DECISÃO N.º 6/2011 – SRTCA
DECISÃO N.º 6/2011 – SRTCA
Processo n.º 21/2011
1. Foi presente, para fiscalização prévia da Secção Regional dos Açores do Tribunal de Con- tas, o contrato de aquisição de serviços relativo à elaboração do projecto de remodelação do Convento de Santo André (Sede do Museu Xxxxxx Xxxxxxx), em Ponta Delgada, cele- brado, em 2 de Abril de 2011, entre a Região Autónoma dos Açores, através da Direcção Regional da Cultura, e Xxxxx Xxxxx - Arquitectos, Sociedade Unipessoal, L.da, pelo preço de € 384 700,00, acrescido de IVA.
2. Suscitaram-se, porém, dúvidas quanto à escolha do procedimento pré-contratual.
3. Para além dos factos referidos no ponto 1. relevam, ainda, os seguintes:
3.1. Por despacho do Presidente do Governo, de 24 de Março de 2008, foi autorizada a abertura de concurso limitado por prévia qualificação, tendo em vista o forne- cimento do projecto de execução da remodelação e ampliação, incluindo arqui- tectura e todas as especialidades, do Museu Xxxxxx Xxxxxxx, em Ponta Delgada, o qual inclui o projecto museológico de exposição de carácter permanente, pelo valor global estimado de € 400.000,00, e delegada no Director Regional da Cul- tura, entre outras, a competência para aprovar os elementos que servem de base ao concurso e para praticar todos os actos relativos ao procedimento, com ex- cepção da adjudicação.
3.2. Por despacho do Director Regional da Cultura, de 7 de Abril de 2008, foram aprovados o programa preliminar, o programa do concurso, o caderno de encar- gos e o anúncio.
3.3. No programa preliminar prevê-se, a par da remodelação do edifício pré- existente, a concepção de um novo edifício, de «linguagem arquitectónica con- temporânea», com uma cota máxima de seis metros acima da soleira (valor cor- respondente a dois pisos). A área a ampliar, correspondente ao novo edifício –
– 1 –
com uma área útil de 707 m2 – deveria ocupar parte do actual jardim, destinando- se a «albergar de raiz a função museal»1.
3.4. Os artigos 2.º, 15.º, 21.º e 23.º do programa do concurso têm a seguinte redac- ção:
Artigo 2.º
Tipologia do Concurso
1. O concurso é limitado por prévia qualificação nos termos dos artigos 110.º a 126.º, 164.º a 167.º, 178.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho.
2. O concurso decorre em duas fases:
Primeira – Candidaturas - Pública e não sujeita a anonimato. Nesta fase, os can- didatos apresentarão as suas candidaturas nos termos e condições estabelecidas no processo de concurso, de entre as quais o Júri seleccionará um mínimo de cinco concorrentes que passarão à segunda fase.
Segunda – Propostas - Sujeita a anonimato e limitada aos concorrentes seleccio- nados na primeira fase. Nesta fase, será apresentado um programa base pelos concorrentes seleccionados na primeira fase, elaborado de acordo com o progra- ma preliminar fornecido pela Entidade Promotora, com vista à selecção da me- lhor proposta, para a elaboração do projecto de Remodelação e Ampliação da Sede do Museu Xxxxxx Xxxxxxx, Ponta Delgada – Açores, cujos autores serão incumbidos do respectivo desenvolvimento, nas condições adiante estabelecidas neste programa de concurso.
3. …
Artigo 15.º
Critérios de avaliação das Propostas
1. Os critérios de avaliação e respectivos factores de ponderação das propostas são os seguintes:
a) Cumprimento do Programa Preliminar – 30%;
b) Qualidade da solução arquitectónica – 30%;
c) Qualidade da solução museográfica – 30%;
d) Exequibilidade da solução numa perspectiva equilibrada entre custos de cons- trução e manutenção – 10%.
Artigo 21.º
Propostas com variantes
Não é admitida a apresentação de propostas com variantes.
Artigo 23.º
Apreciação e hierarquização das propostas
1. Não são hierarquizadas as propostas:
a) …
b) …
c) Que sejam consideradas inaceitáveis, por incumprimento das condições estipu- ladas, quer no presente programa, quer no respectivo caderno de encargos, ou por não lhe ser reconhecido valor absoluto2;
1 Pontos 4.1 e 5.1 do Programa Preliminar para a Remodelação e Ampliação da Sede do Museu Carlos Macha- do, em Ponta Delgada – Açores, elaborado em Fevereiro de 2007. A área útil total previsível para implementa- ção do Programa (incluindo, portanto, a área a ampliar), era de 2.407 m2.
2 São possuidoras de valor absoluto as propostas que o júri do concurso entende responderem de forma adequada aos critérios gerais de avaliação definidos (cfr. n.º 13 do artigo 22.º do programa do concurso).
2. …
3.5. O artigo 2.º do caderno de encargos prevê o seguinte:
Artigo 2.º
Desenvolvimento dos trabalhos
Os trabalhos de elaboração do projecto desenvolver-se-ão da seguinte forma:
Concurso – elaboração de solução técnica desenvolvida a nível de programa base; Projecto – elaboração de estudo prévio, anteprojecto e projecto de execução, inclu- indo: Sinalética, Comunicação Gráfica, Plano de Segurança e Saúde, Caderno de Encargos e Programa de Concurso.
Assistência Técnica – a prestar durante a execução da obra.
3.6. Apresentaram-se a concurso 26 candidatos, tendo sido seleccionados 8, os quais foram convidados a apresentar proposta em 23 de Julho de 2008.
3.7. Por despacho do Presidente do Governo, de 2 de Julho de 2009, foi adjudicada a elaboração do projecto a Xxxxx Xxxxx - Arquitectos, Sociedade Unipessoal, L.da, pelo preço de € 416.764,33.
3.8. Do programa base apresentado pelo adjudicatário, destaca-se, de acordo com a memória descritiva:
— A área de exposição permanente é colocada no interior do edifício existente, onde serão feitas pequenas intervenções, como abertura de vãos onde estri- tamente necessário, reabilitação dos soalhos, substituição da rede eléctrica, de saneamento e abastecimento de águas, simbologia e desenho de mobiliá- rio expositivo;
— A zona a ampliar engloba a nova entrada/átrio, cafetaria, situada num piso intermédio com possibilidade de extensão a uma zona de esplanada nos so- calcos do jardim, monta-cargas que liga todos os pisos, novos e antigos, e as áreas técnicas e de serviços (enterradas);
— Ao longo do piso térreo do antigo edifício cria-se uma galeria que faz a tran- sição entre a nova entrada e a área histórica do edifício;
— O jardim é reconfigurado, criando-se dois conjuntos de patamares, um em redor dos edifícios principais, outro, a cotas mais baixas, visa desafogar o edifício proposto; a ligação dos dois conjuntos de patamares é feita pela cri- ação de um novo acesso principal ao museu.
3.9. Por despacho do Director Regional da Cultura, de 11 de Fevereiro de 2010, foi aprovada a reformulação das áreas e espaços a instalar no Convento de Santa André, alterando o programa preliminar3.
3.10. Por despacho do Director Regional da Cultura, de 17 de Agosto de 2010, consi- derando não ser oportuno avançar com a totalidade do investimento, foi decidido
«confinar o projecto de remodelação do Museu Xxxxxx Xxxxxxx, exclusivamente às instalações e construções existentes, prescindido da ampliação contemporânea inicialmente prevista», e convidar o adjudicatário a apresentar proposta, «tendo em vista a redução da área de intervenção, para remodelação do Antigo Conven- to de Santo André, em Ponta Delgada» (Informação n.º INT-DRAC/2010/957).
3.11. O adjudicatário apresentou nova proposta de honorários, correspondente a esta alteração do programa, em 7 de Outubro de 2010.
3.12. Por despacho do Presidente do do Governo, de 18 de Janeiro de 2011, conside- rando que «avaliada toda a intervenção, se entendeu como mais adequado pro- ceder apenas à elaboração do projecto de remodelação», foi adjudicado o forne- cimento deste projecto, a Xxxxx Xxxxx - Arquitectos, Sociedade Unipessoal, L.da, pelo preço de € 384.700,00, e delegada a competência para autorizar a celebra- ção do contrato no Director Regional da Cultura.
3.13. Questionado sobre a «legalidade do acto de adjudicação praticado em 18-01-2011, considerando que o projecto a realizar (remodelação do Convento de Santo André) não corresponde ao que foi submetido à concorrência e avalia- do pelo júri do concurso (remodelação e ampliação do Convento de Santo An- dré)» 4, o Director Regional da Cultura alegou o seguinte5:
(a) O programa preliminar submetido à concorrência e a proposta escolhida pelo júri contemplam dois tipos de intervenções. Uma intervenção mais vasta que compreende a remodelação do edifício existente, com a elaboração do projecto de museografia e sinalética e uma intervenção mais pequena de ampliação do existente. Após a conclusão do concurso, ocorreu a desocupação do torreão do convento, pela associação cultural que o ocupava, e ficou concluída a obra do
3 A área útil total previsível para implementação do Programa passou de 2.407 m2 para 1.800 m2.
4 Ofício n.º UAT I-105, de 29-04-2011.
5 Ofício n.º SAI-DRAC/2011/3418, de 08-06-2011.
recolhimento de Santa Bárbara, o que tornou menos premente a ampliação pre- vista. Deste modo, e tendo em conta as crescentes limitações orçamentais, foi decidido avançar, neste momento, apenas com a parte do projecto respeitante à remodelação do convento e projectos de museografia e sinalética, introduzindo-
-se pequenos ajustes nas áreas previstas no programa preliminar, sem pôr em causa o trabalho vencedor do concurso e as suas principais premissas. Conside- ra-se, por isto, que não é posta em causa a legalidade da decisão.
4. No processo suscita-se exclusivamente uma questão: a de saber se é legalmente admissível a celebração do presente contrato por ajuste directo.
Isto porque, conforme decorre dos factos apresentados, em Março de 2008 foi aberto um concurso limitado por prévia qualificação, tendo em vista a aquisição do projecto de exe- cução da remodelação e ampliação do Convento de Santo André, em Ponta Delgada, onde está instalado o Museu Xxxxxx Xxxxxxx. No entanto, o contrato ora submetido a fiscaliza- ção prévia visa a elaboração do projecto de remodelação deste imóvel, sem abranger a ampliação.
5. A alínea h) do n.º 1 do artigo 86.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, na altura em vigor, permitia o recurso ao ajuste directo, independentemente do valor, «quando o contra- to a celebrar venha na sequência de um procedimento para trabalhos de concepção»6.
Nos procedimentos para trabalhos de concepção, vulgarmente designados por concursos de ideias, pretende-se, fundamentalmente, estimular a criatividade com vista a encontrar a so- lução mais adequada, sob diversos aspectos (conceptual, técnico, artístico, etc.) para um empreendimento ou uma actividade a levar a cabo7.
No caso concreto, os concorrentes seleccionados na primeira fase deveriam, a partir do programa preliminar fornecido pela entidade adjudicante, apresentar um programa base, em função do qual seria seleccionada a melhor proposta para a elaboração do projecto de remodelação e ampliação da sede do Museu Xxxxxx Xxxxxxx. O contrato a celebrar teria, então, por objecto a elaboração do estudo prévio (desenvolvido a partir das soluções apre- sentadas no programa base), do anteprojecto e do projecto de execução.
6 Os trabalhos de concepção, bem como o procedimento pré-contratual destinado a seleccionar estes trabalhos, encontravam-se previstos no Capitulo XI do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho, constando a sua definição do n.º 1 do artigo 164.º.
7 Artigos 164.º a 167.º do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho.
O programa preliminar fornecido aos concorrentes previa a remodelação do edifício exis- tente e uma «ampliação contemporânea, projectada de raiz para a função museal». Qual- quer proposta que não contemplasse estes dois tipos de intervenções seria, de acordo com o previsto no programa do concurso, excluída. Também não eram admitidas propostas com variantes8.
6. Na sequência das alterações introduzidas no programa preliminar posto a concurso e do convite formulado em 2010, o adjudicatário apresentou uma nova proposta de honorários.
Não consta do processo quaisquer alterações ao programa base apresentado pelo adjudica- tário no concurso. Admite-se que, para além do que há a pagar, estará claro no espírito dos contratantes o que haverá a fazer, mas tal não está documentado.
O certo é que o presente contrato, celebrado na sequência daquele convite, abrange apenas a elaboração do projecto de remodelação do edifício existente, alterando significativamente os pressupostos do programa preliminar posto a concurso e do programa base.
Em contraditório, a Direcção Regional da Cultura alegou que a decisão não pôs em causa o trabalho vencedor do concurso e as suas principais premissas, por se verificarem apenas
«pequenos ajustes nas áreas previstas no programa preliminar».
Porém, na proposta inicialmente apresentada pelo adjudicatário, o edifício a construir de raiz, correspondente à ampliação contemporânea, concentra diversas valências, que, por se- rem essenciais ao funcionamento do museu9, terão de ser desenvolvidas na estrutura exis- tente. Tal implicará alterações significativas, quer decorrentes do abandono da ideia da ampliação, quer decorrentes da necessidade de concentrar no edifício actual as funções que, no programa base apresentado a concurso, estavam destinadas para o novo edifício,
8 Nos termos do estipulado na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do programa do concurso, transcrito no ponto 3.4., não são hierarquizadas as propostas consideradas inaceitáveis por incumprimento das condições estipuladas no referido programa do concurso, nas quais se inclui a da apresentação de um programa base elaborado de acordo com o programa preliminar (n.º 2 do artigo 2.º). O artigo 23.º do programa do concurso, impede a apresentação de propostas com variantes.
9 A saber: no Piso Térreo – Átrio, Bilheteira/Informação/Recepção, Bengaleiro e Área Técnica; no Piso Cave-1 – entre outras, Controlo e Segurança, Cargas e Descargas, Armazém de embalagens, Inventário, Câmara de Ex- purgo, Informática, Gabinete dos técnicos, Cafetaria, Cozinha/Copa, Instalações Sanitárias e Oficinas; no Piso Cave-2 – Reserva Etnografia, Reserva História Natural, Casa-forte, Estúdio Fotográfico, Estúdio Áudio, Digita- lização, Arquivo e Monta-Cargas/Circulação.
quer ainda quanto ao que neste documento se previa para a requalificação do jardim, deli- neada de harmonia com o novo edifício.
As alterações são de tal forma significativas que, se um concorrente tivesse apresentado um programa base que não contemplasse a ampliação, a sua proposta não seria aceite, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do programa do concurso, por incumprimento do programa preliminar posto a concurso.
7. Deste modo, como está em causa um objecto diferente daquele que foi lançado a concurso, não poderia ter sido feita a adjudicação por ajuste directo.
Tendo em conta o valor do contrato, e face às demais circunstâncias do caso, deveria ter sido seguido o procedimento de concurso de concepção, agora nos termos dos artigos 219.º e seguintes, do CCP10, por o novo procedimento ter-se iniciado já em 2010, com a decisão de convidar o anterior adjudicatário a apresentar nova proposta. O concurso de concepção reveste a modalidade de concurso público ou concurso limitado com prévia qualificação (n.os 1 e 2 do artigo 220.º do CCP), com publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP, face ao valor do contrato.
A falta de concurso público ou concurso limitado com prévia qualificação, sendo legal- mente exigidos no caso, torna nula a adjudicação e o contrato a que deu origem – o relativo à elaboração do projecto de remodelação do Convento de Santo André –, por preterição de um elemento essencial, nos termos do n.º 1 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 2 do artigo 284.º do CCP.
A nulidade constitui fundamento de recusa de visto, nos termos da alínea a) do n.º 3 do ar- tigo 44.º da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto.
10 Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro. O artigo 219.º do referido diploma tem a seguinte redacção:
Artigo 219.º
Âmbito
1 – O concurso de concepção permite a selecção de um ou de mais trabalhos de concepção, ao nível de estudo prévio ou similar, designadamente nos domínios artístico, do ordenamento do território, do plane- amento urbanístico, da arquitectura, da engenharia ou do processamento de dados.
2 – Quando a entidade adjudicante pretenda adquirir por ajuste directo, adoptado ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 27.º, planos, projectos ou quaisquer criações conceptuais que consistam na concretização ou no desenvolvimento dos trabalhos de concepção referidos no número anterior, deve pre- viamente adoptar um concurso de concepção, nos termos previstos no presente capítulo.
8. Em conclusão:
a) O contrato submetido a fiscalização prévia tem um objecto diferente daquele que foi lançado a concurso em 2008: para a sede do Museu Xxxxxx Xxxxxxx, previa-
-se, no programa preliminar posto a concurso, a remodelação do Convento de Santo André e a concepção de um novo edifício; agora, contratou-se a elabora- ção do projecto de remodelação do Convento de Santo André, sem a ampliação e com a necessidade de concentrar no edifício existente as funções que, no pro- grama base escolhido em concurso, estavam previstas para a ampliação;
b) Consequentemente, tratando-se de um novo projecto, a entidade adjudicante, tendo em atenção o valor do contrato, deveria ter seguido o procedimento de concurso de concepção, na modalidade de concurso público ou concurso limita- do com prévia qualificação, nos termos dos artigos 219.º e seguintes do CCP;
c) A falta de concurso público ou concurso limitado com prévia qualificação cons- titui preterição de um elemento essencial que, nos termos do n.º 1 do artigo 133.º do CPA e do n.º 2 do artigo 284.º do CCP, gera a nulidade da adjudicação e do subsequente contrato;
d) A nulidade constitui fundamento de recusa de visto, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto.
Assim, o Juiz da Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, em sessão ordinária, ouvidos o Ministério Público e os Assessores, decide, com os fundamentos expostos, recusar o visto ao contrato em referência.
Emolumentos: € 20,60.
Notifique-se.
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