SUMÁRIO
SUMÁRIO
⮚ Considerações iniciais
⮚ Visão geral da Nova Lei de Licitações
⮚ Panorama geral: uma norma de licitações nem tão inovadora
⮚ Principais tópicos do novo estatuto
⮚ Aplicação
⮚ Inaplicabilidade da Nova Lei de Licitações
⮚ Unificação de normas de licitação
⮚ Clareza
⮚ Incentivos ao melhor planejamento de licitações
⮚ Padronização
⮚ Novo modelo de licitação: diálogo competitivo
⮚ Contratações diretas: dispensa e inexigibilidade de licitações
⮚ Matriz de risco
⮚ Seguro garantia
⮚ Contratos integrados e semi-integrados
⮚ Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI)
⮚ Contratos de eficiência
⮚ Inserção de mecanismos alternativos de resolução de disputas
⮚ Disposições criminais
⮚ Compliance
⮚ Antitruste
⮚ Sanções
⮚ Acordos de leniência
⮚ Prazo de prescrição
⮚ Environmental, Social and Governance (ESG)
⮚ Adesão do Brasil ao GPA
⮚ Aspectos trabalhistas e previdenciários
Nova Lei de Licitações: uma nova perspectiva nas vendas ao Governo Brasileiro
Considerações iniciais
O Brasil possui um novo marco legal para licitações e contratos de compras com o Poder Público em todos os seus níveis (federal, estadual e municipal). O Projeto de Lei nº 4.253/2020 foi aprovado pelo Senado em 10 de dezembro de 2020 e após um processo de validação do texto consolidado, que ocorreu em 11 de março de 2021, foi submetido à sanção presidencial.
O presidente da República, então, aprovou a redação da Nova Lei, vetando apenas alguns pontos do projeto (Mensagem de Veto nº 118, de 1º de abril de 2021), de modo que a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) foi publicada no Diário Oficial no dia 1º de abril de 2021, entrando em vigor nessa mesma data.
É um marco importante para o panorama legal de compras públicas, uma vez que em um período de dois anos ele substituirá inteiramente as principais regras existentes sobre contratos governamentais e licitações públicas. A Nova Lei de Licitações impactará substancialmente a rotina das entidades governamentais no Brasil, que gastaram um montante estimado de 54 bilhões de reais¹ em aquisição de bens e contratação de serviços em 2020.
Ainda, a Nova Lei de Licitações possui mais de 38 pontos que aguardam a elaboração de regulamentos específicos que os disciplinem. Portanto, há expectativa de que tais normas específicas ainda sejam elaboradas para regular estes pontos da Nova Lei de Licitações que carecem de complementações.
Visão geral da Nova Lei de Licitações
Panorama geral: uma norma de licitações nem tão inovadora
A nova Lei de Licitações entra em cena diante de altas expectativas: transformando o sistema de compras públicas em um conjunto mais ágil, menos pesado e eficiente de regras destinadas a licitações e contratos. Nossa visão acerca da nova lei é de que ela proporciona avanços oportunos, especialmente em clareza e consolidação de diversos temas da legislação vigente, o que é positivo; mas também é verdade que a nova Lei de Licitações não traz a reviravolta esperada na forma com que o governo brasileiro pretende adquirir bens e serviços.
¹ Segundo o sítio oficial do Portal da Transparência, em 2020 o Governo brasileiro realizou 130.988 processos licitatórios (incluindo licitações regulares, dispensas de licitação ou inexigibilidade de licitação), que somaram aproximadamente R$ 54 bilhões. Mais informação disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx?xxxx0000
Principais tópicos da Nova Lei de Licitações
Abaixo foram apontados breves comentários sobre os principais temas da nova legislação, que podem ser relevantes para investidores e empresas que pretendem fazer negócios com o Governo Brasileiro.
Aplicação
A Nova Lei de Licitações entrou em vigor no dia 1º de abril de 2021, data de sua publicação. No entanto, a nova norma também prevê um período de transição. Durante dois anos após a vigência da nova lei, os órgãos públicos terão a oportunidade de escolher qual estatuto disciplinará suas licitações: o antigo (baseado majoritariamente na Lei nº 8.666/1993) ou o novo. Não é difícil prever possíveis equívocos decorrentes da existência de dois ordenamentos válidos para licitações, por isso este é um dos pontos mais polêmicos da Nova Lei de Licitações. Espera-se que a regulamentação da nova legislação traga esclarecimentos adicionais a esse respeito.
Inaplicabilidade da Nova Lei de Licitações
O artigo 3º da Nova Lei de Licitações traz artigo que deixa expressas contratações que não se sujeitam ao seu regime, sendo elas: (i) os contratos de operação de crédito, interno ou externo, e de gestão de dívida pública, incluindo em relação a contratação de agentes financeiros e concessão de garantia no âmbito desses contratos; (ii) contratos sujeitos a normas
estabelecidas em legislação própria.
Unificação de normas de licitação
Anteriormente, o quadro normativo de licitações tinha apenas três principais estatutos – a Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei nº 10.520) e o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, ou RDC (Lei nº 12.462/2011). A Nova Lei de Licitações colocou os três normativos mencionados juntos em um único estatuto, compilando as disposições centrais de cada um deles.
Clareza
A Lei traz esclarecimentos a diversos temas que são incertos na legislação vigente.
- Estabelece uma longa lista com definição detalhada para termos que trazem incerteza sob o regime atual, como “termo de referência”, “anteprojeto”, “projeto básico”, “matriz de risco”, “startup” e “superfaturamento”;
- Incorpora entendimentos consolidados em precedentes judiciais. Como exemplos, pode-se apontar a extensão da suspensão aos direitos licitatórios (veja o item “Sanções” abaixo); alocação de riscos entre governo e contratante; parâmetros que podem ser adotados pelo governo para estabelecer o termo de referência; possibilidade de inversão de fases (concorrência antes da habilitação).
Incentivos ao melhor planejamento de licitações
Uma questão de longa data nas licitações públicas brasileiras é a falta de planejamento adequado antes da aquisição de bens e serviços. Essa circunstância leva a más decisões no âmbito das licitações, superfaturamento e aquisições desnecessárias. Nos piores cenários, a falta de planejamento leva a danos substanciais ao governo, sanções a funcionários públicos e graves problemas durante a fase de gestão contratual. A Nova Lei de Licitações cria uma “fase de preparação” e fornece uma ampla lista de requisitos a serem abordados ao longo dessa etapa pelos agentes responsáveis pelas licitações. Também cria o Plano Anual das Contratações, pelo qual os entes federados devem fazer uma previsão de todos os itens a serem contratados no próximo ano. Isso alinhará as aquisições previstas para um determinado ano com o plano estratégico e subsidiará a elaboração do orçamento.
Essas inovações trazem ao estatuto as melhores práticas que alguns órgãos já adotam em suas aquisições e têm um bom potencial se bem implementadas pelos governos. No entanto, criam o risco de tornar o processo de licitação ainda mais burocrático, uma vez que a lista de informações para a fase de preparação é bastante grande e, portanto, exigirá agilidade do órgão público para permitir contratações em tempo hábil.
Padronização
Existem alguns bons incentivos à
padronização em licitações realizadas por diferentes órgãos governamentais. A atual falta de padrão cria uma gama considerável de problemas, com diferentes organismos em todo o Brasil adquirindo os mesmos itens com diferentes descrições, preços, termos e condições. As principais inovações são:
A Lei nº 14.133/2021 obriga os órgãos responsáveis pelas licitações a criar um banco de dados eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, e permite que municípios e governos estaduais adotem a mesma base de dados criada pelo Governo Federal (o que é uma disposição sábia, dada a falta de recursos de vários municípios pequenos do país);
Também estabelece que os órgãos devem desenvolver modelos de editais, termos de referência, contratos e outros documentos e, novamente, permite que municípios e governos estaduais adotem os mesmos modelos criados pelo Governo Federal;
Incentiva os órgãos públicos a promover a crescente adoção de tecnologias e processos integrados para a criação, utilização e atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia;
Cria o Portal Nacional de Contratos Públicos (PNCP). O PNCP tem como objetivo criar um banco de dados contendo todas as informações relevantes de aquisições públicas (preços, valores, especificações) realizadas por todos os níveis de governo. É uma referência relevante para cotações e padronização que pode ter um impacto positivo na prevenção do superfaturamento em licitações. Além disso, o PNCP também visa trazer mais transparência aos contratos públicos e, como resultado, trazer mais confiança ao mercado.
Novo modelo de licitação: diálogo competitivo
A Lei nº 14.133/2021 traz uma nova e interessante forma de concorrência caso o serviço ou o bem necessário ainda não esteja claro para o governo. O diálogo competitivo em si não é uma nova modalidade de licitação criada, foi de fato implementado pela primeira vez na Europa, em 2004² , sendo mais tarde substituído em 2014³ por meio de uma nova diretiva. Em resumo, o diálogo competitivo permite um diálogo entre o órgão público e possíveis fornecedores com o objetivo de projetar a melhor solução para uma determinada necessidade pública. Uma vez que uma solução razoável é encontrada através do diálogo, o governo então inicia uma fase competitiva para obter a solução projetada através da fase de diálogo. É importante ressaltar que o diálogo competitivo desenhado na nova Lei de Licitações é focado em contratos complexos ou contratos com características técnicas de difícil definição exclusivamente pela Administração Pública.
Especialistas criticam a separação do diálogo competitivo em duas fases – diálogo para o projeto da solução; e posterior concorrência para sua licitação – argumentando que esta separação não incentivará os investidores a se engajar no diálogo. De acordo com esse ponto de vista, o diálogo e a concorrência devem compor um único processo. O ideal seria que, uma vez concluída a fase de diálogo e escolhido o melhor projeto, houvesse então negociação de preço com o autor desse projeto, e só em caso de fracasso na negociação é que se poderia chamar outras empresas.
Cabe mencionar que o projeto de lei previa a possibilidade de agências controladoras monitorarem o processo antes da assinatura do contrato (inciso XII do § 1º do art. 32 do Projeto de Lei nº 4.253/2020). Porém, tal disposição foi vetada pelo presidente da República, sob a justificativa de que a medida extrapolaria os limites de competência dos tribunais de contas, ao atribuir a estes o controle da legalidade de atos internos da Administração Pública dos três poderes, violando, ainda, o princípio da separação dos poderes.
Referido veto presidencial foi em geral bem recebido, tendo em vista que o monitoramento por parte de órgãos de controle antes da assinatura do contrato adicionaria uma camada desnecessária de burocracia ao processo, o que era criticado na redação do Projeto de Lei.
² Diretiva nº 2004/18/CE, disponível em: xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/XXX/?xxxxXXXXX:00000X0000&xxxxxXX
³ Diretiva nº 2014/24/UE, disponível em: xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/XXX/?xxxxXXXXX:00000X0000
Contratações diretas: dispensa e inexigibilidade de licitações
Algumas atualizações sobre as contratações diretas, por meio de demissão e inexigibilidade de licitação, também merecem ser mencionadas. O conceito em si não mudou: dispensa se refere a situações em que, em teoria, o processo competitivo é possível, mas há circunstâncias que permitem ao governo dispensá-lo; inexigibilidade se refere a situações em que não é possível estabelecer um processo competitivo (por exemplo, há um único fornecedor de um determinado bem).
• Os valores máximos para dispensa de licitação foram aumentados: R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia ou manutenção de veículos automotores; e R$ 50.000,00 para outros tipos de aquisições de serviços;
• A licitação também pode ser dispensada para produtos destinados à pesquisa e desenvolvimento (em caso de obras e serviços de engenharia, há um limite de R$ 300.000,00);
• Dois novos tipos de inexigibilidade foram incluídos:
(i) o credenciamento, quando vários fornecedores podem fornecer serviços ou fornecer mercadorias simultaneamente, sem a necessidade de concorrência (um bom exemplo é a oferta atual de vacinas contra a COVID-19, na qual várias empresas fornecem o bem ao mesmo tempo); e (ii) aquisição ou locação de imóveis com localização e instalações que fazem sua escolha necessária.
Matriz de Risco
Essa bem-vinda inovação da Nova Lei de Licitações já está prevista na Lei das Parcerias Público-Privadas e está formalmente incorporada às regras de licitações.
Os órgãos públicos terão a possibilidade de incluir uma matriz de risco para que os contratos sejam assinados com prestadores/fornecedores, alocando os riscos de acordo com o que acreditam ser o mais eficiente. A matriz de risco é obrigatória para contratos de valores elevados (acima de R$ 200 milhões, cerca de US$ 40 milhões) e contratos integrados (turn-key) ou semi-integrados (ver seção abaixo sobre este tipo de contrato).
Seguro garantia
Seguindo o exemplo da legislação aplicável às concessões de serviços públicos e às parcerias público-privadas, a nova lei dá à Administração a prerrogativa de contratar seguros que garantam até 30% do valor original do contrato. Em caso de inadimplência, a seguradora deve assumir a execução do contrato, sob pena de pagar o limite total de indenização indicado na apólice. Há vários aspectos a serem abordados em relação ao step-in da seguradora, e neste momento há uma incerteza substancial sobre como e se esse mecanismo realmente funcionará. Os desafios em seguro garantia são: (i) melhoria da redação de apólices de seguro; (ii) mudança na subscrição de riscos; preços; (iii) gestão contratual e (iv) regulação de sinistros. Contudo, é realmente uma oportunidade promissora para o mercado de (res)seguros.
Contratos integrados e semi-integrados
Esta é outra inovação interessante da Lei nº 14.133/2021 que já foi vista no ordenamento de RDC, aplicável principalmente a contratos envolvendo obras. Permite que os órgãos públicos contratem as obras, o projeto básico e o projeto executivo, todos no mesmo pacote (contrato integrado, também conhecido como contrato turn-key). Atualmente, apenas a construção e o projeto executivo podem ser contratados conjuntamente (contrato semi- integrado), não o projeto básico. Traz à Administração a possibilidade de firmar um contrato único de ponta a ponta para uma determinada obra, o que parece mais eficiente.
No entanto, há críticas a essa disposição, dadas as incertezas envolvidas quando a Administração Pública firma um contrato sem ter pelo menos um projeto básico. Os riscos envolvidos (por exemplo, o risco substancial de várias alterações nos projetos e atrasos no início da fase executiva) podem impactar significativamente o custo final do projeto e o apetite das construtoras privadas.
Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI)
O PMI já existe na legislação de concessões públicas e permite ao governo solicitar à iniciativa privada que entregue propostas com estudos, pesquisas e soluções inovadoras para assuntos de interesse público. Uma vez que o órgão público escolha o melhor projeto, abrirá uma licitação para selecionar o contratante para executar o projeto resultante do PMI. O contratante pagará então os honorários do vencedor do PMI. Um aspecto interessante nesse sentido é que o PMI pode ser restrito a startups.
Contratos de eficiência
Contratos baseados em desempenho estão ganhando crescente importância no Brasil, especialmente para projetos de infraestrutura. Eles são inspirados na experiência internacional da output-based procurement e em vez de ter compensações baseadas em insumos (ou seja, certos marcos contratados que não necessariamente resultam em benefícios reais para o Governo), eles permitem que o contratante seja pago com base nos benefícios práticos criados para a Administração Pública (por exemplo, número de unidades conectadas à rede de saneamento, ou número de estudantes que podem entrar no mercado de trabalho).
Inserção de mecanismos alternativos de
resolução de disputas
Essa não é uma inovação no Direito Público brasileiro. Os ordenamentos que estabelecem a arbitragem e a mediação no Brasil (Lei nº 9.307/1996 e Lei nº 13.140/2015) já preveem a possibilidade de órgãos públicos resolverem suas disputas por meio de métodos alternativos. A Nova Lei de Licitações, no entanto, vem com uma disposição específica para licitações e contratos públicos, o que traz ainda mais força ao crescente uso de métodos alternativos de resolução envolvendo órgãos governamentais. A Lei nº 14.133/2021 permite expressamente a conciliação, a mediação, a arbitragem e os conselhos de disputas quando se trata de contratos públicos.
A previsão em relação aos conselhos de litígios é uma inovação particularmente bem- vinda, dada a existência de recentes casos de sucesso em projetos de infraestrutura. De acordo com a DRBF (Dispute Resolution Board Foundation), apenas 2% dos casos avaliados por conselhos de disputas nos países monitorados pela organização acabaram em litígio perante tribunais ou em arbitragem. No Brasil, a primeira experiência envolvendo conselhos de disputa foi na construção da Linha 4 do Metrô de São Paulo. Neste contrato específico, as obras foram concluídas dentro do cronograma previsto e as partes aceitaram os termos de nove dos onze prêmios formalmente emitidos pelo conselho responsável. O uso disseminado dos conselhos de disputa em projetos de infraestrutura no Brasil ainda enfrenta alguns desafios diante de órgãos de controle (como o Tribunal de Contas da União), mas players do mercado e profissionais do Direito têm saudado a inovação na Nova Lei de Licitações.
Disposições criminais
Apesar de não trazer atualizações relevantes na descrição de condutas tratadas como crimes em licitações, a Nova Lei de Licitações prevê sanções mais rigorosas, regras de aplicação mais duras e prazos mais longos para a prescrição. O Brasil tem uma tradição de longa data em responder a escândalos de corrupção com o aumento de penas. As mudanças trazidas pela nova legislação são vistas como uma resposta aos grandes escândalos de corrupção revelados durante a Operação Lava Jato e, mais recentemente, às irregularidades envolvendo a aquisição de bens para o combate à COVID-19.
Compliance
A Nova Lei de Licitações traz incentivos relevantes para a adoção de programas
de compliance por empresas que desejam fazer negócios com entidades governamentais. Até agora, o principal incentivo para uma empresa ter um programa de compliance é ter redução de penalidades caso seja considerada responsável por irregularidades previstas na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) ou durante a negociação do acordo.
A Nova Lei de Licitações prevê não apenas a redução de sanções, mas também o
seguinte:
as empresas que desejam firmar contratos com valores superiores a R$ 200 milhões (cerca de US$ 40 milhões) devem ter um programa de compliance em vigor por até seis meses após a assinatura do contrato;
a existência de um programa servirá como critério em casos de empates entre propostas;
ao buscar reabilitação, as empresas que são excluídas de licitações públicas em decorrência de atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção devem ter programas de compliance em vigor.
Antitruste
O novo modelo de licitação (diálogo competitivo) exigirá interação com a autoridade antitruste (CADE) para desenvolver algumas diretrizes e melhores práticas para implementação, pois pode criar incentivos para condutas anticompetitivas. As conversas previstas para a pré-licitação, entre a autoridade que conduz a licitação e possíveis fornecedores, podem gerar incentivos para conluio entre os concorrentes para fraudar as licitações e/ou trocar informações comerciais e competitivamente sensíveis, o que não é justificadamente necessário para alcançar a melhor solução para a licitação pública. Também chama a atenção do ponto de vista do antitruste a falta de regras e protocolos claros sobre os processos e negociações de leniência em práticas que poderiam ser caracterizadas como fraude de licitação tanto pela Lei de Concorrência (Lei nº 12.529/2011) quanto pela Nova Lei de Licitações. A Lei nº 14.133/2021 dispõe com alguma clareza sobre este assunto em relação à Lei Anticorrupção, mas não há referência ao CADE e às negociações de leniência em antitruste.
Sanções
O novo estatuto traz importantes atualizações para a seção relacionada às sanções:
Reduz a discricionariedade do órgão público ao listar de forma objetiva qual sanção é aplicável a cada tipo de infração, enquanto a norma atual apenas estabelece as possíveis penalidades (multa, advertência, suspensão do direito à licitação e declaração de inidoneidade) sem critérios para a sua aplicação;
Estabelece uma margem para o valor da multa – 0,5 a 30% do valor contratado;
Resolve um problema de longa data envolvendo a legislação vigente, deixando claro que a suspensão do direito à licitação é aplicável apenas a licitações e contratos com órgãos do mesmo nível federativo do órgão que impôs a sanção (por exemplo, se a sanção for imposta pelo governo de um determinado estado, apenas outras entidades ligadas a esse mesmo estado podem excluir a empresa sancionada de suas licitações e contratos); enquanto a declaração de inidoneidade impede que as empresas celebrem contratos com órgãos públicos de todos os níveis – federal, estadual e municipal;
Deixa claro que a suspensão dos direitos de licitar é estendida a outras empresas do mesmo grupo – entidades controladas, controladoras e afiliadas – sempre que tais empresas sejam utilizadas para superar os efeitos da sanção;
A Nova Lei de Licitações cria um "processo de reabilitação" para empresas que estejam com o direito de licitar suspenso ou tenham uma declaração de inidoneidade. O seguinte é requisitado: (i) compensação por danos ao erário; (ii) pagamento da multa; (iii) permanência de ao menos um ano de suspensão dos direitos de licitar, ou três anos em caso de declaração de inidoneidade; (iv) cumprimento de outras condições de reabilitação estabelecidas no ato punitivo. Em caso de condutas que sejam ilícitas nos termos da Lei Anticorrupção, ou em caso de declarações falsas e apresentação de documentação falsa durante a licitação ou execução contratual, a empresa também deve demonstrar a implementação ou melhoria de um programa de compliance.
Embora essas inovações tragam esclarecimentos relevantes para as regras de sancionamento, nossa visão é que algumas oportunidades de melhoria foram perdidas. Em primeiro lugar, o leque de possibilidades de acordo de leniência deveria ser mais amplo, uma vez que só é possível em caso de ofensas à Lei Anticorrupção. Também poderia englobar acordo entre a contratada e o governo, em caso de irregularidades de qualquer natureza detectadas durante a licitação ou a execução contratual. Em segundo lugar, o período mínimo para a sanção da declaração de inidoneidade ainda é muito longo (três anos). Empresas que têm receitas substancialmente alavancadas por contratos públicos podem não sobreviver durante este período.
Acordos de leniência
Outra inovação da Nova Lei de Licitações é a inclusão de dispositivo segundo o qual as infrações administrativas previstas nas leis de licitações que também configurem atos lesivos previstos na Lei nº 12.846/2013 sejam apuradas e julgadas em conjunto.
Inicialmente, o Projeto de Lei previa que, em caso de práticas que fossem ilegais sob a Nova Lei de Licitações e a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), o infrator e o órgão público teriam a possibilidade de firmar um acordo (acordo de leniência) que isentaria a empresa de sanções previstas na Nova Lei de Licitações.
Além disso, o Projeto de Lei também permitia expressamente que os Tribunais de Contas isentassem a empresa de sanções previstas em sua legislação, concordando formalmente com os termos do acordo de leniência.
Porém, tais disposições foram vetadas pelo presidente da República, por entender que haveria violação do princípio da separação de poderes, do interesse público e das competências constitucionalmente atribuídas aos Tribunais de Xxxxxx.
Este ponto costuma ser uma fonte de insegurança jurídica, uma vez que um acordo baseado na Lei Anticorrupção não necessariamente impede a imposição de penalidades nos termos da legislação de licitações.
Esse alinhamento entre diferentes sistemas sancionadores poderia ser um incentivo para acordos envolvendo irregularidades no contexto de licitações e contratos públicos. Atualmente, vários órgãos têm a jurisdição para impor sanções, e os acordos alcançados por um deles não vinculam os outros.
Entretanto, a redação final do artigo 159 garantiu apenas que os atos previstos como infrações administrativas nas leis de licitações e contratos da Administração Pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846/2013, deverão ser apurados e julgados conjuntamente.
Prazo de prescrição
O novo estatuto também prevê um prazo de prescrição, que também é uma inovação em relação à legislação vigente. A aplicação das penalidades previstas na Nova Lei de Licitações será impedida após cinco anos contados a partir da data em que a autoridade tomou conhecimento da prática ilícita. Como em outros regramentos com disposições semelhantes (por exemplo, a Lei Anticorrupção), não está claro o que caracteriza a ciência da autoridade (que é o ponto de partida para a contagem do período de cinco anos), mas é um claro avanço no cenário de licitações.
Vale ressaltar que, pela nova legislação, a execução de acordos de leniência interrompe a contagem de tempo para o prazo prescricional. Portanto, uma vez assinado o acordo, a contagem do prazo de cinco anos é reiniciada.
Environmental, Social and Governance (ESG)
O antigo regramento já previa expressamente o "desenvolvimento nacional sustentável" como pilar de processos de licitações e alguns incentivos à adoção de boas práticas de ESG por parte das contratadas. A Nova Lei de Licitações traz novos incentivos nesse sentido, como:
em caso de ilegalidades detectadas em processos licitatórios e contratos, o órgão público deve considerar os impactos sociais e ambientais do contrato durante a avaliação de possível rescisão;
a remuneração do contratante pode ser fixada com base no desempenho, que será medido de acordo com critérios de sustentabilidade ambiental, padrões de qualidade e prazos;
adoção de programa de compliance por empresas que firmem contratos com valores superiores a R$ 200 milhões (ou para reabilitação em caso de imposição de determinadas sanções);
o termo de referência do processo de aquisição deve incluir descrição de impactos sociais, fatores mitigadores, baixos requisitos de consumo de energia, logística reversa para reciclagem;
a nova lei também proíbe a participação em qualquer licitação de pessoas e empresas que tenham sido condenadas em decisão final e vinculante por trabalho infantil, submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão ou pela contratação de adolescentes em casos ilícitos;
entidades governamentais podem exigir de seus contratados que um percentual mínimo da força de trabalho responsável pela execução do contrato seja composto por mulheres que sofreram violência doméstica ou cidadãos que deixaram o sistema prisional.
Apesar dos avanços positivos em matéria de Direitos Humanos relacionados às condições de trabalho, a Nova Lei de Licitações não conseguiu prover a amplitude estabelecida pelas Diretrizes Nacionais de Negócios e Direitos Humanos (Resolução nº 05/2020). As Diretrizes Nacionais preveem que o Poder Público cessará quaisquer contratos ou relação com empresas envolvidas em violações de Direitos Humanos resultantes direta ou indiretamente de suas atividades. A Nova Lei de Licitações não abrange expressamente outras formas de violações dos Direitos Humanos e aquelas causadas indiretamente pela pessoa ou empresa.
A Lei nº 14.133/2021 também trouxe novidades sobre a questão do licenciamento ambiental. Agora, o edital de licitação poderá prever a responsabilidade do contratado pela obtenção da licença ambiental.
No tocante à alteração dos contratos administrativos, o novo regramento prevê o reequilíbrio econômico-financeiro em contratos de obras e serviços de engenharia, quando a sua execução for dificultada por atrasos no licenciamento ambiental, em razão de fatos alheios ao contratado. Eventuais atrasos no processo de licenciamento ambiental que acarretem descumprimentos contratuais da Administração e impossibilitem a execução do contrato também podem motivar a sua extinção.
Foi objeto de veto do Poder Executivo disposição do Projeto de Lei que atribuía à Administração, nos contratos de obras e serviços de engenharia, a obtenção de manifestação prévia ou licença prévia antes da divulgação do edital, quando o licenciamento ambiental fosse de sua responsabilidade. Entendeu-se que tal determinação restringe o uso do regime de contratação integrada, no qual o projeto é elaborado futuramente pela contratada, considerando que a obtenção de licença prévia prescinde de um projeto, o que impossibilita providenciá-la antes mesmo da divulgação do edital.
Adesão do Brasil ao GPA
A Nova Lei de Licitações já enfrenta um desafio relevante: buscar a adesão do Brasil ao Acordo de Compras Governamentais (GPA) da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em janeiro de 2020, o Governo brasileiro anunciou sua intenção de solicitar formalmente a adesão do Brasil ao GPA. Em 5 de outubro de 2020, o Brasil protocolou sua lista de requisitos perante a OMC com diversas informações sobre sua legislação de licitações, que agora serão avaliadas pela organização.
Dependendo dos termos que regerem a entrada do Brasil no tratado internacional, a legislação brasileira de licitações precisará ser alterada. Especialmente porque a Nova Lei de Licitações prevê tratamento benéfico para empresas brasileiras em diferentes situações:
(i) preferência por empresas brasileiras ou empresas que invistam em P&D no país em caso de tiebreak; (ii) licitações envolvendo sistemas estratégicos de tecnologia da informação podem ser restritas a bens e serviços desenvolvidos no país; (iii) dispensa de processo competitivo para seleção de bens ou serviços que sejam produzidos ou fornecidos no interior do país e que envolvam alta complexidade tecnológica e segurança nacional.
O projeto de lei previa a concessão de margem de preferência a bens brasileiros que atendessem aos padrões técnicos nacionais (até 10% sobre o preço oferecido por concorrentes que não preenchessem o requisito). Porém, tal disposição foi objeto de veto presidencial, sob a justificativa de que estabelecia preferência e distinção entre brasileiros, sendo um forte limitador de concorrência, contrário ao interesse público.
A entrada do Brasil no GPA definitivamente trará boas oportunidades para empresas brasileiras no exterior. Atualmente, o GPA conta com 29 membros, incluindo os Estados Unidos e os países da União Europeia. As licitações brasileiras em geral também devem se beneficiar dela, uma vez que novos concorrentes, com novas tecnologias, serviços e bens serão incentivados a entrar no mercado brasileiro de compras públicas.
No entanto, o país tem uma longa tradição de proteção ao seu mercado interno. A Nova Lei de Licitações reflete isso. A atualização de suas disposições a esse respeito é de fato um grande desafio para os próximos anos.
Aspectos trabalhistas e previdenciários
A Nova Lei de Licitações traz alguns aspectos de ordem trabalhista e previdenciária, sendo que os artigos 50, 62, 63, 68, 135 e 139 dizem respeito à observância dos requisitos formais exigidos para a participação na licitação, para a celebração dos contratos e para a execução dos serviços à Administração Pública.
No entanto, o principal destaque reside no artigo 121 da Nova Lei, o qual vem a substituir o artigo 71 da Lei nº 8.666/1993 e que traz uma questão interpretativa importante quanto à responsabilidade da Administração Pública na terceirização de serviços.
O Tribunal Superior do Trabalho, especificamente no item V da sua Súmula 331, até então, em termos de responsabilidade da Administração Pública, interpreta o artigo 71 da antiga Lei de forma alinhada com o Tema 246 do Supremo Tribunal Federal, entendendo que: “Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.
Contudo, o artigo 121 da Nova Lei restringe a hipótese de responsabilidade – serviços contínuos de dedicação exclusiva de mão de obra; divide as espécies de responsabilidade – solidária para os encargos previdenciários e subsidiária para os encargos trabalhistas; e impõe expressamente o requisito comprovação na falha da fiscalização no cumprimento das obrigações do contratado.
Portanto, neste aspecto há a possibilidade de que o TST reveja o entendimento consubstanciado no item V da Súmula 331 e o adeque às disposições do artigo 121 ora abordado, levando-se em conta seu caráter não vinculante e sua função de vetor interpretativo. Além disso, o Tema 246 do STF aborda tão somente a questão da responsabilidade automática do Poder Público, ensejando, a nosso juízo, portanto, uma interpretação sistemática dos precedentes jurisprudenciais e do artigo de Lei ora citados, passando, agora, a termos um paradigma legal quanto à responsabilidade em questão.
SÓCIOS:
Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxx
Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxx
Para mais informações:
Este material não pode ser reproduzido integralmente ou parcialmente
sem consentimento e autorização prévios de TozziniFreire Advogados.