Tatiana Albanez1
AR TIGO
Concentração de Propriedade e Outros Determinantes da Presença de Covenants em Contratos de
Dívida de Companhias Listadas na B3
Xxxxxxx Xxxxxxx0
xxxxxxx.xxxxxxx@xxx.xx | 0000-0002-4471-6946
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx0
xxxxxx.xxxxxxxx@xxx.xx | 0000-0003-3890-6345
RESUMO
O trabalho objetiva investigar se o nível de concentração de propriedade determina a presença e a intensidade de covenants em contratos de dívida de companhias listadas na B3 no período 2007-2018. Também buscamos apresentar um amplo panorama da presença e da quebra de covenants por essas companhias. Para tanto, analisamos manualmente mais de 4000 notas explicativas de empréstimos e financiamentos e utilizamos modelos de regressão lineares e não lineares. Verificamos que quanto maior a concentração de propriedade, menor a probabilidade da presença de covenants, corroborando o papel da estrutura de propriedade como mecanismo substituto de governança capaz de alinhar interesses e reduzir a necessidade da utilização de covenants. Os resultados são úteis para gestores, credores e acionistas ao evidenciar quais características são determinantes da utilização de covenants, auxiliando na gestão de fatores que podem reduzir a sua ocorrência e trazer maior flexibilidade para o processo de tomada de decisão da empresa, impactando diretamente na maximização de valor ao acionista.
PALAVRAS-CHAVE
Covenants, Covenant Slack, Concentração de Propriedade, Waivers, Custos de Agência
1Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, Sao Paulo, SP, Brasil
Recebido: 19/03/2021. Revisado: 08/08/2021. Aceito: 14/02/2022.
Publicado Online em: 14/07/2022.
DOI: xxxx://xx.xxx.xxx/00.00000/xxx.0000.00.0.0.xx
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1. INTRODUÇÃO
Os covenants, ou cláusulas restritivas, estão presentes na maior parte dos contratos de dívida, visando mitigar os custos de agência derivados do conflito de interesses entre credores e acionistas, tratado por Xxxxxx e Xxxxxxxx (1976). Ao mesmo tempo em que servem de mecanismo de proteção
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a credores, os covenants acabam reduzindo a flexibilidade da firma no processo de tomada de decisão, ao restringir a emissão de novas dívidas, o pagamento de dividendos e a realização de
investimentos em determinadas circunstâncias.
O presente trabalho investiga a relação entre a concentração de propriedade e a utilização de covenants em contratos de dívida de companhias abertas brasileiras. Em países com baixa proteção aos direitos de propriedade, como o Brasil, verifica-se que o fraco enforcement legal faz com que uma estrutura de propriedade altamente concentrada exerça papel importante no alinhamento de interesses e maximização do valor da firma, como discutido por Xxxxxxxx e Xxxxxx (1997). Isso ocorre devido aos incentivos que os acionistas majoritários têm para tomar decisões as quais tragam maior retorno sobre o capital investido, beneficiando também os demais agentes (credores, acionistas minoritários, funcionários, clientes, fornecedores e governo), como afirmam também Xxxxxxxxx e Fan (2002). Dessa forma, espera-se que estruturas de propriedade mais concentradas reduzam os conflitos de interesse entre acionistas e credores, levando a uma menor necessidade de imposição de covenants. Portanto, a concentração de propriedade atuaria como um mecanismo substituto de governança institucional, como discutido por Xxxxxxx et al. (2020), no âmbito da maturidade das dívidas em ambientes com fraca proteção aos direitos de acionistas minoritários e credores.
Este artigo também apresenta um panorama dos covenants para as companhias listadas na B3 entre 2007 e 2018, evidenciando a posição atual dessas empresas em relação à quebra de tais cláusulas (covenant slack), a partir de uma extensiva coleta manual de informações contidas nas notas explicativas dos relatórios das empresas. Finalmente, o presente estudo também investiga outros determinantes da presença de covenants financeiros em contratos de dívida, incluindo características operacionais e financeiras das firmas. Vários autores, como Xxxxxxxxx e Xxxxx (2010), Xx et al. (2011), Xxxxxx e Xxxxxx (2012), Xxxxxx (2014) e Xxxxxxx e Xxxxxxx (2015), verificaram que a estrutura dos covenants varia de acordo com as características das empresas (como tamanho, oportunidades de crescimento e alavancagem) e os diferentes contextos macroeconômicos e institucionais em que estão inseridas (como períodos de recessão, nível de proteção ao credor e ao acionista, dentre outros).
Assim como os covenants, os mecanismos de governança corporativa buscam alinhar interesses e mitigar o problema de agência derivado da separação entre propriedade e controle da firma, tratado por Xxxxxx e Mecking (1976). Para La Porta et al. (2000), a governança corporativa é um conjunto de mecanismos pelos quais investidores externos (credores e acionistas) se protegem da expropriação por parte de insiders. Esses mecanismos podem ser adotados e garantidos pelo Estado, por meio da proteção aos direitos de propriedade de investidores, e/ou pela própria empresa, ao aderir a princípios e práticas de governança. Como discutido, a estrutura de propriedade concentrada pode servir como um substituto da governança na mitigação dos conflitos entre controladores e credores. Dessa forma, é possível esperar que a probabilidade de existência de covenants nas dívidas das empresas esteja negativamente associada à concentração de propriedade. Derivada dessa premissa, nossa hipótese é que a intensidade da presença de covenants (medida pelo número de covenants no conjunto de dívidas da empresa num dado período) também seja negativamente associada à concentração de propriedade.
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A literatura empírica sobre covenants é relativamente recente no Brasil, provavelmente devido à dificuldade de acesso a bases de dados contendo informações compiladas sobre covenants, as quais, na maioria das vezes, precisam ser coletadas manualmente a partir das notas explicativas das empresas ou das escrituras e prospectos de emissão de títulos de dívida. Sobre os determinantes da utilização de covenants, destacam-se os trabalhos de Xxxxxxx e Xxxxxxx (2019) e Xxxxxxxx et al. (2019).
No primeiro, Konraht e Xxxxxxx (2019) analisam se características de firma (econômico- financeiras e de governança corporativa) e características da dívida impactam a presença e a quantidade de covenants de debêntures emitidas na B3 no período 2010-2016. No segundo trabalho, também analisando uma amostra de debêntures emitidas pela B3 no período 2011- 2017, Palhares et al. (2019) examinam se características de governança impactam o número de covenants presentes nos contratos das debêntures emitidas, bem como a intensidade da restrição do covenant Dívida Líquida/Ebitda.
O presente estudo se diferencia daqueles de Xxxxxxx e Xxxxxxx (2019) e Xxxxxxxx et al. (2019) ao analisar a presença de covenants em notas explicativas de empréstimos e financiamentos de todas as companhias não financeiras listadas na B3, não restringindo a análise a covenants de debêntures. Também contribuímos à literatura ao trazer um panorama mais amplo da situação das empresas frente a tais cláusulas, considerando o período 2007-2018, bem como ao ampliar a discussão sobre os determinantes da presença de covenants, utilizando diferentes proxies e modelos. Por meio do mapeamento realizado em notas explicativas, identificamos 17 tipos de covenants relacionadas a empréstimos e financiamentos, com destaque para os indicadores Dívida Líquida/ Ebitda e Ebitda/Resultado Financeiro. Juntos, esses indicadores representam mais da metade das observações. Em média, as empresas estão distantes de ultrapassar os limites estabelecidos para quebra do covenant Dívida Líquida/Ebitda, sendo que os anos de maior quebra foram 2015 e 2016, período em que o Brasil passou por recessão, com maior frequência de quebra no setor de
energia elétrica, setor negativamente afetado pelas medidas governamentais à época.
Nossos resultados indicam que quanto maior o nível de concentração de propriedade, menor a probabilidade de imposição de covenants em contratos de dívidas para as companhias listadas na B3, confirmando o papel da estrutura de propriedade como um substituto à proteção legal dos credores. Fatores como oportunidades de crescimento e liquidez também reduzem a ocorrência de covenants. Já alavancagem e tamanho estão associados de forma positiva a sua presença. No entanto, rejeitando nossa hipótese de pesquisa, os níveis de concentração de propriedade não parecem afetar a intensidade de covenants contratuais.
O trabalho é útil para gestores, credores e acionistas ao evidenciar quais características são determinantes da utilização de covenants, auxiliando na gestão de fatores que podem reduzir a imposição de covenants e trazer maior flexibilidade para o processo de tomada de decisão da empresa, impactando na maximização de valor ao acionista.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Papel dos COVENANTS e seus determinantes em contratos de dívida
As cláusulas restritivas, ou covenants, se originam do conflito de interesses entre credores e acionistas servindo como mecanismo de proteção a credores, visando impedir a expropriação dos credores pelos acionistas. Como discutido por Xxxxxx e Xxxxxxxx (1976), essa transferência de riqueza ocorreria por meio da administração da empresa, ao adotar estratégias arriscadas ou ao investir em projetos de alto risco após a captação dos recursos.
De acordo a Agency Theory of Covenants (ATC), discutida por Xxxxxxx e Xxxxxxx (2015), ao antecipar o comportamento oportunista por parte dos administradores, os credores irão somar os custos potenciais derivados desse conflito de interesses à taxa de captação da dívida, aumentando o custo dos financiamentos. Visto que os acionistas arcam com o risco financeiro da firma, optam por aceitar contratos com cláusulas restritivas que, por sua vez, acabam reduzindo o custo de captação, como verificado por Xxxxxx (2014) e Xxxxxxx e Xxxxxxx (2015).
Assim, de acordo com Xxxxx e Warner (1979), os covenants procuraram limitar, principalmente, as políticas de investimento, dividendos e financiamento da firma, as principais fontes de conflitos. Nesse sentido, Xxxxx e Xxxxxxx (2008) verificam que os investimentos diminuem em resposta a uma violação de covenant à medida que os credores intervêm para impedir investimentos ineficientes. Já Xxxxxxx e Xxxx (2009) confirmaram que a política de financiamento da empresa muda significativamente após a ruptura de um covenant, sendo que a empresa reduz drasticamente sua alavancagem, possivelmente devido às ações dos credores para acelerar o pagamento da dívida, aumentar a taxa de captação e impedir financiamentos adicionais. Nini et al. (2012) ainda verificam que os credores aproveitam a violação dos covenants para exercer influência informal significativa sobre a governança das firmas, havendo maior rotatividade de CEOs após o anúncio de ruptura de covenants.
Ademais, de acordo com a ATC, a presença de covenants está diretamente relacionada com a condição financeira da firma. Corroborando a teoria, Xxxxxxxxx e Xxxxx (2010) verificaram que empresas mais arriscadas e com menores oportunidades de crescimento são mais propensas à obtenção de dívidas com covenants mais restritivos. Xxxxxxx e Xxxxxxx (2015) confirmam que características de firma como tamanho, oportunidades de crescimento e tangibilidade reduzem a probabilidade da presença de covenants em contratos de dívida, já fatores como alavancagem e volatilidade do fluxo de caixa aumentam a sua ocorrência. Reisel (2014) também confirmou a importância de características como tamanho, alavancagem, oportunidades de crescimento e tangibilidade na estrutura dos covenants, sendo que empresas mais alavancadas estão mais propensas a restrições no pagamento de dividendos e emissão de novas dívidas; já empresas maiores, com mais ativos tangíveis e alto market-to-book são menos propensas a restrições em investimentos, dividendos e emissão de dívidas.
Sobre os fatores determinantes da presença e da ruptura de covenants em empresas brasileiras, é possível destacar os trabalhos de Xxxxxxx e Vicente (2019), Palhares et al. (2019), Xxxxxxx e Xxxxxx (2020), Xxxxxxxx e Monte-Mor (2020) e Xxxxxx et al. (2020).
Similar ao escopo desta pesquisa, Konraht e Vicente (2019) verificaram que características econômico-financeiras e de governança da firma (como tamanho, crescimento, concentração de propriedade, dentre outras) são importantes determinantes tanto da presença quanto da quantidade de covenants de debêntures emitidas na B3 no período 2010-2016. Já as características de dívida (como maturidade e garantias) afetam apenas a presença de covenants na emissão. Também analisando uma amostra de debêntures emitidas na B3 no período 2011-2017, Palhares et al. (2019) verificaram que características de governança (como concentração de propriedade e tamanho do conselho de administração) impactam o número de covenants presentes nos contratos das debêntures emitidas, bem como a probabilidade de a escritura de emissão conter um covenant Dívida Líquida/EBITDA mais restritivo (abaixo de 3,5).
Já Xxxxxxx e Xxxxxx (2020) buscaram analisar a relação entre a utilização de covenants e o custo de captação de dívida via emissão de debêntures, verificando uma relação positiva entre a utilização de covenants a serem cumpridos pela emissora e o spread. No entanto, no caso dos covenants a serem cumpridos pela solidária, a relação entre a utilização de covenants e spread é
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negativa. Os autores concluem que os covenants contábeis possuem duplo papel na captação de dívida no Brasil; no caso da emissora, funcionam como mecanismo complementar ao prêmio e, no caso da solidária, constituem mecanismo substituto ao risco e reduzem o spread.
No escopo da ruptura de covenants, Xxxxxxxx e Monte-Mor (2020) analisaram a relação entre governança corporativa e a violação de covenants, verificando que as companhias pertencentes aos níveis diferenciados de governança corporativa da B3 apresentam menor probabilidade de violarem os covenants financeiros. Já Xxxxxx et al. (2020) buscaram analisar se as empresas que estão na iminência da ruptura de covenants possuem maior nível de gerenciamento de resultados. Os autores confirmam que as empresas próximas da ruptura atuam de modo a melhorar seu resultado, confirmando a relação esperada.
2.2. Desenvolvimento da hipótese de pesquisa
Assim como os covenants, os mecanismos de governança corporativa buscam alinhar interesses e reduzir os custos de agência derivados do conflito de interesses entre principal e agente, discutido por Xxxxxx e Xxxxxxxx (1976). Para Xxxxxxxx e Xxxxxx (1997), a governança corporativa está relacionada ao modo pelo qual os fornecedores de capital de uma empresa asseguram o retorno sobre o capital investido, certificando-se de que os gestores não estão investindo em projetos ruins. Nesse sentido, os autores destacam o papel da proteção legal e da concentração de propriedade como mecanismos capazes de assegurar o retorno dos investimentos.
Xxxxxxxx e Xxxxxx (1997) afirmam que, em grande parte dos países, a proteção legal a investidores é menos efetiva como mecanismo de governança (devido a leis ruins ou por falta de enforcement do sistema legal), como consequência, as empresas optam por manter uma alta concentração do capital, em estruturas familiares, buscando garantir direitos.
Nesse sentido, Xxxxxxx et al. (2020) apontam que a eficiência dos contratos depende tanto de aspectos internos de governança da firma quanto de arranjos institucionais que garantam o enforcement das leis, afirmando que estruturas de governança no nível firma e país atuam de forma interligada para minimizar problemas de agência. Os autores argumentam que, em países com forte proteção aos direitos de acionistas minoritários e credores, os custos de agência são mais baixos, visto que os credores fazem cumprir os contratos, e os acionistas majoritários têm menor possibilidade de agir de forma discricionária. Tal argumentação leva à hipótese de que em ambientes institucionais de maior proteção ao acionista minoritário e ao credor, as empresas escolherão dívidas com prazos mais alongados, mesmo na presença de maior concentração de propriedade. Ao contrário, em países de menor proteção, a estrutura de propriedade estará associada de forma negativa com o vencimento da dívida. Os autores encontram resultados que confirmam essa hipótese, demonstrando que a concentração de propriedade e a maturidade do financiamento são consideradas mecanismos alternativos de governança.
Como discutido por diversos autores, como Xxxxxxxx e Xxxxxx (1997), Xxxxxxxxx e Fan (2002) e Xxxxx et al. (2016), um alto nível de concentração de propriedade pode gerar diferentes incentivos e impactos tanto positivos quanto negativos sobre a geração de valor pela empresa. Os benefícios derivam do incentivo que o acionista majoritário possui em assegurar um bom desempenho da firma, sendo que, ao exercer seus direitos de controle (pelo poder de voto) para maximizar sua riqueza, acaba beneficiando os demais investidores e agentes envolvidos. Seria o efeito alinhamento, abordado por Xxxxxxxxx e Fan (2002). Ao mesmo tempo, existem desvantagens, como a possibilidade de desalinhamento de interesses entre acionistas majoritários e minoritários, fazendo com que os primeiros busquem perseguir interesses pessoais, reduzindo a riqueza dos últimos. No entanto, dada à alta concentração de propriedade verificada, principalmente em
mercados menos desenvolvidos, Shleifer e Vishny (1997) comentam que o custo da baixa diversificação não parece ser maior que os seus benefícios em muitos países.
Nota-se, então, que o ambiente institucional interfere diretamente nos arranjos de governança corporativa. La Porta et al. (1999) confirmam que há maior concentração de propriedade em ambientes jurídicos e institucionais mais fracos. Também para Claessens e Fan (2002), o fraco cumprimento dos direitos de propriedade pelo Estado é a causa mais provável da alta concentração de propriedade na Ásia e em outros mercados emergentes, que têm como características comuns sistemas legais ineficientes, má aplicação da lei e corrupção. Dessa forma, em ambientes institucionais com baixo enforcement legal e baixa proteção aos direitos dos acionistas e credores, como o Brasil, as empresas acabam exercendo esse papel por meio de sistemas internos de governança, como afirmam Xxxxxxx e Crisóstomo (2015) e Palhares et al. (2019).
Nesse contexto, é possível esperar que empresas com maior nível de concentração de propriedade sejam percebidas como de maior qualidade e de menor risco pelos credores, considerando os incentivos que os acionistas majoritários têm em alinhar interesses e tomar decisões que maximizem a geração de valor pela firma. Para Xxxxxxx e Xxxxxxx (2019), este comportamento é capaz de reduzir o risco de falência e pode refletir também na redução da demanda por covenants pelos credores, levando a uma relação negativa entre concentração de propriedade e a presença de covenants financeiros. Dessa forma, tem-se a seguinte hipótese de pesquisa:
Hipótese: Há uma associação negativa entre o nível de concentração de propriedade e a intensidade de covenants em contratos de dívida de companhias listadas na B3.
No próximo capítulo apresentamos os modelos de teste da hipótese elaborada.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. Dados e amostra
A amostra inicial parte de todas as companhias brasileiras não financeiras listadas na Brasil, Bolsa, Balcão - B3 no período 2007-2018, que totalizavam 324 companhias, excluindo-se as empresas dos setores de Fundos e Finanças e Seguros. Foram filtradas da amostra empresas com alavancagem zero e aquelas com menos de dois anos consecutivos de dados para análise. Para anos em que as empresas apresentaram alavancagem zero ou patrimônio líquido negativo, os indicadores não foram calculados (missing values). Após a aplicação dos filtros e operacionalização de todas as variáveis, restaram 278 companhias na amostra e 2844 observações (firmas-ano).
Os dados contábeis, financeiros e de mercado foram coletados da base Economatica. Esses dados foram utilizados no cálculo das variáveis explicativas representativas de características de firma. Os dados relativos a covenants foram coletados manualmente, diretamente das Notas Explicativas das companhias obtidas no endereço eletrônico da B3. Foram analisadas mais de
4.000 notas explicativas referentes a empréstimos e financiamentos em busca de informações de
covenants financeiros.
No caso de existência de mais de uma cláusula do mesmo índice, utilizamos os seguintes critérios, na seguinte ordem: 1) considerar cláusula atribuída para a dívida mais representativa (maior volume); e 2) caso não fosse possível identificar o montante de dívida, considerar a cláusula mais restritiva, critério também utilizado por Xxxxx et al. (2017). Os covenants fazem referência a 17 indicadores financeiros diferentes, que podem ser segregados em dois grupos: covenants de balanço e covenants de resultado, apresentados na Figura 1.
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Cláusulas Restritivas (Covenants) | |
Grupo 1 - Covenants de Balanço | |
Dív. Líq. / EBITDA | Dívida Líquida / EBITDA |
Dív. Bruta / EBITDA | Dívida Bruta / EBITDA |
Dív. Líq. / PL | Dívida Líquida / Patrimônio Líquido |
Dív. Bruta / PL | Dívida Bruta / Patrimônio Líquido |
PL / AT | Patrimônio Líquido / Ativo Total |
AC / PC | Ativo Circulante / Passivo Circulante |
Exíg. / AT | Exigível / Ativo Total |
Dív. Líq. / (Dív. Líq. + PL) | Dívida Líquida / (Dívida Líquida + Patrimônio Líquido) |
Dív. CP. Líq. / EBITDA | Dívida de Curto Prazo Líquida / EBITDA |
Dív. CP / Dív. LP | Dívida de Xxxxx Xxxxx / Dívida de Longo Prazo |
Grupo 2 - Covenants de Resultado | |
EBITDA / Desp. Fin. | EBITDA / Despesa Financeira |
EBITDA / Res. Fin. | EBITDA / Resultado Financeiro |
ICSD | Ebitda/Serviço da Dívida (Principal + Juros) |
EBIT / Desp. Fin. | EBIT / Despesa Financeira |
EBIT / Res. Fin. | EBIT / Resultado Financeiro |
EBITDA / Receita | EBITDA / Receita |
Invest / EBITDA | Investimento / EBITDA |
Figura 1. Covenants divulgados em notas explicativas - Cias Listadas na B3
Notas. Dívida Líquida é igual a dívida bruta total menos disponibilidades e aplicações financeiras de curto prazo; EBITDA é igual a lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização; EBIT é igual a lucros antes de juros e impostos; ICSD é igual a Índice de Cobertura do Serviço da Dívida.
Fonte: Elaborado pelos autores.
3.2. VARIáVEIS E MODELOS
Para investigar a relação entre concentração de propriedade e a utilização de covenants em contratos de dívida das companhias listadas na B3, inicialmente realizamos testes de diferenças de médias para as características de firma, considerando subamostras de empresas (com covenants e sem covenants), além de estatísticas descritivas.
Posteriormente, utilizamos modelos de regressão (lineares e não lineares) em que a variável dependente é representada por uma variável dummy igual a 1 para firmas com qualquer covenant em determinando ano e 0, caso contrário. Para conferir maior robustez à análise, foram estimados diferentes modelos, sendo apresentados de forma comparativa no capítulo a seguir, e são eles: modelos de probabilidade linear estimados por mínimos quadrados ordinários (pooled e efeitos fixos) e modelos de resposta binária estimados por máxima verossimilhança (pooled Logit e Probit). Também utilizamos modelos de regressão logística com dados em painel com estimação por efeitos fixos e efeitos aleatórios. No entanto, devido aos pressupostos inerentes a esses modelos e possível inadequação dos dados a tais pressupostos (como a provável correlação entre fatores não observados e as variáveis explicativas), seus resultados foram apresentados em apêndice.
Como variáveis explicativas, além da variável proxy para concentração de propriedade, foram consideradas variáveis de controle características de firma, clássicas nos estudos de estrutura de capital (Rajan & Xxxxxxxx, 1995; Fama & French, 2002; Xxxxx & Xxxxx, 2003; Xxxxx, 2001;
Xxxxx & Xxxxxxx, 2002), bem como na literatura sobre estrutura de covenants (Xxxxxxxxx & Xxxxx, 2010; Xxxxxx, 2014; Xxxxxxx & Xxxxxxx, 2015; Xxxxxxx & Xxxxxxx, 2019; Xxxxxxxx et al., 2019; Xxxxxxxx & Monte-Mor, 2020). A relação esperada entre essas variáveis e as variáveis dependentes é comentada no capítulo a seguir. A equação geral dos modelos pode ser representada por:
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Y𝑖,𝑡 = α0 + β1𝐶𝑜𝑛𝑐𝑃𝑟𝑜𝑝𝑖,𝑡 + β2𝐴𝑙𝑎𝑣𝑖,𝑡 + β3𝑇𝑎𝑚𝑖,𝑡 + β4𝑇𝑎𝑛𝑔𝑖,𝑡 +
β5𝑅𝑒𝑛𝑡𝑖,𝑡 + β6𝑂𝑝. 𝐶𝑟𝑒𝑠𝑐.𝑖,𝑡 + β7𝐿𝑖𝑞𝑖,𝑡 + 𝜀𝑖,𝑡
(1)
Onde Yi,t representa a presença de covenants. Para testar nossa hipótese de pesquisa, utilizamos, primeiramente, modelos de resposta binária, em que Xx,t é uma variável binária que assume valor igual a 1 caso a empresa i tenha pelo menos um covenant de dívida no ano t, e 0 caso contrário. Posteriormente, analisamos a intensidade da presença de covenants em modelos nos quais a variável dependente Yi,t é o logaritmo natural do número de covenants reportados pela firma i no ano t. Conc_Prop é igual ao nível de concentração de propriedade, Alav é igual a alavancagem, Tam é igual a tamanho, Tang é igual a tangibilidade, Rent é igual a rentabilidade, Op.Cresc é igual a oportunidades de crescimento e Liq é igual a liquidez. A forma de operacionalização das variáveis está descrita na Figura 2.
Para analisar os determinantes da presença de covenants, estimamos tanto variações de um modelo de probabilidade linear (isto é, uma estimação em OLS) quanto de modelos Logit e Probit. Segundo Xxxxxxx e Xxxxxxx (2008), a vantagem da estimação em OLS, mesmo com variável dependente binária, é que o modelo tem pressupostos menos restritivos sobre a distribuição dos erros, o que, em nosso caso, permite a inclusão de efeitos fixos de firma. Por outro lado, os modelos Logit e Probit garantem que a variável dependente estimada esteja necessariamente dentro do intervalo entre 0 e 1.
Variáveis Dependentes | Sigla | Operacionalização |
Dummy para presença | CovDummy | Dummy igual a 1 para firmas com qualquer |
de covenants | covenant em determinando ano e 0, caso contrário | |
Intensidade de covenants | CovInt | Quantidade de covenants para determinada firma |
em determinando ano | ||
Variável Explicativa | ||
Concentração de Propriedade | Conc_Prop | % dos 3 maiores acionistas com direito de voto |
Variáveis de Controle | ||
Alavancagem | Dívida/Ativo | Divida Bruta / Ativo Total |
Tamanho | Ln(Receita) | Ln(Receita) |
Tangibilidade | Imob/Ativo | Imobilizado / Ativo |
Rentabilidade | ROI | (LL + Desp. Fin. Liq. IR) / (Dívida + PL) |
Oportunidades de Crescimento | Market-to-book | Ativo a Valor de Mercado / Ativo a Valor Contábil |
Liquidez | Liquidez | Ativo Circulante / Passivo Circulante |
Figura 2. Operacionalização das variáveis do modelo
Notas. Ln igual a logaritmo natural; ROI é igual ao retorno sobre o investimento, sendo igual ao lucro líquido mais despesas financeiras líquidas de impostos sobre dívida bruta mais patrimônio líquido a valor de mercado; LL é igual a Lucro Líquido; Alíquota marginal de impostos igual a 34%; PL é igual a patrimônio líquido; Dívida Bruta é igual à soma de empréstimos e financiamentos, debêntures e arrendamento financeiro de curto e longo prazos; Market-to-book é igual a ativo a valor de mercado sobre ativo a valor contábil, sendo ativo a valor de mercado igual a ativo total menos patrimônio líquido contábil mais valor de mercado das ações.
Fonte: Elaborado pelos autores.
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Para analisar os determinantes da intensidade da presença de covenants, além de modelos lineares (pooled e efeito fixo), utilizamos um modelo não linear para dados de contagem, visto que a variável dependente apresenta valores discretos e não negativos (quantidade de covenants para determinada empresa). Por meio do teste proposto por Xxxxxxx e Xxxxxxx (1990), constatamos a super dispersão dos dados da variável dependente, o que tornaria menos indicada a estimação de um modelo de regressão de Xxxxxxx. Portanto, conforme indicado por Fávero e Belfiore (2017), utilizamos um modelo de regressão binomial negativo, estimado por máxima verossimilhança. Todas as regressões foram estimadas com erros-padrão robustos e clusterizados por firma, para considerar a possível existência de heterocedasticidade e correlação serial dos termos de erro, bem como com a inclusão de dummies de tempo (ano) em todas as especificações para considerar a tendência temporal de maior presença (ou evidenciação) de covenants em períodos mais recentes da amostra, como mostra a Figura 3 (mais à frente). Além disso, todas as variáveis independentes
foram winsorizadas nos percentis 2,5% e 97,5% visando mitigar o efeito de outliers.
Finalmente, uma limitação da estratégia empírica utilizada é que empresas que têm covenants em seus contratos de dívida podem ser inerentemente diferentes de empresas sem cláusulas restritivas em características não observáveis, e isso pode dar origem a um viés de seleção. Por esse motivo, deve-se ter cuidado com a interpretação econômica dos coeficientes das regressões. Preferimos tratar os resultados apresentados a seguir como associações, e não como relações causais.
4. RESULTADOS
4.1. ANáLISE DESCRITIVA: PANORAMA DA PRESENÇA DE COVENANTS FINANCEIROS PARA AS COMPANHIAS LISTADAS NA B3
4.1.1. Nível de evidenciação e frequência de covenants em notas explicativas
Na Figura 3, apresentamos a quantidade de empresas que reportou a presença de covenants em contratos de dívida, em cada ano, bem como a quantidade de empresas que informou o indicador fixado pelos credores (limite de covenant). Ressalta-se que o total de empresas analisadas em todos os anos é de 278 (painel fixo de empresas no período de 2007 a 2018).
A Figura 3 mostra que a evidenciação dessa informação tem aumentado ao longo do tempo. Podemos observar que, em todos os anos, as empresas listadas nos segmentos Novo Mercado e Nível 2 de governança corporativa da B3 (em cinza escuro) aparecem em maior número do que as empresas listadas em outros níveis de governança (em cinza claro). Esse fato pode mostrar uma maior qualidade de disclosure das firmas nos melhores segmentos de governança. Também é possível que as empresas dos segmentos mais elevados de governança tenham mais cláusulas restritivas em suas dívidas justamente por serem mais alavancadas.
O segundo gráfico da Figura 3 mostra o número de empresas que, além de evidenciarem possuir covenants, apresentaram qual o indicador ou cláusula utilizada nos contratos de dívida. Observa-se que, aproximadamente, um terço das companhias que afirma possuir covenants não divulgaram quais são as cláusulas utilizadas nos contratos, dificultando uma análise mais profunda de outros indicadores além do Dívida Líquida/Ebitda. Também nesse quesito, as empresas nos níveis superiores de governança possuem um nível de evidenciação maior do que as demais.
A Tabela 1 apresenta os tipos de covenants mais frequentes evidenciados em notas explicativas relacionadas a empréstimos e financiamentos pelas companhias listadas na B3 ao longo do período da amostra. Há um total de 2493 observações de covenants, destacando-se dois tipos principais:
Figura 3. Empresas que reportaram covenants na B3
Notas: Ao longo dos anos, analisou-se um painel fixo de 278 companhias listadas na B3.
Fonte: Dados da pesquisa.
Dívida Líquida/Ebitda (38,1%) e Ebitda/Resultado Financeiro (16,8%), que juntos totalizam mais da metade do total de covenants divulgados pelas companhias. Todos os demais indicadores têm uma frequência inferior a 10% na amostra, como mostra a Tabela 1.
A Figura 4 mostra a frequência dos indicadores ao longo do tempo. Nota-se que o uso do indicador Dívida Líquida/Xxxxxx cresceu mais rapidamente do que os demais ao longo dos anos da amostra.
Buscando examinar a intensidade de covenants, a Tabela 2 mostra a quantidade de observações (firmas-ano) que apresentaram apenas 1, 2, 3 ou mais do que três covenants em determinado ano de análise. Quase a metade das observações apresentou dois covenants em contratos de dívidas.
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Frequência de covenants - cias listadas na B3
Covenant | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | Obs. | Freq. (%) |
Dívida Líq / EBITDA | 29 | 35 | 51 | 60 | 73 | 83 | 86 | 89 | 100 | 108 | 120 | 115 | 949 | 38,1% |
EBITDA / Resultado Financeiro | 11 | 13 | 20 | 26 | 30 | 39 | 41 | 45 | 45 | 43 | 53 | 52 | 418 | 16,8% |
Ativo Circulante / Passivo Circulante | 8 | 9 | 14 | 17 | 18 | 20 | 18 | 17 | 17 | 16 | 16 | 15 | 185 | 7,4% |
EBITDA / Despesa Financeira | 8 | 7 | 13 | 14 | 16 | 14 | 11 | 16 | 18 | 19 | 20 | 16 | 172 | 6,9% |
Patrimônio Líquido / Ativo Total | 4 | 6 | 7 | 10 | 11 | 10 | 13 | 11 | 14 | 13 | 15 | 18 | 132 | 5,3% |
Dívida Líq. / XX | 0 | 0 | 0 | 00 | 0 | 00 | 00 | 00 | 12 | 12 | 9 | 10 | 129 | 5,2% |
ICSD | 5 | 6 | 7 | 8 | 10 | 12 | 13 | 12 | 11 | 11 | 16 | 16 | 127 | 5,1% |
EBITDA / Receita | 3 | 4 | 5 | 7 | 8 | 10 | 11 | 10 | 8 | 8 | 6 | 6 | 86 | 3,4% |
Dívida Bruta / EBITDA | 6 | 7 | 7 | 10 | 9 | 6 | 3 | 5 | 6 | 4 | 4 | 4 | 71 | 2,8% |
Dívida Líq / (Dívida Líq + PL) | 5 | 4 | 5 | 6 | 8 | 5 | 3 | 4 | 5 | 6 | 4 | 4 | 59 | 2,4% |
Passivo Exigível / Ativo Total | 1 | 1 | 2 | 3 | 4 | 7 | 7 | 6 | 6 | 7 | 6 | 6 | 56 | 2,2% |
Dívida Bruta / PL | 5 | 6 | 2 | 3 | 3 | 2 | 4 | 5 | 4 | 4 | 4 | 3 | 45 | 1,8% |
EBIT / Despesa Financeira | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 | 17 | 0,7% |
Dívida de CP Líquida / EBITDA | 1 | 3 | 2 | 3 | 4 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 16 | 0,6% |
Investimento / EBITDA | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 | 1 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 14 | 0,6% |
Dívida de CP / Dívida de LP | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 | 12 | 0,5% |
EBIT / Resultado Financeiro | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 5 | 0,2% |
Total | 2493 | 100,0% |
Fonte: Dados da pesquisa.
Figura 4. Frequência por tipo de covenant ao longo dos anos - cias listadas na B3
Fonte: Dados da pesquisa.
Intensidade de covenants - cias listadas na B3
Intensidade da Presença de Covenants
Quantidade de Covenants | Firmas-Ano | Total | % |
1 | 292 | 292 | 11,7% |
2 | 511 | 1022 | 41,0% |
3 | 185 | 555 | 22,3% |
4 | 85 | 340 | 13,6% |
5 | 41 | 205 | 8,2% |
6 | 12 | 72 | 2,9% |
7 | 1 | 7 | 0,3% |
Total | 1127 | 2493 | 100% |
Fonte: Dados da pesquisa.
4.1.2. Análise dos indicadores divulgados versus características das empresas
A seguir, analisamos se há diferenças entre as empresas que evidenciaram possuir covenants e as demais. Na Tabela 3, são apresentadas as médias dos indicadores de firma, segregadas entre as companhias que possuem covenants financeiros (dummy para covenants = 1) e as que não possuem ou não evidenciaram (dummy para covenants = 0). Utilizamos o teste t para analisar as diferenças de médias.
Os resultados da Tabela 3 mostram que os grupos apresentam diferenças significativas considerando principalmente os níveis de concentração de propriedade e métricas para alavancagem (dívida/ativo), tamanho (logaritmo natural da receita) e liquidez. Como esperado, o indicador de concentração de propriedade é menor para empresas com covenants, indicando que pode haver uma relação negativa entre as variáveis, o que será reavaliado na análise dos modelos, mais adiante. O indicador de liquidez (AC/PC) também é menor para o grupo de empresas com covenants, possivelmente devido à maior sofisticação financeira deste grupo na sua gestão de liquidez, o que também levaria ao resultado obtido.
Por outro lado, as companhias que apresentaram covenants, também são as que possuem maior nível de alavancagem (33,9% contra 22,6%), dada à presença de cláusulas restritivas quando da captação de volumes consideráveis de dívida. Tais companhias também são maiores que as aquelas
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Características financeiras das companhias com e sem a presença de covenants
Amostra Completa | Sem Covenants | Com Covenants | Diferenças | |||||||
Variáveis | Média | Mediana | Obs. | Média | Mediana | Obs. | Média | Mediana | Obs. | (t-value) (z-value) |
Conc_Prop | 69,139 | 70,696 | 2755 | 72,061 | 75,323 | 1193 | 67,216 | 68,830 | 1562 | 5,481*** 126,010*** |
Dívida/Ativo | 0,293 | 0,295 | 2689 | 0,226 | 0,207 | 1092 | 0,339 | 0,337 | 1597 | -18,949*** -2,890*** |
Ln(receita) | 7,027 | 7,075 | 2771 | 6,151 | 6,055 | 1169 | 7,666 | 7,719 | 1602 | -23,383*** -39,378*** |
Imob_ativo | 0,262 | 0,215 | 2844 | 0,255 | 0,195 | 1234 | 0,267 | 0,230 | 1610 | -1,327 -0,315 |
ROI | 0,101 | 0,096 | 2796 | 0,103 | 0,097 | 1215 | 0,099 | 0,096 | 1581 | 0,937 0,109 |
M/B | 1,357 | 1,138 | 2529 | 1,361 | 1,115 | 1072 | 1,353 | 1,148 | 1457 | 0,266 0,180 |
Liquidez | 1,985 | 1,573 | 2840 | 2,356 | 1,712 | 1230 | 1,702 | 1,518 | 1610 | 11,636*** 17,276*** |
Notas. A descrição completa das variáveis e sua forma de operacionalização foi apresentada na Figura 2.
Fonte: Dados da pesquisa.
sem covenants, considerando a receita total, provavelmente pelo fato de empresas maiores terem melhor nível de evidenciação contábil e também emitirem um volume maior de dívida. Esses resultados também foram obtidos por Xxxxx et al. (2017) ao analisar companhias americanas. Os demais indicadores são similares entre os grupos, não apresentando diferenças significantes em termos de médias ou medianas.
4.1.3. Análise da frequência da quebra do covenant Dívida Líquida/Ebitda e posição das companhias listadas na B3
Como comentado, aproximadamente um terço das companhias da amostra não apresentam quais são os limites de covenants estabelecidos nos contratos de dívida e, dentre as companhias que apresentaram esses indicadores (limites fixados com credores), a maioria não apresenta o índice calculado (observado) no ano, não permitindo conhecer quão distante estão da quebra de covenants. Para aprofundar a análise sobre a posição das empresas da amostra quanto à possibilidade de quebra do principal covenant (Dívida Líquida/Ebitda), estimamos os valores desse indicador para as empresas que divulgaram a cláusula estabelecida no contrato de dívida (limite de covenant), mas não evidenciaram o indicador real no ano em análise (indicador observado). Para as empresas que apresentaram tanto a cláusula quanto o índice calculado, consideramos o índice divulgado pela empresa, visto que este seria o valor mais correto, já que incorpora os ajustes acordados com
credores.
Os demais indicadores apresentaram uma quantidade muito pequena de observações, impedindo análises mais detalhadas. Destaca-se que o indicador Ebitda/Resultado Financeiro é o segundo mais frequente em notas explicativas (16,8% do total). No entanto, a diversidade de formas de cálculo para esse indicador considerando, principalmente, seu denominador, torna a sua estimativa duvidosa quanto a sua representatividade. Assim, optamos por estimar apenas o indicador Dívida Líquida/Ebitda para as empresas que não apresentaram o valor observado.
Na Tabela 4, são apresentadas as estatísticas descritivas. Verifica-se que a média do indicador Dívida Líquida/Ebitda é de 3,38 para a amostra total, estando as empresas distantes da quebra do covenant, visto que o indicador médio observado é de 2,75. Também notamos que a maior parte das companhias atendeu ao covenant estabelecido. Já as empresas que quebraram o covenant, apresentaram indicador médio de 5,22 frente à clausula fixada de 3,43, em média.
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Análise do covenant Dívida Líquida/EBITDA
Análise do Covenant Dívida Líquida / Ebitda
Amostra Completa
Firmas que não quebraram o Covenant
Firmas que quebraram o Covenant
Média | Mediana | Obs. | Média | Mediana | Obs. | Média | Mediana | Obs. | |
Limite de Covenant | 3,38 | 3,50 | 738 | 3,36 | 3,50 | 546 | 3,43 | 3,50 | 192 |
Covenant observado | 2,75 | 2,32 | 738 | 1,88 | 1,83 | 546 | 5,22 | 4,57 | 192 |
Dívida/Ativo | 0,37 | 0,36 | 727 | 0,34 | 0,33 | 536 | 0,45 | 0,47 | 191 |
Notas. Limite de covenant refere-se ao limite estabelecido em contrato e divulgado pela empresa em notas explicativas; Covenant observado refere-se ao indicador real apresentado pela empresa em determinado ano; O número de observações com limite de covenants divulgado é substancialmente menor do que o número de empresas que divulgaram possuir covenants.
Fonte: Dados da pesquisa.
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A Figura 5 mostra a frequência de atendimento e de quebra do covenant Dívida Líquida/Ebitda ao longo dos anos. No total, 192 das 738 observações apresentaram quebra de covenant (26% da amostra), sendo possível verificar que os anos de 2015 e 2016 apresentaram a maior frequência de quebra. Tal resultado é possivelmente um reflexo da recessão econômica observada nesses anos, que afetou o fluxo de caixa gerado pelas empresas, bem como seus níveis de endividamento.
Figura 5. Quebra do covenant Dívida Líquida/EBITDA ao longo dos anos - cias listadas na B3 que divulgaram os limites de covenants estabelecidos
Notas. A figura apresenta o número de observações de covenants atendidos (em cinza claro) e não atendidos (em cinza escuro) a cada ano. As porcentagens representam a razão entre a quantidade de quebra de covenants e o total de observações, em cada ano. O número de observações com limite de covenants divulgado é substancialmente menor do que o de empresas que reportaram possuir covenants.
Fonte: Dados da pesquisa.
A Tabela 5 mostra a frequência da quebra do covenant Dívida Líquida/Ebitda por setor de atividade, sendo possível destacar a maior frequência de quebra no setor de Energia Elétrica (20% da amostra), reflexo do alto nível de endividamento das empresas do setor, em especial nos anos de recessão.
Na Tabela 6, apresentamos a distribuição de frequência das empresas que quebraram o covenant Dívida Líquida/Ebitda em intervalos de 20%. Também apresentamos, para as empresas que não quebraram o covenant, o covenant slack, ou seja, a distância para a quebra do covenant, também em intervalos de 20%. Verifica-se que 39% das observações ultrapassaram em até 20% o covenant estabelecido. No caso das empresas que não quebraram o referido covenant, a maior parte das empresas (46% do total) apresenta uma folga de até 40%.
Dados os resultados obtidos, destacamos a importância de se analisar de forma mais profunda as notas explicativas dessas companhias em busca de informações sobre renegociações de cláusulas restritivas de dívidas, prática conhecida como “concessão de waivers”.
Na literatura internacional, há evidências de alta frequência de renegociações de contratos. Xxxxx e Xxxx (2014) verificam que, mesmo na ausência da violação de covenants, as empresas renegociam as cláusulas frequentemente com credores. Os autores afirmam que essas renegociações relaxam as restrições e resultam em grandes mudanças nos limites existentes. Evidências nesse
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Frequência da quebra do covenant Dívida Líquida/EBITDA por setor
Covenant: Dívida Líquida/EBITDA
Setor | Obs. | Obs. | Obs. | |
Agro e Pesca | 7 | 0 | 7 | 0% |
Alimentos e Bebidas | 22 | 9 | 31 | 5% |
Comércio | 54 | 22 | 76 | 11% |
Construção | 1 | 2 | 3 | 1% |
Eletroeletrônicos | 1 | 0 | 1 | 0% |
Energia Elétrica | 116 | 38 | 154 | 20% |
Minerais não Metálicos Máquinas Industriais | 5 7 | 2 5 | 7 12 | 1% 3% |
Outros | 176 | 55 | 231 | 29% |
Papel e Celulose | 9 | 10 | 19 | 5% |
Petróleo e Gás | 24 | 1 | 25 | 1% |
Química | 7 | 0 | 7 | 0% |
Siderur & Metalurgia Software e Dados | 13 10 | 10 0 | 23 10 | 5% 0% |
Transporte e Serviços | 70 | 25 | 95 | 13% |
Têxtil | 19 | 10 | 29 | 5% |
Veículos e Peças | 5 | 3 | 8 | 2% |
Total | 546 | 192 | 738 | 100% |
Atendimento
Quebra
Total
Freq. Quebra (%)
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Nota. Classificação setorial Economatica.
Fonte: Dados da pesquisa.
Análise da magnitude da quebra de covenants e covenant slack
Quebra do Covenant: Dívida Líquida/EBITDA
Quebra | até 20% | de 20% a 40% | de 40% a 60% | de 60% a 80% | acima de 80% | Total |
Obs. | 74 | 33 | 23 | 12 | 50 | 192 |
Freq. (%) | 39% | 17% | 12% | 6% | 26% | 100% |
Distância para Quebra do Covenant: Dívida Líquida/EBITDA | ||||||
Cov. Slack | até 20% | de 20% a 40% | de 40% a 60% | de 60% a 80% | acima de 80% | Total |
Obs. | 125 | 126 | 132 | 76 | 87 | 546 |
Freq. (%) | 23% | 23% | 24% | 14% | 16% | 100% |
Notas. Covenant slack refere-se à distância percentual ou “folga” para quebra do covenant, calculado pela diferença entre o valor calculado (ou observado) e o limite de covenant estabelecido sobre o limite de covenant.
Fonte: Dados da pesquisa.
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sentido também foram obtidas por Xxxxxxx (2015), que verifica que um contrato típico de dívida é renegociado cinco vezes durante sua existência ou a cada nove meses, sendo que características do contrato (como precificação, maturidade, montante e covenants) se alteram substancialmente a cada renegociação.
Resta saber se as companhias brasileiras estão renegociando seus contratos de dívida ou gerindo a sua estrutura de capital antes de se aproximarem dos limites estabelecidos de covenants, evitando assim as penalidades previstas na violação de cláusulas restritivas (i.e. antecipação do pagamento de dívidas), tema que ficará para investigações futuras.
4.2. Determinantes da presença de COVENANTS para as companhias listadas na B3
Na Tabela 7 são apresentados os resultados dos modelos de regressão para análise dos determinantes da presença de covenants. Nas colunas (1) e (2) estão os resultados da estimação pooled Logit e Probit por máxima verossimilhança. Na coluna (3) apresentamos a razão de chance, para análise do impacto econômico dos coeficientes do modelo da coluna (1), a qual indica em quantas vezes a chance de ocorrência do evento aumenta ou diminui em função da alteração de uma unidade em determinada variável, mantendo as demais constantes. Nas colunas (4) e (5) estão os resultados dos modelos de probabilidade linear por mínimos quadrados ordinários (pooled e efeito fixo), todos com erros-padrão robustos clusterizados por firma e dummies de tempo (ano).. Na Tabela A.1 do Apêndice também apresentamos os resultados dos modelos de regressão logística com dados em painel com estimação por efeitos fixos e efeitos aleatórios, embora os pressupostos dessas estimações sejam pouco realistas: o modelo Logit com efeitos fixos assume que não há correlação serial na variável dependente após condicionar pelas variáveis independentes; e o modelo Logit com efeitos aleatórios pressupõe que não há correlação entre a heterogeneidade
não observada (i.e., o efeito aleatório por firma) e as demais variáveis independentes.
Nas estimações das colunas (1) e (2), ambos os coeficientes são negativos e estatisticamente significantes ao nível de 10%. A razão de chance reportada na coluna (3) indica que o acréscimo de uma unidade na concentração de propriedade da firma reduz em menos de uma vez a chance de inclusão de covenants de dívida. O coeficiente reportado na estimação (4) da Tabela 7 indica que um aumento de 1 ponto percentual na concentração de propriedade está associado a uma redução de 0,15% na probabilidade de existência de covenants, estatisticamente significante a 10%. Na estimação reportada na coluna (5), a qual adiciona efeitos fixos de firma, o coeficiente permanece negativo, mas perde significância estatística, e isso é esperado dado que tanto a presença de covenants quanto à concentração de propriedade são variáveis bastante estáveis no tempo para a mesma firma. Ainda assim, verifica-se que a magnitude do coeficiente não é muito diferente da observada na estimação (4).
Dessa forma, os resultados provêm suporte para a hipótese de que empresas com maior nível de concentração de propriedade apresentam menor probabilidade de ter covenants financeiros em contratos de dívida, como já sugeria a análise descritiva. Nas estimações reportadas no Apêndice A, onde são reportados os coeficientes dos modelos logísticos com efeitos fixos e aleatórios, as inferências não se alteram (e os coeficientes apresentam significância estatística ao nível de 1%). Konraht e Xxxxxxx (2019) também encontram uma relação negativa significante, em um dos modelos testados, ao examinarem a utilização de covenants em emissões de debêntures na B3 no período 2010-2016, levando a inferir que uma estrutura de propriedade concentrada em poucos acionistas pode sinalizar aos credores uma melhor qualidade da firma, refletindo menor risco de falência e menor necessidade de imposição de covenants contratuais. Nossos resultados reforçam a ideia de que a concentração de propriedade pode atuar como um mecanismo substituto de
Determinantes da presença de covenants
Variável Dependente (Y) = CovDummy
(1) | (2) | (3) | (4) | (5) | |
Logit | Probit | Odds Ratio | Pooled OLS | Efeito Fixo OLS | |
Variáveis explicativas | Coef. | Coef. | Coef. | Coef. | Coef. |
Conc_Prop | -0,819* | -0,498* | 0,441 | -0,147* | -0,102 |
(0,451) | (0.272) | (0,081) | (0,120) | ||
Dívida/Ativo | 3,521 *** | 2,084 *** | 33,804 | 0,651 *** | 0,424*** |
(0,761) | (0.445) | (0,129) | (0,138) | ||
Ln(Receita) | 0,455 *** | 0,255 *** | 1,575 | 0,083*** | 0,050** |
(0,086) | (0.047) | (0,013) | (0,024) | ||
Imob/Ativo | 0,260 | 0,123 | 1,297 | 0,016 | 0,100 |
(0,434) | (0.261) | (0,079) | (0,100) | ||
ROI | -1,098 | -0,564 | 0,334 | -0,201 | 0,066 |
(0,829) | (0.480) | (0,151) | (0,109) | ||
Market-to-book | 0,027 | 0,021 | 1,027 | 0,007 | -0,033 |
(0,146) | (0.087) | (0,026) | (0,027) | ||
Liquidez | -0,086 | -0,057 | 0,918 | -0,018 | -0,014 |
(0,088) | (0.052) | (0,014) | (0,013) | ||
Constante | -4,095 *** | -2,321 *** | 0,017 | -0,244* | 0,016 |
(0,810) | (0.459) | (0,128) | (0,208) | ||
Dummies anuais | Sim | Sim | Sim | Sim | |
Obs. | 2.317 | 2.317 | 2.317 | 2.317 | |
F | 19,65*** | 8,15*** | |||
R2 | 0,252 | 0,169 | |||
Wald chi2 | 136,27 *** | 154,20 *** | |||
Pseudo R2 | 0,211 | 0,208 | |||
Área sob curva ROC | 0,796 | 0,795 | |||
% classificações corretas | 74,88% |
Notas. Variáveis operacionalizadas conforme reportado na Figura 2; todos os modelos foram estimados com erros- padrão robustos clusterizados por firma e dummies de tempo (ano); Coef.: coeficientes estimados; erro-padrão entre parênteses, abaixo de cada coeficiente; os níveis de significância de 10%, 5% e 1% são representados por *, ** e
***, respectivamente.
Fonte: Dados da pesquisa.
governança, como tratado por Xxxxxxx et al. (2020), reduzindo os custos de agência da dívida, aqui representados pela imposição de covenants, os quais acabam por reduzir a flexibilidade financeira da firma e, potencialmente, comprometer a sua geração de valor. Assim, como discutido por Xxxxxxxx e Xxxxxx (1997), verifica-se que, em ambientes de fraca proteção aos direitos do credor, as empresas acabam por adotar mecanismos internos que mitigam conflitos de interesses e potenciais problemas de agência.
Quanto às variáveis de controle, destaca-se a persistência dos sinais e significância das variáveis tamanho e alavancagem em todos os modelos, sendo possível verificar uma relação positiva entre as métricas de alavancagem e tamanho e a probabilidade de covenants. A relação positiva com a alavancagem já era esperada, dada a ampla utilização de covenants em contratos de dívida
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visando à proteção dos direitos dos credores. Xxxxxx (2014) e Xxxxxxx x Xxxxxxx (2015) também verificaram uma relação positiva entre essas variáveis para empresas americanas.
Em relação à variável tamanho, seria possível esperar uma relação negativa, visto que empresas maiores possuem maior reputação de crédito e menor assimetria informacional, logo apresentam menor risco (Rajan & Zingales, 1995), o que poderia reduzir a necessidade de covenants. Ao mesmo tempo, a relação positiva encontrada se justifica pelo fato de empresas maiores acessarem mais fontes de financiamento (são menos restritas financeiramente), sendo mais alavancadas que as demais, levando a uma relação positiva com covenants. Palhares et al. (2019) também verificaram uma relação positiva entre tamanho e a quantidade de covenants em emissões de debêntures na B3. Finalmente, não encontramos relação significante entre covenants e rentabilidade, índice de imobilização dos ativos, oportunidades de crescimento ou liquidez nos modelos reportados
na Tabela 7.
A Tabela 8 apresenta os resultados do modelo dos determinantes da intensidade de covenants. Na coluna (1) estão os resultados da estimação do modelo binomial negativo e na coluna (2) está a estatística IRR, a qual permite analisar a significância econômica dos coeficientes (efeito marginal das variáveis) do modelo apresentado na coluna (1). Nas colunas (3) e (4), estão os resultados dos modelos lineares estimados por mínimos quadrados ordinários (pooled e efeito fixo). Da mesma forma, todos os modelos foram estimados com erros-padrão robustos clusterizados por firma e dummies de tempo (ano).
Quanto à relação esperada entre a concentração de propriedade e a intensidade de covenants presentes em contratos de dívidas das companhias listadas na B3, o sinal negativo dos coeficientes da variável Conc_Prop corrobora a nossa hipótese, mas nenhum desses coeficientes apresenta significância estatística aos níveis usuais. Ao analisar a relação entre concentração de propriedade e a amplitude de covenants em emissões de debêntures na B3, Palhares et al. (2019) também encontraram uma relação negativa, porém significante a 10% apenas em um dos modelos. Konraht e Xxxxxxx (2019) também verificam uma relação negativa significante entre essas variáveis utilizando uma amostra de debêntures emitidas na B3. No entanto, os autores utilizaram um modelo de regressão de Xxxxxxx, diferente dos modelos aqui testados.
No tocante às variáveis de controle, os resultados são coerentes com os apresentados na Tabela 7. Novamente, as métricas para alavancagem e tamanho se mantêm significantes e com sinal positivo, indicando que empresas maiores e mais alavancadas apresentam maior quantidade de covenants em contratos de dívidas, resultado também obtido por Palhares et al. (2019) para a variável tamanho. A variável liquidez apresenta significância e sinal negativo em um dos modelos, indicando que empresas com maior liquidez apresentam menor quantidade de covenants. As demais variáveis não foram significantes.
Por meio dos resultados reportados nas Tabelas 7 e 8, é possível afirmar que o nível de concentração de propriedade está associado de forma negativa à probabilidade da presença de covenants em contratos de dívida, sendo que quanto maior a concentração de propriedade, menor a probabilidade de imposição de covenants. No entanto, a estrutura de propriedade definida pela empresa não parece afetar a quantidade (ou intensidade) de covenants impostos, o que rejeita nossa hipótese. Tomados em conjunto, nossos resultados apontam na direção da adoção de mecanismos internos de governança pelas empresas, visando emitir sinais positivos ao mercado, alinhar interesses e reduzir os potenciais custos de agência da dívida.
Determinantes da intensidade de covenants
(1) | (2) | (3) | (4) | |
Binomial Negativo | IRR | Pooled OLS | Efeito Fixo OLS | |
Variáveis explicativas | Coef. | Coef. | Coef. | Coef. |
Conc_Prop | -0,169 | 0,845 | -0,073 | -0,116 |
(0,322) | (0,257) | (0,281) | ||
Dívida/Ativo | 1,406*** (0,442) | 4,079 | 1,170*** (0,360) | 1,177*** (0,362) |
Ln(Receita) | 0,256*** | 1,292 | 0,185*** | 0,050 |
(0,046) | (0,038) | (0,044) | ||
Imob/Ativo | 0,230 | 1,259 | 0,173 | -0,315 |
(0,263) | (0,242) | (0,254) | ||
ROI | -0,588 | 0,556 | -0,403 | -0,121 |
(0,531) | (0,355) | (0,259) | ||
Market-to-book | 0,044 | 1,045 | 0,033 | -0,062 |
(0,114) | (0,088) | (0,07) | ||
Liquidez | -0,107 | 0,899 | -0,040 | -0,049** |
(0,071) | (0,033) | (0,024) | ||
Constante | -2,660*** | 0,070 | -0,934** | 0,369 |
(0,519) | (0,366) | (0,382) | ||
Dummies anuais Obs. F R2 Wald chi2 Pseudo R2 | Sim 2.314 105,71*** 0,05 | Sim 2.314 6,85 *** 0,130 | Sim 2.314 4,87 *** 0,077 |
Variável Dependente (Y) = CovInt
19
391
Notas. Variáveis operacionalizadas conforme reportado na Figura 2; todos os modelos foram estimados com erros- padrão robustos clusterizados por firma e dummies de tempo (ano); Coef.: coeficientes estimados; erro-padrão entre parênteses, abaixo de cada coeficiente; os níveis de significância de 10%, 5% e 1% são representados por *, ** e
***, respectivamente.
Fonte: Dados da pesquisa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi investigar se um maior nível de concentração de propriedade reduz a probabilidade da presença de covenants em contratos de dívida das companhias listadas na B3 no período 2007-2018. Também buscamos apresentar um panorama dos covenants para as companhias listadas na B3 no período analisado e evidenciar a posição atual dessas companhias em relação à quebra do principal covenant utilizado, o indicador Dívida Líquida/Ebitda.
No geral, identificamos 17 tipos de covenants por meio do mapeamento realizado, com destaque para dois deles: Dívida Líquida/Ebitda e Ebitda/Resultado Financeiro, que juntos representam mais da metade das observações de covenants. Em relação à evidenciação dessa informação, verificamos que as empresas listadas nos segmentos Novo Mercado e Nível 2 de governança corporativa da B3 aparecem em maior número do que as demais, sinalizando maior qualidade de disclosure das firmas nos melhores segmentos de governança.
19
392
Em relação aos modelos, os resultados demonstram que um maior nível de concentração de propriedade reduz a probabilidade da presença de covenants em contratos de dívidas de companhias abertas, corroborando o papel da estrutura de propriedade como mecanismo substituto de governança capaz de alinhar interesses e reduzir o risco percebido por credores, levando a uma menor necessidade de utilização de covenants nos contratos.
Essa relação é esperada em ambientes de fraco enforcement legal e baixo nível de proteção aos direitos dos credores, como o Brasil, levando as companhias a adotarem mecanismos internos de governança que garantam o alinhamento de interesses e reduzam os problemas de agência. Nesse sentido, ao reduzir a imposição de covenants, a concentração de propriedade acaba por reduzir os custos da utilização de dívida como fonte de financiamento, permitindo que a empresa mantenha a flexibilidade no processo de tomada de decisão financeira, crucial para atingir seus objetivos de geração de valor. No entanto, os resultados rejeitam nossa hipótese de que a concentração de propriedade está associada negativamente à quantidade de covenants, resultado que pode ter sido gerado pelo fato de grande parte das firmas possuírem, em média, dois ou três covenants financeiros, conferindo baixa variação para esse indicador nos modelos.
Também verificamos que, em média, as empresas estão distantes de ultrapassar os limites estabelecidos para quebra do covenant Dívida Líquida/Ebitda, sendo que os anos de maior quebra foram 2015 e 2016, com maior frequência no setor de energia elétrica. Por outro lado, é comum que as empresas renegociem os contratos de dívida estabelecidos antes da quebra de tais cláusulas. Assim sendo, examinar o papel das renegociações (waivers) também poderia trazer contribuições relevantes para análise do impacto da presença de covenants sobre as políticas de financiamento e investimento de companhias brasileiras.
Uma limitação importante da análise é que, quando não há informações relativas à covenants, não podemos distinguir se a empresa não possui contratos de dívida com covenants ou se não evidenciou tal informação nas notas explicativas. Assim, o modelo apresentado pode não captar completamente o efeito das variáveis explicativas sobre a determinação dos covenants. Além disso, a heterogeneidade do nível de evidenciação de informações sobre covenants pelas companhias brasileiras não permitiu análises mais abrangentes dos indicadores. Ademais, outros fatores, além dos considerados nos modelos, podem impactar a utilização de covenants.
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CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA
TA – Definição do problema de pesquisa, elaboração do referencial teórico, desenho dos procedimentos metodológicos, coleta dos dados, estimação dos modelos econométricos, análise dos dados e resultados e redação do texto.
RFS – Definição do problema de pesquisa, desenho dos procedimentos metodológicos, estruturação dos modelos econométricos, análise dos dados e resultados e revisão do texto.
FINANCIAMENTO
Agradecemos à equipe do RiskFinLab (FEA/USP) pelo apoio à pesquisa. Xxxxxxx Xxxxxxx agradece o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo nº 2020/05717-4) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - Brasil) e Xxxxxx Xxxxxxxx agradece o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e FAPESP.
CONFLITO DE INTERESSE
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
APÊNDICE A
Modelos Adicionais
Tabela A.1
Determinantes da presença de covenants
Variáveis explicativas
Variável Dependente (Y) = CovDummy
(1) (2)
Logit Efeito Fixo Logit Efeito Aleatório Coef. Coef.
19
395
Conc_Prop -3,7713 *** -3,0609 ***
(1,015) (0,772)
Dívida/Ativo 4,1822 *** 5,6602 ***
(1,060) (0,936)
Ln(Receita) 0,5714 *** 0,8892 ***
(0,195) (0,124)
Imob/Ativo 1,1899 1,2329 *
(0,769) (0,654)
ROI 0,5884 0,0857
(1,073) (0,999)
Market-to-book -0,4840 ** -0,3517 *
(0,229) (0,205)
Liquidez -0,0328 -0,0950
(0,109) 0,102)
Constante -6,6001***
(1,175)
Dummies anuais Sim Sim
Obs. 1.245 2.317
LR chi2 357,16***
Wald chi2 265,59***
Notas. Variáveis operacionalizadas conforme reportado na Figura 2; Coef.: coeficientes dos modelos de regressão logística com dados em painel com estimação por efeitos fixos (1) e efeitos aleatórios (2); erro-padrão entre parênteses, abaixo de cada coeficiente; os níveis de significância de 10%, 5% e 1% são representados por *, ** e ***, respectivamente.
Fonte: Dados da pesquisa.