos assentes que a Autora emitiu várias facturas donde constam os valores dos citados "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy", e "License Fee…"
"O dever de apresentação em questão consta da cláusula 23ª do primeiro contrato, cláusula esta destinada a permitir à Autora inteirar-se do volume de negócios da Ré, que, por sua vez, permitia à Autora arrecadar uma quantia correspondente a 20% a titulo de "Turnover Fee". Dos direitos e deveres constantes da cláusula 23ª vê-se que a Autora dotava de um grande poder de fiscalização sobre os negócios feitos pela Ré a fim de apurar o seu verdadeiro volume sendo a apresentação das contas auditadas apenas a primeira obrigação da Ré na satisfação deste interesse da Autora."
"Conclui-se, portanto, que a Ré também violou o dever de apresentação das contas anuais auditadas.
Nos termos do artigo 794.°, n.°s 1 e 2 do CC, "O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente da interpelação: a) se a obrigação tiver prazo certo; b) se a obrigação provier de facto ilícito…"
Entendeu o tribunal que ficou provado que a Ré "notificou a Ré, por carta datada de 29 de Junho de 2010, para cumprir as obrigações de constituição de sociedade local e de apresentação das contas anuais e, por carta de 28 Fevereiro de 2011, para pagar as quantias em questão." A isso acresce que, está provado que "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy, em geral, deviam ser pagos adiantamente no dia 1 de cada mês a que respeitavam e os "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy não pagos dizem respeito aos meses de Outubro a Dezembro de 2011 e Janeiro e Fevereiro de 2011."
"Assim, os "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy não pagos venceram-se respectivamente no dia 1 de Outubro, 1 de Novembro e 1 de Dezembro de 2010 e no dia 1 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2011. Tendo em conta, esses factos e as normas acabadas de transcrever, a Ré constitui-se em mora no que se refere ao cumprimento das obrigações de constituição de sociedade local e de apresentação das contas anuais e ao pagamento de cada uma das quantias de "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy e da retribuição dos serviços de licenciamento da loja indicadas nas facturas acima referidas. "
4) Resolução do contrato
Entende o tribunal que, "está assente que na carta datada de 29 de Junho de 2010, a Autora deu um prazo de 14 dias à Ré para cumprir as obrigações de constituição de sociedade local e de apresentação das contas anuais, sob pena de ver resolvido o contrato celebrado entre as partes.
Conforme os factos assentes, por carta de Fevereiro de 2011, a Autora concedeu Ré um prazo de 30 dias para esta pagar os "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy", "License Fee" e da retribuição dos
serviços de licenciamento de loja indicadas nas facturas acima referuidas, nada tendo feito a Ré para regularizar a situação.
Assim, resulta claro que a mora foi convertida em incumprimento definitivo pela via do artigo 797.°, n.° 1, b) do CC, sendo, então, legítimo à Autora resolver os contratos nos termos referidos na petição inicial".
5) Validade da compensação
De acordo com a sentença recorrida, "São, pois, dois os fundamentos alegados pela Ré para se impedir a compensação almejada pela Autora (1) o de a caução prestada no segundo contrato não poder ser utilizada para pagamento de quantias devidas por força de outros contratos e (2) o de a Autora não ter feiot qualquer declaração nesse sentido.
Em primeiro lugar, está provado que a caução estabelecida no segundo contrato era no valor de HK$56,250.00 e a Ré, por engano, entregou duas vezes, este valor à Autora a título de caução.
Assim, a segunda quantia nunca pode ser considerada caução por que o obstáculo contratual alegado pela Ré não impede a compensação pretendida pela Autora."
O Tribunal entendeu que, "por força do artigo 838.° do CC e cláusula 19 -° n.° 6 do primeiro contrato, que previa a Autora estava obrigada à restituição da caução ou o remanescente valor da mesma à Ré no prazo de 30 dias depois da restituição da unidade de arrumos. "Nada nos autos indica a data em que a Ré restitui essa unidade de arrumos à Autora porque nada foi alegado quanto a isso. O que está apurado é apenas a resolução do segundo contrato pela falta de pagamento do "License Fee", depois de decorridos os 30 dias indicados na carta de 28 de Fevereiro de 2011. Além disso, está provado que a Autora retomou a loja do restaurante em 12 de Maio de 2011."
Mais, que, "a qualificação da compensação de certas dívidas estranhos ao segundo contrato com a quantia em questão como violação da cláusula 19ª deste contrato não é exacta. Com efeito, o interesse de evitar o desvio da caução para outras finalidades estranhas ao segundo contrato deixou de existir a partir do
momento da extinção do contrato e da restituição da unidade de arrumos. Neste cenário, deve aplicar.-se a norma do artigo 838.° do CC ao caso o qual, como já foi referido, não coloca qualquer obstáculo à pretendida compensação.
Relativamente à falta de declaração de compensação, entendeu o tribunal "… não assiste qualquer razão à Ré visto que, relativamente à caução prestada no primeiro contrato e à primeira quantia de HK$56,250.00 prestada no segundo contrato, os respectivos contratos prevêm expressamente a possibilidade da sua aplicação par ao pagamento de quantias devidas no âmbito do respectivo contrato e não pagas por mais de 30 dias Cláusulas 54,2ª e 19ª respectivamente).
Ou seja, por força dessa auto vinculação feita pela Ré, a norma do artigo 839.°, n.° 1 do CC, acima transcrito não se aplica a essas compensações.
O mesmo não acontece com a compensação das demais dívidas com a segunda quantia de HK$56,250.00, não qualificável como caução. Ora, quanto a isso, a Autora fez essa declaração no seu artigo 78.° da petição inicial como se pode facilmente constatar a partir da leitura desse artigo.
Assim, também, o segundo fundamento para pôr em causa a pretensão da compensação não procede."
7) Redução da cláusula penal
Quanto à natureza da cláusula impugnada pela Ré, 41.° do primeiro contrato entende o tribunal que "Das regras acima transcitas vê-se, sem margem para dúvidas, que o que se pretendia conseguir com a cláusula em questão é a pré-fixação do valor da indemnização dos danos que o incumprimento contratual poderia causar à Autora."
"E que, em primeiro lugar o valor da pena corresponde às quantias que a Autora teria necessariamente direito de receber se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido ("Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy) acrescidas do valor dos prejuízos que a poderia ter com o encerramento do estabelecimento comercial explorado pela Ré.
Em segundo lugar, aspecto que, a nosso ver, reforça o carácter indemnizatório da cláusula, prevê a mesma que do valor total assim apurado seriam deduzidas as
quantias que a Autora conseguiria obter com a cessão do direito de uso da loja a terceiro antes do termo fixado no contrato."
Quanto à desproporcionalidade da indemnização e danos a ressarcir entende, o tribunal que "está assente que os "Management fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy são respectivamente taxas de gestão ou de comparticipações nas despesas comuns, de promoção e de acções de entretenimento. Pelo que, é destituído de fundamento equacionar que os respectivos serviços deixaram de ser prestados, que o pagamento dos mesmos deixou de ter causa e que a Autora não teve qualquer prejuízo apesar do não pagamento das respectivas despesas por parte da Ré.
Nestes termos, nenhum excesso se verifica na cláusula penal impugnada pelo facto de a indemnização devida ter por base os "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy"."
Quanto à questão de saber se a cláusula penal é desproporcional por abranger todas as contrapartidas que seriam devidas até ao termo final do contrato, entende o tribunal que "a cláusula em questão tem natureza indemnizatória. Em segundo lugar, os prejuízos causados pela ruptura da relação cont ratual correspondem às receitas que o contrato proporcionaria à Autora até ao final do contrato se tal quebra não se tivesse verificado. Em terceiro lugar, o valor da indemnização fixada na cláusula impugnada, na parte petiocionada pela Autora, corresponde à soma dessas receitas deduzido das quantias eventualmente recebidas pela Autora com a cessão do espaço a terceiros antes do termo do contrato."
Assim, entendeu o tribunal ad quo que, nada justifica considerar a cláusula excessiva nos termos indicados no artigo 801.° do CC e que a excepção alegada pela Ré deverá improceder.
7) Pedidos da Autora
Entendeu o Tribunal que assiste à Autora o direito de resolver os contratos celebrados entre as Partes.
O tribunal ad quo entendeu que, "a Ré não pagou as quantias constantes das facturas n.° 002423, XXX000000, XXX000000, IGC021234, IGC021931,
correspondentes à retribuição pelos serviços de licenciamento da loja e aos "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy" e "License Fee" de Outubro de 2010 a Fevereiro de 2011, …está também provado que a Ré não pagoui os "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy" e "License Fee…".
Para dizer que, "No que se refere às despesas que a Autora teve para repor a loja no estado anterior e remover as mobílias e equipamentos aí deixados, está apurado que a Autora despendeu HK$550,366.01 com as obras de reposição da loja 2330 no seu estado original, HK$4,403.88 com a remoção de mobílias e equipamentos e substituição de fechaduras na loja 2330 e HK$1,592.23 com a segurança do espaço, quantias estas indicadas nas facturas n.° 003396, n.° XXX000000 e n:° IGC026444.
Quanto a essas despesas, está provado que a Ré tinha obrigação de repor a loja concedida no estado em que se encontrava mas assim não o fez quando deixou o espaço e deixou nela o mobiliário e equipamento."
"Quanto às quantias detidas pela Autora em virtude dos dois contratos, está provado que, no âmbito primeiro contrato, a Ré prestou a fervor da Autora uma caução, no valor de HK$1,390,600.00 e, no segundo contrato, a Ré prestou a fervor da Autora uma caução, no valor de HK$56,250.00, ambas destinadas a garantir o pontual e completo cumprimento das suas obrigações contratuais. A isso acresce que; a Ré, por engano entregou à Autora HK$56,560.00, a título de caução do segundo contrato.
Portanto, abstraindo os juros que a Autora também reclama nestes autos, constata-se que a Autora é ainda credora da Ré no valor de HK$1,280,303.72 (HK$137,707.96 + HK$334,956.64 + HK$337,412.14 + HK$337,412.14 +
HK$67,482.43 + HK$65,333.41), devendo o pedido em questão ser tão-só parcialmente procedente.
Quantos aos juros, pedidos pela Autora correspondentes ao triplo da taxa legal, ente o Tribunal que assiste razão à Autora a exigir que sejam calculados à taxa de 29,25%.
Relativamente aos valores de "Base Fee", Management Fee, Promotion Levy e Streetmosphere Levy vencem no dia 1 de cada mês a que respeita. Assim, os juros devem ser calculados separadamente em relação a cada um dos meses em que essa retribuição ainda está por pagar, mais concretamente sobre os montantes envolvidos e a partir do dia 2 do respectivo mês.
No que concerne à dívida relativa às despesas de gás e de electricidade, no valor de HK$65,333.41, como não consta na matéria assente indicação da data do seu vencimento nem de qualquer interpelação extrajudicial… é de atender apenas à data em que a Ré foi citada para pagar essa quantia."
Entende o tribunal que, "a Ré foi pessoalmente citada para a presente acção em 7 de Agosto de 20145 e, não obstante o aviso de recepção da carta ter sido devolvido ao tribunal no dia 7 de Agosto de 2015… estando apenas certo que em 7 de Agosto de 2015 a Ré já foi citada.
Portanto, os juros vencidos até 6 de Agosto de 2015, totalizam HK$1,607,987.56 e, a partir de 7 de Agosto de 2015, os juros à taxa de 29,25% devem incidir sobre a quantia de HK$1,280,303.72." Relativamente à cláusula penal
Refere o tribunal que, "Segundo a Autora a resolução do contrato produziu efeitos no dia 6 de Abril de 2011. Por outro lado está provado que o contrato era para igorar até 31 de Agosto de 2014."
Nos termos do art.° 564.°, n.°1 do CPC, "a sentença não pode condenar em quantidade superior… do que se pedir."
Assim, tendo a Autora formulado o pedido apenas no valor de HK$3,333,517.83, portanto, inferior ao valor acima apurado, nada resta senão apenas condenar a Ré no pagamento de HK$3,333,517.83, nos termos previstos na cláusula penal do contrato."
Quanto ao pedido de juros legais vencidos e vincendos, o tribunal entende que deve ser aplicado os artigos 795.°, n.° 1 e n.° 2 e o artigo 794 do CC, a Ordem Executiva 29/2006 que estipula a taxa cde juros legal e O artigo 569,° do Código Comercial.
Pelo que, "tendo em contas as normas citadas, a natureza inegavelmente comercial da dívida e a data em que a Ré foi considerada citada, assiste também à Autora o direito a juros a taxa de 11,75% sobre a quantia de HK$3,333,517.83, s quais devem ser calculados a partir de 7 de Agosto de 2015.
"No que concerne ao imposto de selo, a Autora pagou o imposto de selo, tendo ficado provado que deveria o mesmo ser suportado pela Ré, tendo a Autora impugnado o valor fixado a título de imposto de selo.
Por não haver certezas do valor efectivo que deve ser pago e apoiando-se no artigo 564.°, n.°2 do CPC, entende o tribunal que "deve-se condenar a Ré a pagar à Autora nos termos acima consignados relegando-se a sua determinação para execução da presente sentença".
4) A douta sentença ora recorrida entende que são três os requisitos ou pressuspostos para que uma cláusula possa ser qualificada como cláusula cantratual geral: pré-elaboração, riigidez e uso indeterminado". Dizendo também que, "Uma vez que não ficou provado que a Ré tinha sido privada da possibilidade de negociação e que as cláusulas impugnadas eram pré-elaboradas para serem utilizadas num" número indeterminado de contratos, nenhum dos três requisitos está preenchido." Entendimento, do qual a ora Recorrente não partilha, pelas razões que irá enumerar de seguida.
5) A Autora, Recorrida e a Ré, ora Recorrente celebraram um contrato singular em 22 de Março de 2007, "Agreement for the Grant of a Right to Use a Shop" (doravante o "Contrato") individualizado e ao longo do contrato são várias as cláusulas tipo, vulgo cláusulas standard.
6) Falamos em cláusulas tipificadas, standard e, são disso exemplo a cláusula
1. ("Object of the Contract"), a cláusula 12., ("The Term"), a cláusula 15. ("The Retailer's Obligations"), a cláusula 16. ("The Retailer’s Additional Obligations"), a cláusula 20. ("The Base Fee"), a cláusula 22. ("The Turnover Fee"), a cláusula 24. ("The Management Fee"), a cláusula 28. ("Utilities"), a cláusula 29. ("The Promotion Levy"), a cláusula 30. ("The Streetmosphere Levy"), a cláusula 45. ("Bank Guarantee to Secure Performance by the Retailer of its Contractual Obligations") do contrato
melhor identificado a artigo 4.° da p.i. dos presente autos.
7) Sendo estas cláusulas exemplo de cláusulas contratuais gerais, pois foram transpostas para um contrato singular mas que pela sua natureza geral, podem ser usadas numa série de outros contratos.
Até porque, os detalhes relativos a essas cláusulas, nomeadamente valores, datas que têm que ser fixados, com exactidão, foram feitos no "Schedule" ou Anexo.
8) Acresce que, a corroborar este facto, pode verificar-se que ao longo do contrato várias cláusulas foram retiradas, estando lá aposto "Xxxxxx intentionally deleted", ou seja, cláusulas que foram excluídas intencionalmente, sendo exemplo disso as cláusulas 21., 25. e 51. do contrato ora em crise.
9) Xxx, o recurso às clausulas contratuais gerais, não só resulta da maneira como os contratos são redigidos como também se afere pelo facto de a Autora, ora Recorrida, contrariando, assim a tese do tribunal ad quo, pois está bem patente a pré-elaboração, rigidez, e uso indeterminado. E, não é por detalhes como os valores que devem ser pagos como retribuição do espaço em função do número de metros quadrados do espaço, ou mesmo, data de início do contrato, ent re uotros, que se pode negar a as três características que estão na base da aplicação das cláusulas contratuais gerais! (sublinhado e negrito nosso)
10) Nos termos da Lei 17/92/M, "Por cláusulas contratuais gerais entende-se as que são previamente formuladas para valer num número indeterminado de contratos e que uma das partes apresenta à outra, que se limita a aceitar, para a conclusão de um contrato singular."
11) Xxxx, por todo o exposto, dúvidas não restam que ao contrato em apreço se aplica a Lei 17/92/M, pois temos um contrato individualizado em cujo conteúdo a ora Ré não pôde exercer a sua influência enquanto parte contratual.
12) No entender da Xx, ora Recorrente, o contrato celebrado entre Autora e Ré é excessivamente oneroso por ter violado o princípio da boa fé, assim como, por ter incluído cláusulas que são relativamente proibidas nos termos da Lei 17/92/M.
13) Tendo em mente o artigo 11.° da Lei supra referida (Cláusulas contratuais gerais - Princípio Geral e recorrendo à jurisprudência do Supremo Tribunal de
Justiça de 7 de Maio de 2007, que afirma o seguinte: "Terá de verificar-se um desiquilíbrio importante e notório nas prestações com grave violação dos princípios de boa fé e lisura contratuais quando se apela para o n.° 2 do artigo 9. ° do Decreto-Lei n.° 446/85"
14) Xxx, no entender da Ré existe um prejuízo inadequado nos termos do art.° 11.°, pois grande parte das cláusulas do contrato limitam "os direitos e deveres essenciais que resultem da natureza do contrato" e, colocam a Autora, Recorrida e Ré, Recorrente em planos distintos, ou seja, colocam a Ré numa posição de desvantagem e inferioridade em relação à Autora, onde a ora Ré tem uma infinitude de obrigações e em contrapartida poucos direitos, sendo disso, exemplo as cláusulas 15 e 16 do contrato em que discriminam um rol de deveres impostos à Ré em contraposição com pouquíssimas ou nenhumas obrigações por parte da Autora. (sublinhado e negrito nosso)
15) Xxx, com o devido respeito, este acórdão assenta que nem uma luva ao caso em apreço, pois, a maior parte das cláusulas em questão são standard, tipificadas e há uma clara subjugação, relação de vassalagem, se quisermos ser mais contundentes, quando a Recorrente e outros tantos lojistas celebram este tipo de contratos com a Recorrida! (sublinhado e negrito nosso)
16) Por outro lado, é por demais notório que a ora Ré não tem "margem de manobra" em relação à Autora, e, exemplo disso é a cláusula 41.° para a Ré respeitante à resolução do contrato, frisando que é notório a discrepância existente entre Autora e Ré, Recorrida e Recorrente, relativamente a direitos e obrigações.
17) Começamos pela cláusula 19.° do Contrato que estipula "ln the event the RETAILER fails to pay any of the fess and amounts due, interest rate shall accrue thereon at a rate equivalent to three times the legal rate of interest for the time being". E passamos para a cláusula 41.°, mais concretamente, cláusula 41.7 e 41.8.
18) Pois bem, na cláusula 41.7 está previsto que "The RETAILER shall compensate the OWNER for damage resulting from the termination of this Agreement, where this Agreement has been terminated by the OWNER due to breach by the RETAILER or the THIRD SIGNATORIES of their duties.
Subject to paragraph 41.8, the RETAILER agrees that the compensation to which the OWNER is entitled shall cover losses relating to: a) the period the SHOP is unoccupied; and b) Any other losses or damage including loss of business resulting from the termination of this Agreement"
19) E na cláusula 41.8 "The minimum compensation to be paid by the RETAILER to the OWNER to cover the OWNER’S lasses arising out from this Agreement for cause comprises the aggregate of the Base Fee, the Management Fee, the Promotion Levy, the Streetmosphere Levy (if applicable) and the Food Court Levy (if applicable) outstanding at the date of the termination and that would have been payable for the unexpired balance of the Term but for the termination of this Agreement".
20) As cláusulas 41.7 e 41.8 são cláusulas penais por excelência e, por seu turno, a obrigação de pagamento de juros prevista na cláusula 19.3 constitui uma cláusula penal, mas moratória.
21) Nos termos da alínea s) do artigo 13.° da Lei 17/92/M são cláusulas relativamente proibidas aquelas que, "Consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir".
22) A cláusula 41.7 Contrato prevê que a "a indemnização a que o proprietário é direito deve abranger os prejuízos relativos a: a) o período a loja está desocupada; e b) Quaisquer outras perdas ou danos, incluindo perda de negócio resultante da resolução deste Contrato e, por seu turno, a cláusula 41.8 que a indemnização mínima a ser fixada compreenderá "o total de Taxa -Base, Taxa de Gestão, Contribuição de Promoção, Contribuição de Streetmosphere (se aplicável) e de Contribuição da Praça de Alimentação (se aplicável) em dívida à data da resolução do contrato e que seriam devidas durante o termo que ainda não houve vencido a não ser pela resolução do Contrato", sendo tais cláusulas excessivas e desproporcionais.
23) Isto porque, mesmo que a Recorrida seja obrigada ou deseje resolver o contrato, é facto notório e conhecido que o espaço Shoppes at the A é um espaço comercial procurado por muitos lojistas e a Autora não teria grandes dificuldades em
encontrar um novo lojista.
24) Pelo que, ao obrigar a Recorrente a pagar todos os valores supra referidos, mormente, o período durante o qual a loja está desocupada, perdas ou danos decorrentes da resolução do contrato, assim como o pagamento de todos os valores referidos na cláusula 41.8 até ao final do período normal do contrato, afigura-se-nos que tais cláusulas são excessivamente onerosas e relativamente proibidas, tudo nos termos do disposto da alínea s) do artigo 13.° da Lei 17/92/M. (sublinhado e negrito nosso)
25) De acordo com a lei supra referida "As cláusulas contratuais gerais proibidas são nulas nos termos previstos nesta lei.", sendo que, dispõe o n.° 2 do mesmo artigo as nulidades são invocáveis nos termos gerais e, nos termos do artigo 279.° do Código Civil, "A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal".
26) Pelo que, pelo facto de as cláusulas melhor identificadas no artigo 21.°, cláusulas 15 e 16, violarem o princípio da boa fé de acordo com o artigo 11.° da Lei 17/92/M, e, atentarem à paridade entre Autora, Recorrida e Ré, Recorrente, promovendo, um crasso desiquilíbrio entre as partes contratantes, constituem nos termos da lei cláusulas gerais proibidas, e são nulas nos termos e para os efeitos do artigo 14.° da Lei 17/92/M. (sublinhado e negrito nosso)
27) Bem como, as cláusulas 19.3, 41.7 e 41.8 do contrato, cláusulas relativamente proibidas nos termos da alínea s) n.° 1, por consagrarem cláusulas penais desproporcionais aos danos a ressarcir, excessivamente onerosas, necessariamente proibidas por não se adequarem ao quadro negocial em questão, como referido n.° 2 do artigo 13.° da Lei 17/92/M e, consequentemente nulas, nos termos do artigo 14.° da mesma Lei, ou, pelo menos, proibidas por violarem o princípio da boa fé e causar um prejuízo entre as partes contratantes, tudo nos termos dos artigos 11.° e 14 da Lei 17/92/M. (sublinhado e negrito nosso)
28) Xxxx que, muito mal andou o tribunal ao declarar improcedente a excepção da invalidade das referidas cláusulas, razão pela qual, deverá ser revogada a sentença na parte em que determina a improcedência da excepção da invalidade
das cláusulas 15, 16, 19.3, 41.7 e 41.8 do Contrato e, deverão, assim, ser consideradas nulas ao abrigo do artigo 14.° da Lei 17/92/M.
29) No que concerne à compensação, entendeu o tribunal ad quo, a segunda quantia, prestada por engano pela ora Recorrente, nunca poderia ser considerada caução. E, mesmo que assim se entendesse, de acordo com o artigo 838.° do CC que nada obsta à aludida compensação. Relativamente à questão de falta de declaração de compensação, o tribunal apoiou-se no artigo 839.°, n.°1 do CC para justificar a compensação nos termos em que a Autora, ora Recorrida a fez.
30) A Recorrente, entende diferentemente do tribunal ad quo, pois, a Ré, ora Recorrente, celebrou dois contratos com a Autora, o Contrato e o "License for Use of Storage Unit" (doravante "Contrato de Licença").
31) Sendo que o objecto do Contrato é o arrendamento da loja 2330 e o objecto do contrato de Licença prende-se com o arrendamento de um espaço para arrumação de bens e materiais respeitantes à exploração da loja, conforme cláusula
4. do contrato junto como doc. n.° 5 da p.i.
32) Nos termos da cláusula 19 do Contrato de Licença é referido "19.1 Como uma garantia de execução e garantia do cumprimento pontual e integral pelo Licenciado das suas funções nos termos desta Licença, o Licenciado deve pagar ao proprietário uma caução em dinheiro no montante da caução até à execução desta Licença.
19.2 O proprietário pode, na medida do necessário e no seu próprios termos, aplicar a caução, se o Licenciado não cumprir ou cumprir com seus deveres ou obrigações nos termos desta Licença, incluindo o pagamento de indenizações, multas e devida indemnização, quando o período de incumprimento for superior a 30 dias.
19.3 Se a caução for aplicada nos termos desta Licença, o Licenciado deve, além disso pagar ao proprietário uma quantia suficiente para substituir o montante assim aplicado no prazo de 30 dias de aviso dado pelo proprietário.
19.4 Se o retalhista não pagar os montantes devidos nos termos do parágrafo
19.3 o proprietário pode resolver esta Licença.
19.5 O dever de pagar a caução, tal como indicado nos termos dos
parágrafos 19.1 e 19.3 só é satisfeito quando o valor da caução é pelo menos tão elevado quanto o montante especificado no parágrafo 19.1.
19.6 Quando esta licença terminar, o proprietário deve dentro do prazo de 30 dias para entrega da Unidade de Arrumos ao proprietário em conformidade com esta Licença, rvoltar a pagar ao Licenciado um montante equivalente ao da caução, sem juros, e retirar qualquer parte a caução necessária para sanar uma violação por parte do Licenciado, e sem prejuízo dos direitos do proprietário.
19.7 Se o Licenciado tem direito a fornecer uma garantia bancária em vez de uma caução, as disposições desta cláusula e desta Licença aplicam-se do mesmo modo à garantia bancária como à caução, com as devidas as alterações. O modo da garantia bancária está sujeito à aprovação prévia por escrito do proprietário e pode não ultrapassar até 3 meses após o final do período, ou se realizado após recepção da notificação do proprietário reconhecendo que todos os direitos do Licenciado foram realizados.
33) Xxx, das cláusulas supra não se infere que a caução prestada possa ser afectada ao pagamento de qualquer valor que decorra do incumprimento da Ré, a não ser que seja referente ao próprio contrato de Licença, contrariamente ao que o tribunal ad quo parece quer fazer valer!
34) Ainda que assim fosse, o que não se aceita, nos termos do artigo 838.° do Código Civil os requisitos para que se verifique a compensação são "1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos cumulativos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação."
35) Mais estatui que o artigo 839.° que "A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra".
36) Acresce que, nos termos do artigo 841.° do Código Civil, "O crédito
prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis" .
37) Xxx, tendo em conta que no presente caso a declaração não foi feita quando e deveria ter sido realizada pela Autora à Ré, a Ré entende que, a compensação não pode ser tido como válida, devendo ser declarada nula ou anulável, nos termos do disposto no 847.° do Código Civil, devendo a sentença ora recorrida ser revogada na parte em que determina que a compensação é válida e eficaz.
38) Relativamente à redução equitativa da cláusula penal, entendeu o tribunal ad quo que, "… em primeiro lugar o valor da pena corresponde às quantias que a Autora teria necessariamente direito de receber se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido ("Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy) acrescidas do valor dos prejuízos que a poderia ter com o encerramento do estabelecimento comercial explorado pela Ré. Mais dizendo, "Em segundo lugar, aspecto que, a nosso ver, reforça o carácter indemniza tório da cláusula, prevê a mesma que do valor total assim apurado seriam deduzidas as quantias que a Autora conseguiria obter com a cessão do direito de uso da loja a terceiro antes do termo fixado no contrato."
39) Quanto à desproporcionalidade da indemnização e danos a ressarcir entende, o tribunal que "está assente que os ""Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy são respectivamente taxas de gestão ou de comparticipações nas despesas comuns, de promoção e de acções de entretenimento. Pelo que, é destituído de fundamento equacionar que os respectivos serviços deixaram de ser prestados, que o pagamento dos mesmos deixou de ter causa e que a Autora não teve qualquer prejuízo apesar do não pagamento das respectivas despesas por parte da Ré". Nestes termos, nenhum excesso se verifica na cláusula penal impugnada pelo facto de a indemnização devida ter por base os "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" e "Streetmosphere Levy".
40) Quanto à questão de saber se a cláusula penal é desproporcional por abranger todas as contrapartidas que seriam devidas até ao termo final do contrato, entende o tribunal que "a cláusula em questão tem natureza indemnizatória, que "os
prejuízos causados pela ruptura da relação contrstual correspondem às receitas que o contrato proporcionaria à Autora até ao final do contrato se tal quebra não se tivesse verificado. Em terceiro lugar, o valor da indemnização fixada na cláusula impugnada, na parte petiocionada pela Autora, corresponde à soma dessas receitas deduzido das quantias eventualmente recebidas pela Autora com a cessão do espaço a terceiros antes do termo do contrato." Assim, entendeu o tribunal que, nada justifica considerar a cláusula excessiva nos termos indicados no artigo 801.° do CC.
41) A Recorrente não partilha deste entendimentos, pois entende que os valores peticionados pela Autora, ora Recorrida, a título de lucros cessantes e cláusula penal acessória, parece-nos que tais valores são excessivos e desproporcionais.
42) Como já demonstrado, a a posição dominante que a Autora exerce sobre a Ré é notório, pretendendo também, através do contrato a indemnização pelos lucros cessantes, acrescendo a este fardo a obrigação de pagar a "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy" e "Food Court Levy", a título de cláusula penal.
43) A Autora afirma que conseguiu encontrar um novo lojista para a loja 2330 anteriormente ocupada pela Ré, constando tal facto da matéria de facto, sendo que as negociações começaram em Maio de 2011 e o contrato foi celebrado com o novo lojista em 6 ou 7 de Novembro de 2011.
44) Como é facto notório, o território de Macau desde o ano de 2009 encontrava-se em franca expansão económica, pelo que nos parece difícil de aceitar que a Autora tivesse dificuldades em arranjar um novo lojista ou não conseguisse obter um valor superior ao que era pago pela Ré a título de renda, ou "Base Fee".
45) Nos termos do o artigo 801.° do Código Civil, é admissível a redução da cláusula penal pelo tribunal.
46) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2013 quando refere: "Com efeito, apesar do reconhecimento às partes de poderes autonómicos na fixação da cláusula penal. (arts. 405°/1 e 810°/1 do CC), o nosso ordenamento jurídico não deixou de ser sensível e de ponderar a possibili dade de
serem cometidos abusos naquela fixação.
47) Sendo possível, nos termos do art. 812° do CC, é possível: i. a redução da cláusula penal; ii. a efectuar pelo tribunal e de acordo com a equidade; iii. quando se mostre que ela é manifestamente excessiva, mesmo que por causas supervenientes, ou a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
48) Como escreve Xxxxxx xx Xxxxx: "Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má-fé do devedor (aspecto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório. É em Junção da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal, (…) - Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pp. 246/247."
Não se pode entender pelo nexo de causalidade entre o dano sofrido, benefício que a ora Autora deixou de auferir ao não poder arrendar as lojas e o alegado incumprimento da Ré, isto sempre tendo em conta o estado da economia de Macau e os valores dos arrendamentos para comércio praticados. Tal valor é pouco razoável, desproporcional e excessivo!
49) Ainda que se conceda que a Autora, ora Recorrida, tenha o direito a ser ressarcida, nunca poderá ter por base os valores peticionados e consagrados na douta sentença de que ora se recorre.
50) Citando novamente o Acórdão supra referido: "Acresce, como escreve Xxxxxx xx Xxxxx, que "O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos."
Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente." (in obra citada, pp. 272 e 273)."
51) E acrescenta que "A decisiva condição legal de intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, «enorme», que «salte aos olhos». Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si. (p. 274)".
52) Assim sendo, não se aceita o valor peticionado pela Autora a título cláusula penal e determinado pela sentença de que ora se recorre, por constituir um enriquecimento sem causa, e caso não seja esse o entendimento, pelo menos configurará sempre um abuso de direito nos termos do art.° 326 do Código Civil, pelo que, deverá haver lugar a uma redução da indemnização, nos termos do art.° 801.° do Código Civil.
53) Razão pela qual, deverá a sentença ora recorrida ser revogada na parte
em que determina a improcedência da excepção da redução da cláusula penal.
54) Entendeu o tribunal ad quo relativamente ao pagamento de juros a título de incumprimento contratual que, "Apesar de não constar dos factos assentes indicação da data em que a carta foi recebida, por estar provado que essa intenção foi comunicada à Ré a qual nada fez no prazo de 30 dias, julga-se que se pode aceitar como adequado considerar que a resolução começou a produzir efeitos 37 dias depois, em 6 de Abril de 2011."
55) Não obstante a ora Recorrente ter interposto recurso interlocutório acerca da questão de juros, sempre se dirá, o seguinte.
56) À cautela e sem prescindir, no entendimento da ora Recorrente e, ao abrigo das alíneas b), f) e c) do artigo 303.° do Código Civil, do todos o valores devidos a título de renda, "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" , "Streetmosphere Levy" , assim como, as prestações periodicamente renováveis, como é o caso do consumo de gás, electricidade, água, e juros que acrescem a esses montantes, cabem na previsão das alíneas b), f) e c) do supra referido artigo.
57) Na senda do artigo 303.° do Código Civil, são prestações e valores que prescrevem no prazo de 5 anos, e que para serem exigíveis têm que ser invocadas judicial ou extrajudicialmente.
58) Ora, os montantes alegadamente em dívida têm o seu início a 2 de Setembro de 2009. Pelo que, a Recorrente entende que os valores exigidos a título Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy", assim como, as prestações periodicamente renováveis e os juros que acrescem a esses montantes, já prescreveram nos melhores termos da lei.
59) Considera-se, assim, que todos os montantes alegadamente vencidos. e exigíveis em juízo, assim como os montantes devidos a titulo de juros que ultrapassem o período de 5 anos tornaram-se inexigíveis por força da prescrição, tudo nos termos das alíneas b), c) e f) do artigo 303.° do Código Civil.
60) Ao supra referido acresce que a prescrição do direito principal implica igualmente a prescrição do direito a juros e outros direitos acessórios, tudo nos termos do n.° 2 do artigo 297.° do Código Civil.
61) Xxxx que, os juros devidos a título de resolução de contrato previstos n a cláusula penal, não poderão ultrapassar aprazo de 5 anos estatuído pela lei, e, deverá assim, ser a sentença revogada na parte em que determina que os juros deverão começar a ser contados a partir de 6 de Abril de 2011.
62) No que concerne à questão do imposto do selo, não obstante decorra do contrato a obrigatoriedade de pagamento por parte da Ré, facto é que, nos termos do artigo 27.° do Regulamento do Imposto de Selo, Lei 77/88/M, o responsável pelo pagamento de Imposto de Selo é o locador e não o locatário. (sublinhado e negrito nosso)
63) Ou seja, não obstante o disposto no contrato relativamente ao pagamento de Imposto de Selo, quem deveria ter procedido ao pagamento deveria ter sido a Autora e não Ré. (sublinhado e negrito nosso)
64) E, do que a experiência nos diz, parece-nos que o valor de liquidação que a Direcção dos Serviços das Finanças será o valor de um contrato de arrendamento e não de um contrato de cessão de uso de uma loja! (sublinhado e negrito nosso)
65) Entendeu o tribunal que, "está também provado que a Autora impugnou o valor do imposto de selo fixado pela Direcção dos Serviços de Finanças razão por que ainda não se tem certeza acerca do valor efectivamente devido."
66) Pois bem, entende a ora Recorrente que, não deverá suportar o pagamento do imposto de selo, por excessiva onerosidade.
67) Assim sendo, deverá a sentença ser revogada na parte em que determina que a ora Recorrente deverá suportar o pagamento de imposto de selo”; (cfr., fls. 432 a 457-v).
*
Contra-alegou a A., pugnando pela improcedência do recurso e integral confirmação da sentença recorrida; (cfr., fls. 461 a 478).
*
Remetidos os autos a este T.S.I., neles subiu um “recurso interlocutório” também pela R. antes interposto; (cfr., fls. 316 a 318).
*
Adequadamente processados os autos e nada parecendo obstar, cumpre decidir.
Fundamentação
2. Como se deixou relatado, dois são os recursos trazidos a esta Instância.
2.1 O primeiro – “interlocutório” – tendo como objecto a decisão pela Mma Juiz do T.J.B. proferida que julgou improcedente a prescrição pela R. invocada; (cfr., fls. 274 a 275).
Atenta a “natureza” da questão, assim como os seus efeitos em relação ao restante processado e decidido, passa-se a apreciar.
Pois bem, diz a R., ora recorrente que:
“(…)
2) Nos termos do despacho ora recorrido é referido que, "Nos termos do disposto no artigo 299.° n.° 1 do Código Civil, o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…). Assim, é a partir de 1 de Outubro de 2010 (datas em que as prestações referente ao mês de Outubro se tornaram vencidas) é que se conta o prazo prescricional.
(…) Deste modo, como a dívida mais antiga peticionada pela Autora nunca ficou prescrita, as dívidas subsequentes, pela lógica, deixam de poder ficar prescritas."
3) É disposto ao abrigo do artigo 303.° do Código Civil o seguinte: "Prescrevem no prazo de 5 anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
d) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
e) As pensões alimentícias vencidas;
f) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
4) O despacho ora, recorrido refere que "Independentemente da questão de saber se as xxxxxxx x), f) e c) do art.° 303.° do Código Civil são aplicáveis (ou não) ao caso vertente, a verdad é que nunca decorreu o prazo prescricional de 5 anos previsto nesses normativos legais…"
5) Pois bem, no entendimento da ora Recorrente, todos o valores devidos a título de renda, "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy", assim como, as prestações periodicamente renováveis, como é o caso do consumo de gás, electricidade, água, e juros que acrescem a esses montantes, cabem na previsão das alíneas b), f) e c) do supra artigo.
6) Ou seja, na senda do artigo 303.° do Código Civil, são prestações e valores que prescrevem no prazo de 5 anos, e que para serem exigíveis têm que ser invocadas judicial ou extrajudicialmente.
7) Ora, os montantes alegadamente em dívida têm o seu início a 2 de Setembro de 2009. Pelo que, a Recorrente entende que os valores exigidos a título Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy", assim como, as prestações periodicamente renováveis e os juros que acrescem a esses montantes, já prescreveram nos melhores termos da lei.
8) Considera-se, assim, que todos os montantes alegadamente vencidos e exigíve is em juízo, assim como os montantes devidos a título de juros que ultrapassem o período de 5 anos tornaram-se inexigíveis por força da prescrição, tudo nos termos das alíneas b), c) e f) do artigo 303.° do Código Civil.
9) Ao supra referido acresce que a prescrição do direito principal implica igualmente a prescrição do direito a juros e outros direitos acessórios, tudo nos termos do n.° 2 do artigo 297.° do Código Civil ”; (cfr., fls. 316 a 318).
Que dizer?
Vejamos.
Tem a decisão recorrida o teor seguinte:
“- Da prescrição do direito, invocada pela Ré:
Na sua contestação, alega a Ré que a Autora, ao longo da sua petição inicial, faz referência a várias cartas de interpelação e montantes em dívida, mormente, artigos 38° a 51° da petição inicial, e, como tais montantes alegadamente em dívida e constantes dos documentos 6 a 14 da petição inicial, têm o seu início a 2 de Setembro de 2009, todos os valores devidos a título de renda[sic], "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy" , "Streetmosphere Levy", assim como, prestações periodicamente renováveis, como é o caso do consumo de gás, electricidade, água, e juros que acrescem a esses montantes, tudo nos termos das alíneas b), f) e c) do art. 303° do Código Civil, conjugado com o art. 297° n.° 2° d o Código Civil.
Na sua réplica, pugna a Autora pela improcedência da tese invocada pela Ré, com fundamentos em que: 1) a al. b) do art° 303° do Código Civil não tem qualquer aplicação ao caso, por versar sobre rendas e alugueres; 2) As prestações em dívi da pela Ré são aquelas que se elencam no artigo 57° da petição inicial, sendo a mais antiga de 17 de Setembro de 2010 e vencida a 1 de Outubro de 2010, e como nenhuma quantia que a Autora reclama nestes autos antecede aquela data, não vale a pena dedicar mais tempo ao tema da prescrição, que claramente não tem qualquer fundamento.
Cumpre apreciar.
Salvo o devido respeito, e sem mais delongas, é de improceder a invocada prescrição por parte da Ré, por causa da sua manifesta improcedência.
Tanto quanto se colhe da petição inicial, as prestações alegadamente em dívida pela Ré e peticionadas pela Autora, as quais têm natureza periódica, são os seguintes: "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy", "Streetmosphere Levy" (os quais são pagos adiantadamente e vencem no dia 1 do mês a que respeitam), e os consumos de água, electricidade, gás, telefone, limpeza de esgotos e remoção que foram fornecidos/prestados à Ré, pela Autora durante a vigência do contrato.
Dessas prestações periódicas peticionadas pela Autora, a mais antiga não deixa de ser o pagamento de "Base Fee", "Management Fee", "Promotion Levy",
"Streetmosphere Levy" e outros, todos relativos ao mês de Outubro de 2010. (ver artigo 57° al. b) da petição inicial).
Nos termos do disposto no art. 299° n.° 1° do Código Civil, o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…).
Assim, é a partir de 1 de Outubro de 2010 (data em que as prestações referente ao mês de Outubro se tornaram vencidas) é que se conta o prazo de prescricional.
Independentemente da questão de saber se as alíneas b), f) e c) do art. 303° do Código Civil são aplicáveis (ou não) ao caso vertente, a verdade é que nunca decorreu o prazo prescricional de 5 ano previsto nesses normativos legais, já que a Autora intentou a presente acção em 07 de Julho de 2015, sendo certo que, nos termos do disposto no art. 315° n.° 1° e 2° do Código Civil, tem -se a prescrição por interrompida logo que decorram 5 dias, se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente (seja como for, a Ré foi citada no mesmo mês de Julho de 2015 – ver fls. 206).
Deste modo, como a divida mais antiga peticionada pela Autora nunca ficou prescrita, as dívidas subsequentes, pela lógica, deixam de poder ficar prescritas.
Pelo exposto, julga-se improcedente a prescrição invocada pela Ré. (…)”; (cfr., fls. 274 a 275).
Ponderando sobre a questão colocada, afigura-se-nos que labora a recorrente em equívoco, pois que nenhuma censura merece a decisão recorrida, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.
Com efeito, em causa estando quantias (alegadamente devidas e)
relativas a despesas vencidas em 01.10.2010 e em data posterior, e sendo o prazo prescricional de 5 anos, claro se mostra de concluir que aquando da propositura da acção pela A. – em 07.07.2015, (cfr., fls. 2), e citação da R., (cfr., fls. 206) – decorrido ainda não estava tal prazo.
E, deste modo – como bem se salienta na decisão agora recorrida – “como a divida mais antiga peticionada pela Autora nunca ficou prescrita, as dívidas subsequentes, pela lógica, deixam de poder ficar prescritas”.
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2.2 Sem demoras, passemos para o “recurso da sentença”.
Pelo Tribunal a quo foi julgada provada a factualidade seguinte:
“- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à construção e gestão de centros comerciais (alínea A) dos factos assentes).
- No desempenho dessa actividade, a Autora promoveu a construção do centro comercial denominado THE GRAND CANAL SHOPPES, que entretanto
alterou a denominação para SHOPPES AT A, sito no The A Macao Resort Hotel, na XXXXXX, Taipa, Macau (alínea B) dos factos assentes).
- A Ré é uma sociedade comercial constituída ao abrigo das leis da Região Administrativa Especial de Hong Kong (alínea C) dos factos assentes) .
- A Autora, em 22 de Março de 2007, celebrou com a Ré um acordo, titulado em inglês “Agreement for the Grant of a Right to Use a Shop in The Grand Canal Shoppes at the A Macau”, conforme constante a fls. 44 a 124 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea D) dos factos assentes).
- A área da loja 2330, localizada no nível 3 do The Grand Canal Sho ppes e explorada pela Autora, veio a ser rectificada para 3274 pés quadrados, conforme medição feita a pedido da Autora (alínea E) dos factos assentes).
- O acordo referido em D. foi celebrado pelo prazo de 7 anos a contar do “commencement date” ou termo inicial (alínea F) dos factos assentes).
- Foi acordado entre as partes que o início do Contrato coincidiria com a data mais tardia entre (i) o termo do período para realização das obras de adaptação e decoração da loja ou “fitting out period” e (ii) a abertura do centro comercial ao público (alínea G) dos factos assentes).
- Foi acordado que o “fitting out period” seria de 2 meses, com início na data da entrega da loja para realização das obras de adaptação e decoração (alínea H) dos factos assentes).
- A data de início do prazo do Contrato (“Commencement Date”) foi fixada em 29 de Agosto de 2007 (alínea I) dos factos assentes) .
- O termo final do contrato é, pois, 28 de Agosto de 2014 (alínea J) dos factos assentes).
- Foi acordado entre as partes que, nos últimos 2 anos de vigência do Contrato, a “Base Fee” seria fixada com base no valor de mercado (alínea K) dos factos assentes).
- Foi acordado que a “Base Fee” é paga adiantadamente e vence no dia 1 do mês a que respeita, mas se a data de início não coincidir com o prim eiro dia do mês de calendário o pagamento será proporcionalmente ajustado com base no custo/dia
(alínea L) dos factos assentes) .
- E que a Ré se obrigou ainda a proceder mensalmente ao pagamento, à Autora, das taxas de gestão ou taxas de participação nas despesas comuns do Centro Comercial, em inglês “Management Fee” (“MF”), conforme previsto na Cláusula 24 do Contrato, o qual, à data da celebração do Contrato, foi fixado em HKD16,50 por pé quadrado (alínea M) dos factos assentes) .
- O “Management Fee” estava sujeito a ajustamentos anuais, de modo a reflectir as variações ocorridas nas despesas de gestão do centro comercial (alínea N) dos factos assentes).
- Até Novembro de 2008, o “Management Fee” manteve-se inalterado
(alínea O) dos factos assentes) .
- De Dezembro de 2008 a Dezembro de 2009, o “Management Fee” foi ajustado para HKD18,00 por pé quadrado (alínea P) dos factos assentes) .
- De Janeiro de 2010 a Janeiro de 2011, o “Management Fee” foi ajustado para HKD12,00 por pé quadrado (alínea Q) dos factos assentes) .
- De Fevereiro de 2011 a Dezembro de 2011, o “Management Fee” foi ajustado para HKD12,75 por pé quadrado (alínea R) dos factos assentes) :
- De Janeiro de 2012 a Dezembro de 2012, o “Management Fee” foi ajustado para HKD14,65 por pé quadrado (alínea S) dos factos assentes):
- De Janeiro de 2013 a Dezembro de 2013, o “Management Fee” foi ajustado para HKD16,85 por pé quadrado (alínea T) dos factos assentes) .
- De Janeiro de 2014 a Dezembro de 2014, o “Management Fee” foi ajustado para HKD17,70 por pé quadrado (alíne a U) dos factos assentes).
- O “Management Fee” é pago adiantadamente e vence no dia 1 do mês a que respeita (alínea V) dos factos assentes) .
- A Ré acordou também no pagamento, à Autora, de uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de promoção do Centro Comercial, em inglês “Promotion Levy” (“PL”), que em 2007 era de HKD2,20 por pé quadrado (alínea W) dos factos assentes).
- A Ré acordou ainda no pagamento, à Autora, de uma taxa de
comparticipação nas despesas comuns de acções de entretenimento a ter lugar no Centro Comercial, em inglês “Streetmosphere Levy” (“SL”), que em 2007 era também de HKD2,20 por pé quadrado (alínea X) dos factos assentes) .
- O “Promotion Levy” e o “Streetmosphere Levy” estavam sujeito a aumentos anuais de 5%, a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano de vigência do acordo referido em D (alínea Y) dos factos assentes) .
- Por força das actualizações referidas, o valor mensal do “Promotion Levy” e do “Streetmosphere Levy”, por pé quadrado, passaram a ser de HKD2.31 no ano de 2008, HKD2,43 no ano de 2009, HKD2,55 no ano de 2010, HKD2.68 no ano de 2011, HKD2.82 no ano de 2012, HKD2.96 no ano de 2013 e HKD3.11 no ano de 2014 (alínea Z) dos factos assentes) .
- O valor mensal de cada uma destas prestações era, assim, de HKD7,202.80 em 2007, de HKD7,562.94 em 2008, de HKD7,955.82 em 2009, de HKD8,348.70 em 2010, de HKD8,774.32 em 2011, de HKD9,232.68 em 2012, de
HKD9,691.04 em 2013 e de HKD10,182.14 em 2014 (alínea AA) dos factos assentes).
- O “Promotion Levy” e o “Streetmosphere Levy” são pagos adiantadamente e vencem no dia 1 do mês a que respeitam (alínea BB) dos factos assentes).
- Foi acordado que as quantias que precedem tem início no “commencement date” (alínea CC) dos factos assentes).
- Acordou igualmente a Ré em proceder ao pagamento, à Autora, dos consumos de água, electricidade, gás, telefone, limpeza de esgotos e remoção de lixo que lhe fossem fornecidos/prestados pela Autora durante a vigência do contrato (alínea DD) dos factos assentes) .
- A Autora celebrou também com a Ré, em 17 de Setembro de 2007, um Contrato, titulado, em inglês “Licence for Use of a Storage Unit”, conforme resulta a fls. 128 a 144 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea EE) dos factos assentes).
- Ao abrigo do acordo referido em EE), a Ré prestou uma caução a favor da
Autora, no valor de HKD56,250.00 (alínea FF) dos factos ass 1 1 entes).
- A Ré pagou por duas vezes o valor da caução respeitante ao referido em FF), uma primeira vez em 27 de Novembro de 2007 e uma segunda vez em 14 de Janeiro de 2008 (alínea GG) dos factos assentes) .
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Da Base Instrutória:
- Mediante o acordo referido em al. D), foi acordada entre as partes a cedência de uso da loja 2330, localizada no nível 3 do The Grand Canal Shoppes, à Ré, com vista à instalação de um restaurante japonês de alta categoria, com a designação “XXXX Sushi” ou outra que seja aprovada pela Autora (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Como contrapartida pelo uso da loja, acordaram as partes que a Ré estaria obrigada a pagar mensalmente à Autora uma denominada “Base Fee” (“BF”), no montante mensal de HKD278,120.00 durante os primeiros 5 anos do Contrato (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Por força do “Licence for Use of a Storage Unit”, referido em EE, a Autora autorizou a Ré a usar a unidade de arrumos designada por B4, sita no piso LG-01 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Foi acordado que o contrato de licença teve o seu início a 19 de Setembro de 2007 e a Ré obrigou-se a pagar à Autora, como contrapartida pelo uso da unidade de arrumos, a quantia mensal de HKD11,250.00, a título de “Licence Fee” (LF) (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Foi acordado que a Ré deveria constituir uma sociedade em Macau, a ser detida pela Ré em, pelo menos 90% do capital, para a qual cederia a posição contratual, logo que a nova sociedade local se encontrasse registada (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- A Autora interpelou a Ré por diversas vezes, insistindo pela necessidade de proceder à cessão da posição contratual para uma sociedade de direito local, sempre sem sucesso (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Foi acordado entre as partes que, até finais de Fevereiro de cada ano,
deveria a Ré facultar à Autora as suas contas auditadas, com detalhes razoáveis sobre o volume de negócio do ano anterior (resposta ao quesito da 7º da base instrutória) .
- Por carta datada de 29 de Junho de 2010, a Autora comunicou à Ré que esta havia incumprido os acordos referidos em D) e EE), por, entre outros, não constituir em Macau uma sociedade para a qual cedesse a sua posição contratual, e não facultar à Autora contas auditadas preparadas por contabilista idóneo, por forma a apurar o volume de negócios (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- A Autora deu à Ré um prazo de 14 dias para fazer cessar o incumprimento indicado na sua carta, sob pena de a Autora, entre outros, resolver o acordo em D por incumprimento (resposta ao quesito da 9º da base instrutória) .
- Por carta datada de 1 de Dezembro de 2010, a Autora comunicou à Ré que esta havia incumprido os acordos referidos em D) e EE), por entre outros, não constituir em Macau uma sociedade para a qual cedesse a sua posição contratual e não pagar os valores constantes das facturas (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- A Autora deu à Ré um prazo de 8 dias para fazer cessar o incumprimento alegado na sua carta acima referida, sob pena de a Autora, decorrido aquele prazo sem que as quantias em dívida se mostrassem pagas, aplicar a caução para seu pagament o e propor uma acção judicial para recuperar os montantes em dívida, com juros, bem como resolver o acordo referido em D) por incumprimento (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Decorrido o prazo de 8 dias, a Ré não pagou as quantias reclamadas pela Autora e sem proceder à cessão da posição contratual requerida pela Autora (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Por carta de 28 de Fevereiro de 2011, a Autora comunicou à Ré que continuavam por pagar as facturas 002423, XXX000000, IGC019767, XXX000000, IGC021234, IGC21931 e XXX000000, no valor total de HKD1,730,843.00 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Na mesma carta, a Autora fixou à Ré um prazo de 30 dias, a contar da recepção da carta, para proceder ao pagamento das quantias em dívida, sob pena de o
acordo referido em D) se dar por resolvido, nos termos autorizados pela Cláusula 41 do mesmo acordo, com todas as consequências legais e contratuais (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- Também na mesma carta, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de resolver o acordo referido em EE, para o que deu à Ré idêntico prazo de 30 dias para fazer cessar o incumprimento, pagando as quantias em dívida, comunicando à Ré que, caso neste prazo o incumprimento alegado pela Autora não cessasse, o mesmo acordo seria considerado resolvido por incumprimento (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- Decorrido aquele prazo de 30 dias, as quantias reclamadas pela Autora não foram saldadas (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- A Ré, quando abandonou a loja 2330, deixou-a no estado em que se encontrava, sem dela retirar o mobiliário e equipamento e sem a repor no estado em que se encontrava no início do Contrato, quando a recebeu da Autora (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- Foi acordado que a Ré havia-se obrigado, perante a Autora, aquando da cessação do acordo referido em D), fosse por que motivo fosse, a entregar a loja à Autora em bom estado de conservação, salvo quanto ao desgaste normal resultante do uso, pronta a ser imediatamente usada e ocupada, podendo a Autora optar por ficar com as benfeitorias introduzidas ou por instruir a Ré a removê-las, no todo ou em parte, e a reparar e repor a loja, a expensas da Ré (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- Pelo facto de a Ré as não ter feito, a Autora procedeu às obras de reposição da loja 2330 no seu estado original referidas nas respostas aos quesitos 20º e 21º e na Factura n.º 003396 (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- As obras em causa foram realizadas pela C Engineering (Macau) Company Ltd., pelo valor de MOP459.200,00, nos termos da proposta por si apresentada, seleccionada por ter sido a proposta mais favorável de entre as três empresas consultadas (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- As obras relativas a instalações contra incêndios foram realizadas pela
empresa D, no valor de MOP27.677,00, e pela E, no valor de MOP80.000,00
(resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- Como a Ré abandonou a loja com todos os seus pertences lá dentro, a Autora despendeu o montante de HKD4,403.88, para a remoção de mobílias e equipamentos e substituição de fechaduras na loja 2330, ocorrida em 23 de Maio de 2011 e indicada na Factura n.º XXX000000 (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- E também despendeu o montante de HKD1,592.23, para o pagamento de despesas relacionadas com a segurança do espaço, indicadas na Factura n.º IGC026444 (resposta ao quesito da 24º da base instrutória) .
- Conforme a Cláusula 41.2(a) do acordo referido em al. D), foi acordado pelas partes que a falta de pagamento de qualquer quantia devida pela Ré à Autora dá a esta o direito de resolver o Contrato por incumprimento (resposta ao quesito da 24ºA da base instrutória) .
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD12,378.64, indicado na Factura n.º 002423, emitida em 23/12/2010, referente aos serviços prestados pela sociedade MPS para o licenciamento da loja (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD345,355.40, indicado na Factura n.º XXX000000, emitida em 17/09/2010, referente ao pagamento de BF, LF, MF, PL e SL de Outubro de 2010 (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD345,355.40 de, indicando na factura n.º IGC019767, emitida em 19/10/2010, referente ao pagamento de BF, LF, MF, PL e SL de Novembro de 2010 (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD345,355.40, indicado na factura n.º XXX000000, emitida em 17/11/2010, referente ao pagamento de BF, LF, MF, PL e SL de Dezembro de 2010 (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD346,206.64, indicado na Factura n.º IGC021234, emitida em 24/12/2010, referente ao pagamento de BF, LF, MF, PL e SL de Janeiro de 2011 (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD348,662.14, indicado na Factura n.º IGC021932, 1 emitida em 24/01/2011, referente ao pagamento de BF, LF, MF, PL e SL de Fevereiro de 2011 (resposta ao quesito da 30º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante total de HKD550,366.01, indicado na Factura n.º 003396, emitida em 30/08/2011, referente ao pagamento do custo das obras de reposição da loja 2330 no seu estado original (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD4,403.88, indicado na Factura n.º XXX000000, emitida em 23/05/2011, referente ao pagamento da remoção de mobílias e equipamentos e substituição de fechaduras na loja 2330, ocorrida em 23 de Maio de 2011 (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante total de HKD1,592.23, indicado na Factura n.º IGC026444, emitida em 29/06/2011, referente ao pagamento de despesas relacionadas com a segurança do espaço (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD348,662.14 a título de BF, LF, MF, PL e SL de Março de 2011 (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante HKD69,732.43 a título de BF, LF, MF, PL e SL de 1 a 6 de Abril de 2011 (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD7.162,66 a título de consumo de gás (resposta ao quesito da 37º da base instrutória).
- A Ré não pagou à Autora até hoje o montante de HKD58.170,75 a título
1 Conforme o documento junto a fls 185, o número da factura em questão deve ser IGC021931.
de consumo de electricidade (resposta ao quesito da 38º da base instrutória).
- As partes estipularam, para o efeito, uma taxa moratória correspondente ao triplo da taxa de juros legal (resposta ao quesito da 39º da base instrutória).
- Para caucionar o cumprimento das suas obrigações contratuais ao abrigo do acordo referido em D), a Ré prestou à Autora uma caução no valor de HKD1,390,600.00 (resposta ao quesito da 40º da base instrutória) .
- Esta caução destina-se a garantir o pontual e completo cumprimento, pela Ré, das suas obrigações contratuais, podendo também ser aplicada no pagamento de danos, penas contratuais ou compensações (resposta ao quesito da 40ºA da base instrutória).
- A caução referida em al. FF) destina-se a garantir o cumprimento completo e atempado das obrigações da Ré, constituídas ao abrigo do Contr ato de Licença, podendo a Autora, em caso de incumprimento por parte da Ré, aplicar a caução para pagamento de danos, penalidades ou indemnização, quando o incumprimento exceda 30 dais (resposta ao quesito da 40ºB da base instrutória).
- Nos termos do disposto no n.º 7 da Cláusula 41 do acordo referido em D), foi acordado que tem a Autora direito a ser indemnizada pelo incumprimento imputável à Ré, de modo a cobrir todos os danos sofridos e, nomeadamente, as perdas relativas ao período em que a loja em causa esteve desocupada, lucros cessantes resultantes da diferença de valor entre os montantes devidos pela Ré e os que vierem a ser estabelecidos com terceiros que venham a ocupar a loja e, bem assim, todos os danos que possam resultar para o Centro Comercial no seu todo (resposta ao quesito da 45º da base instrutória).
- Mais tendo ficado clausulado no n.º 8 da Cláusula 41 que tem a Autora também o direito de receber, a título de cláusula penal e como montante indemnizatório mínimo, o montante que resultar da soma dos valores da “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy”, desde a data da resolução do Contrato até ao termo final inicialmente estipulado do contrato, sendo que, a este valor deverão ser abatidos os montantes que a Autora receba, de terceiros, com respeito ao período de tempo que, à data da resolução do Contrato, faltava ainda
decorrer para que se completasse a vigência do Contrato (resposta ao quesito da 46º da base instrutória).
- A Autora conseguiu encontrar entretanto novo lojista para a loja 2330, ao abrigo de um contrato de cessão de loja em centro comercial (resposta ao quesito da 47º da base instrutória).
- Ao abrigo deste contrato e dentro do período de validade inicial do Contrato celebrado com a Ré, isto é, até 28 de Agosto de 2014, a Autora auferiu as seguintes quantias globais: HKD8,638,286.67 a título de “Base Fee”, HKD1,564,777.67 a título de “Management Fee”, HKD308,122.48 a título de “Promotion Levy” e HKD308,122.48 a título de “Streetmosphere Levy”, no total de HKD10,819,309.30 (resposta ao quesito da 48º da base instrutória) .
- A Autora suportou o pagamento do imposto do selo pela celebração do Contrato, no montante de MOP136.382,53, que pagou em 28 de Junho de 2014 (resposta ao quesito da 49º da base instrutória).
- A referida liquidação foi impugnada pela Autora, por não concordar com o entendimento perfilhado pela Direcção dos Serviços de Finanças que está na base da referida liquidação (resposta ao quesito da 50º da base instrutória).
- As partes acordaram no Contrato que todos os impostos devidos pela assinatura do Contrato, designadamente imposto do selo, seriam suportados pela Ré (resposta ao quesito da 51º da base instrutória).
- A Ré apresentou à Autora os relatórios das demonstrações financeiras juntos a fls. 221 a 226 (resposta ao quesito da 57º da base instrutória).
- A Ré pôde analisar o Contrato e fazer propostas de alteração (resposta ao quesito da 65º da base instrutória).
- A Ré pretendeu introduzir alterações ao Contrato no que respeita ao financiamento das despesas com consultadoria em serviços de arquitectura, o que a Autora aceitou e foi formalizado mediante uma carta subscrita pela Autora em 15 de Março de 2007 (resposta ao quesito da 67º da base instrutória) .
- A Autora, logo que resolvido o Contrato com a Ré, desenvolveu todos os esforços no sentido de encontrar, o mais rapidamente possível, um lojista que
assumisse a exploração da loja 2330 (resposta ao quesito da 69º da base instrutória).
- As negociações com o novo lojista tiveram início em Junho de 2011
(resposta ao quesito da 70º da base instrutória).
- A Autora retomou a loja em 12 de Maio de 2011 (resposta ao quesito da 71º da base instrutória).
- O contrato com o novo lojista foi celebrado em 6 ou 7 de Novembro de 2011 (resposta ao quesito da 72º da base instrutória)”; (cfr., fls. 392 a 399-v).
Exposta que assim ficou a factualidade provada, vejamos.
Percorridas as – extensas – alegações e conclusões do presente recurso, verifica-se que impugnada não vem a “decisão da matéria de facto”, e que o inconformismo da ora recorrente assenta tão só na sua “interpretação e enquadramento jurídico ”, afigurando-se-nos que, nesta sede, e em síntese, vem suscitadas 4 “questões”, pois que entende (a) que se devia “dar aplicação ao regime das cláusulas contratuais”, (pedindo a nulidade das cláusulas 15, 16, 19.3, 41.7 e 41.8 do contrato com a A., ora recorrida, celebrado), (b) que inadequado é o decidido no que toca à “compensação de créditos”, (c) o mesmo sucedendo com a decisão de improcedência da excepção da redução da cláusula penal, (d) e que indevida é a sua condenação no pagamento de juros e do imposto do selo.
Identificadas que assim nos parecem ter ficado as questões pela recorrente colocadas, ponderando no teor da sentença recorrida e, em especial, no que em relação as mesmas questões aí se deixou consignado, e da reflexão que sobre as mesmas tivemos oportunidade de fazer, cremos que o presente recurso terá que improceder.
Passa-se – tentar – expor este nosso ponto de vista.
–– Comecemos pela pretendida “aplicação do regime das cláusulas contratuais”.
Pois bem, como se considera no recente Ac. do S.T.J. de 06.06.2019, (Proc. n.° 3416/14):
“O fenómeno da contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais é, como se sabe, uma decorrência da produção e consumo em massa, que propiciaram a mudança funcional do contrato, levando ao surgimento da estandardização contratual: a existência de uma pluralidade de potenciais contratantes para uma situação comparável, promoveu o advento de um fenómeno vulgarizado em que as pessoas
(singulares e/ou colectivas) realizam negócios jurídicos, em rigor, não antecedidos de qualquer etapa negocial, assim se vinculando juridicamente.
Este tipo de contratação, particular das sociedades de mercado contemporâneas, respondeu, no fundo, a necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia que conduziram as empresas a eliminar e/ou esvaziar consideravelmente as negociações prévias entre as partes. Nesse sentido, a autonomia privada, (…) que pressupõe a absoluta igualdade das partes, designadamente no que concerne ao seu poder negocial, encontra-se hoje muito distante do seu desígnio liberal inspirador, sendo certo que, em muitos contratos, a igualdade jurídica não tem actualmente correspondência no plano económico. Daí que a ordem jurídica, tendo consciência que, em certos contratos, uma das partes (normalmente uma sociedade comercial), tem um força e domínio superiores à da outra parte (por regra, um consumidor), deverá tutelar a parte mais fraca.
Esta restrição da liberdade contratual tem em vista ordenar o direito privado, disciplinando a liberdade contratual por forma a evitar que esta seja exercida em prejuízo da parte economicamente mais fraca, surgindo essa limitação à autonomia privada como fundamental para
garantir precisamente a verdadeira liberdade contratual (…)”.
Com efeito, temos como pacífico o entendimento no sentido de que “As cláusulas contratuais gerais visam moldar a vontade dos intervenientes nos negócios jurídicos a que as mesmas respeitam. Estes, subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as, como declaratórios, assumem posições negociais que, no todo ou em parte, lhes correspondem. As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários”; (cfr.,
M. J. Xxxxxxx Xxxxx e A. Xxxxxxx Xxxxxxxx in, “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 17, sendo também este o teor do n.° 2, do art. 1° da Lei n.° 17/92/M de 28.09, que estabelece o “Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerias”, e onde se preceitua que “Por cláusulas contratuais gerais entende-se as que são previamente formuladas para valer num
número indeterminado de contratos e que uma das partes apresenta
à outra, que se limita a aceitar, para a conclusão de um contrato singular”).
Como sobre a matéria se considera também, contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado; (cfr., A. Xxxxxx in, “Das Obrigações”, 2.ª ed., 1°-220, 3.ª ed., 1°-237, podendo-se ver ainda M. Xxxxx, in “Direito Civil”, 1980-15 e o Ac. do T.U.I. de 22.07.2012, Proc. n.° 44/2012, onde se considerou que as cláusulas contratuais gerais referem-se a contratos de adesão dando como exemplo os “contratos de consumo” como o de “fornecimento de electricidade, água, seguro”, etc…).
Nesta conformidade, e percorrendo a decisão da “matéria de facto dada como provada”, (sendo de notar que só esta releva), há que dizer que a mesma não permite que se considere que a “relação” existente entre a ora recorrente e recorrida assentava num “contrato de adesão” para efeitos de aplicação do “regime das cláusulas contratuais”.
Basta pois ter presente que a matéria pela R. alegada para o efeito não se provou, e que “provado” está que “(…), a Ré pôde analisar o Contrato e fazer propostas de alteração” e que “A Ré pretendeu introduzir alterações ao Contrato no que respeito ao financiamento das despesas com consultadoria em serviços de arquitectura, o que a Autora aceitou e foi formalizado mediante uma carta subscrita pela Autora em 15 de Março de 2007”; (cfr., fls. 285 e 372-v, e resposta aos quesitos 65° e 67°).
Assim, afigurando-se-nos que o acordo celebrado deve antes ser considerado como um “contrato atípico (e inominado)”, mas usual ou vulgar em matéria de “utilização de lojas em grandes superfícies”, (neste sentido, cfr., v.g., A. Xxxxxx in “Obrigações em Geral”, I, pág. 301, e, tratando de “matéria” idêntica à tratada nos autos, entre outros, o Ac. deste T.S.I. de 28.04.2016, Proc. n.° 814/2015, o de 22.09.2016, Proc. n.° 91/2016 e o do T.U.I. de 16.11.2016, Proc. n.° 71/2016, com abundante referência doutrinária sobre o tema), e xxxxx nos parecendo a solução que se deixou exposta, continuemos.
–– Quanto à “compensação de créditos”.
Também aqui, e como se deixou adiantado, cremos que censura não merece o decidido.
Com efeito, na parte em questão, (após tratar das matérias relacionadas com a “mora e incumprimento da Ré” e da “resolução do contrato”), assim ponderou e decidiu o Tribunal a quo:
“Defende a Ré que a pretensão da Autora de aplicar as cauções prestadas por aquela para a compensação das dívidas acima referidas não é válida porque, segundo a cláusula 19ª do segundo contrato, a caução prestada não pode ser utilizada para pagar quantias devidas em virtude de outros contratos. Mais sustenta a Ré que a Autora nunca fez qualquer declaração de compensação.
Em resposta a essa excepção, a Autora reitera o alegado na petição inicial de que apenas pretende aplicar parcialmente a quantia de HK$56,250.00, que foi entregue pela Ré àquela, por engano, a título de caução do segundo contrato. Segundo a Autora, por haver esse engano, essa quantia de HK$56,250.00 não tinha natureza de caução a qual seria restituída à Ré não fosse a compensação por si declarada na petição inicial razão por que nada obstava à compensação.
São, pois, dois os fundamentos alegados pela Ré para ser impedir a compensação almejada pela Autora: (1) o de a caução prestada no segundo contrato não poder ser utilizada para o pagamento de quantias devidas por força de outros contratos e (2) o de a Autora não ter feito qualquer declaração nesse sentido.
*
Analisa-se, antes de mais, o primeiro fundamento.
Tendo em conta os contornos do presente caso, a objecção da Ré não pode proceder.
Em primeiro lugar, está provado que a caução estabelecida no segundo contrato era no valor de HK$56.250,00 e a Ré, por engano, entregou, por duas vezes, este valor à Autora a título de caução.
Assim, a segunda quantia nunca pode ser considerada caução razão por que o obstáculo contratual alegado pela Ré não impede a compensação pretendida pela Autora.
*
Mesmo que assim não se entenda, dispõe o artigo 838º d o CC que “1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos cumulativos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar -se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”
Tendo em conta a situação dos autos, a lei não proíbe a pretendida compensação.
Segundo a Ré, como a cláusula 19ª do segundo contrato previa apenas a possibilidade de aplicação da caução aí prestada para a compensação de dívidas resultantes deste mesmo contrato, a compensação pretendida pela Autora viola o estabelecido nesta cláusula.
Não se julga de acolher esse entendimento da Ré.
É verdade que a cláusula 19ª do segundo c ontrato prevê apenas a aplicação da caução no pagamento das dívidas relacionadas com este contrato. No entanto, consta dessa cláusula (19.6ª) que a Autora era obrigada a restituir a caução ou o remanescente valor da mesma à Ré 30 dias depois da restituição da unidade de arrumos. Nada nos autos indica a data em que a Ré restituiu essa unidade à Autora porque nada foi alegado quanto a isso. O que está apurado é apenas a resolução do segundo contrato pela falta de pagamento do “License Fee”, depois de decorridos os
30 dias indicados na carta de 28 de Fevereiro de 2011. Além disso, está provado que a Autora retomou a loja do restaurante em 12 de Maio de 2011.
Perante esses factos, retira-se que, há muito que a unidade de arrumo foi restituída pela Ré à Autora e, consequentemente, há muito que a quantia devia ser restituída por esta àquela. Ora, encontrando -se extinta a relação contratual e vencida a obrigação de restituição da quantia entregue inicialmente a título de caução, a mesma quantia deixou de servir de caução e passou a ser uma mera dívida da Autora perante a Ré.
Isto é, a qualificação da compensação de certas dívidas estranhos ao segundo contrato com a quantia em questão como violação da cláusula 19ª deste contrato não é exacta. Com efeito, o interesse de evitar o desvio da caução para outras finalidades estranhas ao segundo contrato deixou de existir a partir do momento da extinção do contrato e da restituição da unidade de arrumos.
Neste cenário, deve-se aplicar a norma do artigo 838º do CC ao caso o qual, como foi já referido, não coloca qualquer obstáculo à pretendida compensação.
*
Posto isto, debruça-se sobre o problema de falta de declaração de compensação.
Segundo o artigo 839º, nº 1, do CC, “A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.”
Novamente, não assiste qualquer razão à Ré visto que, relativamente à caução prestada no primeiro contrato e à primeira quantia de HK$56.250,00 prestada no segundo contrato, os respectivos contratos prevêem expressamente a possibilidade da sua aplicação para o pagamento de quantias devidas no âmbito do respectivo contrato e não pagas por mais de 30 dias (cfr. cláusulas 45.2ª e 19.2ª respectivamente).
Ou seja, por força dessa auto-vinculação feita pela Ré, a norma do artigo 839º, nº 1, do CC, acima transcrito não se aplica a essas compensações.
O mesmo não acontece com a compensação das demais dívidas com a segunda quantia de HK$56.250,00, não qualificável como caução.
Ora, quanto a isso, a Autora fez essa declaração no seu artigo 78º da petição
inicial como se pode facilmente constatar a partir da leitura deste artigo.
Assim, também o segundo fundamento para pôr em causa a pretensão da compensação não procede”; (cfr., fls. 409 a 410-v).
E perante o assim – claramente – fundamentado e decidido, que merece a nossa inteira concordância, mais não se apresenta necessário dizer para se confirmar o segmento decisório em questão.
–– Vejamos agora do inconformismo da R., ora recorrente, quanto à decisão de “improcedência da excepção de redução da cláusula penal”.
Ora, também aqui se nos mostra de consignar desde já que nenhuma razão tem a recorrente, pois que a decisão recorrida efectuou uma adequada interpretação dos factos dados como provados, correcto sendo, igualmente, o seu enquadramento jurídico.
Vejamos.
No que toca à questão da “cláusula penal” assim considerou o Tribunal a quo:
“Para fundamentar o quarto pedido formulado, alega a Autora que consta do
contrato celebrado entre as partes uma cláusula penal nos termos da qual a indemnização a pagar pela Ré no caso de incumprimento corresponderia ao montante total do “Base Fee”, “Management Fee”, “Pormotion Levy” e “Streetmosphere Levy” que a Ré teria que pagar entre o momento da resolução do contrato e o termo estipulado no contrato deduzido do valor entretanto recebido de terceiros que viriam a utilizar o espaço cedido.
Segundo a Autora, entre a resolução do contrato e o termo do mesmo, a mesma teria direito a receber HK$14.152.827,13 e, entretanto, recebeu a quantia de HK$10.819.309,30 pela cessão do uso da loja a terceiros, o que lhe permite reclamar junto da Ré o pagamento da diferença entre estes dois valores, no montante de HK$3.333.517,83 (HK$14.152.827,13 - HK$10.819.309,30).
Conforme os factos assentes, o alegado pela Autora foi considerado provado. Além disso, concluiu-se acima que era legítima a resolução do contrato. Foi também referido que o artigo 799º, nº 1, do CC permite que as partes convencionem cláusulas penais para os casos de incumprimento. A isso acresce que as excepções invocadas pela Ré para obstar a aplicação da cláusula penal ao presente caso foram julgadas improcedentes.
Assim, por força dessa auto-vinculação, a Ré deve também indemnizar a Autora pagando-lhe os valores correspondentes desde o momento da resolução do contrato até ao termo do mesmo.
Segundo a Autora a resolução contrato produziu efeitos no dia 6 de Abril de 20112. Por outro lado, está provado que o contrato era para vigorar até 31 de Agosto de 2014.
Conforme os factos assentes, o “Base Fee” era de HK$278.120,00 por mês; o “Management Fee”, à data da resolução do contrato, era de HK$41.743,50 (HK$12,75 × 3274 pés2) por mês, no ano de 2012, passou a ser HK$47.964,10
2 Conforme os factos assentes, por carta de 28 de Fevereiro de 2011 a Autora declarou que consideraria resolvido o primeiro contrato 30 dias depois se as quantias em dívida não fos sem pagas. Apesar de não constar dos factos assentes indicação da data em que a carta foi recebida, por estar provado que essa intenção foi comunicada à Ré a qual nada fez no prazo de 30 dias, julga -se que se pode aceitar como adequado considerar que a resolução começou a produzir efeitos 37 dias depois, em 6 de Abril de 2011.
(HK$14.65 × 3274 pés2) por mês, no ano de 2013, HK$55.166,90 (HK$16,85 × 3274
pés2) por mês e no ano de 2014 HK$57.949,80 (HK$17,70 × 3274 pés2) por mês, o “Promotion Levy” e o “Streetmosphere Levy”, à data da resolução do contrato, cada um deles, era de HK$8,774,32 por mês, no ano de 2012, passou a ser HK$9.232,68 por mês, no ano de 2013, HK$9.691,04 por mês e no ano de 2014 HK$10.182,14 por mês.
Assim, feitas as contas, não fosse a resolução do contrato por incumprimento contratual por parte da Ré, a Autora poderia receber HK$11.356.566,67 (HK$278.120,00 × 40 meses e 25 dias) de “Base Fee” como contrapartida da cessão, HK$2.069.904,65 [(HK$41.743,50 × 8 meses e 25 dias)3 + (HK$47.964,10 × 12
meses) 4 + (HK$55.166,90 × 12 meses) 5 + (HK$57.949,80 × 8 meses) 6 ] de “Management Fee” e HK$772.096,51 [(HK$8,774,32 × 2 × 8 meses e 25 dias)7 + (HK$9.232,68 × 2 × 12 meses)8 + (HK$9.691,04 × 2 × 12 meses)9 + (HK$10.182,14
× 2 × 8 meses)10] de “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy”.
Por outro lado, deve-se ter ainda em conta a quantia que a Autora, entretanto, recebera pela cessão do mesmo espaço a terceiros. Está provado entretanto, a Autora chegou a ceder o uso da mesma a terceiros tendo, até 31 de Agosto de 2014, recebido HK$10.819.309,30 como contrapartida.
Pelo que, por força da cláusula penal fixada no contrato, a Autora tem direito a receber uma indemnização no valor de HK$3.379.258,53 [(HK$11.356.566,67 + HK$2.069.904,65 + HK$772.096,51) ‒ HK$10.819.309,30].
Nos termos do artº 564º, nº 1, do CPC, “A sentença não pode condenar em quantidade superior ... do que se pedir.”
Assim, tendo a Autora formulado o pedido apenas no valor de HK$3.333.517,83, portanto, inferior ao valor acima apurado, nada resta senão apenas
3 De 6 de Abril de 2011 a 31 de Dezembro de 2011.
4 2012.
5 2013.
6 De 1 de Janeiro de 2014 a 31 de Agosto de 2014.
7 De 6 de Abril de 2011 a 31 de Dezembro de 2011.
8 2012.
9 2013.
10 De 1 de Janeiro de 2014 a 31 de Agosto de 2014.
condenar a Ré no pagamento de HK$3.333.517,83 nos termos previstos na cláusula penal do contrato”; (cfr., fls. 421 a 422).
Entende porém a R. que existe “excesso” e “desproporcionalidade”.
Porem, como se disse, não se mostra de se lhe reconhecer razão.
Vejamos.
Nos termos do art. 799°, n.° 1 do C.C.M.:
“As partes podem fixar por acordo a indemnização exigível ou a sanção aplicável, para os casos de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora no cumprimento; a cláusula do primeiro tipo designa-se por cláusula penal compensatória e a do segundo por cláusula penal compulsória”.
Por sua vez, estatui o art. 801° do mesmo C.C.M. que:
“1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser
reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”.
In casu, atentos os termos da “cláusula 41°” do contrato entre A. e
R. celebrado, cremos que se mostra de concluir que com a mesma se pretendeu fixar – antecipadamente – o “valor da indemnização” por um eventual incumprimento contratual, sendo assim aquela uma “cláusula compensatória”, e que não deixa de ser uma manifestação prática dos “princípios da autodeterminação” e “da liberdade contratual”; (cfr., art. 399° do C.C.M., podendo-se também ver A. Xxxxx Xxxxxxxx in, R.L.J., Ano 142, 2012/2013, pág. 72, e o recente Ac. do S.T.J. de 23.05.2019, Proc. n.° 31509/15).
E, considerando o que se decidiu em relação ao peticionado, motivos não vislumbramos para se dar por verificado qualquer “excesso”, já que com o montante fixado se teve (apenas) em vista cobrir os prejuízos pela A. efectivamente sofridos.
Seja como for, não se pode olvidar que a pretendida redução apenas deve ter lugar em situações que se apresentem “manifestamente excessivas”, (cfr., n.° 1 do art. 801° atrás transcrito), nenhum motivo havendo para se considerar ser o caso dos autos, (certo sendo, também, que tendo-se igualmente em conta o que se decidiu em sede do “recurso interlocutório”, evidente se apresenta que nenhuma “prescrição” se verificou, até porque como já decidiu este T.S.I. no Ac. de 23.05.2017, Proc. n.° 144/2017, em causa está o prazo ordinário de prescrição, d e 15 anos).
–– Por fim, no que toca à “condenação no pagamento de juros” e do “imposto do selo”.
Pois bem, cabe dizer que, também aqui, improcede o presente recurso.
Vejamos.
A “taxa de juro” em vigor é de 9,75%; (cfr., Ordem Executiva n.° 29/2006).
Nos termos do art. 569° do C. Com. M.:
“1. A taxa dos juros comerciais é a dos juros legais, sem prejuízo de estipulação escrita em contrário quanto ao modo de determinação e variabilidade das taxas.
2. Aos créditos de natureza comercial acresce, no caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2% sobre a taxa fixada nos termos do número anterior, sem prejuízo do disposto em lei especial”.
Sendo a “dívida comercial”, e atenta a data da citação da Ré – cfr., fls. 206 – evidente se nos apresenta que correcta é a decisão de se reconhecer à A., recorrida, juros à “taxa de 11,75%”, calculados desde a data da citação da R., (ou seja, 07.08.2015).
Por sua vez, (ainda que nos termos do “Regulamento do Imposto do Selo” – art. 27° da Lei n.° 77/88/M – é o locador o responsável pelo seu pagamento, mas) provado estando que a X. xxxxx o imposto do selo
no valor de MOP$136.382,53 e que, nos termos do contrato devia ser aquele suportado pela R., ora recorrente, motivos não se vislumbram para não se reconhecer o direito da A. em reclamar a sua devolução.
Porém, como a A. “impugnou o valor do imposto”, e não se sabendo, neste momento, qual a solução para tal impugnação, adequada é , atento o estatuído no art . 564°, n.° 2 do C.P.C.M., a decisão de condenação no que se vier a liquidar em execução de sentença.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
3. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento aos recursos da R..
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Macau, aos 18 de Julho de 2019 Xxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx
Xxxx Xxx Xxxxx Xx Xxx Xxxx