PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONTRATUAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONTRATUAL
XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXXX
COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO LIVRE E NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA E O DIREITO CONTRATUAL
SÃO PAULO 2019
COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO LIVRE E NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA E O DIREITO CONTRATUAL
Monografia Jurídica apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Contratual, sob orientação da Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx.
SÃO PAULO 2019
COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO LIVRE E NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA E O DIREITO CONTRATUAL
Monografia Jurídica apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Contratual, sob orientação da Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx.
BANCA EXAMINADORA
Especialmente ao meu tio, Xxxx Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, por me conceder o privilégio e a oportunidade de conhecer o setor brasileiro de energia elétrica, aos meus colegas advogados, Xxxxxxx Xx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxx, Xxxx Xxxxxx, e Xxxxx Xxxxx, por acreditarem em mim, e me ensinarem tudo o que sei a respeito desse setor, e à Xxxxxxxx Xxxxx, por todas as oportunidades concedidas a mim ao longo dos últimos sete anos, possibilitando meu desenvolvimento pessoal e profissional, e pela confiança em meu trabalho.
À minha avó materna, Xxxxx Xxxxxx por todo amor e dedicação diários; ao meu pai, Xxxx por me incentivar a cultivar sonhos; à minha mãe, Lígia por me mostrar a importância da persistência e da determinação para alcançá-los; e à minha irmã, Xxxxxxx pela verdadeira e sincera amizade.
Aos meus queridos colegas de trabalho, do Regulatório, Back Office, Planejamento Energético e Comercial, e especialmente à Xxxxxx Xxxxxxxxx, pela disponibilidade e atenção e por contribuirem ao enriquecimento do presente trabalho, bem como por tornarem meus dias mais divertidos e leves.
Ao mestre, Dr. Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, por humilde e gentilmente compartilhar tão vasto conhecimento a respeito do setor brasileiro de energia elétrica.
À Professora Dra. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, por ter gentilmente aceitado o convite para orientação deste trabalho.
A todas as pessoas que, de algum modo, colaboraram para a realização deste trabalho.
Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte
Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte
E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado
E assim já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro.
(XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, 1976)
O presente trabalho tem como escopo o estudo da relação entre o Direito Contratual e a comercialização de energia elétrica no Brasil, especificamente no ambiente de contratação livre e no ambiente de contratação regulada. Tal escopo restringe-se, por sua vez, à análise dos aspectos contratuais das relações estabelecidas entre compradores e vendedores, decorrentes das operações de compra e venda de energia, realizadas em referidos ambientes, e da legislação atinente a estes contratos. Nessa toada, o estudo pretende distinguir a relação entre comprador e vendedor no ambiente de contratação livre, da relação estabelecida entre distribuidora e consumidor cativo, advinda do fornecimento físico de energia elétrica e repasse dos custos de sua aquisição. Deste modo, a partir da definição de energia elétrica enquanto fenômeno físico, e enquanto objeto do Direito, somada a uma contextualização sobre a atual concepção do setor brasileiro de energia elétrica, almeja-se esclarecer a existência de ambientes e regras distintos para comercialização de energia elétrica em cada um destes mercados. A seguir, tendo em vista o que prevê a legislação a respeito dos contratos em geral, e a regulamentação específica do setor, pretende-se analisar os contratos celebrados por ocasião da formalização destas operações de comercialização. Mencionada análise objetiva explorar as características contratuais gerais e específicas de cada contrato, com a finalidade de estabelecer uma comparação entre eles e, assim, destacar suas principais semelhanças e diferenças. Mais precisamente, o intuito é elucidar, sobretudo, as diferenças no que tange à legislação aplicável e as implicações, sob o ponto de vista contratual/obrigacional, ocasionadas pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor apenas às relações estabelecidas entre distribuidoras e consumidores cativos. Por fim, pretende-se avaliar os projetos de lei em trâmite de aprovação perante o Poder Legislativo, e a proposta analisada durante a Consulta Pública nº 33 de 2017, realizada pelo Ministério de Minas e Energia, que objetivam a abertura gradual do mercado de energia elétrica para livre comercialização. Esta avaliação final anseia verificar as possíveis consequências advindas de referida abertura para as partes envolvidas na comercialização de energia, notadamente aquelas decorrentes da potencial migração dos consumidores cativos para o ambiente de contratação livre, e consequente possibilidade de extinção do mercado cativo.
Palavras-Chave: Setor Brasileiro de Energia Elétrica. Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica. Ambiente de Contratação Livre. Ambiente de Contratação Regulada. Mercado Cativo.
The present work has as its scope the study of the relationship between Contractual Law and commercialization of electric energy in Brazil, specifically in the free contracting environment and in the regulated contracting environment. Such scope is restricted, in its turn, to the analysis of the contractual aspects of the relations established between buyers and sellers, arising from the purchase and sale of energy carried out in said environments and the legislation related to these contracts. The study also aims to distinguish the relationship stablished between buyer and seller at the free contracting environment from the relationship established between distributors and captive consumers, originated from the physical supply of electric energy and the pass through of the costs of its acquisition. Thus, starting with the definition of electric energy as a physical phenomenon and as an object of the Law, along with a contextualization about the current conception of the Brazilian electric sector, it is sought to clarify the existence of distinct commercialization environments and rules in each one of these markets. Following, in view of what is provided by legislation regarding contracts in general and the specific regulation of the Brazilian electricity sector, it is intended to analyze the contracts entered at the time of the formalization of these commercialization operations. This analysis intends to explore the general and specific contractual characteristics of each contract, with the purpose of establishing a comparison between them and, thus, highlight their main similarities and differences. More precisely, the purpose is to elucidate, above all, the differences regarding the applicable legislation and the implications, from the contractual/ obligational perspective, of the applicability of the Brazilian Consumer Defense Code only to relations established between distributors and captive consumers. Finally, it intends to evaluate the bills pending approval by the Brazilian Legislative Authority, and the proposal analyzed during the Public Consultation No. 33 of 2017, carried out by the Brazilian Ministry of Mines and Energy, aiming the gradual opening of the energy market for free commercialization. This final evaluation aims to verify the possible consequences of this opening for the parties involved in the commercialization of energy, especially those arising from the potential migration of captive consumers to the free contracting environment and consequent possibility of extinction of the captive market.
Keywords: Brazilian Electric Sector. Electric Energy Purchase and Sale Agreement. Free Contracting Environment. Regulated Contracting Environment. Captive Market.
Figura 1 – Matriz de capacidade instalada de geração de energia elétrica do Brasil sem importação contratada 13
Figura 2 – Matriz de produção de energia elétrica no Brasil 14
Figura 3 – Estrutura institucional do setor elétrico no Brasil 36
Figura 4 – Tabela comparativa entre o Ambiente Livre e o Ambiente Regulado 75
Figura 5 – Interesse na possibilidade de escolha do fornecedor de energia 96
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO PRELIMINAR – A ENREGIA ELÉTRICA E O DIREITO 12
1. Energia elétrica enquanto fenômeno físico 12
2. Energia elétrica enquanto objeto do direito 15
3. Setor brasileiro de energia elétrica 18
3.1. Breve histórico 18
3.2. Estrutura organizacional 26
PRIMEIRA PARTE – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO LIVRE E NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA 42
Título I – Contrato de Compra e Venda de Energia no Ambiente de Contratação Livre 44
Capítulo 1 – Legislação aplicável 45
Capítulo 2 – Partes 47
Capítulo 3 – Objeto 50
Título II – Aquisição de Energia Elétrica pelas Distribuidoras 55
Capítulo 1 – Contrato de Compra e Venda de Energia no Ambiente de Contratação Regulado 56
1.1. Legislação aplicável 59
1.2. Partes 62
1.3. Objeto 64
Capítulo 2 – A relação entre distribuidora e consumidor cativo 65
1.1. Legislação aplicável 68
1.2. Partes 70
1.3. Objeto 72
CONCLUSÕES PRIMEIRA PARTE 73
SEGUNDA PARTE – OS IMPACTOS DA ABERTURA DO MERCADO PARA LIVRE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA 78
Título I - Propostas de Abertura 78
Capítulo 1 - Consulta Pública nº 33 de 2017 80
Capítulo 2 - Projetos de lei em trâmite 84
Capítulo 3 - Situação atual das propostas 86
Título II - Impactos da Abertura 88
Capítulo 1 - Migração dos consumidores cativos e potencial extinção do mercado cativo 88
Capítulo 2 - Os consumidores livres e o conceito de consumidor 89
Capítulo 3 - Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos consumidores migrados 93
CONCLUSÕES SEGUNDA PARTE 95
CONCLUSÕES FINAIS 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 102
ANEXO A – MINUTA DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA 112
INTRODUÇÃO
A fim de analisar a relação entre o Direito Contratual e a comercialização de energia elétrica no Brasil, especificamente no ambiente de contratação livre e no ambiente de contratação regulada, se fez necessário dividir o presente trabalho em três: um capítulo preliminar e duas diferentes partes.
Nesse sentido, no Capítulo Preliminar – Energia Elétrica e o Direito, define-se energia elétrica enquanto fenômeno físico e o que deve ser entendido por energia elétrica enquanto objeto do Direito, a fim traçar uma primeira delimitação ao objeto de estudo em questão. Além disso, em referido capítulo traça-se um panorama histórico acerca do setor brasileiro de energia elétrica, através da apresentação das principais mudanças sofridas pelo setor até a concepção atual, de modo, inclusive, a esclarecer a existência de ambientes e regras distintos para comercialização de energia elétrica no Brasil.
A seguir, na Primeira Parte – Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente de Contratação Livre e no Ambiente de Contratação Regulada, aborda-se os contratos de compra e venda de energia celebrados por ocasião da comercialização de energia em referidos ambientes, destacando-se suas características principais, de acordo com a legislação aplicável. Estabelece-se uma comparação entre referidos contratos a fim de distinguir a relação entre comprador e vendedor no ambiente de contratação livre da relação estabelecida entre distribuidora e consumidor cativo, advinda do fornecimento físico de energia elétrica e repasse dos custos de sua aquisição.
Ainda na Primeira Parte, demonstra-se a aplicação do direito do consumidor à relação estabelecida entre distribuidora e consumidor cativo e, de outro lado, a aplicação do direito civil, à relação estabelecida entre compradores e vendedores no ambiente de contratação livre e no ambiente regulado, neste último quando da aquisição de energia pelas distribuidoras.
Por fim, na Segunda Parte – Os Impactos da Abertura do Mercado para Livre Comercialização de Energia Elétrica, apresenta-se os projetos de lei em trâmite de aprovação perante o Poder Legislativo, e a proposta analisada durante a Consulta Pública nº 33 de 2017, realizada pelo Ministério de Minas e Energia, que objetivam a abertura gradual do mercado de energia elétrica para livre comercialização, de modo a delinear as propostas existentes e seu status atual sob o ponto de vista legislativo. A partir de referida explanação, discute-se potenciais impactos de referida abertura: (i) migração dos consumidores cativos para o ambiente de contratação livre e potencial extinção do mercado cativo; (ii) possibilidade de
aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Consumidores Migrados; e (iii) possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Consumidores Livres.
O presente trabalho pretende, assim, expor os contornos legais dos contratos de compra e venda de energia elétrica no ambiente de contratação livre e no ambiente de contratação regulada, aliado à análise das propostas de abertura do mercado para livre comercialização de energia elétrica, a fim de verificar se com referida abertura o ambiente de contratação livre continuará sendo regido exclusivamente pelo Direito Civil ou se passará a ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor, especificamente nas relações entre vendedores e consumidores migrados, e, nesse último caso, se, por analogia, a relação entre vendedores e Consumidores Livres também deverá ser entendida como uma relação de consumo.
CAPÍTULO PRELIMINAR - A ENERGIA ELÉTRICA E O DIREITO
A energia existe sob as mais variadas formas na natureza, contudo, a que interessa para fins do presente estudo, é a energia elétrica. A despeito do direito ao acesso à energia elétrica não constar expressamente no rol de direitos fundamentais, dispostos no artigo 5º da Constituição Federal brasileira, é certo que ela é indispensável para desenvolvimento de um país e, por vezes, determinante ao estabelecimento de uma vida digna. Ainda que haja discussão a respeito da essencialidade do acesso à energia para a manutenção da dignidade da pessoa humana, o que não é objeto de discussão do presente estudo, a importância da energia elétrica para a humanidade é inegável.
Tendo isso em vista, o presente capítulo apresenta a definição de energia elétrica enquanto fenômeno físico e enquanto objeto do direito, de forma a delimitar o que, para fins do presente estudo, deve ser entendido como energia elétrica. A seguir, é apresentado o setor brasileiro de energia elétrica, de modo não só a traçar um panorama histórico, demonstrando sua evolução ao longo dos anos, como também esclarecer sua concepção atual e, assim, elucidar sua estrutura, organização e funcionamento.
1. ENERGIA ELÉTRICA ENQUANTO FENÔMENO FÍSICO
O termo Energia Elétrica possui várias acepções. Sob o ponto de vista da física, trata-se de um fenômeno físico, que se resume na capacidade de produzir trabalho, sendo que, trabalho, é a energia transferida por meio de aplicação de uma força. Nesse sentido, afirma-se que se trata de um fenômeno físico, uma vez que, sob o ponto de vista científico, o fenômeno energia é regulado por leis da natureza imutáveis e universais que foram identificadas por cientistas e não definidas por legisladores (Xxxxxxxxxxx, 2018, p. 5). Posto isso, é possível verificar que a energia pode existir sob diversas formas.
Na natureza, na força da corrente de um rio, a energia se encontra na forma de energia potencial. Quando uma barragem é construída, com uma queda d’agua, a água em queda transforma a energia potencial em energia cinética. Na Usina Hidrelétrica, quando a água em queda atinge as pás da turbina da barragem, e as fazem se movimentar, em sentido circular, a energia mais uma vez é transformada, dessa vez, de energia cinética para energia mecânica. O movimento de rotação das pás da turbina é transmitido a um eixo, que passa a se movimentar em rotação em torno de um conjunto de ímãs, denominado dínamo. Este movimento de rotação,
por sua vez, gera um campo eletromagnético, transformando, a energia mecânica em energia elétrica.
O relato acima é apenas um dos exemplos que existem para elucidar as diversas formas de energia que existem na natureza, e uma das formas como ela pode ser transformada em energia elétrica. A partir dele, também é possível depreender uma importante premissa a respeito da geração de energia: Ainda que se fale em “geração” ou “produção” de energia, estes termos não estão tecnicamente corretos, haja vista que ambos, em sua acepção própria, significam “criar”. Isso porque, a energia elétrica não pode ser criada, mas apenas transformada, até assumir a forma de energia elétrica. A geração é, assim, a transformação de uma fonte primária de energia, em energia elétrica1.
No Brasil, a matriz energética é formada não apenas por fontes de energia renováveis (que não se esgotam com o decorrer do tempo – hidráulicas, eólicas, solares e, entre as térmicas, a biomassa), conforme exemplo acima, como também as energias não-renováveis (que se esgotam conforme sua utilização – térmicas, entre elas gás natural, petróleo, carvão mineral e nuclear). De acordo com o último boletim2 mensal de monitoramento do setor elétrico brasileiro, publicado pelo Ministério de Minas e Energia no mês de maio deste ano (“Boletim”), a matriz energética brasileira é composta: 63,5% por fontes hidráulicas; 25,7% por fontes térmicas; 9,1% por fontes eólicas; e 1,8% por fontes solares.
1 TOLMASQUIM, Xxxxxxxx Xxxxxx. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx. 0 xx. Xxx xx Xxxxxxx: Synergia; EPE: Brasília, 2015, p. 53.
2 Boletim Mensal de Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro. Ministério de Minas e Energia. Maio de 2019, p 14 e 19 Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/0000000/0000000/XxxxxxxxxxxXxxxxxxxxxxxxxxxxXxxxxxxxXx%X0%X0xxx co+-+Maio-+2019+v2.pdf/01670a68-465b-4c70-b70b-bd1618eca88b. Acesso em: 24.07.2019.
3 Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/0000000/0000000/XxxxxxxxxxxXxxxxxxxxxxxxxxxxXxxxxxxxXx%X0%X0xxx co+-+Maio-+2019+v2.pdf/01670a68-465b-4c70-b70b-bd1618eca88b. Acesso em: 24.07.2019.
Ainda, de acordo com o Boletim, no mês de abril de 2019, as fontes renováveis representaram 89,9% da matriz de produção de energia elétrica brasileira.
É certo, porém, que a despeito de ser possível identificar a quantidade de energia produzida pelas diferentes fontes que compõe a matriz energética brasileira, uma vez que a energia é gerada e injetada na rede elétrica (linhas de transmissão e distribuição), não é possível identificar como e onde cada montante de energia foi gerada. É dizer, a energia elétrica proveniente das diferentes fontes se mistura, sendo possível, apenas e tão somente, saber a proporção de participação de cada gerador na geração do montante total de energia que foi injetado na rede elétrica.
Posto isso, faz-se relevante tecer alguns comentários a respeito da transmissão de energia elétrica. A energia elétrica é transmitida de um ponto a outro na forma de corrente elétrica que, de acordo com a física, se trata da transferência ordenada de elétrons livres de um átomo para outro através de um material condutor. Xxxxxxxxxxx (2018, p 12) faz interessante analogia para elucidar esta questão: ‘a corrente elétrica é muito semelhante a uma fila de dominós, somente com a diferença que o “dominó que cai” é logo substituído por outro que vem atrás, trazido pela corrente elétrica.’ Nesse sentido, verifica-se que assim como a própria energia elétrica e sua geração, sua transmissão também se trata de um fenômeno físico.
A rede elétrica é o que conduz a corrente de energia elétrica de um ponto a outro. Em razão disso, os fios das linhas de transmissão e distribuição de energia são feitos de metal, que são bons condutores de energia. Por meio da rede elétrica a energia pode ser transmitida a
4 Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/0000000/0000000/XxxxxxxxxxxXxxxxxxxxxxxxxxxxXxxxxxxxXx%X0%X0xxx co+-+Maio-+2019+v2.pdf/01670a68-465b-4c70-b70b-bd1618eca88b. Acesso em: 24.07.2019.
grandes distâncias. De acordo xxx Xxxxxxxxxx (2015, p. 53): “[...] energia gerada na região Sudeste pode ser consumida em qualquer outra região, graças à extensa malha de transmissão que cobre o país.”. A malha de transmissão que cobre o país de fato é extensa. Conforme dados constantes do Boletim do Ministério de Minas e Energia, as linhas de transmissão atingiram, em maio de 2019, 147.629 quilômetros de extensão.
Estabelecidas considerações preliminares a respeito da acepção de energia elétrica enquanto fenômeno físico, passemos ao estudo do termo energia elétrica enquanto objeto de estudo do Direito.
2. ENERGIA ELÉTRICA ENQUANTO OBJETO DO DIREITO
Não obstante o aspecto físico da energia elétrica, em razão de ser indispensável para desenvolvimento de um país e, por vezes, determinante ao estabelecimento de uma vida digna, não poderia deixar de ser regulada pelo direito. Nesse sentido, alguns diplomas legais se propuseram a definir o termo energia elétrica, sendo algumas delas abordadas a seguir, neste item.
É relevante mencionar também que a despeito de o direito buscar uma definição própria de energia elétrica para fins de regulamentação, é certo que o legislador não poderia desconsiderar os aspectos físicos da energia elétrica. Em razão disso, em muitas disposições, é possível verificar a influência dos aspectos físicos no momento de elaboração da regulamentação.
Sob a ótica do direito, o termo energia elétrica ganha novos contornos. Sob o ponto de vista do direito tributário, por exemplo, energia elétrica é definida como um produto industrializado, conforme se depreende da dicção do parágrafo primeiro, do artigo 74 do Código Tributário Nacional:
Art. 74. O imposto, de competência da União, sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País tem como fato gerador: [...]
§ 1º Para os efeitos deste imposto a energia elétrica considera-se produto industrializado. (grifo nosso)
Com relação à influência dos aspectos físicos da energia no Direito Tributário, importa mencionar o não enquadramento da transmissão de energia de um Estado a outro como transporte de mercadoria para fins tributários. Isso porque, como explanado no item anterior, a
condução de energia elétrica por meio da rede elétrica se trata de um fenômeno físico. Nestes termos, inclusive, é que dispõe o artigo 155 da Constituição Federal:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] X - não incidirá:[...]
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; (grifo nosso)
Já sob o ponto de vista do direito penal, energia elétrica é definida como coisa móvel:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. [...]
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. (grifo nosso)
Referido enquadramento, apesar de não ser tecnicamente adequado sob o ponto de vista físico, haja vista o significado do termo “coisa”, foi necessária sua equiparação para que se pudesse caracterizar a subtração de energia elétrica, por meio dos conhecidos “gatos”, como crime. Todavia, é indubitável que energia elétrica não deve ser entendida como uma coisa, haja vista ser imaterial e sequer ser possível seu armazenamento.
Não obstante, para fins do presente estudo, a classificação apresentada pelo Código Civil, parece ser a que mais se aproxima do ideal. De acordo com a classificação proposta por referido diploma, é possível caracterizar energia elétrica como sendo um bem móvel, incorpóreo5, fungível, consumível e divisível. Inclusive, em seu artigo 83, energia é classificada como bem móvel: “Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; [...]”.
Insta consignar ainda, que o direito não se propõe apenas a definir o termo energia elétrica, mas também a regular todas as relações que decorrem da exploração das fontes primárias para sua transformação em energia elétrica, até as relações decorrentes de sua comercialização, conforme será explorado ao longo do presente trabalho.
Na Constituição Federal brasileira, o termo energia é mencionado em diversas disposições, que cumprem definir o papel do Estado e seus direitos com relação à energia
5 De acordo com Xxxxx (Introd., p 212), citado por Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx (2004, p 189) a energia elétrica é uma força natural de valor econômico e, assim, deve ser considerada um bem incorpóreo.
elétrica e exploração das atividades a ela relacionadas. Entre referidas disposições, encontram- se as abaixo transcritas:
Art. 20. São bens da União: [...]
VIII - os potenciais de energia hidráulica; [...]
§ 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. [...]
Art. 21. Compete à União: [...]
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: [...]
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; [...]
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...]
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; [...]
Ainda na Constituição Federal, apesar de não mencionar o termo energia, vale ressaltar o disposto no artigo 175 que determina ser competência do Poder Público, na forma da lei, prestar serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. A Lei 8.987/95 regulamentou referido artigo dispondo acerca do regime de concessão e permissão para prestação de serviços públicos, e limitando a outorga a estes dois tipos. No entanto, a Lei 9.074/95 ampliou a aplicação da Lei 8.987/95 para toda e qualquer espécie de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento dos cursos d’agua, em seu artigo 4º.
Aliado às disposições anteriormente mencionadas, o Decreto 41.091/1957, por sua vez, demonstra uma nítida aproximação entre o Direito e a física ao definir a produção de energia elétrica, como a transformação de qualquer outra forma e energia, seja qual for a sua origem, em energia elétrica. Referido regramento se dispõe, ainda, em definir os serviços de transmissão e distribuição:
Art 4º. O serviço de transmissão de energia elétrica consiste no transporte desta energia do sistema produtor às subestações distribuidoras, ou na interligação de dois ou mais sistemas geradores.
§ 1º. A transmissão de energia compreende também o transporte pelas linhas de subtransmissão ou de transmissão secundária que existirem entre as subestações de distribuição.
§ 2º. O serviço de transmissão pode ainda compreender o fornecimento de energia a consumidores em alta tensão, mediante suprimentos diretos das linhas de transmissão e subtransmissão.
Art 5º. O serviço de distribuição de energia elétrica consiste no fornecimento de energia a consumidores em média e baixa tensão.
§ 1º. Êste serviço poderá ser realizado:
a) diretamente, a partir dos sistemas geradores ou das subestações de distribuição primária, por circuitos de distribuição primária, a consumidores em tensão média;
b) através de transformadores, por circuitos de distribuição secundária, a consumidores em baixa tensão. [...] (grifo nosso)
Contudo, como é possível observar pelos trechos transcritos acima, a definição de transmissão e distribuição, não se aproxima tanto da física quando a de produção, ainda que o termo produção, como destacado anteriormente, não seja tecnicamente adequado. A definição dessas atividades se aproximam mais da descrição do objeto dos serviços de distribuição e transmissão.
Nesse sentido, verifica-se que a definição de energia elétrica para a física e para o direito, por vezes, são diametralmente opostas, mas estão intimamente ligadas. Para o presente trabalho, serão considerados os aspectos jurídicos de energia elétrica, sem, contudo, desconsiderar os atributos inerentes a este bem sob o ponto de vista da física que, muitas vezes, como se verá a seguir, importam características peculiares aos contratos que formalizam sua comercialização.
Isto posto, mais adiante serão abordados os dispositivos legais que regulamentam especificamente o setor elétrico e, principalmente, a comercialização de energia elétrica no Brasil.
3. O SETOR BRASILEIRO DE ENERGIA ELÉTRICA- BREVE HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO
Não é possível compreender a comercialização de energia elétrica no setor elétrico brasileiro, sem antes entender os aspectos históricos que levaram a indústria de energia elétrica no Brasil à sua concepção atual. Sob esta premissa, o presente item aborda não só a evolução do setor elétrico ao longo dos anos, como também os marcos legislativos que moldaram o setor, e as importantes crises sofridas. Uma vez traçado o panorama histórico, o presente item apresentará a estrutura atual do setor elétrico, assim como seus principais agentes, suas responsabilidades e competências e seus segmentos.
3.1. Breve Histórico
O setor brasileiro de energia elétrica teve como patrocinador de suas primeiras iniciativas Xxx Xxxxx XX, em 1879. A instalação de lâmpadas incandescentes, neste ano, no Rio
de Janeiro, na fachada principal da Estação Central da Estrada de Ferro Dom Xxxxx XX, tornou- se um marco histórico para o país. Foi a primeira instalação de iluminação elétrica pública permanente no Brasil6 e significou a origem, ainda que incipiente, da indústria brasileira de energia elétrica, até então inexistente.
Nos anos que se seguiram, novas iniciativas surgiram que, conforme o tempo, se tornaram mais significativas e de maior amplitude. Como exemplo, a instalação, em 1883, do serviço de iluminação pública na cidade de Campos, no Rio de Janeiro, pioneiro na América do Sul, seguida pela instalação de sistema de iluminação de maior capacidade, em 1887, em Porto Alegre. Neste mesmo intervalo de tempo, foram construídas usinas hidrelétricas e termelétricas que supriam os sistemas de iluminação, as primeiras linhas de bondes elétricos que começavam a surgir no país e outras construções específicas para geração de energia a serviço da exploração de diamantes.
Também em 1887 foi criada a primeira empresa de iluminação pública, denominada Companhia de Força e Luz, que operou por um ano a iluminação pública de várias ruas na cidade do Rio de Janeiro. Já em 1899 e 1904, foi possível verificar investimentos estrangeiros no ainda embrionário setor, com a autorização concedida às empresas São Paulo Railway Light and Power Company e Rio de Janeiro Tramway Light and Power Company, sob controle canadense, para operarem no país.
Em 1900, o Brasil já contava com seis termelétricas e cinco hidrelétricas, que tinham potencial para gerar um total de 12 (doze) Megawatts de energia elétrica. E, em 1904 foi aprovado importante marco legislativo para o setor. O Decreto 5.407/1904 regulamentou, pela primeira vez, o uso da energia elétrica no país, ao autorizar a promoção pelo governo federal do aproveitamento da energia hidráulica para fins de serviços públicos, por meio de exploração direta ou, indireta, mediante outorga de concessões: “Art. 1º Fica o Governo autorizado a promover administrativamente ou por concessão o aproveitamento da força hydraulica para transformação em energia electrica applicada a serviços federaes.”.
Todavia, com exceção a este decreto, inexistia regulamentação específica do setor, sendo que as relações estabelecidas à época, eram regidas muitas vezes com base nos contratos celebrados entre os municípios e as empresas empreendedoras7.
0 0000-0000 – Experiências e empreendimentos pioneiros. In Centro da Memória da Eletricidade no Brasil. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx-xx-xxxxx-xxxxxxxx/0000-0000-xxxxxxxxxxxx-x- empreendimentos-pioneiros/. (Acesso em: 22.07.2019).
7 TOLMASQUIM, Xxxxxxxx Xxxxxx. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx. 0 xx. Xxx xx Xxxxxxx: Synergia; EPE: Brasília, 2015, p 4.
O desenvolvimento do até então tímido setor elétrico foi se acentuando com o passar dos anos, e já em 1920, o Brasil contava com 320 empresas atuantes no setor. No entanto, assim como aumentava o número de empresas, com o crescente desenvolvimento do país, também crescia a demanda por energia. Em São Paulo, o aumento da demanda, combinado com a falta de chuvas entre 1924 e 1925, culminou na primeira grande crise de energia.
Em 1934 a aprovação do Código de Águas8, a promulgação da Constituição Federal no mesmo ano e, em 1939, a criação do Conselho Nacional de Águas e Energia, reforçaram a base legislativa que se formava com o fim de regulamentar o setor. A respeito do Código de Águas é relevante mencionar que foi inovador em vários aspectos, conforme xxxxx Xxxxxxxxxxx (2018, p. 39):
A proposta do Código de procurava um equilíbrio entre o desenvolvimento da tecnologia, os interesses sociais, a racionalidade econômica, o papel do estado e os princípios fundamentais de ética.
A partir do Código de Águas passou a existir, no Brasil, uma nova cultura de regulação e de controle dos serviços públicos, em termos de consideração de uma taxa de retorno não abusiva, mas que permitisse o equilíbrio financeiro das concessões.
À época, a indústria elétrica já contava com 1600 empresas atuantes, contudo, empresas estrangerias, particularmente o grupo norte-americano Light, e o grupo canadense Amforp, exerciam grande influência no setor. O investimento estrangeiro era majoritário, e os dois grupos concentravam a maior parte das atividades do setor. Esta situação começou a preocupar o Estado, que tomou algumas medidas, a fim de desacelerar o crescimento do investimento estrangeiro. Referido posicionamento refletiu em várias disposições do Código de Águas e da Constituição Federal de 1934 que determinavam a assunção pelo Poder Público, de maneira mais nítida, do papel de regulador e fiscalizador do setor.
O exercício de maior controle pelo Estado, foi efetivo na redução do investimento estrangeiro. Paralelamente, provocou alguns conflitos junto às empresas estrangeiras a medida que exercia com mais ímpeto seu papel de regulador. Nesse período, o desenvolvimento do setor se deu principalmente em decorrência de crescente intervenção estatal, dando início à estatização da indústria elétrica. Várias empresas estatais foram criadas e houve o desenvolvimento robusto de empresas federais. Na mesma época, porém, os investimentos privados no segmento de geração foram baixos, sendo insuficientes para aumentar a capacidade de geração na amplitude necessária a desafogar a demanda.
8 Decreto 26.234/1934.
Ocorre que, durante as duas décadas subsequentes, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, a demanda por energia elétrica ascendeu em crescimento exponencial. De modo que, como o investimento no setor para ampliação de sua capacidade não aumentou no mesmo ritmo que a demanda, várias foram as dificuldades de atende-la. Esta situação, aliada à falta de chuvas e agravada pela falta de investimentos, provocou a necessidade de racionamento em alguns estados do sudeste do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Em razão disso, o Estado se viu forçado a incentivar o investimento na indústria elétrica, necessário para ampliação da capacidade do sistema. Em 1952, houve a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social que, juntamente com outras medidas, proporcionou o financiamento da expansão da oferta de energia na década de 50. Ainda, em 1956, por iniciativa do então Presidente da República Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx foi apresentado projeto de lei com o intuito de atrair investimentos para a ampliação do setor, propondo uma reforma tarifária. Não obstante, referido projeto não foi aprovado. Então, em 1957, Juscelino regulamentou os serviços de energia elétrica e, assim, o Código de Águas, por meio do Decreto 41.019/57 determinando importantes mudanças que beneficiaram o setor.
Após referidas mudanças e, apesar dos pequenos investimentos privados, a intervenção estatal foi efetiva no aumento da oferta de energia elétrica entre 1955 e 1965. De acordo com Xxxxx (2007, p. 124) citado por Xxxxxxxxxx (2015, p. 5) houve aumento da oferta de energia elétrica de quase 9% ao ano entre 1955 e 1960 e acima de 8% ao ano entre 1960 e 1965, influenciados principalmente pela criação da Eletrobrás em 1962 e do empréstimo compulsório em 1964, consolidando o domínio público no setor elétrico.
Os investimentos e a intervenção estatais foram determinantes na consolidação e expansão da indústria elétrica brasileira até o final da década de 1970. Todavia, a efetividade da atuação estatal não prevaleceu por muito tempo. A redução artificial de tarifas com a finalidade de captação de recursos, incentivou a ineficiência das empresas do setor. A alteração constante nas políticas tarifárias do setor reduziram as taxas de segurança jurídica, contribuindo para o afastamento de investidores. A utilização maciça de recursos federais e estatais em grandes projetos, como a construção de Itaipu em detrimento de outros segmentos como a saúde e educação, assim como baixos incentivos à eficiência e, por vezes, até mesmo incentivos à ineficiência9, entre outros aspectos, contribuíram para que o modelo estatal não prosperasse.
9 Vários autores exemplificam o incentivo à ineficiência com a alteração da política tarifária que implicou na unificação da tarifária nacional. De acordo com Xxxxxxxxxx (2015, p. 5) referida unificação significava a transferência de recursos excedentes de empresas eficientes, superavitárias, para empresas ineficientes, deficitárias, garantindo-se uma remuneração de 10% a 12% em substituição à remuneração pelo custo do serviço.
Além disso, a extinção do Imposto Único e o uso artificial das tarifas para contenção da inflação, interromperam o financiamento do setor e, consequentemente, sua expansão.
É certo que a crise não se originou tão somente de fatos intrínsecos ao Governo, decorrentes da tomada de decisões equivocadas, mas também de fatores extrínsecos como a grave crise econômica e fiscal pela qual o país estava passando naquela década. Ademais, como em vários outros países, o setor elétrico brasileiro passou a apresentar várias dificuldades no segmento de geração. Todos estes fatores deram origem a uma nova crise no setor, nos anos 80. Determinaram a falência do modelo estatizado da indústria elétrica no Brasil e a necessidade de reformas no setor na década seguinte.
A falência do mencionado modelo coincidiu com a intensificação de um movimento internacional, nos anos 90, que propunha a revisão do papel do Estado. A discussão em torno deste assunto não foi apenas local: em diversos países a ideia de que o papel estatal deveria ser revisto passou a ser disseminada, a partir da compreensão de que o Estado não deveria mais assumir um papel intervencionista, ou de investidor.
Referido pensamento foi, posteriormente, denominado neoliberal que, justamente se sedimentava sob a ideia de liberalismo econômico como forma de promover o desenvolvimento econômico e o crescimento econômico dos países. Sob esta perspectiva, o poder estatal deveria assumir um papel mais passivo, como regulamentador e fiscalizador dos serviços e não mais como prestador. Este pensamento deu origem a uma série de propostas de reformas e mudanças no Brasil e ao redor do mundo, voltadas à abertura dos mercados, desregulamentação e privatização10. De acordo com Xxxxxxxxxx (2015, p. 5):
Segundo a nova concepção, e especificamente no caso das indústrias de rede, o Estado passaria a ter a função única e exclusiva de regulador da atividade econômica, incentivando a iniciativa privada a assumir a atividade empresarial nessas indústrias, até então sob responsabilidade do Estado. [...]
Assim, a partir de 1990, muitas das medidas adotadas pelo Governo brasileiro foram influenciadas pelo pensamento da época. Uma onda de privatizações se iniciou logo neste ano, com a edição da Lei 8.031/90, que instituiu o Plano Nacional de Desestatização e com a adoção de várias medidas com a finalidade de incentivar o investimento no setor. A título de exemplo,
Assim, não havia incentivo à eficiência, porque empresas eficientes acabavam sendo penalizadas por sua eficiência a medida que se viam obrigadas a subsidiar as ineficientes.
10 XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx M. M. de. Reforma do Estado, descentralização e desigualdades. Xxx Xxxx, Xxx Xxxxx, 0000. n. 48, p. 187-212. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxxxxx.xxx?xxxxxxxxxx_xxxxxxx&xxxxX0000-00000000000000000&xxxxxx&xxxxxxx> Acesso em: 27.07.2019
vale ressaltar as alterações trazidas pela Lei 8.631/93 que promoveu a organização financeira do setor.
Nesse período, importante mencionar também a edição da Lei 9.074/95 que regulamentou a outorga e a prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos, entre outras providências, trazendo capítulo especialmente destinado aos serviços de energia elétrica e, assim, regras específicas às concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos da água. Referida lei também deu origem a duas novas figuras, que serão abordadas mais adiante, quais sejam o Produtor Independente e o Consumidor Livre.
Relevante também a Lei 9.427/96 que, por sua vez, criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”):
Art. 1o É instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal e prazo de duração indeterminado.
Art. 2o A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. (grifo nosso)
O projeto de reestruturação do setor elétrico, surgiu paralelamente a estas alterações, e sofreu fortes influências da nova concepção do papel estatal. Denominado Projeto RE-SEB, propunha imposição de limites à atuação do Estado, aumento da participação privada, e outras mudanças, para viabilizar o estabelecimento de um ambiente competitivo no setor elétrico. A reforma propunha alterações de grande amplitude, pois grandes eram os desafios: era necessário corrigir o déficit fiscal, reestabelecer os investimentos no setor e incentivar a eficiência das empresas da indústria de energia elétrica11. Tolmasquim (2015, p. 9) apresenta algumas das principais soluções sugeridas no âmbito do projeto:
Livre comercialização da energia elétrica no Sistema Interligado Nacional; Estabelecimento de “contratos iniciais” para a transição de modelos; Criação de um Mercado Atacadista de Energia, para operacionalizar a compra e venda de energia livremente negociada; Desmembramento de ativos de geração e transmissão da compra e venda de energia; Criação de um Operador Independente do Sistema; e Organização das atividades financeiras e planejamento. [...]
11 TOLMASQUIM, Xxxxxxxx Xxxxxx. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx. 0 xx. Xxx xx Xxxxxxx: Synergia; EPE: Brasília, 2015, p 6.
A implantação do Projeto RE-SEB ocorreu apenas em 1998, com a entrada em vigor da Lei 9648/98. No entanto, nem todas as alterações propostas foram adotadas, de modo que considera-se ter sido uma implantação parcial. Entre as principais mudanças, Christofari (2018 p 37-38) elenca:
Com a reestruturação do setor, na década de 1990, os principais fatos foram: Criação do ONS – Operador Nacional do Sistema; Criação do MAE – Mercado Atacadista de Energia, posteriormente substituído pela CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica; Segregação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização; Quebra do monopólio e novas regras para a comercialização de energia elétrica; Privatização de algumas poucas geradoras; e Privatização de várias distribuidoras. [...]
O Operador Nacional do Sistema (“ONS”) foi criado na forma de uma pessoa jurídica de direito privado, com a finalidade de coordenar e controlar as atividades de geração e transmissão de energia no Sistema Interligado Nacional12 (“SIN”), sob fiscalização e regulação da ANEEL. Já o Mercado Atacadista de Energia (“MAE”) foi instituído com o propósito de servir como um mercado livre e, assim, viabilizar a livre negociação de contratos. Um Acordo de Mercado foi firmado entre geradores, distribuidores e consumidores livres prevendo sua instituição, bem como as regras aplicáveis para determinação dos preços não pactuados via contratos bilaterais13, além das regras para participação, o qual foi posteriormente homologado pela ANEEL.
A “desverticalização” do setor com a segregação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização teve grande impacto na reforma do setor, combinada com o estabelecimento da livre negociação de energia entre concessionários, permissionários e autorizados. Isso porque, até então, quase todas as empresas do setor atuavam em todos os segmentos e o novo modelo impunha que as empresas optassem por se dedicar a apenas uma delas. O artigo 9º da Lei 9648/98 expressamente determinou a separação da compra e venda de energia elétrica da contratação de acesso e uso dos sistemas de distribuição e transmissão.
Apesar dos esforços dispendidos para reestruturação do setor, uma nova crise, em 2001, foi inevitável. Com a implantação das reformas ainda em andamento, a demanda por energia elétrica superou a capacidade de geração, ocasionando a necessidade de decretação de um racionamento nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Programas e
12 Sistema Interligado Nacional – SIN, é o conjunto de instalações e equipamentos (geração, transmissão e distribuição) responsáveis pelo fornecimento de energia elétrica das regiões do país interligadas eletricamente. Este sistema é dividido por região, em quatro subsistemas: Sul, Sudeste\Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Todos os Estados brasileiros estão conectados ao SIN, com exceção de Roraima e de uma parte do Amazonas.
13 TOLMASQUIM, Xxxxxxxx Xxxxxx. Noxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx. 0 xx. Xxx xx Xxxxxxx: Synergia; EPE: Brasília, 2015, p 13.
medidas de urgência foram necessários a fim de reduzir os efeitos da crise e reestabelecer o coeficiente entre capacidade e consumo. À época, foi instituída uma Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica para implantação dos programas e medidas, e uma Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica com a finalidade de apurar os motivos da crise. O racionamento foi encerrado em fevereiro de 2002, sendo que a economia foi profundamente afetada neste período.
A respeito das conclusões obtidas pela Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, Tolmasquim (2015, p 19.) tece algumas considerações:
A privatização, realizada por motivos externos ao setor elétrico, fez a reestruturação preceder a desregulamentação, sem levar em conta que a escassez de oferta, agravada pela ausência de investimentos na expansão da geração, inviabilizou a competição nas atividades de geração e de comercialização, ou seja, abalou os próprios fundamentos do modelo que se implantava.
Não obstante o posicionamento transcrito acima, com a devida data vênia, as privatizações, ainda que realizadas antes da regulamentação, não constituíram uma das causas da crise. Na verdade, elas tinham o intuito de atrair investimentos privados para o setor como alternativa a possibilitar o aumento da oferta de energia. Os elementos determinantes foram, na verdade, a falta de planejamento integrado e a falta de monitoramento do setor como um todo, a despeito de à época já existirem o ONS e o MAE. Outro elemento determinante e, talvez, o principal motivo para a crise, foi o fato que as garantias físicas das geradoras estavam superestimadas, ou seja, demonstravam que elas possuíam uma capacidade de geração acima do que realmente possuíam. Este fato fazia aparentar que a oferta era capaz de atender a demanda, e trazia uma falsa ilusão de que as distribuidoras possuíam cobertura contratual para seus contratos, que dispensava a necessidade de contratação de energia adicional.
Independentemente dos reais motivos para sua ocorrência, a crise de 2001 demonstrou a necessidade de nova modificação do setor elétrico brasileiro. Não havia confiabilidade no suprimento, a livre negociação de preços onerou os consumidores finais e em razão da implantação parcial das alterações propostas pelo projeto RE-SEB, a competição que deveria ser incentivada pela nova estrutura, acabou desestimulada.
Em 2003, já sob a presidência de Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxx, foram adotadas as primeiras iniciativas a fim de estabelecer uma proposta de novo modelo do setor elétrico. A nova proposta teria como finalidade norteadora a recuperação pelo Estado das funções de planejamento e capacidade de formulação da política energética do país e grupos de trabalho foram criados para
discussão do tema. Em julho deste mesmo ano, foi apresentada pelo Ministério de Minas e Energia a nova proposta de modelo.
Muitas das alterações propostas foram implementadas por meio de Medidas Provisórias, posteriormente convertidas em lei, e por meio de Decretos. Tolmasquim (2015, p. 27) sumariza as principais alterações implementadas pelo novo modelo:
(i) Profundas modificações na comercialização de energia no SIN, com a criação do Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e do Ambiente de Contratação Livre (ACL); (ii) Modificações institucionais, com a reorganização das competências e a criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); (iii) Retomada do planejamento setorial, a partir da contratação regulada por meio de leilões e com a criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE); (iv) Retomada dos programas de universalização; e (v) Segurança jurídica e estabilidade regulatória, premissa para atrair investimentos, reduzir riscos e expandir o mercado. [...]
Não obstante algumas alterações relevantes trazidas pela reforma, a questão a respeito de o novo modelo ter trazido segurança jurídica e estabilidade regulatória para o setor é controversa. O presidente à época e mesmo o governo sucessor, da presidente Xxxxx Xxxxxxxx, foram muito criticados por legislarem por meio de Medidas Provisórias. As medidas, que deveriam ser utilizadas apenas em caráter de urgência, passaram a ser utilizadas como forma de impor as alterações que os governantes entendiam necessárias sem a interferência do poder legislativo. Inclusive, apesar de alguns argumentarem que houve ampla participação popular na idealização do novo modelo, a verdade é que não foram abertas audiências públicas para discussão e abertura para contribuições pelos agentes do setor à proposta apresentada pelo Ministério de Minas e Energia.
Em razão disso, a implantação do novo modelo, foi conturbada, tendo sido objeto de ações diretas de inconstitucionalidade, e causando grandes impactos no setor e grandes conflitos entre o Poder Executivo e os agentes da indústria de energia elétrica. Além disso, muitos responsabilizam a forma de atuação do governo pela judicialização do setor que, neste período ascendeu exponencialmente.
3.2. Estrutura organizacional
O setor elétrico brasileiro pode ser dividido em quatro grandes segmentos, quais sejam: geração, transmissão, distribuição e comercialização. No presente item, serão apresentadas cada um deles, bem como os agentes que neles atuam e, os responsáveis pela organização, regulamentação, monitoramento e fiscalização do setor. Relevante mencionar, de início que em
razão do dispositivo da Constituição Federal que determina que compete à União a exploração direta ou indireta de serviços e instalações de energia elétrica todos os agentes que compõe cada um dos segmentos estão submetidos a regulação e fiscalização do Estado.
O segmento de geração é, como se depreende do próprio nome, composto pelas empresas geradoras de energia. Existem três regimes jurídicos que são aplicáveis a ele, quais sejam, regime de serviço público, regime de autoprodução e regime de produção independente. O regime de serviço público é aplicável às concessões, permissões e autorizações para geração de energia, e é regulamentado pelas leis 8.987 e 9.074 ambas de 1995. Referidos dispositivos legais, estabelecem os requisitos para outorga e prorrogação das concessões, permissões e autorizações para geração de energia elétrica. Entre as disposições trazidas por referidas leis, faz-se relevante mencionar que pessoas físicas não podem ser concessionárias, autorizadas ou permissionárias de geração sob o regime de serviço público. Apenas pessoas jurídicas ou consórcios de empresas estão habilitados para tanto. Ademais, para os agentes sob este regime, é autorizada pela legislação a comercialização de energia elétrica no ambiente livre e no ambiente regulado.
O regime de autoprodução, por sua vez, refere-se ao chamado autoprodutor de energia. Esta figura surgiu com a edição do Decreto 2003/96 que o define como pessoa física ou jurídica ou consórcio de empresas que receberam concessão ou autorização para produzir energia destinada ao seu uso exclusivo. Assim, ainda que não haja restrição nesse caso para pessoas físicas, é possível depreender que a outorga de concessão ou autorização sob este regime está condicionada à comprovação de que a energia será gerada para fins de consumo próprio. Todavia, a legislação aplicável14 permite a venda de energia pelos autoprodutores em algumas situações excepcionais mediante prévia autorização do poder concedente:
Art. 28. Mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador do poder concedente, será facultada:
I - a cessão e permuta de energia e potência entre autoprodutores consorciados em um mesmo empreendimento, na barra da usina;
II - a compra, por concessionário ou permissionário de serviço público de distribuição, do excedente da energia produzida;
III - a permuta de energia, em montantes economicamente equivalentes, explicitando os custos das transações de transmissão envolvidos, com concessionário ou permissionário de serviço público de distribuição, para possibilitar o consumo em instalações industriais do autoprodutor em local diverso daquele onde ocorre a geração.
14 Decreto 2003/1996.
Já o regime de produção independente, refere-se ao chamado produtor independente. Esta figura nasceu com a edição da Lei 9074/95 complementada posteriormente pelo Decreto 2003/96. Estes dispositivos legais caracterizam o produtor independente de energia elétrica como pessoa jurídica ou consórcio de empresas que receberam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao comércio, de toda ou parte da energia gerada, por sua conta e risco. Conforme é possível observar, para este regime também existe restrição com relação a pessoas físicas. A legislação aplicável restringe, ainda para quem os produtores independentes podem vender a energia por eles gerada. Contudo, é correto afirmar que estes agentes podem vender tanto no ambiente de contratação regulado e no ambiente de contratação livre, observados os limites legalmente impostos:
Art. 12. A venda de energia elétrica por produtor independente poderá ser feita para: I - concessionário de serviço público de energia elétrica;
II - consumidor de energia elétrica, nas condições estabelecidas nos arts. 15 e 16;
III - consumidores de energia elétrica integrantes de complexo industrial ou comercial, aos quais o produtor independente também forneça vapor oriundo de processo de co-geração;
IV - conjunto de consumidores de energia elétrica, independentemente de tensão e carga, nas condições previamente ajustadas com o concessionário local de distribuição;
V - qualquer consumidor que demonstre ao poder concedente não ter o concessionário local lhe assegurado o fornecimento no prazo de até cento e oitenta dias contado da respectiva solicitação.
Parágrafo único. A comercialização na forma prevista nos incisos I, IV e V do caput deste artigo deverá ser exercida de acordo com critérios gerais fixados pelo Poder Concedente.
Cumpre mencionar que os agentes integrantes do segmento de geração, em regra, não tem autonomia para decidir quanto a usina deve ou não produzir. Esta decisão é de responsabilidade do Operador Nacional do Sistema – ONS. O ONS determina quando os geradores devem ou não operar, e suas decisões devem ser pautadas de acordo com “as exigências de suficiência e de economicidade no atendimento da demanda” (Tolmasquim, 2015, p 57). Assim, diz-se que no segmento de geração, o despacho é centralizado, a medida que são centralizadas no ONS as decisões a respeito da operação de cada gerador, independentemente de referido gerador ter celebrado contratos de compra e venda de energia ou não.
Incumbe assim ao ONS, neste segmento, além de responsabilidades de cunho decisório, o monitoramento do segmento, bem como a realização de um planejamento, a fim de controlar
o coeficiente oferta versus demanda, aliado a riscos hidrológicos, questões estruturais, questões conjunturais e questões econômicas (Tolmasquim 2015, p. 57). Não obstante, a comercialização
de energia elétrica pelos agentes de geração não depende do ONS. Na verdade, eles estão autorizados a comercializar energia, como qualquer outro comercializador, desde que possuam “lastro”. Ocorre que, no caso dos geradores, seu lastro pode ser composto tanto por sua chamada garantia física, como também por contratos de compra de energia que referido gerador tenha celebrado.
Conforme mencionado de maneira superficial no item anterior, a garantia física dos geradores corresponde ao montante de energia que determinado gerador é capaz de suprir de acordo com um critério de suprimento definido por regulamentação específica15. Este montante é calculado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE e pode ser revisto de acordo com o que estabelece a legislação aplicável. Se trata de uma métrica importante, pois apura quanto de energia, com certo nível de precisão, o gerador é capaz de gerar, de maneira a reduzir o risco de desequilíbrio entre oferta e demanda. A garantia física é considerada, assim, lastro comercial. Não obstante, nem sempre o que o gerador efetivamente gera coincide com a garantia física estabelecida pela EPE, até porque, a geração depende das determinações do ONS e nem sempre as premissas utilizadas para o cálculo coincidem com a realidade. Em razão disso, posteriormente, é feita uma espécie de encontro de contas entre o que foi efetivamente gerado e o que foi vendido. Este encontro de contas é denominado liquidação e é realizado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.
Cabe enfatizar ainda, que a geração de energia elétrica não é considerada serviço público. Pelo contrário, a atividade de geração é considerada competitiva. Os geradores de energia elétrica não estão obrigados a vender energia a todos, podendo em regra, a seu critério, escolher entre vender energia no mercado livre e/ou no mercado regulado. A própria ANEEL se posiciona nesse sentido. Os geradores também não estão obrigados a praticar tarifas impostas pelo poder público. A respeito do assunto, ensina Xxxxxxxxxxx (2018, p. 4): “[...] não é “prestação de serviço público” a produção de energia elétrica para consumo próprio, mesmo que resultante de uma concessão para o aproveitamento de um potencial hidráulico.”
Este também é o entendimento de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx que ensina16:
Cumpre, outrossim, não confundir concessão de serviço público e concessão de uso de bem público [...] Só se tem concessão de serviço público [...] quando o objetivo do ato for o de enseja uma exploração de atividade a ser prestada universalmente ao público em geral. [...] Quando a concessão de uso de bem público destina-se a suprir unicamente interesses específicos do próprio beneficiário da concessão, o proveito
15 Garantia Física. Empresa de Pesquisa Energética. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xx/xxxxx-xx- atuacao/energia-eletrica/expansao-da-geracao/garantia-fisica.
16 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Administrativo – 17ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2004, p 659 e 660.
captado, a utilidade extraída, o é para ser absorvido pelo próprio concessionário. É bem de ver que, in casu, o que o concessionário pretende e o que o Poder Público acede em conferir-lhe é o uso extraível do bem público, que o próprio interessado explorará para si, normalmente em caráter exclusivo. [...] Outras vezes, todavia, a concessão de uso de bem público é outorgada para que o concessionário comercialize o resultado de sua exploração ( e não para que esgote consigo mesmo a utilidade material dela resultante), fazendo-o, contudo, sem o caráter de oferta ao público efetuada com a universalidade característica da concessão de serviço público.
O segmento de transmissão, por sua vez, é composto pelas empresas transmissoras, responsáveis pela implantação e operação da rede que liga as usinas gerados às instalações das distribuidoras. O segmento de transmissão, ao contrário do segmento de geração, não é considerado competitivo. Pelo contrário, é considerado um monopólio natural, ademais, a atividade de transmissão é considerada serviço público. Em razão disso, é um segmento altamente regulamentado.
Tendo isso em vista, as empresas de transmissão são legalmente obrigadas a atender a todos os usuários finais, mediante a celebração de Contratos para Uso do Sistema de Transmissão - CUST. Ademais, as transmissoras têm uma receita previamente definida, devida em razão da disponibilização dos ativos de transmissão para a Rede Básica, que consiste na Receita Anual Permitida (Tolmasquim 2015, p58).
O sistema de transmissão brasileiro é composto pela Rede Básica e pelas denominadas Demais Instalações de Transmissão – DIT. De acordo com o que ensina Xxxxxxxxxxx (2018, p.7), a Lei 9.074/95 classifica as linhas de transmissão de quatro diferentes modos, conforme sua finalidade: (i) linhas de interesse exclusivo das centrais de geração, as quais são responsáveis por levar a energia gerada para a malha principal (rede básica); (ii) linhas de âmbito próprio do concessionário de distribuição, as quais são responsáveis por interconectar o sistema principal (rede básica) com a rede de distribuição propriamente dita; (iii) linhas integrantes da rede básica dos sistemas elétricos interligados as quais tem por finalidade transmitir grandes blocos de energia, e/ou otimizar os recursos elétricos e energéticos nacionais, e/ou contribuir para a estabilidade do sistema elétrico; e (iv) linhas de transmissão destinadas a interligações internacionais. A ANEEL, por meio da Resolução Normativa 67/2004, determinou quais instalações e equipamentos de transmissão integram a rede básica e quais integram a DIT.
A legislação aplicável ao segmento de transmissão determina as condicionantes para que a atividade de transmissão possa ser exercida. Quando a transmissão é associada à geração ou à distribuição o próprio ato de concessão ou autorização da geração ou da distribuição, conforme o caso menciona a possibilidade de desenvolvimento desta atividade. Já a transmissão na rede básica, nos termos determinados pela Lei 9.074/95, depende outorga de concessão
mediante licitação. Por fim, a transmissão destinada às interligações internacionais também depende de licitação. Cumpre à ANEEL nos termos da legislação aplicável, celebrar estes contratos e fiscalizar o serviço prestado.
No segmento de distribuição de energia o exercício da atividade dependerá de outorga de concessão para concessionárias, e de permissão ou autorização quando se tratar de cooperativas de eletrificação rural. No caso das concessionárias, o contrato de concessão, além de estipular os direitos e obrigações das concessionárias perante o Poder Concedente, seus usuários e ao ONS, define a área geográfica de atuação de cada uma das distribuidoras, regras a respeito das tarifas a serem praticadas, entre outros. Referida outorga é concedida pela ANEEL na figura do Poder Concedente. Os requisitos para outorga e renovação das concessões, permissões e autorizações para desenvolvimento desta atividade são regulados pelas Leis 8.987/95 e 9.074/95.
De acordo com a Lei 9.074/95, é vedado às distribuidoras que operem no SIN o exercício de atividades de geração de energia elétrica, transmissão de energia elétrica, de comercialização de energia elétrica para consumidores livres17; e participação em outras sociedades de forma direta ou indireta, ressalvadas as hipóteses previstas na Lei 8.987/95. É relevante mencionar, contudo, que estas restrições não se aplicam às concessionárias e permissionárias que operam nos sistemas isolados, ou que atuam em mercado próprio inferior a quinhentos GWh/ano, desde que a totalidade de energia gerada seja destinada ao mercado próprio (Christofari 2018, p.29). Assim ensina Xxxxxxxxxx (2018, p. 29):
Em termos societários, as empresas de geração de energia elétrica não podem ser controladoras de distribuidoras. Estas, por sua vez, não podem ter participação em outras sociedades de forma direta ou indireta, ressalvado o que estiver eventualmente disposto em contratos de concessão.
Insta consignar ainda que as atividades de distribuição, assim como as atividades de transmissão constituem serviço público. Constituindo a última etapa da cadeia de suprimento físico do setor elétrico, ela tem como finalidade conduzir a energia elétrica entregue pelo sistema de transmissão aos usuários finais. Relevante mencionar também que as empresas que exercem as atividades de transmissão ou distribuição tem a obrigação legal de permitir o livre acesso às suas respectivas redes aos usuários. Para tanto, no caso da distribuição é celebrado entre as distribuidoras e os usuários o CUSD – Contrato de Uso do Sistema de Distribuição.
17 Exceto se for apurado excesso de energia contratada pelas distribuidoras com relação à demanda do mercado por ela atendido.
Somada à obrigação de conduzir a energia aos consumidores finais, as distribuidoras também têm obrigação de comercializar energia para os consumidores que, alocados em sua área geográfica de atuação, não podem adquirir energia no mercado livre, em razão de não atenderem os requisitos para tanto, chamados consumidores cativos, e para os chamados consumidores potencialmente livres que, apesar de atenderem aos requisitos legalmente impostos para poder comprar energia no ambiente de contratação livre, optaram por continuar no mercado regulado. Ademais é importante ressaltar que a comercialização pela distribuidora não é livre, mas sim altamente regulamentada e restrita. Além de ser obrigada por lei a adquirir energia por meio de licitação, ela deve meramente repassar os custos da aquisição da energia aos consumidores cativos e potencialmente livres por ela atendidos, sem possibilidade de negociação. É certo, porém que as distribuidoras podem comercializar no mercado livre eventuais excedentes de energia conforme mencionado anteriormente.
O segmento de comercialização em seu turno é composto pelos agentes que exercem atividades de compra e venda de energia elétrica. A figura do comercializador surgiu com o advento da Lei 9.648/98 e são agentes que podem comprar e vender energia sem que detenham ativos de geração, transmissão ou distribuição. Os comercializadores podem também exportar ou importar energia e atuar tanto no ambiente de contratação livre, quanto no ambiente de contratação regulada. Não obstante, é certo que o comercializador também pode desempenhar meramente o papel de intermediário entre os geradores e consumidores, prestando serviços de consultoria. Para exercício da atividade de comercialização, deve ser obtida autorização do Poder Concedente, conforme preceitua a Resolução Normativa da ANEEL nº 678/2015, assim como adesão à CCEE, quando exigido por lei. Conforme ensina Tolmasquim (2015 p. 64), nos termos da legislação aplicável a este segmento “Os comercializadores de energia com volume comercializado anual de pelo menos 500 GWh, referidos ao ano anterior, têm participação obrigatória da CCEE.”.
Os agentes de geração e distribuição também atuam como comercializadores, observados, contudo, os limites impostos pela legislação para exercício desta atividade por eles. Nos termos da Convenção de Comercialização a comercialização de energia depende, em qualquer caso, de adesão à CCEE. Contudo, a adesão será obrigatória para: (i) concessionários e autorizados de geração que possuam central geradora com capacidade instalada igual ou superior a 50 MW; (ii) autorizados para importação ou exportação de energia elétrica; (iii) concessionários e permissionários de distribuição de energia elétrica cujo volume comercializado seja igual ou superior a 500 GWh/ano, referido ao ano anterior; (iv) concessionários e permissionários de distribuição de energia elétrica cujo volume
comercializado seja inferior a 500 GWh/ano, assim reconhecidos pela ANEEL, quando não adquirirem a totalidade da energia de supridor mediante a aplicação de tarifa; (v) autorizados de comercialização de energia elétrica que desempenham a comercialização no âmbito da CCEE; (vi) consumidores livres e os consumidores especiais (abordados a seguir); e (vii) geradores comprometidos com Contrato de Comercialização de Energia em Ambiente Regulado – CCEAR ou com Contrato de Energia de Reserva – CER. Para os demais detentores de concessão, permissão, autorização e registro de geração, que não se enquadrem na relação acima, a adesão é optativa.
Abordados os segmentos de geração, transmissão, distribuição e comercialização, faz- se necessário tecer algumas considerações a respeito do segmento de consumo não mencionado anteriormente. Inicialmente, insta consignar que alguns autores consideram que este segmento na verdade está contemplado dentro do segmento de comercialização. De toda forma, esta discussão não importa ao desenvolvimento do presente estudo.
Na regulamentação do setor elétrico o termo consumidor tem um sentido distinto do que lhe é atribuído sob o ponto de vista jurídico. Isso porque, este termo na legislação específica do setor é utilizado para denotar todos os usuários de energia elétrica, sem qualquer critério de diferenciação pautada por pequenos ou grandes consumidores, ou mesmo com base na identificação de qualquer vulnerabilidade de qualquer tipo que estes possam apresentar frente aos geradores, transmissores, distribuidores ou comercializadores.
A ANEEL definiu consumidor como qualquer pessoa física ou jurídica, ou comunhão de fato ou de direito, que, legalmente representada, solicita à concessionária o fornecimento de energia elétrica e, assim, assume a obrigação de pagamento das faturas emitidas mensalmente em razão da prestação dos serviços e demais obrigações fixadas na legislação específica, vinculando-se aos contratos de fornecimento, de uso e de conexão ou de adesão, conforme o caso18. No entanto, é possível diferenciar cada tipo de consumidor com base no ambiente de comercialização ao qual ele pertence, conforme elucidado brevemente quando mencionadas as características do segmento de distribuição.
Posto isso, de acordo com a legislação aplicável, os consumidores podem ser divididos em quatro: (i) consumidores cativos; (ii) consumidores potencialmente livres; (iii) consumidores especiais e (iii) consumidores livres. Tanto os consumidores cativos quanto os consumidores potencialmente livres contratam energia pelo ambiente de contratação regulado.
18 Resolução ANEEL 456/2000.
Os consumidores cativos são assim denominados pois não podem escolher de quem adquirir energia elétrica. Isso é determinado com base na área geográfica de atuação de cada distribuidora de energia elétrica, e uma vez pertencente à área geográfica de determinada distribuidora e conectado ao sistema de distribuição, esta espécie de usuário é obrigado a contratar energia desta distribuidora. Além disso é relevante destacar que não há a assinatura formal de um contrato de compra e venda de energia entre distribuidora e consumidor o vínculo contratual se forma, com base na legislação aplicável e a partir do momento que o usuário solicita sua conexão ao Sistema de Distribuição e assume a obrigação de pagamento das faturas mensais emitidas pela distribuidora. Entre todos os fatores que compõe a tarifa paga todos os meses pelo consumidor, uma parcela equivale ao repasse, pela distribuidora, dos valores por ela dispendidos para aquisição da energia fornecida.
Assim sendo, a relação contratual estabelecida entre distribuidor e consumidor cativo é considerada de adesão, a medida que este não tem a possibilidade de negociar as condições aplicáveis a esta relação. A situação vivenciada pelo consumidor potencialmente livre é a mesma que a vivenciada pelo consumidor cativo, com uma única diferença: o consumidor potencialmente livre, ao contrário do cativo, atende aos requisitos impostos pela legislação aplicável para se tornar um consumidor livre. Contudo, por opção permanece no mercado cativo.
Os consumidores especiais por sua vez, são consumidores cativos que podem se tornar livres, atendidos a determinados requisitos, comprando energia de fontes incentivadas especiais ou fontes convencionais especiais (Tolmasquim 2015, p 66).
Os consumidores livres, por outro lado, são aqueles que contratam energia no ambiente de contratação livre. Conforme se verá a seguir, a comercialização de energia no ambiente de contratação livre, como se depreende do próprio nome é livre, ou seja, as condições contratuais para aquisição da energia podem ser livremente negociadas entre as Partes e os contratos são bilaterais, assim como o preço a ser pago. Além disso, os consumidores livres tem a possibilidade de adquirir energia de quem lhe convir.
Para que um consumidor cativo possa se tornar um consumidor livre ele deve atender às condições previstas nos artigos 15 e 16 da Lei 9.074/95 e exercer a opção de compra no ambiente de contratação livre:
Art. 15. Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica.
§ 1o Decorridos três anos da publicação desta Lei, os consumidores referidos neste artigo poderão estender sua opção de compra a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do sistema interligado.
§ 2o Decorridos cinco anos da publicação desta Lei, os consumidores com carga igual ou superior a 3.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do mesmo sistema interligado.
§ 2o-A. A partir de 1o de janeiro de 2019, os consumidores que, em 7 de julho de 1995, consumirem carga igual ou superior a 3.000 kW (três mil quilowatts) e forem atendidos em tensão inferior a 69 kV poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizatário de energia elétrica do sistema.
§ 3o Após oito anos da publicação desta Lei, o poder concedente poderá diminuir os limites de carga e tensão estabelecidos neste e no art. 16.
§ 4o Os consumidores que não tiverem cláusulas de tempo determinado em seus contratos de fornecimento só poderão exercer a opção de que trata este artigo de acordo com prazos, formas e condições fixados em regulamentação específica, sendo que nenhum prazo poderá exceder a 36 (trinta e seis) meses, contado a partir da data de manifestação formal à concessionária, à permissionária ou à autorizada de distribuição que os atenda.
§ 5o O exercício da opção pelo consumidor não poderá resultar em aumento tarifário para os consumidores remanescentes da concessionária de serviços públicos de energia elétrica que haja perdido mercado.
§ 6o É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente.
§ 7o O consumidor que exercer a opção prevista neste artigo e no art. 16 desta Lei deverá garantir o atendimento à totalidade de sua carga, mediante contratação, com um ou mais fornecedores, sujeito a penalidade pelo descumprimento dessa obrigação, observado o disposto no art. 3o, inciso X, da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996. (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004)
§ 8o Os consumidores que exercerem a opção prevista neste artigo e no art. 16 desta Lei poderão retornar à condição de consumidor atendido mediante tarifa regulada, garantida a continuidade da prestação dos serviços, nos termos da lei e da regulamentação, desde que informem à concessionária, à permissionária ou à autorizada de distribuição local, com antecedência mínima de 5 (cinco) anos.
§ 9o Os prazos definidos nos §§ 4o e 8o deste artigo poderão ser reduzidos, a critério da concessionária, da permissionária ou da autorizada de distribuição local.
§ 10. Até 31 de dezembro de 2009, respeitados os contratos vigentes, será facultada aos consumidores que pretendam utilizar, em suas unidades industriais, energia elétrica produzida por geração própria, em regime de autoprodução ou produção independente, a redução da demanda e da energia contratadas ou a substituição dos contratos de fornecimento por contratos de uso dos sistemas elétricos, mediante notificação à concessionária de distribuição ou geração, com antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias.
Art. 16. É de livre escolha dos novos consumidores, cuja carga seja igual ou maior que 3.000 kW, atendidos em qualquer tensão, o fornecedor com quem contratará sua compra de energia elétrica. (grifo nosso)
Apesar dos limites de carga e tensão, impostos pela lei, conforme transcritos acima, recentemente, por meio da edição da Portaria MME 514/2018, eles foram reduzidos pelo Ministério de Minas e Energia, prevendo novas reduções a partir de julho de 2019. De acordo com o que determina a portaria, a partir de 1º de julho de 2019, poderão se tornar consumidores livres, os consumidores cativos, atendidos em qualquer tensão, com carga igual ou superior a
2.500kW e, a partir de 1º de janeiro de 2020, poderão se tornar consumidores livres, os consumidores, atendidos em qualquer tensão, com carga igual ou superior a 2.000kW. Referida portaria, entrou em vigor na data de sua publicação, qual seja, 28 de dezembro de 2018.
Esclarecidas as principais características dos segmentos do setor elétrico, é necessário abordar, ainda que superficialmente, o papel dos agentes institucionais do setor, quais sejam: o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, o Ministério de Minas e Energia – MME, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o Operador Nacional do Sistema, e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, mencionados em maior ou menor grau anteriormente, a fim de esclarecer em um panorama geral, suas respectivas atribuições e frentes de atuação. A figura a seguir, apresenta a estrutura atual dos órgãos institucionais do setor:
O Conselho Nacional de Política Energética foi criado pela Lei 9478/97, a mesma lei que instituiu a Política Energética Nacional, e regulamentado pelo Decreto 3.520/2000. De acordo com o que determinam referidos dispositivos, o CNPE é um órgão vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Minas e Energia, com a finalidade de propor ao Presidente da República, políticas nacionais e diretrizes aplicáveis ao setor elétrico, com o intuito de: promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do país;
19 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxx_xxxxxxx/xxxx- atuamos/com_quem_se_relaciona?_afrLoop=53383447006187&_adf.ctrl-
state=xy4dwcdef_1#!%40%40%3F_afrLoop%3D53383447006187%26_adf.ctrl-state%3Dxy4dwcdef_5. Acesso em 30.07.2019.
assegurar a manutenção do suprimento de energia elétrica em todo o país; rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do país; entre outros dispostos no artigo 2º da Lei 9478/97.
O Ministério de Minas e Energia, assim como o CNPE, é um órgão de governo, vinculado à Presidência da República. Ele foi criado inicialmente em 1960 com a edição da Lei 3.782/60, contudo foi extinto em 1990 e ressurgiu em 1992 com a Lei 8.422/92. As áreas de competência do MME foram definidas pela Lei 10.683/2003, especificamente no artigo 27, inciso XVI, sendo que sua estrutura foi regulamentada pelo Decreto 5.267/2004. Este órgão é responsável pela formulação e implementação de políticas no setor, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CNPE, assim como fazer o planejamento do setor elétrico, monitorando a oferta e a demanda de energia e, assim, o risco de falta de suprimento, buscando soluções em caso de desequilíbrio entre oferta e demanda.
Também cabe ao MME estabelecer as diretrizes para leilões de energia no ambiente de contratação regulado, a outorga de concessões e expedição de atos autorizativos, assim como a definição das garantias físicas de determinados empreendimentos. Relevante mencionar, que com a implantação do novo modelo após a crise de 2001 o Ministério de Minas e Energia absorveu algumas atribuições que, originalmente eram de responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica, entre eles, a atuação como representante do Poder Concedente.
A Empresa de Pesquisa Energética, conforme explanado anteriormente, foi criada após a crise de 2001 como uma das propostas abrangidas pelo projeto de novo modelo do setor. A EPE foi instituída pela Medida Provisória 145/2003 e, assim como a maior parte das medidas adotadas pelo governo federal à época foi objeto de grandes controvérsias no setor e consequente judicialização. Não obstante, em 2004 referida Medida foi convertida na Lei 10.847/2004, com modificações substanciais em razão de emendas realizadas ao projeto de lei no âmbito do Poder Legislativo.
O Decreto 5.184/2004 regulamentou sua criação, aprovando seu Estatuto Social e dando outras providências. De acordo com referido decreto, a EPE é considerada uma empresa pública federal, vinculada ao MME. Ademais, nos termos deste decreto, coube, à época, ao Ministro de Minas e Energia designar representante para a prática de atos necessários à constituição e instalação da EPE, assim como indicar o representante da EPE a promover todos os atos que se fizerem necessários ao seu efetivo funcionamento, até que fossem nomeados dois membros da Diretoria Executiva.
A Lei 10.847/04 estabelece as responsabilidades da EPE. Entre suas principais reponsabilidades destaca-se a “prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a
subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e o gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, entre outras.”20.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, sua criação foi autorizada pela Lei 10.848/04 e foi criado pelo Decreto 5.175/04 também como produto da implantação do novo modelo no setor. Este órgão atua sob coordenação direta do Ministério de Minas e Energia e foi criado com o intuito de acompanhar e avaliar a continuidade e segurança do suprimento de energia elétrica no país, sendo que seu principal objetivo é evitar desabastecimento de energia elétrica no país. O próprio decreto determina quais os membros que devem compor o Comitê, quais sejam, quatro representantes do MME, um representante titular da ANEEL, outro da CCEE, outro da EPE e outro do ONS. O CMSE, assim como o CNPE é presidido pelo Ministro de Minas e Energia.
Já a ANEEL foi instituída pela Lei 9.427/96 e regulamentada pelo Decreto nº 2.335/97. Como elucidado anteriormente, também vinculada ao Ministério de Minas e Energia, foi criada na forma de autarquia sob regime especial, e com prazo de duração indeterminado. Sua finalidade precípua, também determinada pela Lei, é regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.
De acordo com informações obtidas no site da CCEE, entre as alterações promovidas após a crise de 2001, com a implantação do novo modelo do setor, foi atribuído à ANEEL o papel de promover licitações para contratação de energia elétrica pelos distribuidores no âmbito do ambiente de contratação regulado. Não obstante, desde então a agência delegou referida atribuição à CCEE21.
O ONS por sua vez, brevemente mencionado anteriormente, foi criado com o advento da Lei nº 9.648/98, e regulamentado pelo Decreto nº 2.655/98, posteriormente alterado em 2004 pelo Decreto nº 5.081. O ONS foi constituído como uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, fiscalizado e regulado pela ANEEL mas desvinculado do Ministério de Minas e Energia. De acordo com o que determina a Lei, o ONS é integrado pelos titulares de concessão, permissão ou autorização e pelos consumidores livres, que estejam conectados à
20 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Guia do Cliente Livre. 1 ed. (org) Duke Energy Brasil. São Paulo, 2006.
21 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxx_xxxxxxx/xxxx- atuamos/com_quem_se_relaciona?_afrLoop=53383447006187&_adf.ctrl-
state=xy4dwcdef_1#!%40%40%3F_afrLoop%3D53383447006187%26_adf.ctrl-state%3Dxy4dwcdef_5. Acesso em 30.07.2019.
Rede Básica. O ONS atua na coordenação e no controle da operação da geração e da transmissão de energia elétrica integrantes do SIN, assim como faz a previsão de carga (geração), o planejamento do chamado Sistema Isolado22 e administra a rede básica de transmissão de energia elétrica no país.
Por fim, como abordado anteriormente, a CCEE foi instituída em 2004 em sucessão ao MAE. Para abordar os aspectos relevantes atinentes à CCEE, faz-se necessário esclarecer alguns aspectos do MAE. Em 1998 o MAE foi criado com o objetivo primordial de permitir o desenvolvimento de um ambiente de livre comercialização em que se incentivasse a competição na geração e na comercialização de energia elétrica. Com o intuito de facilitar sua operacionalização, o MAE foi dividido em submercados, correspondentes aos subsistemas do SIN. Então, em 2004 a Lei 10.848/2004 autorizou a criação da CCEE para suceder ao MAE. Assim como o MAE, a CCEE foi criada na forma de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos operando sob autorização do Poder Concedente e mediante regulação e fiscalização da ANEEL.
A CCEE tem como papel, atualmente, viabilizar as operações de compra e venda de energia em todo o SIN assim como incentivar discussões a respeito do aprimoramento do mercado. Além disso, a CCEE é responsável pela contabilização e pela liquidação financeira do mercado de curto prazo de energia, bem como pelo cálculo do Preço de Liquidação das Diferenças – PLD23.
A Lei 10.848/2004 determina no parágrafo primeiro de seu artigo 4º que são membros da CCEE os titulares de concessão, permissão ou autorização, por outros agentes vinculados aos serviços e às instalações de energia e pelos consumidores livres e especiais. Não obstante, apenas é obrigatória a participação de concessionários e autorizados de geração que possuam central geradora com capacidade instalada igual ou superior a 50 MW, agentes de distribuição
22 De acordo com a definição constante do Decreto 7.246/2010, os Sistemas Isolados (Sisol) são sistemas elétricos de serviço público de distribuição que não estão conectados ao Sistema Interligado Nacional, por questões técnicas ou econômicas. Faz parte do Sisol o Estado de Roraima e uma parte do Estado do Amazonas.
23 O PLD, calculado pela CCEE por meio de modelos matemáticos, é utilizado para valorar as operações de compra e venda de energia no mercado de curto prazo. Seu cálculo considera as condições hidrológicas, a demanda de energia, os preços de combustível, o risco de déficit na entrada de novos projetos e na disponibilidade de equipamentos de geração e transmissão, entre outros. Ele é determinado semanalmente e, em razão dos fatores que o compõe, é extremamente variável. A CCEE utiliza o PLD para realizar a liquidação das operações realizadas em cada submercado, que é, justamente o encontro de contas entre o lastro de energia que o agente possui e a energia consumida por ele ou comercializada, conforme o caso. Com base na liquidação, a CCEE apura o valor que o agente deve aportar como garantia na CCEE, nos termos das regras e procedimentos de comercialização. Insta consignar, porém que esta garantia não tem relação com o contrato de compra e venda de energia em si, ou seja, não decorre da relação de compra e venda de energia. A obrigação de aporte de garantia é uma obrigação assumida perante a CCEE e imposta a todos os agentes que dela participam.
com mercado igual ou superior a 500 GWh/ano e pelos que, com mercado inferior a referido limite, não tenham adquirido a totalidade da energia de supridor com tarifa regulada.
Com relação aos comercializadores, devem participar da CCEE os autorizados de comercialização de energia elétrica que anualmente comercializem volume igual ou superior a
500 GWh/ano e os autorizados para importação ou exportação de energia elétrica com intercâmbio igual ou superior a 50 MW. Para os demais comercializadores, a participação é facultativa. Referidas limitações foram impostas pela Convenção de Comercialização de Energia anexa à Resolução Normativa 109/2004 da ANEEL, em seu artigo 11- A:
Art. 11-A. A energia elétrica no SIN, ressalvado o disposto no § 1º, é necessariamente comercializada no âmbito da CCEE por:
I – concessionários e autorizados de geração que possuam central geradora com capacidade instalada igual ou superior a 50 MW;
II – autorizados para importação ou exportação de energia elétrica;
III – concessionários e permissionários de distribuição de energia elétrica cujo volume comercializado seja igual ou superior a 500 GWh/ano, referido ao ano anterior;
IV – concessionários e permissionários de distribuição de energia elétrica cujo volume comercializado seja inferior a 500 GWh/ano, assim reconhecidos pela ANEEL, quando não adquirirem a totalidade da energia de supridor mediante a aplicação de tarifa;
V – autorizados de comercialização de energia elétrica que desempenham a comercialização no âmbito da CCEE;
VI – consumidores livres e os consumidores especiais; e
VII – geradores comprometidos com Contrato de Comercialização de Energia em Ambiente Regulado – CCEAR ou com Contrato de Energia de Reserva – CER.
§ 1º Os demais detentores de concessão, permissão, autorização e registro de geração não discriminados no caput também podem, voluntariamente, desempenhar a comercialização no âmbito da CCEE.
§ 2º A comercialização, observadas as especificidades atinentes a cada classe, é precedida da adesão do proponente à CCEE e desempenhada pelo representante legalmente constituído, em nome e conta do agente representado, nos termos estabelecidos pelas normas de regência.
§ 3º Alternativamente ao disposto pelo § 2º, aqueles mencionados no inciso VI e demais geradores não referidos no caput podem ser representados no âmbito da CCEE por agente, em nome e conta desse, nos termos est abelecidos pelas normas de regência.[...]
Com base no dispositivo transcrito, depreende-se importante conclusão: A despeito de a participação como membro da CCEE ser facultativa para determinados agentes, é certo que a comercialização de energia elétrica deve ser necessariamente comercializada e, assim, apenas é possível no âmbito da CCEE.
PRIMEIRA PARTE - COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO LIVRE E NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA
A comercialização de energia elétrica no Brasil ocorre sob quatro diferentes cenários:
(i) a venda para consumidores finais no mercado livre; (ii) a venda para comercializadores ou agentes geradores (concessionários, permissionários ou autorizados) no mercado livre; (iii) a venda para distribuidoras no mercado regulado; e (iv) a venda para consumidores finais no mercado cativo.
Os dois primeiros contextos operam no ambiente de contratação livre. Já os dois últimos, no ambiente de contratação regulada. Mas nem sempre foi assim. Até 1995 havia um único mercado para comercialização de energia elétrica, sendo que, nessa época, não era conferida qualquer possibilidade de escolha aos consumidores, indistintamente considerados, a respeito do vendedor de quem comprariam energia.
A possibilidade de opção apenas surgiu com a Lei 9074/1995, que conferiu esse direito a consumidores que atendiam a determinados requisitos dispostos em seus artigos 15 e 16, criando com isso o ambiente de contratação livre. Em 1998 os limites estipulados anteriormente foram reduzidos e, consequentemente o ambiente livre foi ampliado com o advento da Lei 9.648/98. Dessa forma, é possível afirmar que o conceito de consumidor livre, surgiu juntamente com o conceito de mercado livre, a medida que os consumidores que podiam exercer a opção de compra e assim o faziam, passavam a ser considerados consumidores livres. Não obstante, o termo consumidor livre apenas foi definido em 2004, com o Decreto 5.163/2004.
O ambiente regulado, por sua vez, surgiu entre 2002 e 2004 com a determinação que as distribuidoras apenas poderiam adquirir energia elétrica por meio de procedimento licitatório ou mediante realização de leilões públicos, nos termos das Leis 10.604/2002, 10.438/2002 e 10.848/2004. Posteriormente, o Decreto 5.163/200424, consolidou a definição de ambiente de contratação livre e ambiente de contratação regulada:
Art. 1º [...]
§ 2o Para fins de comercialização de energia elétrica, entende-se como:
24 Referido decreto regulamentou a comercialização de energia elétrica, bem como o processo de outorga de concessões e autorizações de geração de energia elétrica, trazendo diversas disposições imprescindíveis a compreensão da comercialização de energia elétrica no Brasil e definições de extrema relevância. Em razão disso, sua leitura é recomendável para a compreensão do processo de comercialização de energia elétrica no Brasil.
I - Ambiente de Contratação Regulada - ACR o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação, ressalvados os casos previstos em lei, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos; II - Ambiente de Contratação Livre - ACL o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica, objeto de contratos bilaterais livremente negociados, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos;
Além do ambiente de contratação livre (mercado livre) e do ambiente de contratação regulada (mercado regulado) existe também o chamado Mercado de Curto Prazo. O mercado de curto prazo ou mercado de diferenças foi implantado também em 2004. Neste mercado a CCEE promove o ajuste entre os volumes contratados e os volumes efetivamente consumidos de energia, a fim de equalizar a realidade contratual com a realidade de fato. Conforme mencionado brevemente em item anterior, esta atividade é justamente a contabilização e liquidação realizada pela CCEE. Não obstante, considerando que ele não será objeto do presente estudo, maiores considerações a respeito dele não serão tecidas. De toda forma, interessante elucidar que neste mercado não existem contratos, a contratação de energia é realizada de modo multilateral de acordo com as Regras de Comercialização.
Tendo em vista referida divisão, e cada um dos quatro cenários mencionados acima, verifica-se a incidência de regras distintas que devem ser observadas pelas partes em cada uma das relações estabelecidas em razão da comercialização de energia elétrica em referidos ambientes. Nesse contexto, na presente parte serão exploradas as características específicas destes mercados e, assim, da comercialização de energia elétrica em cada um deles, sob o ponto de vista contratual.
Não obstante, cumpre mencionar que no ambiente regulado existe uma série de espécies contratuais que podem ser celebrados entre os agentes. Existem os Contratos de Geração Distribuída, Contratos de Ajuste, Contratos do Proinfa, Contratos de Itaipu, Contratos de Energia de Reserva, Contratos de Uso de Energia de Reserva e os Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado - CCEAR. No ambiente livre, por sua vez, existem apenas os Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Livre CCEAL. Nesse sentido, o presente estudo se restringirá ao estudo dos Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado e dos Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Livre.
TÍTULO I - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO LIVRE
Conforme mencionado no item anterior o Decreto 5.163/2004 definiu vários conceitos importantes aplicáveis ao setor, mas, principalmente, se prestou a regulamentar a comercialização de energia elétrica nos ambientes de contratação livre e regulada. A respeito do ambiente de contratação livre referido decreto não só determina quem pode figurar como parte nas operações de compra e venda de energia elétrica, como também qualifica as relações comerciais advindas da comercialização de energia em referido ambiente, identificando seu objeto, e algumas das principais características que devem ser estipuladas no respectivo instrumento contratual. Entre as características que obrigatoriamente devem ser definidas pelas Partes no Contrato estão o montante de energia a ser adquirido, e o prazo de vigência do Contrato.
Somado a isso, o decreto também pontua características determinantes para o estudo e entendimento desta espécie contratual e imprescindíveis ao desenvolvimento do presente estudo: a bilateralidade e possibilidade de livre negociação das condições aplicáveis às relações estabelecidas por ocasião da comercialização de energia neste ambiente. Assim dispõe o parágrafo único do artigo 47 deste decreto: “As relações comerciais entre os agentes no ACL serão livremente pactuadas e regidas por contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, onde estarão estabelecidos, entre outros, prazos e volumes” (grifo nosso).
Referidas características reforçam a ideia que o mercado livre foi idealizado para permitir a livre competição no segmento de comercialização de energia elétrica, conforme esclarecido no item anterior, quando abordada a reforma do setor nos anos 90. Tolmasquim (2015, p 145-146), com base nos dispositivos legais do Decreto 5.163/2004, também se propõe a definir o ambiente de contratação livre:
O Ambiente de Contratação Livre, ou ACL, é o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia, objeto de contratos bilaterais livremente negociados entre agentes concessionários, permissionários e autorizados de geração, comercializadores, importadores, exportadores de energia, consumidores livres e consumidores especiais.
Apesar da possibilidade de livre negociação sem qualquer interferência da ANEEL ou da CCEE, é importante frisar que a legislação aplicável determina que todos os contratos de compra e venda de energia elétrica celebrados no ambiente de contratação livre sejam registrados na CCEE para fins de realização da contabilização e da liquidação anteriormente
mencionadas. Posto isso, passemos à análise específica da legislação aplicável, partes e objeto dos contratos de compra e venda de energia celebrados no ambiente de contratação livre.
CAPÍTULO 1 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
A legislação aplicável ao setor elétrico é muito extensa, conforme é possível observar no breve panorama histórico abordado no capítulo preliminar. Como visto, existem desde disposições constantes na Constituição Federal, até Resoluções Normativas editadas pela ANEEL para regulamentar os mais diversos temas envolvendo o setor, assim como regulamentos e convenções estabelecidas pela CCEE e homologadas pela ANEEL para regulamentar a atividade de comercialização de energia elétrica. Assim sendo, o presente item não pretende esgotar o tema e listar absolutamente todo o regramento aplicável aos contratos de compra e venda no ambiente de contratação livre, mas sim elencar os principais dispositivos existentes relativos aos mesmos.
Como já explanado no presente trabalho, o ambiente de contratação livre se caracteriza pela possibilidade de livre negociação e, assim, estipulação pelas Partes das condições aplicáveis à compra e venda de energia entre elas negociada bilateralmente. Dessa forma é correto afirmar que a relação entre comprador e vendedor neste ambiente é detalhada no próprio contrato de compra e venda, estabelecendo os direitos e deveres de cada parte, mas nunca contrariamente ao que estabelece a legislação aplicável ao setor.
Acima do Contrato estão as Regras de Comercialização e Procedimentos de Comercialização, propostos pela CCEE e aprovados pela ANEEL que deve homologa-los. As Regras de Comercialização são um conjunto de regras operacionais e comerciais e suas formulações algébricas, aplicáveis à comercialização de energia elétrica no âmbito da CCEE. As Regras de Comercialização atualmente vigentes foram homologadas pela ANEEL através da Resolução Normativa 832/2018. Os Procedimentos de Comercialização, por outro lado, definem as condições, requisitos, eventos e prazos relativos à comercialização de energia elétrica no âmbito da CCEE. Os Procedimentos de Comercialização atualmente vigentes foram aprovados pela ANEEL através do Despacho 1.975/2018.
Acima das Regras e Procedimentos de Comercialização, tem-se a Convenção de Comercialização, a qual foi instituída pela ANEEL com a edição da Resolução Normativa 109/204. A Convenção estabelece as condições de comercialização de energia elétrica e as bases de organização, funcionamento e atribuições da CCEE. Além disso, ela estabelece o mecanismo para solução de conflitos entre os agentes da CCEE, qual seja, o procedimento
arbitral. Entre os anexos à Convenção encontra-se a Convenção Arbitral. Quando um agente do setor se torna membro da CCEE ele deve aderir à Convenção Arbitral e ao fazê-lo, concorda que deve submeter as hipóteses de conflito ali dispostas a solução via arbitragem.
A Convenção ainda define em seus artigos 44 e 45 o que deve ser entendido por Regras de Comercialização e por Procedimentos de Comercialização. Apesar de definir o sentido destes termos, ela se limita à sua definição, deixando à cargo da CCEE e da ANEEL a sua instituição, conforme mencionado acima.
O Decreto 5.163/2004 regulamenta a comercialização de energia elétrica, estipulando as regras gerais a ela aplicáveis, de modo que em seu artigo 1º enuncia:
Art. 1. A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores no Sistema Interligado Nacional - SIN, dar-se-á nos Ambientes de Contratação Regulada ou Livre, nos termos da legislação, deste Decreto e de atos complementares.
Além disso, determinou como responsabilidade da ANEEL a expedição da Convenção de Comercialização e, como elucidado anteriormente, deu origem ao ambiente de contratação livre e ao ambiente de contratação regulada.
A legislação acima do Decreto 5.163/2004 tem caráter mais geral e aborda outros assuntos além de temas especificamente relacionados à comercialização de energia elétrica. Não obstante, entre a legislação mencionada anteriormente e que traz disposições importantes atinentes ao ambiente de contratação livre, é conveniente elencar as Leis 9.074/95 e 9.648/95. Ainda, faz-se relevante mencionar a aplicabilidade da Lei 10.848/2004 e trouxe importantes modificações ao Decreto supramencionado assim como para as Leis 9.074/95 e 9.648/95, que também dispõe a respeito da comercialização de energia elétrica. Assim como a aplicabilidade do Código Civil brasileiro às relações estabelecidas entre compradores e vendedores neste ambiente, tendo em vista seu caráter bilateral e a possibilidade de livre pactuação de todas as condições e cláusulas a ela aplicáveis, respeitada a regulamentação
vigente.
Por fim, também merece ser citada a Resolução Normativa 376/2009 da ANEE, que determina as condições para contratação de energia elétrica, no âmbito do SIN, por consumidor livre.
CAPÍTULO 2 - PARTES
O Código Civil brasileiro impõe que para que determinada pessoa possa figurar em como parte em um contrato deve atender a três requisitos principais: (i) deve ser um sujeito determinado ou determinável; (ii) deve ser uma pessoa física ou jurídica; e (iii) deve ter capacidade de fato e de direito.
Não obstante, a fim de que se possa figurar como parte em contratos de compra e venda de energia elétrica, a regulamentação específica impõe requisitos adicionais. Conforme se determina o caput do artigo 47 do Decreto 5.163/2004, podem ser partes destes contratos: agentes geradores de energia (concessionários, permissionários ou autorizados); os comercializadores (importadores ou exportadores de energia), e os consumidores (livres ou especiais).
O mesmo decreto também restringe quais dentre estes agentes podem figurar como vendedores no âmbito da comercialização de energia elétrica, ao definir o conceito de agente vendedor no parágrafo segundo de seu artigo 1º: “III – agente vendedor o titular de concessão, permissão ou autorização do poder concedente para gerar, importar ou comercializar energia elétrica.” (grifo nosso). Não obstante mencionada definição, como visto anteriormente, existe regulamentação específica, aplicável a cada um destes agentes vendedores, que determina os requisitos para que cada um deles se tornem, conforme o caso, se tornem titulares de concessão permissão ou autorização para gerar, importar ou comercializar energia elétrica.
Importante consideração, estabelecida no Capítulo Preliminar, e que deve ser mencionada é que como a comercialização de energia elétrica necessariamente deve ser realizada no âmbito da CCEE, apenas estão aptos a comercializar energia os agentes que sejam membros da CCEE. Com relação a este assunto é essencial destacar que por meio da Resolução Normativa ANEEL 570/13, a ANEEL estabeleceu que determinados agentes, atuantes no mercado livre, não necessitam aderir à CCEE e que para comercializarem energia no ambiente livre, podem ser representados por um agente da CCEE, habilitado, ao qual a resolução deu o nome de agente varejista:
Art. 1º Estabelecer os requisitos e procedimentos atinentes à comercialização varejista de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional – SIN.
§ 1o A comercialização a que alude o caput caracteriza-se pela representação, por agentes da CCEE habilitados, das pessoas físicas ou jurídicas a quem seja facultado não aderir à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.
§ 2º A representação a que alude o § 1º, exercida em nome e conta do agente representante, com exclusividade e nos termos desta Resolução e demais normas aplicáveis, constitui atividade econômica explorada por conta e risco.
A resolução determina quem são os agentes que podem ser assim representados e, da mesma forma, quem são os agentes habilitados a representar:
Art. 2o Os comercializadores ou geradores integrantes da CCEE podem representar, em seu nome e conta, as pessoas físicas ou jurídicas de que trata o Capítulo II.
§ 1º Podem exercer a representação a que alude o caput os comercializadores ou geradores que, previamente, tenham obtido aprovação do Conselho de Administração da CCEE – CAd.
[...]
Art. 3º São elegíveis a serem representados, na comercialização varejista:
I – os consumidores com unidades consumidoras aptas à aquisição de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre – ACL; e
II – os detentores de concessão, autorização ou registro de geração com capacidade instalada inferior a 50 MW não comprometidos com Contrato de Comercialização de Energia em Ambiente Regulado – CCEAR, Contrato de Energia de Reserva – CER ou Cotas.
§ 1o Para atuar no mercado de energia elétrica na condição de representado, o consumidor deverá assegurar o atendimento dos critérios de elegibilidade estabelecidos nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 1995, ou no art. 26 da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996, em especial o montante de uso contratado relativo à unidade consumidora a ser modelada em nome do agente representante.
§ 2o Aos detentores de concessão ou autorização para geração com capacidade instalada igual ou superior a 50 MW não comprometidos com CCEAR, CER ou Cotas, faculta-se optar pela representação de que trata esta Resolução, porém ressalvando-se o seguinte:
I - devem ser agentes da CCEE;
II - respondem, de forma proporcional e solidária, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 11, pelos resultados decorrentes da gestão empreendida por seu representante;
III - todo o relacionamento com a CCEE será exercido, com exclusividade, pelo varejista, inclusive o direito a voto em nome de seu representado; e
IV - a adesão ao CONTRATO PARA COMERCIALIZAÇÃO VAREJISTA é
inaplicável.
Com relação à representação cumpre destacar que o representante assume, em seu nome, as obrigações e direitos do representado perante a CCEE.
Uma vez atendidos os requisitos acima, a legislação ainda impõe limitações adicionais para a atuação de determinados agentes no ambiente de contratação livre na qualidade de vendedores, restringindo os tipos de agente que podem atuar como tais. No ambiente de contratação livre, todos os agentes do segmento de geração, caracterizados anteriormente, estão aptos a atuar como agentes vendedores, observados os limites estabelecidos para os autoprodutores, que apenas estão autorizados a comercializar eventual excedente de energia, mediante autorização prévia da ANEEL. Contudo, destes, apenas os concessionários de geração estão aptos a vender para qualquer comprador habilitado dentro do ambiente de contratação em questão.
Como mencionado anteriormente, a lei determina para quem, ainda que dentro do ambiente de contratação livre, os autoprodutores e os produtores independentes podem vender energia. No caso dos autoprodutores a venda nesse ambiente apenas pode ser realizada por meio de cessão e permuta de energia e potência entre autoprodutores consorciados em um mesmo empreendimento, na barra da usina. Já no caso dos produtores independentes pode ser realizada para consumidores livres ou a concessionários ou permissionários de geração de energia elétrica.
Entre os agentes do segmento de comercialização, em regra, apenas os comercializadores podem atuar como vendedores, entre estes considerados os locais, assim como os importadores e exportadores de energia elétrica. Estes agentes podem vender energia para qualquer outro membro da CCEE que atue no ambiente de contratação livre.
Insta consignar ainda que, após a edição da Resolução Normativa 611/2014 pela ANEEL, tanto os consumidores livres quanto os consumidores especiais podem, excepcionalmente, a vender excedentes de energia através da cessão de montantes por eles adquiridos no âmbito da CCEE. Diz-se ser excepcionalmente, pois a resolução não pretendeu com esta autorização tornar a atividade de comercialização uma atividade própria destes consumidores, ou sequer autoriza-los a atuar no mercado como tais.
Esta alteração encontra sua razão de ser no fato que a compra de energia normalmente é realizada pelos consumidores com base na projeção de seu consumo, uma vez que a legislação aplicável determina que para atuar no ambiente de contratação livre eles devem contratar energia equivalente à sua demanda e demonstrar que estão cumprindo este requisito. Ademais, normalmente, os contratos são celebrados com um longo prazo de vigência, que exigem, por vezes, que o consumidor faça uma projeção muito distante de seu consumo futuro. Nessa linha, a resolução normativa 611/2014 surgiu para que fosse dada uma maior flexibilidade aos consumidores no momento de aquisição de energia e projeção de consumo. Christofari (2018,
p. 3) pontua adequadamente esta questão: ‘Por não ser reconhecido como “comercializador de energia elétrica” o consumidor livre não pode comprar energia com o propósito de revenda especulativa.
Os agentes do segmento de distribuição, em seu turno, podem atuar como vendedores no ambiente de contratação livre, contudo, esta possibilidade também é excepcional. Referidos agentes apenas podem atuar como vendedores neste ambiente caso exista um excedente de energia por eles contratada. Não obstante, é estritamente proibida a aquisição de energia por estes agentes no ambiente de contratação livre, conforme será explanado no próximo título.
CAPÍTULO 3 - OBJETO
O contrato de compra e venda de energia elétrica no ambiente de contratação livre tem como objeto a aquisição, em um intervalo temporal determinado, de certo volume de energia elétrica e cuja contraprestação é o pagamento do preço avençado entre as Partes. É fundamental consignar, porém, que a transferência da titularidade sobre o montante negociado não envolve a entrega física de energia. Isso porque, como se verá a seguir, o fornecimento físico de energia elétrica é objeto, exclusivamente, dos contratos de distribuição e transmissão celebrados com as distribuidoras e transmissoras locais.
No âmbito destes contratos, o que se adquire, na verdade, é o domínio sobre o lastro de energia. O lastro de energia, nesse caso, pode ser definido como a titularidade sobre o direito de dispor do montante adquirido, seja para consumo próprio ou para comercialização. Assim, diz-se que a transferência objeto dos contratos ora em estudo ocorre de maneira virtual e simbólica.
Virtual, porque se aperfeiçoa com o registro eletrônico pela vendedora, em favor da compradora, perante a CCEE, em sistema disponibilizado para tanto, do montante adquirido. Simbólica, pois não passa de uma transferência eletrônica, ou seja, realizado o registro em seu favor, considera-se que a vendedora cumpriu sua obrigação e, assim, que energia foi entregue para a compradora. Em razão dessas características, muitos classificam o contrato de compra e venda de energia no ambiente de contratação livre como um contrato meramente financeiro:
O despacho centralizado da geração de energia só é possível porque os contratos firmados entre os agentes do setor elétrico, registrados na CCEE, constituem apenas instrumentos financeiros. Isto significa que a produção física das usinas é completamente desvinculada dos contratos firmados por seus proprietários (LIMA, 2006, p. 17).
Considerando o disposto acima, é necessário mencionar que para realizar registro de volume em favor de um agente comprador, o agente vendedor deve comprovar perante a CCEE que ele, na qualidade de vendedor, possui lastro de energia. Assim, no caso dos grandes geradores, como visto, o lastro de energia é a garantia física. Para os geradores menores, em que não se faz necessária a estipulação de uma garantia física, o lastro é o próprio montante de energia gerado. Já para os comercializadores, o lastro se apura com base nos contratos de compra e venda de energia que eles tenham celebrado na qualidade de compradores.
Nessa linha, a legislação inclusive determina que, obrigatoriamente, os consumidores livres devem contratar lastro de energia suficiente para atender ao seu consumo. Caso o
consumidor livre não atenda a esta obrigatoriedade, estará sujeito a penalidades impostas pela CCEE e será obrigado a adquirir o lastro de energia faltante no mercado de curto prazo, estando sujeito aos preços variáveis do submercado em que ele se localiza. O mesmo ocorre com um vendedor que comercializa energia em montante superior ao seu lastro, que precisará adquirir energia no mercado de curto prazo para suprir seus contratos e não expor seus compradores às penalidades aplicadas pela CCEE.
Inclusive, em razão do risco de exposição em caso de falta de lastro, normalmente se estipula em contrato que, caso a CCEE, nos termos da legislação aplicável, eventualmente reduza o volume de energia declarado em favor da compradora ou cancele o registro do contrato realizado pela vendedora, em razão de ação ou omissão da vendedora, que esta deverá indenizar a compradora por todas as penalidades eventualmente sofridas em razão da falta de lastro. É importante frisar novamente, porém que a falta de lastro de energia não afeta o fornecimento físico da energia, de modo que, ainda que o consumidor não possua lastro, não significa que ele ficará sem luz, mas apenas e tão somente que ele precisará ou celebrar um novo contrato para adquirir lastro ou então, adquirir energia no mercado de curto prazo, como explicado acima.
Posto isso, uma vez realizado o registro de volume em favor da compradora, nos termos das Regras e Procedimentos de Comercialização, esta precisa validá-lo para que produza efeitos. Com a validação do registro, a CCEE contabiliza o volume de energia registrado em favor da compradora e ela passa a ser detentora dos direitos de consumo e revenda de referido montante. No caso de comercializadoras e geradoras, normalmente, mas não exclusivamente, a energia é adquirida para fins de revenda e, no caso de consumidores livres, para consumo. Referida distinção é importante para fins de recolhimento dos impostos incidentes sobre a comercialização da energia. Em regra, a maior parte dos tributos incidentes, como o PIS e o COFINS integram o preço, com exceção ao ICMS, incidente no caso de aquisição para fins de consumo, o qual vem destacado na nota fiscal.
Não obstante o registro ser considerado como o ato que formaliza a transferência da titularidade sobre a energia, por se tratar de entrega virtual e simbólica, seria difícil precisar em que momento a responsabilidade sobre o montante de energia negociado deixaria de ser da vendedora e passaria a ser da compradora. Além disso, quando a energia é injetada nos sistemas de distribuição e transmissão ocorrem perdas elétricas de modo que o montante injetado sempre será superior ao montante consumido de fato. Em razão disso, foi necessário estabelecer um marco virtual que permitisse a divisão das perdas entre vendedores e compradores e no qual considerar-se-ia “entregue” a energia.
Tendo isso em vista e a fim de evitar controvérsias entre as partes, a regulamentação específica do setor definiu um Ponto de Entrega para limitar a responsabilidade de cada uma. Assim sendo, de acordo com a definição legal, Ponto de Entrega é entendido como um ponto virtual no qual se considera que a energia contratada foi disponibilizada pela vendedora à compradora, através de entrega simbólica.
Assim sendo, normalmente consta nos contratos de compra e venda de energia disposição definindo a responsabilidade das Partes nesse sentido, em linha ao que preveem as Regras e Procedimentos de Comercialização. A seguir, um exemplo de cláusula nesse sentido:
As Partes concordam que será de inteira responsabilidade da Vendedora arcar com todos os riscos, obrigações, responsabilidades, tributos, tarifas, custos de transmissão, distribuição, conexão, perdas de transmissão, encargos de transmissão e conexão, porventura devidos e/ou verificados em face da disponibilização da energia contratada até o Ponto de Entrega. As Partes concordam, ainda, que será de inteira responsabilidade da Compradora arcar com todos os riscos, obrigações, responsabilidades, tributos, tarifas, custos de transmissão, distribuição, conexão, perdas de transmissão, encargos de transmissão e conexão porventura devidos e/ou verificados após a disponibilização da energia contratada no Ponto de Entrega.
Posto isso, é necessário esclarecer que os contratos de compra e venda de energia elétrica no ambiente livre podem ser livremente negociados entre as partes, observada a legislação aplicável. Contudo, em razão da especificidade do objeto deste contrato existem vários desdobramentos sob o ponto de vista obrigacional para as partes, determinados justamente pela desvinculação da transferência de titularidade da entrega física da energia.
Um dos principais desdobramentos é que ao adquirir a titularidade sobre determinado montante de energia não significa, necessariamente, que o comprador deverá consumir a energia adquirida. As comercializadoras de energia e as geradoras, por exemplo, podem adquirir energia de outras comercializadoras e geradoras para revenda, e mesmo os consumidores livres, conforme mencionado anteriormente, após a edição da Resolução Normativa 611/2014 pela ANEEL, têm autorização para ceder montantes de energia excedentes para outros compradores.
Outro desdobramento relevante é o fato de a vendedora, no ambiente de contratação livre, não ser responsável pela qualidade e continuidade do fornecimento da energia. Referida responsabilidade incumbe exclusivamente às empresas proprietárias e/ou operadoras das redes de transmissão e distribuição (distribuidoras e transmissoras). Cabe a estas empresas a manutenção dos níveis de qualidade e continuidade da entrega da energia contratada, nos termos da legislação aplicável.
Também em razão disso é que não são consideradas hipóteses de caso fortuito ou força maior eventos que impeçam ou dificultem o consumo de energia pela compradora. Isso porque, como visto, a obrigação da vendedora é considerada cumprida uma vez realizado o registro do montante de energia em favor da compradora. Assim, ainda que a compradora não consiga consumir a energia física, ela será titular do montante de energia e poderá ceder o montante adquirido, revendendo-o para outro comprador.
Nesse sentido, é comum que conste disposição em contrato excluindo das hipóteses de caso fortuito ou força maior eventuais falhas nas instalações de distribuição ou transmissão das concessionárias locais, que impeçam ou dificultem o consumo da energia contratada; e qualquer falha em instalações de conexão, linhas de transmissão ou distribuição, transformadores e outras instalações correlatas, integrantes do sistema de transmissão ou distribuição de energia elétrica, necessários para a disponibilização da energia contratada.
Ainda a respeito destes contratos é interessante mencionar que podem ser celebrados por um longo ou curto prazo, sendo que a vigência normalmente está intimamente ligada ao período pretendido para aquisição da energia. Nos contratos celebrados por longo prazo, é comum existirem cláusulas que permitam a variação do volume adquirido anualmente, mensalmente, semanalmente e até mesmo diariamente a fim que o volume adquirido se amolde à necessidade do comprador. Essas variáveis são chamadas de sazonalização25, modulação26 e flexibilidade27.
Estas cláusulas são muito importantes, principalmente quando o comprador pretende utilizar a energia para fins de consumo. Tendo em vista a grande volatilidade dos preços de aquisição da energia, muitos consumidores livres optam por aproveitar um momento de aparente baixa dos preços para celebrar contratos de longo prazo. Contudo, justamente por serem contratos de longo prazo, se torna difícil fazer uma previsão totalmente acertada sobre o consumo de energia dos próximos anos. Nesse cenário, as cláusulas que permitem a variação do montante adquirido, auxiliam aos consumidores evitar, em meses em que o consumo de
25 Sazonalização é a repartição do volume anual de energia em volumes mensais. A depender da condição negociada, o comprador pode solicitar que os montantes mensais do ano seguinte sejam ajustados dentro dos limites estabelecidos no contrato, reduzindo o volume total de energia previsto para determinados meses e aumentando para outros, desde que a média dos volumes alocados para cada mês seja equivalente ao volume médio contratado para aquele ano.
26 Modulação é a repartição do volume mensal de acordo com cada patamar horário de carga. Cada um dos dias do mês é dividido em três patamares de carga: um leve, um médio e um pesado, a depender do nível de consumo de cada período. O comprador pode, a depender do negociado, solicitar que o vendedor registre mais energia no patamar pesado e menos energia no patamar leve, ou pode solicitar que o vendedor registre a modulação de acordo com o seu consumo apurado através de medidor.
27 Flexibilidade é a possibilidade de o comprador solicitar a alteração do volume de energia previsto para determinado mês de fornecimento. Esta alteração se assemelha com a alteração da sazonalização, com a diferença que aquela é feita anualmente e esta é mensal.
energia é menor, ter que adquirir um montante estático de energia, superior ao que seria necessário. A mesma lógica funciona para meses em que o consumo esperado era inferior e, quando realizado, supera a previsão.
Para tanto, normalmente as partes negociam limites máximos e mínimos de variação da energia e vinculam o volume a ser registrado em favor da compradora, ao resultado apontado no medidor de consumo instalado nas dependências do comprador pela distribuidora/transmissora local. Insta consignar, porém que a negociação e aplicação destas cláusulas não são restritivas aos consumidores livres. A depender da negociação entre as partes é comum que um comercializador na qualidade de comprador negocie a possibilidade de variação pela aplicação de sazonalização, por exemplo. Contudo, como a energia normalmente é adquirida por eles para fins de revenda, não é comum a aplicação de flexibilidade e modulação.
Entre as peculiaridades desta espécie contratual é interessante mencionar, que, ainda que o fornecimento físico não faça parte de seu objeto, o contrato pode ser afetado em caso de decretação de racionamento. Em razão disso é comum estabelecer que, em caso de decretação de racionamento, caso a autoridade competente não determine especificamente as regras aplicável para aquele determinado contrato, ele sofrerá uma redução proporcional à meta de redução decretada no submercado de entrega da energia no montante de energia contratada e no respectivo pagamento.
Outra característica peculiar é de, normalmente, constar em referidos contratos cláusula arbitral como mecanismo de solução de controvérsias. Esta característica decorre da convenção arbitral redigida pela CCEE e homologada pela ANEEL que é de adesão para todos que se tornem agentes da CCEE, sejam eles comercializadores, geradores ou consumidores livres.
De acordo com referida convenção, os agentes elegeram a arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias, no caso de contratos celebrados no ambiente de contratação livre, para as hipóteses em que a CCEE esteja envolvida/interessada no litígio ou em que como resultado da solução do litígio será necessária a adoção de alguma providência por parte da CCEE. Para litígios que não envolvam a CCEE por sua vez, ou que se tratem de mera execução de valores devidos, as partes podem estabelecer outros métodos de solução de controvérsias, ou recorrer ao judiciário.
Por fim, é certo que, havendo liberdade negocial, com exceção dos prazos máximos estipulados para registro e ajuste nos termos das Regras e Procedimentos de comercialização, as Partes podem convencionar todas as demais condições do contrato. Assim, é comum que nesses contratos haja obrigação acessórias às Partes, como exemplo, obrigação de apresentação
de garantia financeira pelo comprador, cláusula penal para limitação das perdas e danos devidas em razão de eventual rescisão por inadimplemento, prazos para saneamento de inadimplemento, cláusulas de confidencialidade, cláusulas anticorrupção, entre outras.
TÍTULO II - AQUISIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PELAS DISTRIBUIDORAS
Nos termos do artigo 2º da Lei 10.848/2004 as concessionárias permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição que atuam no SIN devem garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação. Ainda, nos termos da mesma lei, a contratação regulada deve ser formalizada por meio de contratos bilaterais denominados Contrato de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado ou CCEARs, devendo observar as disposições ali contidas. Nesse contexto, dá-se o nome de ambiente de contratação regulado ao mercado em que é comercializada a energia destinada à aquisição pelas distribuidoras.
Posto isso, conforme se abordado na Introdução do Módulo Contratos das Regras de Comercialização, os chamados leilões de compra ou leilões de ajuste, são as principais formas de licitação para aquisição de energia no ambiente regulado. Referidos leilões podem envolver a venda de energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes ou de energia elétrica proveniente de novos empreendimentos. O que diferencia um do outro é, como se depreende de sua denominação, a origem da energia.
Se fala em energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes quando o empreendimento gerador de energia já existe e encontra-se em operação. Isso porque, de acordo com o que determina a legislação aplicável, nessa modalidade a aquisição da energia é para fornecimento no mesmo ano do leilão ou até o quinto ano subsequente ao da licitação, com prazo de suprimento de no mínimo um e no máximo cinco anos. Normalmente estes procedimentos licitatórios são realizados quando se identifica a necessidade de compra de energia a curto prazo em razão do aumento da demanda.
Já a energia elétrica proveniente de novos empreendimentos é oriunda de empreendimentos de geração que até a data de realização do processo licitatório, não sejam detentores de outorga de concessão, permissão ou autorização, ou sejam parte de empreendimento existente que venha a ser objeto de ampliação para acréscimo de sua capacidade de geração ou, ainda, que ainda que tenham obtido outorga de concessão licitada ou de autorização para geração nos termos da lei, ainda não tenham entrado em operação comercial. Estes leilões preveem a entrega da energia adquirida apenas a partir do terceiro e até
o sétimo ano subsequente ao da licitação, com prazo de suprimento de no mínimo quinze e no máximo trinta e cinco anos. Assim, são realizados para incentivar a expansão e comercialização da oferta de energia elétrica.
De acordo com as Regras de Comercialização as distribuidoras tem a obrigação de até sessenta dias antes da data prevista para a realização de cada leilão, informar ao MME o volume de energia a ser contratado por cada uma delas para atendimento à totalidade de suas cargas (demanda dos consumidores por elas atendidos). Uma vez recebida esta informação o Ministério deve definir e homologar o volume total demandado para cada leilão considerando
o total de demanda informado pelas distribuidoras, além de aprovar a relação de novos empreendimentos de geração que integrarão o processo licitatório, se for o caso, conforme explicado acima.
Ainda, conforme preconiza o Decreto 5.163/2004, incumbe à ANEEL promover a licitação na modalidade de leilão para a contratação de energia elétrica pelos agentes de distribuição do SIN, observados os procedimentos e diretrizes fixados pelo Ministério de Minas e Energia. Não obstante, como mencionado anteriormente, a ANEEL, delegou esta função à CCEE. Além disso, o Decreto prevê algumas condições que, obrigatoriamente, devem constar do edital de leilão:
Art.20. Os editais dos leilões previstos no art. 19 serão elaborados pela ANEEL, observadas as normas gerais de licitações e de concessões e as diretrizes do Ministério de Minas e Energia, e conterão, no que couber, o seguinte: [...]
II - objeto, prazos e minutas dos contratos de compra e venda de energia elétrica, incluindo a modalidade contratual adotada e a indicação das garantias financeiras a serem prestadas pelos agentes de distribuição;
III - percentual mínimo de energia hidrelétrica a ser destinada ao mercado regulado; [...]
CAPÍTULO 1 - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA NO AMBIENTE DE CONTRATAÇÃO REGULADA
A Lei 10.848/2004 no parágrafo 2º de seu artigo 2º define Contrato de Comercialização de Energia Elétrica no ambiente Regulado como contratos bilaterais celebrados entre cada concessionária ou autorizada de geração e todas as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição. Ademais, como visto, referidos contratos tem como finalidade a aquisição de energia pelas distribuidoras e devem ser precedidos necessariamente de licitação. Em razão disso, são altamente regulamentados e o próprio Decreto 5.163/2004 estabelece a maior parte das condições aplicáveis à relação contratual.
Isto posto, é relevante mencionar que, ao contrário do que se observa nos contratos celebrados no ambiente de contratação livre, nos contratos de comercialização de energia no ambiente regulado não existe liberdade negocial das cláusulas e condições que serão aplicáveis às partes. Não há liberdade sequer para pactuar o período de vigência dos contratos ou o volume a ser adquirido por cada distribuidora. Inclusive, é imposta às partes uma minuta contratual que é publicada juntamente com o edital de leilão.
Referida minuta é de adesão, de modo que as partes se limitam a aceitar suas condições, sem a possibilidade de qualquer alteração. Nessa linha, normalmente, nos editais de leilão consta previsão no sentido que a participação no leilão implica o conhecimento e a aceitação expressa e incondicional, por ambas partes, dos termos estabelecidos no edital e no contrato.
Como visto, o próprio edital de leilão define o período a ser suprido que pode variar de acordo com o tipo de leilão dentro de um limite máximo e mínimo estipulado pela legislação. Com relação ao volume, conforme também mencionado no item anterior, o MME é quem define o montante de energia a ser adquirido com base na demanda informada por cada distribuidora. Além disso, mesmo o preço a ser ofertado pela energia possui um limite máximo determinado pela legislação aplicável. O artigo 20 do Decreto 5.163/2004 estabelece que os preços máximos para aquisição de energia nos leilões são definidos de acordo com o critério de menor tarifa, de modo que aqueles que ofertarem energia elétrica pelo menor preço para atendimento da demanda das distribuidoras serão definidos como vencedores pelo MME.
Mais relevante ainda é o fato que nem as distribuidoras nem os agentes vendedores têm liberdade de escolher com quem contratar. O leilão normalmente é feito em lotes e, assim, contempla um grupo de distribuidoras distintas, localizadas em submercados distintos e com perfis financeiros distintos. Todavia, quando determinado agente decide participar do leilão como agente vendedor a ele não é informado quais são as distribuidoras compradoras e quanto do volume leiloado será direcionado para cada distribuidora. Apenas o vencedor, após declarado como tal, é cientificado a respeito de quais serão as compradoras e qual volume a ser alocado para cada uma. Esta é uma grande desvantagem dos contratos no ambiente regulado em relação aos contratos no ambiente livre, nos quais os vendedores tem liberdade, por exemplo, para analisar determinado cliente sob o ponto de vista de crédito, reputacional, entre outros, para determinar o risco de contratar com o pretenso comprador.
Insta consignar ainda que, de acordo com o Decreto 5.163/2004, os CCEARs podem ser de duas modalidades, quais sejam: “por quantidade” ou “por disponibilidade”. Nos CCEARs por quantidade, normalmente, figuram como agentes vendedores os agentes geradores hidrelétricos. Isso porque, o que caracteriza esta modalidade é o fato de a legislação
expressamente determinar que, no âmbito do contrato decorrente deste procedimento licitatório, o risco hidrológico deverá ser integralmente assumido pelo vendedor. Sob este aspecto não há diferença com os contratos de compra e venda de energia no ambiente de contratação livre, em que o risco hidrológico, normalmente, é integralmente assumido pelo agente vendedor caso este seja um gerador hidrelétrico. É dizer, em caso de o lastro de energia não ser suficiente para atender a demanda, a despeito da celebração do contrato de compra e venda de energia, de acordo com o tipo de contrato, o risco decorrente da falta de lastro será inteiramente assumido pelo agente vendedor.
Somado a isso, a lei determina que o ponto de entrega é o do submercado em que esteja localizado o gerador. Esta determinação é relevante pois caso o comprador esteja localizado em um submercado distinto do submercado de entrega, haverá o chamado risco financeiro de diferença de submercados. Este risco existe, pois, conforme mencionado em itens anteriores, entre os submercados podem haver preços de liquidação distintos. Em havendo uma diferença de preços de submercado, no momento da contabilização e liquidação pela CCEE pode ser apurado um crédito ou um débito financeiro do comprador perante a CCEE e, no caso de débito, a obrigação de pagamento deste valor a título de garantia perante a CCEE.
Nos contratos do ambiente livre é possível negociar qual das partes assumirá o risco financeiro ou, ainda, se compartilharão o risco. Não obstante, a prática de mercado, é que o risco seja assumido pelo comprador. Nos contratos decorrentes de leilões por quantidade, essa escolha não fica a critério das partes. A legislação determina que o risco seja assumido pelo comprador, no caso, as distribuidoras. Esse custo, se existente, é posteriormente repassado para os consumidores pela distribuidora na tarifa cobrada, como se verá a frente, assim como eventual crédito.
Nos CCEARs por disponibilidade, em seu turno, normalmente figuram como agentes vendedores os geradores termelétricos ou eólicos. Não obstante, nada impede que geradores hidrelétricos também participem dos mesmos. De acordo com a legislação aplicável, neste tipo de leilão, os compradores assumem eventuais exposições financeiras no mercado de curto prazo da CCEE, positivas ou negativas, as quais deverão ser repassadas, posteriormente, ao consumidor final. Além disso, em caso de agente vendedor gerador hidrelétrico, a lei determina que o comprador assuma o risco hidrológico. Nesse caso, os custos também serão posteriormente repassados aos consumidores.
Posto isso, é relevante mencionar ainda que, concluído o procedimento licitatório e declarado o vencedor, os CCEARs devem ser assinados pelas partes, biometricamente, em plataforma disponibilizada pela CCEE. Uma vez assinados, a própria CCEE os registra e atribui
os volumes cabíveis a cada compradora, para fins de contabilização e liquidação. Nesse caso, da mesma forma, não é necessária a validação do registro por parte das distribuidoras para que o volume alocado em seu favor se efetive.
O Decreto 5.163/2004 dedica seção específica aos CCEARs. Em referida seção, estabelece os prazos mínimos de vigência que os CCEARs devem prever, assim como a obrigatoriedade de constar cláusula arbitral, em conformidade ao que determina a convenção de comercialização. Outra condição específica destes contratos, que se depreende da intelecção do artigo 20 do Decreto, é a obrigatoriedade de apresentação de garantia pelas Distribuidoras.
A título de exemplo, no Anexo A ao presente estudo consta minuta de CCEAR e seus respectivos anexos, publicada como Anexo I ao Edital de Leilão nº 14/2015-ANEEL – Processo nº 48500.004299/2015-51.
1.1. Legislação aplicável
Normalmente, os próprios CCEARs enunciam em seu preâmbulo as principais disposições legais e regulamentares que regerão o contrato. Conforme é possível observar no exemplo constante do Anexo A, várias são as leis, decretos, resoluções, portarias, entre outros mencionados.
Não obstante, é certo que, a relação entre as Partes também será regida pelo próprio contrato, assim como pelo edital de leilão, que são elaborados em conformidade com a legislação aplicável. No contrato, as disposições estabelecem obrigações específicas às partes, relacionadas à execução do objeto contratual, bem como obrigações assessórias, penalidades aplicáveis, hipóteses de rescisão, prazos de saneamento entre outros. No edital, por sua vez, apesar de grande parte de suas disposições se ocuparem de prever as condições e características do procedimento licitatório em si, requisitos para habilitação e participação no leilão, também prevê obrigações às Partes que devem ser cumpridas durante toda a execução do CCEAR e as respectivas penalidades caso haja infração. Algumas disposições nesse sentido28:
11.1 As VENDEDORAS deverão manter, durante todo o processo do LEILÃO, todas as condições de HABILITAÇÃO exigidas neste Edital. [...]
13.3.3 A VENDEDORA deverá manter lastro de ENERGIA e de POTÊNCIA durante todo o período de suprimento do CCEAR, sendo integralmente responsável pelo suprimento dos montantes de energia elétrica comercializados no LEILÃO, bem como
28 Edital de Leilão nº 14/2015-ANEEL – Processo nº 48500.004299/2015-51. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxxxx_xxxx_xxxxxxx/xxxxxxx?_xxxXxxxx000000000000000&_xxx.xxxx
-state=184xdi3hwi_1#!%40%40%3F_afrLoop%0X000000000000000%26_adf.ctrl-state%3D184xdi3hwi_5 Acesso em: 05.08.2019.
da constituição de lastro por meio da GARANTIA FÍSICA de empreendimentos de sua titularidade e/ou de contratos bilaterais de compra de ENERGIA, nos termos do art. 2º do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, da Portaria MME nº 428, de 11 de setembro de 2014, e verificado o disposto nas Portarias MME nº 303, de 18 de novembro de 2004 e MME nº 258, de 28 de julho de 2008. [...]
13.7 A eficácia dos CCEAR é condicionada à celebração dos correspondentes CCG29.
Com base nas disposições transcritas acima, verifica-se que o próprio edital traz hipótese de ineficácia do CCEAR decorrente da não celebração do Contrato de Constituição de Garantia
– CCG e hipóteses de inadimplemento contratual que, além de caracterizar inadimplemento no âmbito do próprio CCEAR e aplicação das penalidades ali previstas, também implica inadimplemento perante a ANEEL no âmbito do leilão, e na execução da garantia de participação no leilão, que deve ser aportada pelas pretensas compradoras e vendedoras antes da participação no certame.
Além do contrato e do edital, também regem a relação entre as Partes as Regras de Comercialização e os Procedimentos de Comercialização, já abordadas no capítulo relativo à Legislação aplicável aos contratos celebrados no ambiente de contratação livre. No ambiente de contratação regulada, referidas regras e procedimentos desempenham o mesmo papel que no ambiente de contratação livre, dispondo a respeito de questões procedimentais para atuação das partes perante a CCEE e na operacionalização dos contratos celebrados sob o ponto de vista de registro, ajuste, validação, assim como modulação, sazonalização e flexibilidade, quando aplicáveis, da energia contratada, entre outros aspectos atinentes à comercialização de energia de modo geral. O edital de leilão, usualmente dispõe nesse sentido:
3.4 As REGRAS e PROCEDIMENTOS DE COMERCIALIZAÇÃO e o CCEAR estabelecerão, dentre outros, a forma de apuração e informação dos valores necessários para cálculo da(s) receita(s) de comercialização da VENDEDORA. [...]
13.3.4 Após o LEILÃO, os CCEAR resultantes deverão ser registrados, sazonalizados e modulados na CCEE segundo as condições previstas em REGRAS e PROCEDIMENTOS DE COMERCIALIZAÇÃO.
Cumpre relevante mencionar também como fonte reguladora da relação entre compradora e vendedor, a Convenção de Comercialização que, entre outras atribuições, tem como objeto o Processo de apuração da Receita de Venda relativo aos CCEARs por disponibilidade. A Convenção conta ainda com outras disposições relativas aos CCEARs, entre penalidades, questões atinentes a sazonalização, modulação e flexibilidade, bem como estabelece como mecanismo de solução de controvérsias o procedimento arbitral.
29 CCG significa Contrato de Constituição de Garantia. Este contrato deve ser celebrado entre Compradora, Vendedora e Banco para fins de prestação de garantia pela Compradora à Vendedora no âmbito do Contrato.
Não obstante o caráter operacional, procedimental e genérico das Regras e Procedimentos de Comercialização, referidas normas também preveem disposições específicas relativas ao ambiente de contratação regulada e a comercialização de energia nestes ambientes. A título de exemplo, as regras de comercialização possuem dois cadernos específicos a respeito dos CCEARs quais sejam o “16 - Reajuste dos Parâmetros da Receita de CCEAR” e o “17 - Receita de Venda de CCEAR” e, a respeito do ambiente de contratação regulada o “24 – Repasse do Risco Hidrológico do ACR”. Ainda, no caderno “5 – Contratos” também existem capítulos especialmente destinados aos contratos de compra e venda de energia no ambiente de contratação regulada.
Necessário mencionar a Lei 10.848/2004 e o Decreto 5.163/2004 que, além de trazer disposições de âmbito geral a respeito da comercialização de energia elétrica, preveem questões específicas relativas ao ambiente de contratação regulada, aos procedimentos licitatórios e ao próprio CCEAR. Relevante ainda a Lei 12.783, de 11 de janeiro de 2013 que determina a cessão compulsória dos CCEARs em caso de excedente de energia contratada pelas distribuidoras e a possibilidade de, a critério das distribuidoras e/ou do poder concedente, a redução dos montantes de energia contratados no âmbito do CCEARs. As Leis 10.604/2002, 10.438/2002, por sua vez, conforme mencionado anteriormente, determinam a necessidade de as distribuidoras adquirirem energia via procedimento licitatório.
Vale mencionar também a Portaria do Ministério de Minas e Energia nº 514, de 2 de setembro de 2011 que aprimorou as condições de participação e os procedimentos de qualificação econômica e financeiras relativas aos proponentes vendedores de energia elétrica que pretendem participar dos leilões de energia no ambiente regulado, e definiu diretrizes para a elaboração dos modelos de CCEAR que devem ser publicados juntamente com os respectivos editais de leilão. Aplicáveis ainda a Lei 12.529/2011 que diz respeito à defesa da concorrência e a Lei 8.987/95 que dispõe a respeito do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e, assim, do serviço de distribuição.
Por fim, necessário lembrar que a despeito de ser um contrato de adesão sujeito a regulamentação específica e, a despeito de a energia vendida para as distribuidoras por meio de referido contrato ter como destinatários finais os consumidores cativos atendidos pelas distribuidoras, é aplicável à relação entre vendedor e distribuidora o código civil. A aplicabilidade de referido diploma pode ser verificada em algumas passagens do próprio contrato, especialmente na cláusula que versa a respeito das hipóteses de caso fortuito ou foça maior, entre outras.
Nessa linha, relevante destacar que os CCEARs não são contratos administrativos, mas de direito privado, não se enquadrando nos contratos administrativos regulados pela Lei 8.666/90. Assim foi o entendimento da Procuradoria-Geral Federal junto à XXXXX, emitido no parecer nº 00420/2016/PFANEEL/PGF/AGU30:
O CCEAR é apenas instrumento para viabilizar a comercialização da energia vendida no leilão e não tem natureza de contrato administrativo, mas de contrato privado a ser firmado entre a vencedora do certame e as distribuidoras de energia. A produção independente de energia é atividade econômica em sentido estrito e não serviço público. A remuneração da atividade de produção independente de energia não se dá mediante tarifa ou preço público, o que afasta a garantia de proteção ao reequilíbrio-econômico e financeiro do contrato.
1.2. Partes
Da mesma forma que nos contratos de compra e venda de energia elétrica no ambiente de contratação livre, no ambiente de contratação regulada, as disposições do código civil, atinentes à possibilidade de determinada pessoa figurar como parte em um contrato, também devem ser observadas. Nesse sentido, compradora e vendedora devem atender a três requisitos principais: (i) deve ser um sujeito determinado ou determinável; (ii) deve ser uma pessoa física ou jurídica; e (iii) deve ter capacidade de fato e de direito. Todavia, como também explicado anteriormente, a regulamentação específica do setor a respeito da comercialização de energia elétrica, impõe requisitos adicionais que restringem ainda mais a possibilidade de figurar como parte nestes contratos.
Atendidos os requisitos impostos pelo código civil, o Decreto 5.163/2004 impôs requisitos adicionais para limitar quem pode figurar como parte nos contratos de compra e venda no ambiente regulado, ao estabelecer a definição de ambiente de contratação regulada. De acordo com o que versa referido Decreto, os contratos no ambiente regulado são celebrados entre os agentes vendedores e os agentes de distribuição.
Assim, conforme se depreende desta definição, bem como da definição de agente vendedor constante do mesmo dispositivo legal, podem figurar como vendedores no âmbito dos contratos de comercialização de energia no ambiente regulado os titulares de concessão, permissão ou autorização do poder concedente para gerar, importar ou comercializar energia elétrica. Da mesma forma, nesse ambiente, apenas as distribuidoras podem figurar como
30 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxx/Xxxxx/Xxxxxx/Xxxxxxxxxxx/000000/XXXXXXXX_XXXXXX_Xxxx cer%2000420_2016.pdf. Acesso em 06.08.2019.
compradoras. Insta consignar, porém que apenas as distribuidoras que declararem necessidade de compra de energia ao MME nos termos do parágrafo 2º do artigo 1º e artigo 2º da Lei 10.848/2004 poderão participar do leilão.
Posto isso, vale mencionar que de acordo com o tipo de leilão, a possibilidade de figurar como vendedor no âmbito destes contratos pode ser mais restrita. Como visto, quando um leilão for de empreendimentos de energia existente, apenas titulares de lastro de energia proveniente de empreendimento gerador de energia que já existe e que se encontra em operação poderão participar. Já, quando um leilão for de empreendimentos de energia nova, poderão participar como proponentes vendedores apenas titulares lastro de energia proveniente de empreendimentos de geração que até a data de realização do processo licitatório, não sejam detentores de outorga de concessão, permissão ou autorização, ou sejam parte de empreendimento existente que venha a ser objeto de ampliação para acréscimo de sua capacidade de geração ou, ainda, que ainda que tenham obtido outorga de concessão licitada ou de autorização para geração nos termos da lei, ainda não tenham entrado em operação comercial.
Aliado a estas limitações, o próprio edital de leilão pode impor requisitos/restrições adicionais, para inscrição e habilitação dos vendedores no Leilão. Normalmente é determinada a obrigação de apresentação de uma série de documentos, desde documentos de cunho societário até de cunho financeiro, como certidões. Estes documentos devem ser apresentados à CCEE no prazo indicado no Edital. Não obstante, o edital também pode impor requisitos adicionais às distribuidoras a figurar como compradoras. A título de exemplo, possível mencionar disposição constante do Edital de Leilão nº 14/2015-ANEEL – Processo nº 48500.004299/2015-5131, relativo às compradoras:
As COMPRADORAS deverão estar adimplentes quanto às obrigações setoriais de que tratam a Resolução Normativa ANEEL nº. 538, de 5 de março de 2013, o art. 5º do Decreto-Lei nº. 2.432, de 17 de maio de 1998, a Lei nº. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, o § 3º do art. 32 do Decreto nº. 774, de 18 de março de 1993, e os arts. 6º e 10 da Lei nº 8.631/1993, este com nova redação dada pela Lei nº. 10.848, de 15 de março de 2004.
31 Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxxxx_xxxx_xxxxxxx/xxxxxxx?_xxxXxxxx000000000000000&_xxx.xx rl-state=184xdi3hwi_1#!%40%40%3F_afrLoop%0X000000000000000%26_adf.ctrl-state%3D184xdi3hwi_5> Acesso em: 05.08.2019.
Por fim, é certo que, nos termos da legislação aplicável, relativa à comercialização de energia e mencionada anteriormente, tanto as compradoras quanto as vendedoras deverão estar registradas na CCEE.
1.3. Objeto
Os CCEARs têm o mesmo objeto que os contratos celebrados no ambiente de contratação livre, qual seja, a transferência de lastro de energia. Contudo, como esclarecido anteriormente, as partes no âmbito deste contrato não tem liberdade para definidor o montante de energia a ser adquirido ou o período de fornecimento. Estas condições ficam a cargo do Ministério de Minas e Energia.
Ademais, no caso das distribuidoras, como mencionado anteriormente, a energia é adquirida com a finalidade de comercialização para os consumidores atendidos pelas distribuidoras. As concessionárias permissionárias e autorizadas do serviço de distribuição apenas poderão dar outra destinação à energia adquirida, caso haja montante remanescente, cedendo-o para outras distribuidoras ou vendendo no ambiente de contratação livre na forma autorizada pela legislação aplicável. Não obstante, a lei também permite que as distribuidoras, a seu exclusivo critério, solicitem a redução do montante contratado em eventual CCEAR celebrado entre ela e o agente vendedor, se comprovar que existe montante excedente e que, assim, este montante não é necessário para atendimento de seus clientes.
Alinhado à legislação, os CCEARs normalmente preveem cláusula nesse sentido. Como exemplo, transcrevemos cláusula do CCEAR constante do Anexo A deste estudo:
6.1. A critério exclusivo do COMPRADOR, e observadas as REGRAS e os PROCEDIMENTOS de COMERCIALIZAÇÃO, a ENERGIA CONTRATADA poderá ser reduzida, nos termos do art. 29 do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004.
Posto isso, como explicado anteriormente, o registro e a validação iniciais, normalmente realizadas pelas partes, no âmbito dos CCEARs são realizados pela própria CCEE ante a assinatura eletrônica pelas partes em plataforma disponível para tanto. Não obstante, caso seja necessário algum ajuste de registro ao longo da vigência do contrato e sua respectiva validação, estes serão realizados pelas partes, vendedora e compradora, respectivamente, caso aplicáveis. Assim, relevante mencionar também que as condições de modulação e sazonalização da energia contratada, assim como a possibilidade de exercício de flexibilidade, deverão ser praticadas pelas partes conforme estipuladas no próprio edital de leilão.
Por fim, como também esclarecido em item anterior, a legislação aplicável estabelece obrigação acessória à distribuidora, qual seja apresentação de garantia às obrigações por ela assumidas no âmbito do CCEAR. Referidas condições são detalhadas no edital e no CCEAR.
CAPÍTULO 2 - A RELAÇÃO ENTRE DISTRIBUIDORA E CONSUMIDOR CATIVO
Como mencionado, a distribuidora é responsável pelo fornecimento físico de energia aos consumidores alocados em sua área geográfica de atuação, conforme demarcada pelo Poder Concedente. Cada distribuidora detém o monopólio do serviço de distribuição em sua respectiva área geográfica. É dizer, a instalação, operação e manutenção de redes de distribuição, em determinada região, cabe, exclusivamente, à distribuidora a quem foi atribuído, pelo Poder Concedente, o direito de atuar na área geográfica à qual a região em questão pertence.
Além de fornecer energia, cabe às distribuidoras a responsabilidade pela ampliação, operação, e manutenção das redes de distribuição, além de garantir o livre acesso à rede de distribuição, bem como a venda de lastro de energia elétrica no mercado cativo. Posto isso, relevante destacar que os serviços prestados pela distribuidora, conforme descritos acima, são considerados de caráter essencial, e se tratam de serviço público.
Tendo em vista sua natureza de serviço público, a legislação atinente à distribuição, traz uma série de requisitos que devem ser atendidos pelas distribuidoras na prestação do serviço. O Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.987/95 e a Resolução ANEEL 414/2010 contam com importantes disposições que regulam a atividade e que serão abordadas no item 1 do presente capítulo. Aqueles dois primeiros, se referem a serviços públicos em geral e, a última, trata a respeito do serviço de distribuição. Referidos dispositivos legais, não apenas determinam as obrigações das concessionárias, permissionárias e autorizadas de distribuição, como também estabelecem os deveres e direitos dos usuários de referido serviço, além de regularem outras importantes questões.
Vale mencionar, assim, que os usuários do serviço de distribuição não são apenas os consumidores cativos, mas todos os usuários que estejam conectados ao sistema de distribuição. Com relação a isso é importante destacar que, por se tratar de serviço público, a distribuidora tem, efetivamente, a obrigação de continuidade na prestação dos serviços e, assim, de atender a todos os interessados na prestação dos serviços de distribuição que estejam localizados dentro de sua área geográfica de atuação.
Não obstante os tipos de usuários com os quais a distribuidora interage, a relação entre distribuidora e quaisquer deles é decorrente de um contrato de adesão. É certo, contudo, que nem sempre o contrato entre as Partes existe fisicamente ou é firmado entre elas. Os geradores, por exemplo, para utilizarem o sistema de distribuição, assim como os consumidores livres, devem celebrar junto à distribuidora local um Contrato de Conexão à Distribuição – CCD e um Contrato de Uso do Sistema de Distribuição - CUSD. Os consumidores cativos, em seu turno, não celebram contrato necessariamente, isso varia de acordo com o tipo de consumidor. Assim, a relação entre eles se forma ou pela assinatura do respectivo contrato, ou pela manifestação do aceite pelo consumidor ao “contrato de adesão” quando o consumidor solicita à distribuidora local, sua conexão ao sistema de distribuição. Nesse último caso a mera manifestação inequívoca de vontade, ainda que realizada verbalmente, aperfeiçoa a relação entre eles.
De acordo com Xxxxxxxxxx (2018, p. 43):
Ao receber a solicitação de fornecimento, a distribuidora deve prestar uma série de informações ao interessado: necessidade de observância das normas e padrões técnicos, colocação de caixas, quadros, painéis ou cubículos destinados à medição, eventual necessidade de execução de obras, serviços nas redes etc, de participação financeira do interessado, adoção de providências para obtenção de benefício tarifários.
O interessado deve, além de sua identificação, informar a carga instalada, fazer a comprovação de propriedade ou posse do imóvel e informar se existem pessoas que utilizem equipamentos elétricos essenciais à sobrevivência humana
Independentemente da existência de um contrato formal ou não, diz-se que a relação entre distribuidoras e usuários é de adesão porque os usuários não tem liberdade de negociar junto às distribuidoras as condições do fornecimento, o preço, ou qualquer outra condição aplicável à relação entre eles. As condições são estipuladas de acordo com a legislação que regula o tema e as distribuidoras também não possuem liberdade negocial a respeito de qualquer condição, devendo observar, estritamente, o que prevê a regulamentação.
Além disso, até os anos 90, incumbia exclusivamente à distribuidora a venda de lastro de energia em sua área geográfica de atuação. Contudo, atualmente, apesar de elas ainda serem detentoras do monopólio sobre o serviço de distribuição, a venda de lastro de energia se restringe ao mercado cativo32. Dessa forma, nenhum usuário tem o poder de escolher qual distribuidora lhe fornecerá energia e os consumidores cativos33, em especial, não possuem o
32 Ressalvada a possibilidade de venda de excedente de energia no mercado livre, conforme abordado anteriormente.
33 De acordo com informações divulgadas pela ABRACEEL (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica), atualmente, mais de 80 milhões de consumidores são cativos, destes, 6 milhões de pequenas indústrias, empresas comerciais, agronegócio e serviços não têm o direito de escolher seus fornecedores de energia.
direito de exercer poder de compra, ou seja, não podem escolher de quem comprar sua energia elétrica, sendo obrigados a comprar da distribuidora que atende sua região.
Em contrapartida ao serviço prestado, a distribuidora cobra dos usuários por ela atendidos uma tarifa composta de vários fatores, estabelecida de acordo com os critérios e limites estipulados pelo Poder Público, e obtida de acordo com a aplicação de um modelo matemático definido pela ANEEL. Assim sendo, não existe possibilidade de negociação da tarifa. Somado a isso, no caso de fornecimento de energia para um consumidor cativo, a tarifa de energia é composta não só por fatores que remuneram o serviço de distribuição e expansão do sistema de distribuição em si, mas também por uma parcela que representa o repasse do valor dispendido pela distribuidora, para aquisição de lastro de energia no mercado regulado.
Esta parcela, em seu turno, não é formada pelo simples repasse do valor pago ao agente vendedor no âmbito dos CCEARs, mas varia, quando aplicável, para cima ou para baixo, de acordo com os riscos financeiros ou hidrológicos assumidos pela distribuidoras nestes contratos. Como visto, a assunção de responsabilidade varia a depender do leilão em que ela adquiriu a energia repassada. O repasse do custo da energia comprada para as tarifas tem fundamento no Decreto 5.163/04.
Já no caso de fornecimento de energia para consumidores livres, a tarifa cobrada pela distribuidora apenas é composta das parcelas atinentes à remuneração pelo uso do fio, ou seja, pelo serviço de distribuição. Desconsidera-se neste caso o repasse do valor pago pelo lastro de energia, considerando que estes usuários adquirem lastro no mercado livre. Desse modo, referida tarifa inclui a infraestrutura (postes, fios, transformadores), serviços de ligações e manutenções da linha de distribuição.
Em razão do quanto exposto, as distribuidoras devem “contabilizar em separado as atividades de fio e de comercialização”34, a fim de identificar adequadamente todas as métricas consideradas quando da aplicação do cálculo matemático definido pela ANEEL. De todo modo, as distribuidoras não podem cobrar tarifas superiores às homologadas pela ANEEL. Posto isso, passemos à análise da legislação aplicável, partes e objeto da relação entre distribuidora e consumidores cativos.
34 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. O Setor de Energia Elétrica: Aspectos Físicos e Regulamentação. In Apostila - Curso de Extensão Triconsult/ ABCE (org). São Paulo, 2018. Módulo 8, p 30.
1.1. Legislação aplicável
A atividade de distribuição foi regulamentada, desde os primórdios do setor elétrico no Brasil, e, desta forma, existe vasta regulamentação acerca deste assunto. O Código de Águas e o Decreto 41.019/57, editados quando o setor elétrico brasileiro ainda era incipiente, já traziam disposições a respeito da exploração deste serviço. A Constituição Federal em vigor, também conta com artigos que tratam sobre a atividade, especificamente sobre a possibilidade de outorga, pelo Poder Concedente, de concessões ou permissões para exploração do serviço de distribuição.
A Lei 8.987/95 e o Código de Defesa do Consumidor, também trazem disposições aplicáveis à relação estabelecida entre distribuidora e usuários. Isso porque, em ambos, constam normas atinentes à prestação de serviços públicos. A primeira, regulamentou o artigo 175 da Constituição Federal, dispondo a respeito do regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos. Aliada aos Decretos 41.019/57 e 62.724/68, determinam os direitos e obrigações das concessionárias e permissionárias de serviço público. A Lei 8.947/95 estabelece ainda direitos e obrigações dos usuários de serviço público e remete ao Código de Direito do Consumidor, para esclarecer que as normas deste também são aplicáveis às relações estabelecidas entre usuários e prestadores de serviços públicos, ou seja, supletivamente.
Não obstante a disposição expressa da Lei 8.947/95 com relação à supletividade do Código de Defesa do Consumidor, é certo que parte da doutrina defende que este não seria aplicável aos serviços públicos. E que estes, na verdade, demandariam regulamentação específica, haja vista sua especificidade inerente. Este posicionamento foi reforçado pela Emenda Constitucional (EC) 19/1998. Ocorre que, em 2017, o Congresso editou a Lei 13.460/2017, que dispõe, justamente, sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Esta lei, inclusive, determina em seu primeiro artigo que:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública.
§ 1º O disposto nesta Lei aplica-se à administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso I do
§ 3º do art. 37 da Constituição Federal.
§ 2º A aplicação desta Lei não afasta a necessidade de cumprimento do disposto:
I - em normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou supervisão; e
II - na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quando caracterizada relação de consumo.
§ 3º Aplica-se subsidiariamente o disposto nesta Lei aos serviços públicos prestados por particular.
Assim sendo, com a devida data vênia, não deve restar qualquer dúvida a respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com relação aos serviços de distribuição, especialmente no que se refere aos consumidores cativos. É possível fazer tal afirmação, tendo em vista não só o disposto expressamente na lei, nos termos do trecho transcrito acima, como também o caráter de adesão das relações estabelecidas entre distribuidora e usuários mas, principalmente, em razão da vulnerabilidade evidente dos consumidores cativos.
Outras importantes fontes da relação entre distribuidoras e consumidores são as resoluções editadas pela ANEEL. A Resolução 456/200 e a Resolução 414/2010 reúnem grande parte das mais importantes e específicas disposições aplicáveis ao segmento distribuição de energia elétrica. Referidas resoluções definem, entre outros temas, regras aplicáveis ao relacionamento entre as distribuidoras e os usuários dos seus serviços. A resolução 414/2010, em especial, traz desde definições, até regras relacionadas às tarifas praticadas pela distribuidora, assim como condições de faturamento e pagamento, atendimento, inadimplemento, hipóteses de rescisão contratual, etc.
A relação também é regulada, conforme o caso, pelos contratos mencionados na resolução 414/2010, quais sejam: contrato de adesão; contrato de fornecimento, contratos de compra de energia regulada, e contrato para o fornecimento destinado à iluminação pública. A necessidade de se firmar cada um deles varia de acordo com o usuário que está sendo atendido pela distribuidora, conforme se verá no item a seguir.
Relevante mencionar ainda, que o próprio contrato de concessão, em se tratando de concessionária de serviço público de distribuição traz determinações a serem observadas pela distribuidora no exercício da atividade. O contrato de concessão, o CUSD e o CDD, ainda que pautados nos termos da legislação existente, também ser prestam a regular a relação entre distribuidora e usuários. Nessa linha, a própria conta de luz, também pode ser apontada como uma fonte para a relação.
Finalmente, é necessário pontuar que, apesar de o serviço de distribuição ser objeto de outorga de concessão ou permissão, a relação entre concessionário e usuário não tem natureza administrativa. A relação entre eles é de caráter privado. Assim ensina Xxxxxxxxxxx (2018, p 34):
Importante destacar, entretanto, que a atividade (serviços prestados) das distribuidoras, como concessionárias, implica em duas formas de relações contratuais distintas: - uma, a que envolve o próprio contrato de concessão, em que são partes o Poder Concedente e a concessionária – contrato administrativo – submetida ao regime
de direito público; - outra, a que é estabelecida entre o usuário e a concessionária, sujeita ao direito privado, ainda que regulamentada e regulada pelo Poder Concedente.
1.2. Partes
O Decreto 5163/2004, define agente distribuidor como “o titular de concessão, permissão ou autorização de serviços e instalações de distribuição para fornecer energia elétrica a consumidor final exclusivamente de forma regulada.”. Trata-se, todavia, de uma definição simplista, considerando que o agente distribuidor possui outras obrigações, que não o mero fornecimento de energia, apesar de ser esta, de fato, sua principal atividade.
Nesse ponto, é imprescindível reiterar o critério objetivo limitador à atividade das distribuidoras: a restrição de sua atuação à sua respectiva área de concessão, conforme delimitada pelo Poder Concedente.
O “consumidor final” por sua vez, mencionado em referido dispositivo, se refere a todos os usuários do sistema de distribuição, consumidores de energia. A Resolução Normativa da ANEEL 414/2010, conforme alterada pela Resolução Normativa ANEEL 418 do mesmo ano, se presta a classifica-los com detalhe:
XVII – consumidor: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, legalmente representada, que solicite o fornecimento, a contratação de energia ou o uso do sistema elétrico à distribuidora, assumindo as obrigações decorrentes deste atendimento à(s) sua(s) unidade(s) consumidora(s), segundo disposto nas normas e nos contratos [...]
Os consumidores por sua vez, podem ser cativos, potencialmente livres, livres ou especiais, como já detalhado. A resolução esclarece, que cada consumidor corresponde uma ou mais unidades consumidoras. Unidade consumidora é definida também pela resolução. Esta, como um conjunto de instalações, ramal de entrada, equipamentos elétricos, condutores e acessórios etc, quando do fornecimento em tensão primária, caracterizado pelo recebimento de energia elétrica em apenas um ponto de entrega, com medição individualizada. A unidade consumidora, também pode ser interligada, quando o consumidor responsável for o próprio Poder Público ou seu delegatário conforme características ali detalhadas.
As unidades consumidoras e os consumidores cativos são, ainda, objeto de uma nova classificação, para fins de atendimento e aplicação de tarifas. Existem duas classes de consumidores: “A” e “B”. Esta divisão é realizada com base, principalmente, no nível de tensão em que os consumidores são atendidos: a classe A é composta por unidades consumidoras atendidas em tensão maior ou igual a 2,3 kV ou, em tensão menor que 2,3 kV a partir de sistema
subterrâneo de distribuição; a classe B por unidades consumidoras com fornecimento em tensão menor que 2,3 kV e por consumidores que, apesar de atendidos em tensão superior a 2.3 kV, podem optar por faturamento de classe B, em razão de características específicas que eles possuem.
Ambas classes são divididas em subgrupos. A classe A é subdividida em seis subgrupos de acordo com o nível de tensão de fornecimento. A classe B é subdividida em quatro subgrupos, quais sejam: residencial; rural; demais classes; e iluminação pública. A resolução, para fins de aplicação de tarifas esmiúça ainda mais as classes e subclasses mencionadas. No caso da classe B, verifica-se pela classificação, que os subgrupos são divididos de acordo com as atividades desempenhadas por cada um.
Assim sendo, serão consideradas como parte do subgrupo residencial, as unidades consumidoras com fim residencial, excetuadas, por óbvio, as que se enquadrem no subgrupo rural. As unidades consumidoras residenciais, são objeto de uma nova subdivisão. Elas podem ser separadas em 6 categorias: residencial, residencial baixa renda, residencial baixa renda indígena, residencial baixa renda quilombola, residencial baixa renda benefício de prestação continuada da assistência social e residencial de baixa renda multifamiliar. A regulamentação impõe os requisitos, estabelecidos de acordo com critérios objetivos, que devem estar presentes para que as unidades consumidoras se enquadrem em uma ou outra categoria.
As unidades consumidoras serão rurais, quando desenvolverem atividades de agropecuária ou a ela relacionadas, bem como beneficiamento ou conservação de produtos agrícolas cultivados na mesma propriedade. Importante ressaltar que o consumidor deve comprovar o desenvolvimento destas atividades à distribuidora. Da mesma forma, esta subclasse se subdivide em categorias. Nesse caso, em oito, cujos requisitos e características são detalhados na regulamentação aplicável.
No subgrupo demais classes encontram-se: (i) as unidades consumidoras industriais – que desenvolvem atividade industrial de acordo com seu CNAE, transporte de matéria-prima, insumo ou produto resultante de processo de industrialização, desde que caracterizado como atividade suporte e integrado a uma unidade consumidora industrial; (ii) as unidades consumidoras comerciais, de serviços e desenvolvedoras de outras atividades – que desenvolvem atividade comercial ode prestação de serviços outra atividade que não esteja abarcada nas demais classes. Com relação a esta classificação, importante mencionar que não abarca as unidades consumidoras prestadoras de serviços públicos. Esta classificação também é subdividida em subclasses, especificamente nove, de acordo com a atividade desenvolvida;
(iii) unidades consumidoras de consumo próprio – unidades consumidoras de energia elétrica
pertencentes às instalações da própria distribuidora de energia elétrica; (iv) unidades consumidoras do poder público – que é integrado por consumidores, pessoas jurídicas de direito público, e que também se divide em subclasses de acordo com a esfera governamental: federal, estadual/distrital e municipal; e (v) unidades consumidoras de serviço público – exclusivo para fornecimento para equipamentos/maquinário essenciais à prestação de serviços públicos direta ou indiretamente pelo Poder Público. Este subgrupo também se subdivide em duas classes de acordo com o tipo de serviço.
Por fim o subgrupo iluminação pública abarca o fornecimento para pessoa jurídica de direito público ou delegatária de direito público que presta serviço de iluminação pública, de acordo com legislação específica, observadas as exceções previstas na legislação.
1.3. Objeto
O objeto da relação entre distribuidora e consumidor cativo é, primordialmente, o fornecimento físico de energia elétrica e a venda de lastro de energia, como pontuado diversas vezes ao longo do presente estudo. Importante salientar que a conta de luz emitida mensalmente é resultado da multiplicação da tarifa aplicável à classe, subgrupo, categoria, subcategoria, conforme o caso, a que o consumidor pertence, pelo consumo apurado ao longo do mês ao qual a tarifa se refere.
Para fins de apurar o consumo de cada um dos consumidores atendidos, as distribuidoras instalam junto às instalações dos consumidores um medidor de consumo. O medidor apura a quantidade de energia consumida no tempo e a esse registro se dá o nome de “curva de carga”. A curva de carga de cada consumidor varia, sendo que em se tratando de categorias distintas, a variação identificada é ainda maior.
Tendo em vista que as distribuidoras baseiam a quantidade de energia a ser adquirida no ambiente regulado, na demanda dos consumidores cativos por ela atendidos, o acompanhamento da curva de carga é essencial ao seu planejamento. Isso porque, como visto, a distribuidora, sob pena de aplicação de penalidades, tem a obrigação de contratar energia suficiente para atender a todos os consumidores cativos localizados em sua área de concessão. Em comparação com o mercado livre, verifica-se que nem consumidor nem distribuidora podem determinar o montante de energia a ser adquirido. Ele sempre corresponderá ao montante consumido pelo consumidor cativo e registrado no medidor
instalado pela distribuidora.
Cabe destacar que em razão disso, caso um consumidor cativo, preencha os requisitos determinados pela legislação, e tenha interesse em migrar para o mercado livre, ele deverá avisar sua intenção à distribuidora com a anterioridade determinada pela legislação. Na mesma linha, caso um consumidor livre deseje voltar ao mercado cativo, deve avisar a distribuidora com antecedência mínima de cinco anos, de modo que a distribuidora possa adotar todas as providências necessárias para tanto.
CONCLUSÕES PRIMEIRA PARTE
Por todo o exposto, foi possível verificar que a comercialização de energia elétrica no ambiente livre e no ambiente regulado, por meio da celebração de CCEALs e CCEARs, conforme o caso, possuem semelhanças e diferenças. Compartilham o mesmo objeto, qual seja, a comercialização de energia na forma de lastro, e há certa compatibilidade com relação à legislação aplicável às relações entre compradores e vendedores, tendo em vista as várias normas aplicáveis, genericamente à comercialização de energia elétrica. Um exemplo disso, são as Regras e Procedimentos de Comercialização da CCEE e a Convenção de Comercialização, que contém disposições aplicáveis a ambos ambientes.
Não obstante é certo que ainda com relação à legislação aplicável, verificou-se que as operações de compra e venda de energia no ambiente regulado estão sujeitas a uma regulamentação muito mais ampla e restritiva que as realizadas no ambiente livre. Como consequência, no ambiente regulado, não existe liberdade negocial enquanto que, no ambiente livre, o interesse das partes prevalece, a medida que podem negociar todas as condições aplicáveis à compra e venda. No ambiente regulado, as partes devem observar e atuar de acordo com o disposto na legislação, sendo que não há ingerência de suas respectivas vontades sequer na definição dos volumes de energia a serem contratados ou das partes com quem desejam contratar.
Nesse ambiente, aos vendedores cabe, apenas e tão somente, a decisão sobre participar ou não do leilão, e a oferta de um preço dentro do limite máximo estipulado pelo MME. A distribuidora, da mesma forma, não tem ingerência sobre qualquer condição. Nem mesmo sobre a participação ou não do leilão, que é compulsória se verificada a necessidade de compra de energia para atendimento total da carga dos consumidores cativos localizados em sua área de concessão. Em se tratando de CCEAR, a contratação de energia no ambiente regulado depende da realização de um leilão pela ANEEL ou pela CCEE por delegação da agência reguladora. Já
no ambiente livre, a contratação de energia depende apenas de negociação das partes e do respectivo registro do Contrato na CCEE.
Outra importante diferença entre os CCEARs e os CCEALs é relacionada às partes envolvidas na relação comercial em um e no outro. Nos CCEARs, apenas distribuidoras podem figurar como compradoras, enquanto que como vendedores, podem figurar os agentes de geração, os comercializadores e os importadores de energia, observadas as especificidades determinadas na legislação. Importante destacar que, como detalhadamente abordado nesta primeira parte, a possibilidade de participação dos agentes vendedores mencionados varia de acordo com o tipo de leilão. Os comercializadores, por exemplo, apenas podem participar de leilões de energia existente.
Nos CCEALs, por outro lado, podem figurar como vendedores os agentes de geração e de comercialização, inclusive os importadores e exportadores de energia, observados os requisitos estabelecidos na regulamentação aplicável. As distribuidoras e os consumidores livres/especiais também podem figurar como vendedores, excepcionalmente, em caso de excedente de energia, mas nunca atuando como comercializador de energia. É dizer, estes dois últimos não podem adquirir, intencionalmente, energia excedente, a fim de revende-la especulativamente. Como compradores, podem figurar os agentes geradores, comercializadores, consumidores livres e especiais.
A despeito das diferenças com relação as partes que figuram em um ou em outro contrato, existe uma semelhança entre eles: a necessidade de comprador e vendedor serem agentes da CCEE. No site da CCEE, consta tabela comparativa do ambiente livre e do ambiente regulado:
Pontuadas as principais semelhanças e diferenças entre os CCEARs e os CCEALs, também foi possível verificar que, a comercialização de energia, no ambiente livre e no ambiente regulado, é completamente diferente da venda de energia pela distribuidora ao consumidor cativo. Nesse caso, o objeto e legislação aplicável são totalmente distintos dos relativos às operações realizadas nos ambientes livres e regulados.
A distribuidora tem uma série de obrigações perante o consumidor cativo. A obrigação principal, objeto de referida relação, é o fornecimento físico de energia elétrica. Contudo, como esclarecido, existem outras obrigações que devem ser cumpridas pela distribuidora. A venda de lastro de energia, com o repasse do valor dispendido pela distribuidora no mercado regulado, é uma delas. Além desta, também cumpre mencionar, a obrigatoriedade de manutenção e expansão do sistema de distribuição, de modo a garantir a qualidade e continuidade da prestação do serviço de fornecimento.
Ainda que a distribuidora seja responsável pela venda de lastro ao consumidor cativo, não é possível qualificar esta atividade como comercialização de energia. O montante de energia vendido é apurado com base no consumo do cliente, medido de acordo com o equipamento de medição instalado pela distribuidora local em suas dependências. O preço representa o repasse do custo que a distribuidora dispendeu no mercado regulado para aquisição do lastro, e integra a tarifa por ela cobrada.
35 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxx_xxxxxxx/xxxx-xxxxxxxxxx/xxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxx- regulado?_afrLoop=344639049232612&_adf.ctrl- state=10d2j08f5n_1#!%40%40%3F_afrLoop%0X000000000000000%26_adf.ctrl-state%3D10d2j08f5n_5
Assim, com relação ao objeto, verifica-se que enquanto no mercado livre e regulado o objeto da relação entre compradores e vendedores é a venda de lastro de energia, no mercado cativo o objeto da relação entre distribuidora e consumidor cativo envolve não só a venda de lastro, mas principalmente o fornecimento físico da energia elétrica. Ainda a este respeito, verifica-se que no mercado cativo o pagamento pela energia (na forma de lastro e física) ocorre sempre após o consumo, tendo em vista que o consumo precisa ser apurado para que a distribuidora possa aplicar a tarifa e emitir a conta de luz. No mercado livre, é possível adquirir energia independentemente do consumo, e no mercado regulado, a comercialização é feita com base na previsão de consumo, dos consumidores cativos atendidos pela distribuidora.
Importante consignar, ainda, que o objeto da relação entre distribuidora e consumidor cativo se trata de um serviço público. Já o objeto dos CCEARs e dos CCEALs, não. Isso porque, a comercialização de lastro de energia elétrica é considerada atividade competitiva. As distribuidoras tem obrigação de atender os usuários localizados em sua área de atuação, mas no âmbito do mercado livre e do mercado regulado, as vendedoras não são obrigadas a comercializar energia. A comercialização de energia no mercado livre depende de negociação entre as partes e no mercado regulado, depende da participação do vendedor no leilão realizado para aquisição de energia pelas distribuidoras. Desse modo, esta questão impacta diretamente as responsabilidades de cada parte no âmbito de referidas relações, assim como a legislação aplicável.
A legislação aplicável à relação entre distribuidora e consumidor cativo é distinta da aplicável aos CCEARs e dos CCEALs porque as relações advindas destes dois últimos contratos tem caráter privado, enquanto que a relação entre distribuidora e consumidor cativo tem caráter consumerista. No CCEAL a relação é bilateral, não havendo vulnerabilidade de uma parte com relação à outra. No CCEAR, apesar de o contrato ser de adesão, o vendedor tem liberdade de optar por participar ou não do leilão e, participa do mesmo, ciente de todas as condições comerciais do contrato que são impostas tanto a ele quanto à distribuidora. Assim, os contratos no mercado livre e no mercado regulado são regidos pelo direito civil.
Outra grande diferença entre eles são as partes que fazem parte da relação. Na relação entre distribuidora e consumidor cativo, participam apenas a distribuidora local e os consumidores alocados em sua área geográfica de atuação. No ambiente livre e no ambiente regulado, por outro lado, não participam consumidores cativos.
A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica, aponta algumas diferenças entre os consumidores cativos e os consumidores livres, a fim de demonstrar, para os consumidores potencialmente livres, os benefícios advindos da migração para o ambiente de
contratação livre. Entre os benefícios a associação aponta: (i) preços mais baixos, com uma economia em torno de 23% (vinte e três por cento) com relação ao preço pago às distribuidoras;
(ii) possibilidade de opção por energia limpa, uma vez que os consumidores, ao migrarem, têm o poder de escolha sobre o vendedor de quem desejam adquirir energia; (iii) possibilidade de aquisição de energia de acordo com as necessidades do consumidor; entre outros.
SEGUNDA PARTE - OS IMPACTOS DA ABERTURA DO MERCADO PARA LIVRE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
A abertura do mercado para livre comercialização, implica na redução do limite de tensão e carga, estipulado pela legislação, para que um consumidor cativo possa se tornar um consumidor livre. Apesar de o debate acerca da redução deste limite ter se intensificado nos últimos anos, não se trata de um tema novo para o setor de energia elétrica. Isso porque, desde a concepção do projeto RESEB, discute-se a criação de um livre mercado.
Naquela época, propunha-se a existência de um mercado, totalmente livre, que permitisse e incentivasse a competição na comercialização de energia elétrica. Contudo, como abordado anteriormente, esta implantação foi apenas parcial e, como se sabe, o mercado atual é apenas parcialmente livre.
Desde então, a discussão acerca da abertura do mercado tem períodos de intensificação e de dormência, não obstante, atualmente trata-se de uma das principais questões atinentes ao setor elétrico. Tendo isso em vista, a presente parte apresentará e analisará as propostas existentes para abertura, assim como os eventuais impactos, que poderiam ser causados pela abertura do mercado, para livre comercialização de energia elétrica.
TÍTULO I - PROPOSTAS DE ABERTURA
A Lei 9.074/95, desde sua edição, propunha, em seu artigo 15, um cronograma de redução do limite de tensão e carga para que um consumidor cativo possa se tornar um consumidor livre e, assim, abertura gradual do mercado. De acordo com a redação original, o cronograma ali estabelecido determinava expressamente a redução a partir do quinto ano após edição da lei. A partir do oitavo ano da edição da lei, contudo, a lei atribuía ao Poder Concedente a faculdade de diminuir o limite estabelecido.
Em 1998, com a edição da Lei 9.648/98, permitiu-se que a compra de energia, no mercado livre, por consumidores livres, fosse realizada não só junto a produtores independentes, como também junto a concessionários permissionários ou autorizados de energia elétrica do sistema interligado. Esta alteração, apesar de não ter significado a ampliação do mercado livre, permitiu o aumento da competição em referido ambiente. Em 2016, por sua vez, com a Lei nº 13.360/2016, foi incluído um novo parágrafo ao artigo 15, reduzindo o limite originalmente estipulado, a partir de 1º de janeiro de 2019.
Entre a edição da Lei 9.074/95 e 2017, foram propostos dois projetos de lei que, atualmente, ainda se encontram em trâmite no Congresso. Ambos, que serão apresentados na presente parte, propunham, entre outras medidas, a redução dos limites para contratação de energia no mercado livre. Além disso, conforme também será abordado, apesar de não preverem expressamente a completa extinção dos limites, estabelecem uma data a partir da qual o Poder Concedente deverá estudar a viabilidade da abertura total do mercado e, assim, um plano para extinção dos limites.
Apesar da propositura dos dois projetos de lei mencionados, pouco se evoluiu nesse sentido até 2018. Em 2017, a discussão sobre a redução se intensificou mais uma vez. Em razão disso, o MME abriu a consulta pública 33, para debate acerca de medidas legais que viabilizassem o futuro do setor elétrico com sustentabilidade a longo prazo. Entre as medidas propostas, naquela oportunidade, estava a redução dos limites para contratação de energia no mercado livre. Referida consulta também será analisada com detalhe na presente parte.
Em dezembro de 2018, por meio da Portaria 514/2018, o Ministério de Minas e Energia estabeleceu um novo cronograma de diminuição do limite para contratação de energia elétrica. Referida portaria, atualmente em vigor, estabelece a redução do limite de carga para superior ou igual a 2.500kW, a partir de julho de 2019, e a redução do limite de carga para 2.000kW, a partir de 1º de janeiro de 2020. Em ambos os casos, para consumidores atendidos em qualquer tensão.
Desde então, a temática da redução dos limites, continua entre os principais tópicos em discussão no setor. Aliado a isso, o Poder Concedente tem sido pressionado para dar continuidade à redução dos limites de modo a permitir a portabilidade da conta de luz. Instituições como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP, e a Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica – ABRACEEL apoiam a redução, reconhecendo, entre outras vantagens, a potencial economia na conta de luz, que a migração para o mercado livre traria para os consumidores.
Em razão disso, recentemente, a fim de entender os anseios da coletividade, mas principalmente do setor, com relação ao assunto, o Ministério de Minas e Energia abriu duas novas consultas públicas, envolvendo assuntos relacionados à redução. A consulta 76/2019, já encerrada, teve como intuito recebimento de comentários e contribuições sobre proposta de representação obrigatória, dos consumidores recém migrados para o ambiente livre, por um novo tipo de agente do setor, denominado “Comercializador Varejista”. A consulta 77/2019, por sua vez, tem como objetivo o recebimento de comentários e contribuições, proposta de alteração da Portaria 514/2019, para nova redução dos limites de carga e tensão para migração
ao mercado livre. Ambas consultas serão abordadas no próximo item em detalhe, quando abordada a consulta pública 33, que, como se verá, também estudou alterações nesse sentido.
CAPÍTULO 1 - CONSULTA PÚBLICA Nº 33 DE 2017
A consulta pública 33/2017, atualmente concluída, foi aberta pelo Ministério de Minas e Energia, para recebimento de comentários e contribuições da sociedade. Referida consulta tinha por objeto proposta de medidas legais, que tinham como finalidade viabilizar o futuro do setor elétrico, com sustentabilidade a longo prazo, e aprimorar o marco legal do setor elétrico. Entre os temas discutidos em referida consulta, estava, justamente, a temática de redução dos limites de acesso ao mercado livre.
A proposta objeto da consulta define um novo cronograma para redução de limites e abertura gradual do mercado livre. As disposições ali contidas, preveem a redução da carga de forma que a todos os consumidores do Grupo A, incluindo assim, a alta e média tensão de fornecimento, fosse permitida a escolha de migrar para o mercado livre (grandes indústrias e comércios de porte médio). Ainda de acordo com o proposto, o Poder Concedente deverá, até 31 de dezembro de 2022, realizar estudos para a abertura do mercado livre para baixa tensão. De modo que seja verificada, assim, a viabilidade de eliminar todo e qualquer limite para adentrar ao livre mercado livre.
Também foi objeto da proposta obrigatoriedade de representação, por agente varejista, de consumidores migrados para o mercado livre. Referida definição tem como intuito, nos termos da proposta, garantir maior segurança e menor custo de transação, bem como maior eficiência e sustentabilidade do mercado de energia.
Como resultado da consulta pública 33, foi consolidada uma minuta de projeto de lei, contemplando todas as alterações até 09 de fevereiro de 2018. O projeto, ainda pendente de propositura no Congresso, conta com propostas de alterações aos artigos 15 e 16 da Lei 9074/95:
Art. 15. [...]
§ 7º-A. A partir de 1º de janeiro de 2021, o Ministério de Minas e Energia poderá reduzir a obrigação de contratação de que trata o § 7º a percentual inferior à totalidade da carga.
Art. 16. É de livre escolha dos consumidores, cuja carga seja igual ou maior que 3.000 kW, atendidos em qualquer tensão, o fornecedor com quem contratará sua compra de energia elétrica.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, o requisito mínimo de carga de que trata o caput fica reduzido a 2000 kW.
§ 2º A partir de 1º de janeiro de 2021, o requisito mínimo de carga de que trata o caput fica reduzido a 1000 kW.
§ 3º A partir de 1º de janeiro de 2022, o requisito mínimo de carga de que trata o caput fica reduzido a 500 kW.
§ 4º A partir de 1º de janeiro de 2024, o requisito mínimo de carga de que trata o caput fica reduzido a 300 kW.
§ 5º A partir de 1º de janeiro de 2026, não se aplica o requisito mínimo de carga de que trata o caput para consumidores atendidos em tensão igual ou superior a 2,3 kV.
§ 6º Aplicam-se as disposições deste artigo aos consumidores de que trata o art. 15. Art. 16 – A [...]
§ 4º Até 31 de dezembro de 2022, o Poder Executivo deverá apresentar plano para extinção integral do requisito mínimo de carga para consumidores atendidos em tensão inferior a 2,3 kV, que deverá conter, pelo menos:
I - ações de comunicação para conscientização dos consumidores visando a sua atuação em um mercado liberalizado;
II - proposta de ações para aprimoramento da infraestrutura de medição e implantação de redes inteligentes, com foco na redução de barreiras técnicas e dos custos dos equipamentos; e
III - separação das atividades de comercialização regulada de energia, inclusive suprimento de última instância, e de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica. [...]
Ante o trecho transcrito, verifica-se que a Portaria 514/2018 do Ministério de Minas e Energia já dispôs acerca da redução estabelecida no parágrafo 1º do artigo 16 acima. Não obstante, a proposta da lei, reduz significativamente os limites estabelecidos. Além disso, estabelece obrigação e não faculdade, conforme redação original estabelecia ao Poder Concedente, de apresentar plano para extinção integral do requisito mínimo de carga.
Ainda entre as alterações à Lei 9.074/95 propõe-se a inclusão do artigo 16-A, que dispõe acerca da obrigatoriedade de representação por agente varejista, para consumidores livres que migraram do mercado cativo, com carga inferior a 1000kW. Inclusive, referida disposição cria uma nova categoria de consumidor livre, qual seja o consumidor varejista:
Art. 16-A. A partir de 1º de janeiro de 2021, no exercício da opção de que trata este artigo, os consumidores com carga inferior a 1000 kW serão representados por agente comercializador de energia elétrica perante a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, de que trata o art. 4º da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004.
§ 1º Os consumidores com carga inferior a 1.000 kW serão denominados consumidores varejistas.
§ 2º Os agentes que representam os consumidores com carga inferior a 1.000 kW perante a CCEE serão denominados de agentes varejistas.
Apesar de a proposta não ser mais passível de contribuições, no site do Ministério de Minas e Energia é possível acessar todo o conteúdo disponível a respeito da consulta pública
33. Desde a minuta compilada do projeto de lei, como também todas as contribuições realizadas ao longo da consulta, com a respectiva indicação do autor, podem ser acessadas.
Realizadas as considerações a respeito da consulta pública 33, é imprescindível mencionar as propostas contidas nas duas recentes consultas abertas pelo Ministério de Minas
e Energia, quais sejam, a consulta pública 76/2019 e a consulta pública 77/2019. Como mencionado, o período de contribuições à consulta 76/2019 está encerrado. Esta consulta teve como objeto a proposta de representação obrigatória de determinados consumidores livres por comercializador varejista.
Entre os documentos disponíveis para acesso, encontra-se a proposta de decreto que foi objeto da consulta pública. Referido decreto, basicamente repete o caput do artigo 16-A que a consulta pública 33 pretendia incluir, por meio de projeto de lei, à Lei 9.074/95. Todavia, nesse caso, a alteração é proposta ao artigo 4º do Decreto 5.177/2004, com a inclusão de três novos parágrafos:
§ 4º A partir de 1º de janeiro de 2020, os consumidores, detentores de carga total inferior ou igual a 1 MW, deverão ser representados, para efeitos de contabilização e liquidação, pelo comercializador varejista.
§ 5º Os consumidores que até 31 de dezembro de 2019 tenham aderido à CCEE não serão atingidos pelo disposto no § 4º.
§ 6º Caso o consumidor disposto no § 5º opte por ser representado, conforme disposto no § 4º, essa opção será irretratável.
Apesar da similaridade das disposições, e de que, no caso da minuta final de projeto de lei originária da consulta pública 33, constou disposição determinando a obrigatoriedade de representação por comercializador varejista a consumidores livres com carga inferior ou igual a 1 MW ou 1.000kW, é certo que, por ocasião da consulta pública 76, muitos foram os posicionamentos contrários à obrigatoriedade de representação.
Grande parte das contribuições disponibilizadas no site do Ministério de Minas e Energia, defendem que a representação por comercializador varejista seja facultativa. De acordo com algumas delas, a necessidade de representação afetaria negativamente a competitividade do mercado livre. Além disso, outras alegam que a obrigatoriedade de representação seria contrária à liberdade pressuposta ao ambiente de contratação livre. Isso porque, os consumidores ligados ao comercializador varejista estariam obrigados a adquirir energia deste e, assim, não gozariam da liberdade inerente ao mercado livre e não teriam a garantia de que o preço praticado pelo comercializador é de fato mais vantajoso do que os demais preços praticados no mercado.
Insta consignar, porém que a figura do comercializador varejista já existe desde 2013, com a edição da Resolução Normativa ANEEL 570/13. Contudo, não existe a obrigatoriedade de representação. Apesar disso, a discussão sobre a obrigatoriedade de representação demonstrou que para que seja viável o estabelecimento desta exigência, existem uma série de questões que devem ser esclarecidas e resolvidas pela legislação. Como exemplo: (i) se, em
caso de inadimplemento de consumidor varejista, o comercializador poderá desliga-lo do mercado livre, fazendo-o retornar para o mercado cativo ou se será necessária a propositura de ação específica para tanto; ou (ii) em caso de o comercializador varejista encerrar suas atividades ou for forçado a tanto, o que ocorre com os consumidores a ele vinculados, entre outros pontos.
A consulta 77/2019, em seu turno, tem como objeto, proposta de alteração da Portaria 514/2019, para nova redução dos limites de carga e tensão para migração ao mercado livre. Esta consulta, que permanecerá aberta para contribuições até 07 de setembro de 2019, estabelece nova proposta de cronograma para redução dos limites de carga e tensão para migração de consumidores cativos ao mercado livre. A consulta apresenta a proposta de uma nova portaria, prevendo a inclusão de quatro novos parágrafos à Portaria 514/2019:
§ 3º A partir de 1º de janeiro de 2021, os consumidores com carga igual ou superior a
1.500 kW, atendidos em qualquer tensão, poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional.
§ 4º A partir de 1º de julho de 2021, os consumidores com carga igual ou superior a
1.000 kW, atendidos em qualquer tensão, poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional.
§ 5º A partir de 1º de janeiro de 2022, os consumidores com carga igual ou superior a 500 kW, atendidos em qualquer tensão, poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional.
§ 6 º Até 31 de janeiro de 2022, deverão ser realizados estudos sobre as medidas regulatórias necessárias para permitir a abertura do mercado livre para os consumidores com carga inferior a 500 kW, incluindo o comercializador regulado de energia e proposta de cronograma de abertura iniciando em 1º de janeiro de 2024.
Referida proposta, apesar de diferir em alguns pontos da trazida pelo projeto de lei produto da consulta pública 33, muito se assemelha a ela. Até o momento, apenas uma contribuição foi recebida, de autoria da Confederação Nacional da Indústria que, em resumo defende:
A CNI considera que a melhor maneira de ampliar o mercado livre é de forma gradual e prudente, sem a dependência de subsídios, garantindo a devida avaliação de seus resultados e a flexibilidade para proceder os ajustes necessários. Defende a expansão do mercado livre de forma sustentável, evitando onerar segmentos específicos e, ainda, alocando de forma justa os compromissos de reposição de encargos tarifários. Finalizando, entendemos a ampliação do mercado livre trará maior competitividade ao setor elétrico, estimulando a concorrência, criando novos produtos e serviços, melhorando o atendimento comercial dos consumidores e estimulando a utilização das fontes renováveis mais competitivas.
Apresentadas as propostas discutidas por meio das consultas públicas, promovidas pelo Ministério de Mias e Energia, nos últimos anos, o próximo item abordará os projetos de lei, atualmente em trâmite no Congresso.
CAPÍTULO 2 - PROJETOS DE LEI EM TRÂMITE
Atualmente, existem dois projetos de lei em trâmite de aprovação, que pretendem ampliar a redução dos limites para migração, por consumidores cativos, ao ambiente de contratação livre. O primeiro deles, o Projeto de Lei 1.917/2015, de autoria dos Deputados Federais Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e outros, foi apresentado perante a Câmara dos Deputados em 15 de junho de 2015. A ementa de referido projeto esclarece:
Dispõe sobre a portabilidade da conta de luz, as concessões de geração de energia elétrica e a comercialização de energia elétrica, altera as Leis n. 12.783, de 11 de janeiro de 2013, 10.848, de 15 de março de 2004, 10.847, de 15 de março de 2004,
9.648, de 27 de maio de 1998, 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Medida Provisória n. 2.227, de 4 de setembro de 2001, e dá outras providências.
Entre as alterações propostas por referido projeto, especificamente no que se refere à redução dos limites, está a revogação dos artigos 15 e 16 da Lei 9.074/95 e sua consequente substituição pelo disposto no artigo 17 do projeto de lei em questão. O artigo 17, estabelece um novo cronograma para redução dos limites, que iniciava a partir de janeiro de 2016:
§ 1º A opção pela contratação do fornecimento de energia elétrica de que trata o caput passará a observar somente os seguintes requisitos de elegibilidade por parte dos consumidores:
I – 2.000 kW (dois mil quilowatts) de montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2016;
II – 1.000 kW (mil quilowatts) de montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2017;
III – 500 kW (quinhentos quilowatts) de montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2018; e
IV – enquadramento como unidade consumidora do Grupo A, para qualquer montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2020.
§ 2º A fim de atingir os requisitos mínimos de montante de uso contratado definidos no § 1º, os interessados podem reunir-se em conjunto de consumidores que comunguem interesses de fato ou de direito.
O projeto também propõe em seu artigo 18, alterações aos requisitos de elegibilidade definidos na Lei 9.427/96, especificamente para os consumidores que se enquadrem no parágrafo 5 do artigo 26. Nestes termos, reduz o limite de carga para consumidores que podem
adquirir energia de empreendimentos de geração com potência igual ou inferior a 5.000kW (potencial hidráulico) e daqueles com base em fontes solar, eólica e biomassa, cuja potência injetada nos sistemas de distribuição ou transmissão seja menor ou igual a 50.000kW:
Art. 18. Os requisitos de elegibilidade para os consumidores enquadrados no § 5º do art. 26 da Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, passarão a ser definidos por esta Lei.
§ 1º Os requisitos de elegibilidade referidos no caput serão:
I – 300 kW (trezentos quilowatts) de montante de uso contratado, a partir da data de publicação desta Lei;
II – 200 kW (duzentos quilowatts) de montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2016;
III – 100 kW (cem quilowatts) de montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2017; e
IV – enquadramento como unidade consumidora do Grupo A, para qualquer montante de montante de uso contratado, a partir de 1º de janeiro de 2018.
§ 2º O atendimento dos requisitos de montante de uso contratado estabelecidos no § 1º poderá ser feito mediante conjunto de consumidores reunidos por comunhão de interesses de fato ou de direito.
Ainda, nos artigos 19 e 20, estabelece:
Art. 19. A partir de 1º de janeiro de 2020, os consumidores responsáveis por unidades consumidoras enquadradas no Grupo B poderão contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN que comercialize energia elétrica proveniente de empreendimento de geração enquadrado no § 5º do art. 26 da Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996.
Art. 20. A partir de 1º de janeiro de 2022, os consumidores responsáveis por unidades consumidoras enquadradas no Grupo B poderão contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN.
De acordo com a justificação do projeto de lei 1.917, o propositor esclarece que no parágrafo 3º do artigo 15 da Lei 9.074/95, restou comando expresso para que os limites de acesso ao mercado livre fossem revistos a partir de 2003. Tendo isso em vista, o projeto propõe, a partir de 2022, a abertura total do mercado de energia, dado o grau de consolidação que o mercado atingiria, assim como o desenvolvimento das relações comerciais no período de transição sugerido.
É certo, contudo, que com o transcorrer o tempo e a não aprovação do projeto até o momento, que ainda deve percorrer um longo caminho até sua eventual sanção, não é mais possível manter o cronograma de transição. Para efetividade do projeto e transição segura da eliminação dos limites, é imprescindível rever os prazos estabelecidos até a abertura total. Também certo é que, como será abordado nos seguintes capítulos, ainda existem inseguranças a respeito da abertura total do mercado livre. Inclusive, muitos agentes do setor defendem um
estudo mais aprofundado, uma vez que entendem que a abertura total não é viável se não acompanhada de alterações adicionais, a fim de manter o incentivo e criar mecanismo de subsídio à expansão da oferta de energia no setor elétrico.
Outro projeto de lei em trâmite perante a Câmara dos Deputados, é o 3.155/2019, apresentado pelo Deputado Federal Xxxx Xxxxxxx em 28 de maio de 2019. Este projeto, que foi apensado ao 1.917/2015, propõe alterações à Lei 9.074/95 a fim de estabelecer a livre escolha por consumidores, atendidos em qualquer tensão, do fornecedor com quem contratará sua compra de energia elétrica. Referido projeto de lei, desconsidera a necessidade de estudos que o próprio setor elétrico, por sua natureza, demanda, tratando a questão da livre comercialização de forma simplista, sem considerar os riscos que uma abertura total e imediata poderia trazer. Mesmo os especialistas do setor, que têm interesse na redução dos limites e na ampliação da competitividade do mercado, compreendem que uma abertura imediata seria inviável.
O projeto de lei 232/2016, tramita perante o Senado Federal. De autoria do Senador Xxxxxx Xxxxx Xxxx, dispõe sobre o modelo comercial do setor elétrico, a portabilidade da conta de luz e as concessões de geração de energia elétrica e dá outras providências. No tocante à portabilidade da conta de luz, propõe, basicamente, a mesma solução proposta no projeto de lei 1.917/2015. Em seus artigos 16, 17, 18 e 19, difere basicamente, com relação às datas propostas para a abertura gradual. Não obstante, da mesma forma que o outro projeto mencionado, também propõe que a redução gradual culmine na abertura total do mercado livre, com uma única diferença: que a abertura total ocorra em 2023.
CAPÍTULO 3 - SITUAÇÃO ATUAL DAS PROPOSTAS
A lei 9.784/99, que instituiu as consultas públicas como mecanismo de interlocução entre a Administração Pública e a sociedade civil, não estabelece, com relação ao procedimento adotado, o que deve ser feito, pelo ente governamental, após encerrada a consulta. Apesar de ser mecanismo de participação popular, através da manifestação de contribuições a respeito de determinadas propostas, para que a Administração Pública tenha percepção da opinião pública, não é um procedimento vinculativo. É dizer, não determina que o ente governamental deve levar em conta a vontade manifestada pela sociedade ou que devam ser apresentados perante o Congresso, pela autoridade competente, os Projetos de Lei, de Decreto ou mesmo editadas as Portarias, objeto de discussão durante referidas consultas.
Em razão disso, bem como em razão das eleições no fim de 2018 e consequente alteração do Presidente da República, o projeto de lei produto da consulta pública 33 não foi,
até o momento, apresentado por autoridade competente perante o Congresso. Isso não significa, contudo, que nenhuma proposta similar foi discutida pelo atual Governo, pelo contrário. Em atenção aos anseios do setor e da coletividade, em linha ao que foi discutido durante a consulta pública 33, é que o Ministério de Minas e Energia reabriu as discussões atinentes à portabilidade da conta de luz durante a consulta pública 77. Como visto, referida consulta continua aberta para contribuições. A despeito disso, a proposta ora em análise muito se aproxima com o proposto no projeto de lei produto da consulta pública 33.
Com relação aos projetos de lei, especificamente o 1.917/2015, pouco se evoluiu desde sua propositura. De acordo com os dados de tramitação constantes do site da Câmara, após 2015, houve uma movimentação em maio de 2017 e, após isso, algumas movimentações em 2018, com a propositura de várias emendas. Contudo, desde julho de 2018 não havia nenhuma movimentação, até que em 31 de janeiro de 2019, foi arquivado nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Ocorre que, em 27 de fevereiro do mesmo ano, ele foi desarquivado, nos termos do mesmo artigo, em 26 de junho de 2019, foi a ele apensado o projeto de lei 3155/2019 e, em 13 de agosto de 2019, foi requerida sua tramitação em regime de urgência. Atualmente, o projeto aguarda constituição de comissão temporária pela Mesa.
Por fim, com relação ao projeto de lei 232/2016, que tramita no Senado Federal, tem-se que entre sua apresentação e novembro de 2018, poucas foram as movimentações. A partir de novembro de 2018, as movimentações se intensificaram sendo aprovado por algumas das comissões constituídas para sua avaliação. Em 09 de julho de 2019, foi aprovado requerimento para realização de audiência pública de instrução do projeto, propondo a presença de representantes: do MME; da ANEEL, da FASE - Fórum de Associações do Setor Elétrico; do IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; do Instituto Acende Brasil; da APINE - Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica; da ABRAGEL - Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa; da ABRACEEL – Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia; da ABRACE - Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres; da ABRADEE - Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica; da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica; da ABSOLAR - Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica; da ABRAPCH - Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétrica e Centrais Geradoras Hidrelétricas; da ABRAGET - Associação Brasileira Geradoras Termelétrica; e do TCU - Tribunal de Contas da União.
A audiência pública foi realizada em 13 de agosto de 2019 sendo juntados, na oportunidade, ao projeto, a pauta e o resultado da audiência. Em 14 de agosto de 2019, em 20
de agosto de 2019 e em 22 de agosto de 2019 foram realizadas novas audiências públicas e, nas mesmas datas, juntados ao projeto, as respectivas pautas e resultados das audiências. Por ora, o projeto está em tramitação, mas continua sobrestado em razão das audiências públicas solicitadas.
TÍTULO II - IMPACTOS DA ABERTURA
Apresentadas as propostas de abertura atualmente em discussão, cumpre essencial ao presente estudo, analisar os eventuais impactos, que podem ocorrer em decorrência da abertura do mercado de energia para livre comercialização. Assim sendo, o presente título discutirá este assunto, sob três abordagens: (i) a migração dos consumidores cativos e potencial extinção do mercado cativo; (ii) a aplicabilidade do código de defesa do consumidor aos consumidores migrados; e (iii) os consumidores livres e o conceito de consumidor.
CAPÍTULO 1 - MIGRAÇÃO DOS CONSUMIDORES CATIVOS E POTENCIAL EXTINÇÃO DO MERCADO CATIVO
Como visto, parte dos contratos celebrados no âmbito do ambiente regulado, são decorrentes de leilões de energia elétrica proveniente de novos empreendimentos. Estes contratos são utilizados para viabilizar o financiamento junto a bancos, captar investidores, ou qualquer outro método de capitalização, necessário para construção do novo empreendimento de geração, uma vez que conferem segurança com relação à receita futura do empreendimento e, assim, garantia de pagamento/retorno. Deste modo, atualmente, estes contratos são os principais responsáveis por incentivar e permitir a expansão do setor elétrico no Brasil.
Ocorre que, com a redução dos limites para acesso ao mercado livre, e consequente migração de consumidores cativos, a quantidade de energia que as distribuidoras precisam adquirir diminui. Da mesma maneira, a necessidade de leilões para aquisição de energia, reduz, e o preço teto estipulado pelo MME aumenta. Com efeito, em razão do repasse do preço desta energia aos consumidores cativos, as tarifas cobradas neste mercado aumentam, tornando cada vez mais interessante, a migração para o mercado livre.
Ainda, com a redução do número de leilões de energia elétrica proveniente de novos empreendimentos, o incentivo à expansão do setor elétrico reduz. Poucos são os investidores que possuem capital suficiente para bancar, sem a necessidade de financiamento ou empréstimo, a construção de novos empreendimentos de geração. Aliado a isso, apesar de a
falta de incentivo à oferta de energia, é certo que a perspectiva para a demanda, mesmo com a instabilidade econômica em que o país se encontra, é crescente.
Tendo estes fatores em vista, extinguir os limites para acesso ao mercado livre de uma vez só, sem a equalização da demanda versus a oferta, e a busca por uma solução ao incentivo à expansão do setor, em substituição à oferecida pelo mercado regulado, seria irresponsável. Isso porque poderia significar a incapacidade de o setor, na forma como se encontra, suprir a demanda crescente. Nessa linha, na eventualidade desta conjunção de fatores, a abertura total imediata poderia dar origem a um novo apagão, como o que ocorreu em 2001.
A despeito disso, no contexto atual, a superação da oferta pela demanda de energia não é iminente. Até o momento, a situação está controlada, mesmo com a redução gradual dos limites para acesso ao mercado livre. Contudo, o estudo deste aspecto, e a busca por uma solução ao incentivo da expansão, são essenciais para que seja possível a abertura total do mercado para livre comercialização de energia, como almejada por grande parte setor.
CAPÍTULO 2 – OS CONSUMIDORES LIVRES E O CONCEITO DE CONSUMIDOR
Como se sabe, o Código de Defesa do Consumidor tem como finalidade principal a proteção do consumidor, sendo que ele foi criado pelo Congresso Nacional em atendimento ao previsto no artigo 48, do Título X – Ato das Disposições Transitórias, da Constituição Federal. Nesse sentido, em seu artigo 2º, para fins de delimitação da abrangência de sua proteção, o Código de Defesa do Consumidor define a figura jurídica de “consumidor”, versando que este deve ser considerado como“Toda a pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza um produto ou um serviço como destinatário final”.
Não obstante, o legislador, ao editar referida definição, não especificou o que deveria ser entendido pelo termo “destinatário final”. Em razão disso, na tentativa de decifrar a pretensão do legislador ao dispor nesse sentido, a doutrina e o judiciário brasileiro, conforme o caso, desenvolveram três teorias sobre este tema, quais sejam: (i) a “teoria finalista” ou “finalista pura”; (ii) a “teoria finalista mitigada” ou “teoria finalista aprofundada”; e, por fim,
(iii) a “teoria maximalista”.
A teoria finalista pura interpreta o conceito de consumidor sob um ponto de vista mais restritivo do que as demais. De acordo com esta teoria, o destinatário final é aquele que não só tira o bem ou serviço adquirido de circulação, mas que, concomitantemente, interrompe uma cadeia de produção, ou seja, não basta ser o adquirente do produto e utilizá-lo, mas obrigatoriamente deve utilizá-lo para uso próprio, sem explorá-lo sob o ponto de vista
econômico. Mais especificamente, referido bem ou serviço não pode integrar a cadeia de produção do adquirente, ainda que ele seja simplesmente o meio de produção e não objeto de comercialização em si. A título de exemplo, uma companhia de geração de energia hidrelétrica não seria considerada consumidora em uma transação em que ela adquire uma turbina para sua usina hidrelétrica, considerando que a turbina é um dos meios de geração da energia que é comercializada. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicação desta teoria mitigando-a:
REsp 1.210.205/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 01/09/2011, DJe 15/09/2011 - grifou-se) [...] A teoria finalista é, portanto, a preponderante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, mas não a teoria finalista pura, e sim a mitigada, na forma estabelecida no REsp nº 476.428/SC, em que foi Relatora a ilustre Ministra Xxxxx Xxxxxxxx [...]
Por outro lado, a teoria finalista mitigada, a qual foi desenvolvida inicialmente pelo Superior Tribunal de Justiça, como se deduz por seu próprio nome, trata-se de uma mitigação da descrita anteriormente. Assim sendo, sob o ponto de vista doutrinário, observa-se que esta teoria propõe uma perspectiva intermediária entre a teoria finalista e a maximalista. Esta teoria foi desenvolvida pela combinação entre a teoria finalista e o conceito de consumidor equiparado disposto no artigo 29 do Código de Defesa do consumidor, o qual versa que, para fins de aplicação dos Capítulos V e VI de referido diploma, “Praticas Comerciais” e “Proteção Contratual”, respectivamente, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas neles previstas.
Nesse diapasão, referida teoria não discute se o produto ou serviço integra ou não a cadeia de produção do adquirente, sendo que basta ser constatada a existência de alguma vulnerabilidade deste em relação à contraparte (fornecedor, distribuidor, fabricante, prestador de serviço, etc) em referida relação, para que o adquirente deva ser considerado consumidor. Ademais, esta teoria se fundamenta em um dos princípios básicos do Direito do Consumidor, quer seja o Princípio da Vulnerabilidade. Constatada sua existência, o vulnerável deve ser protegido. Atualmente, esta é a teoria preponderantemente utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ.
Por fim, em relação à teoria maximalista, a abordagem do conceito de consumidor é ampliativa em relação às duas anteriormente descritas, de modo que, entende-se que o artigo 2º do Código do Consumidor deve ser interpretado de maneira extensa, sendo que o termo “destinatário final” deve ser interpretado literalmente. Assim, de acordo com o que esta teoria defende, para que determinada pessoa seja considerada consumidor, ela deve adquirir ou utilizar