ENTRE CONTRATOS E RECEITAS, AS OBRIGAÇÕES DE DESEMPENHO
“Entre Contratos e Receitas, as Obrigações de Desempenho”, artigo para o livro “Controvérsias Jurídico-Contábeis”, FIPECAFI/IBDT/GEN/Atlas, 2019, p. 311, a respeito das obrigações atualmente denominadas de performance.
Autor: Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx
ENTRE CONTRATOS E RECEITAS, AS OBRIGAÇÕES DE DESEMPENHO
Depois de alguns anos de suspensão das nossas reuniões, novamente nos encontramos, contadores e juristas, para o debate comum de assuntos que dizem respeito aos dois campos de atuação científica, procurando encontrar pontos de convergência e pontos de divergência entre eles, e, ao mesmo tempo, mediante sua compreensão, melhorar o enfrentamento de situações concretas na vida empresarial, com suas consequências no âmbito das relações estritamente societárias e no das múltiplas incidências tributárias.
Desde a Lei n. 11638, de 28.12.2007, vimos enfrentando desafios desta natureza com muito mais afinco e necessidade do que antes, quando havia diferenças de pontos de vista, porém menos intensas devido a duas circunstâncias, antes inexistentes:
– a contabilidade brasileira passou a procurar harmonizar-se com a contabilidade internacional, e esta em boa parte está construída sob regimes jurídicos fundamentalmente diversos do nosso, o que influencia fortemente a visão econômica dos fatos pelas práticas contábeis;
– as novas regras contábeis brasileiras, que englobam as alterações na Lei n. 6404 iniciadas com a Lei n. 11638, assim como as manifestações do Comité de Pronunciamentos Contábeis (CPC), tornaram-se mandatoriamente aplicáveis para o fazimento das
demonstrações financeiras, as quais podem produzir efeitos no âmbito das relações societárias.
No terreno tributário, a Lei n. 12973, de 13.5.2014, prescreveu ajustes necessários a eliminar efeitos das práticas contábeis incompatíveis com o Sistema Tributário Nacional, ou indesejáveis para a tributação brasileira ou mesmo pela praticidade e coerência com as normas do nosso direito privado. Contudo, sabemos hoje que essa lei não solucionou todos os pontos específicos, deixando campo para inúmeras controvérsias e perniciosa insegurança jurídica.
De qualquer modo, as distinções conceituais entre o contábil e o jurídico também se manifestam fora do direito tributário, nos campos das relações societárias e negociais, podendo causar enormes dificuldades quando litígios específicos tiverem que ser resolvidos nestas searas.
O objetivo deste artigo não é voltado para qualquer aspecto particular, mas para diferentes noções em seus aspectos mais gerais, portanto, aplicáveis nas mais diversas situações pontuais.
Refiro-me ao conceito de natureza dos atos e negócios praticados pelos empresários ou pelas sociedades empresariais, e, embutida nele, à questão das respectivas receitas e sua quantificação.
Abordarei este tema porque há marcante distinção de conceitos entre a ciência contábil e o direito brasileiro, a qual foi aprofundada através do Pronunciamento Técnico CPC 47, sobre receitas de todo e qualquer contrato com clientes, exceto os expressamente excluídos em virtude de suas características notadamente específicas.
De fato, a partir de um denominador comum – que é o contrato – pode-se chegar a diversas distinções, inclusive as decorrentes da noção de “desempenho”, palavra que é mencionada quatrocentos e noventa vezes no Pronunciamento Técnico CPC 47, a partir do seu item 4, quando alude a “obrigações de desempenho”.1
1 Sobre o tema das “obrigações de desempenho”, também conhecidas como “obrigações de performance”, já estavam de certo modo mencionadas no Pronunciamento Técnico CPC 30, como sendo componentes separados e identificáveis de uma única transação, tendo como objetivo refletir a essência econômica da transação. O CPC 47 não se refere à tal essência, mas a ideia subjacente aos dois atos do CPC é a mesma.
Vale notar que a descrição do objeto desse pronunciamento, contida em seu item 1, declara que ele visa estabelecer os princípios que a entidade (inclusive a pessoa jurídica) deve aplicar para apresentar informações úteis aos usuários de demonstrações contábeis sobre a natureza, o valor, a época e a incerteza de receitas e fluxos de caixa provenientes de contratos com clientes (isto é, os compradores, os tomadores de serviço, etc.).
Ou seja, a natureza e o valor das receitas estão inseridos no objetivo do CPC 47, o qual se completa com a descrição de que o princípio básico do pronunciamento consiste em que a entidade deve reconhecer receitas para descrever a transferência de bens ou serviços prometidos a clientes, no valor que reflita a contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca desses bens ou serviços (item 2), descrição esta, até este ponto em seus termos gerais, equivalente à noção jurídica de receita.
O ponto de maior conjunção com o direito está no item 3, segundo o qual a entidade deve considerar os termos do contrato e todos os fatos e circunstâncias relevantes ao aplicar o pronunciamento.
Sabemos que na identificação da natureza jurídica dos contratos não se deve ater apenas ao seu título ou às suas palavras, mas também ao que as partes pretenderam pactuar (Código Civil, art. 1122), o que pode estar (embora não necessariamente sempre esteja) em consonância com a exigência da consideração de circunstâncias relevantes para a aplicação das regras contábeis.
O mesmo pode-se dizer quanto à parte final do mesmo item 3, em que é recomendado para a entidade que aplique o pronunciamento incluindo o uso de expedientes práticos, de forma consistente com contratos que tenham características similares e em circunstâncias similares. De fato, se a empresa emprega sempre uma única modalidade negocial com todos os seus clientes, alguma dúvida sobre um contrato em particular pode ser resolvida com a ajuda da prática adotada com todos os clientes, caso não haja alguma razão de diferenciação da situação duvidosa.
Os pontos de contato entre a contabilidade e o direito também podem ser identificados no item 9 do CPC 47, que trata do reconhecimento e da identificação dos contratos, no sentido da sua existência (e não da sua natureza específica), e prescreve
2 “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”
que a entidade deve contabilizar um contrato com cliente, que esteja dentro do alcance do pronunciamento, somente quando forem atendidos todos os seguintes critérios:
(a) as partes do contrato o tenham aprovado (por escrito, verbalmente ou de acordo com outras práticas de negócios usuais) e estão comprometidas em cumprir suas respectivas obrigações;
(b) a entidade pode identificar os direitos de cada parte em relação aos bens ou serviços a serem transferidos;
(c) a entidade pode identificar os termos de pagamento para os bens ou serviços a serem transferidos;
(d) o contrato possui substância comercial (para o CPC, há substância comercial quando é de se esperar que o risco, a época ou o valor dos fluxos de caixa futuros da entidade se modifiquem como resultado do contrato); e
(e) seja provável que a entidade receberá a contraprestação à qual terá direito em troca dos bens ou serviços que serão transferidos ao cliente.
Se tivermos em conta o disposto no art. 212 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual os negócios jurídicos (na verdade, todos os fatos jurídicos) se provam por qualquer forma se não exigida alguma específica3, perceberemos a sua grande proximidade com o item 9 do CPC, uma vez que o contrato obriga as partes (letra “a”), ainda que haja exigência legal de forma específica, esta estará de acordo com as referências às formas escrita, verbal ou costumeira referidas na letra “a”, o objeto do contrato corresponde à letra “b”, assim como as condições do mesmo identificam-se com a letra “c”.
Prosseguindo nesta comparação, quanto ao que a letra “d” alude como “substância comercial” podemos identificar os efeitos produzidos pelo contrato, ou seja, por sua prestação e contraprestação, as quais, obviamente, nos contratos válidos
3 “Art. 212 – Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I - confissão; II - documento; III - testemunha; IV - presunção; V - perícia.”
Todavia, nem sempre a contabilidade registra a verdadeira substância (natureza) jurídica de um contrato, pois enxerga nele uma sustância econômica diversa da que está contida na relação jurídica e que fixa os direitos e as obrigações das respectivas partes, sobre o que teremos oportunidade de ver adiante alguns reflexos.
Por fim, a probabilidade do recebimento da contraprestação é uma presunção existente no momento do contrato e da entrega da prestação, somente vindo a falhar pela ocorrência de fatos ou circunstâncias supervenientes. Tal presunção deriva de que, desde esse momento, há direito ao preço.
Por isso mesmo, o item 9 do CPC 47 se completa declarando que, ao avaliar se é provável a possibilidade de recebimento do valor da contraprestação (isto é, da receita), a entidade deve considerar apenas a capacidade e a intenção do cliente de pagar esse valor no seu vencimento, o que, no direito, está presumido em decorrência do fechamento do contrato (de resto, a empresa devidamente gerida não contrata sem informações sobre a sua contraparte) e do cumprimento da prestação,
O CPC não nega isso ao esclarecer verbalmente que o contrato é um acordo entre duas ou mais partes, o qual cria direitos e obrigações exequíveis, e que a exequibilidade dos direitos e obrigações em contrato é matéria legal, bem como que os contratos podem ser escritos, verbais ou sugeridos pelas práticas de negócios usuais da entidade (item 10).
A identidade ou equivalência conceitual pode ser contatada na continuidade do item 10, segundo a qual as práticas e os processos para estabelecer contratos com clientes variam entre jurisdições, setores e entidades, dado que as obrigações são regidas pela lei do país em que forem contraídas (art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), sendo evidente que entre um setor de atividade e outro os respectivos negócios são regidos por normas legais apropriadas a cada um deles. Assim, somente não se encontraria similaridade quanto à afirmação da variabilidade por entidade, seja esta uma pessoa jurídica ou uma unidade de negócio, porque as
4 “Art. 167 - É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. Art. 173 - O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê- lo.”
regras legais são indistintamente aplicáveis a todas elas, mas o que se visa é alguma praxe adotada por determinada empresa, tal como a formulação de pedidos sempre através de alguma via por ela instituída.
Também não destoa nas normas jurídicas a afirmação de que as práticas e os processos para estabelecer contratos podem variar dentro da entidade (por exemplo, segundo o CPC, eles podem depender da classe do cliente ou da natureza dos bens ou serviços prometidos), o que se situa dentro da liberdade de contratar assegurada pelo art. 421 do Código Civil do Brasil5. Portanto, torna-se redundante, mas tem seu valor explicitativo, a declaração final do item 10 do CPC 47, de que entidade deve considerar as referidas práticas e processos ao determinar se e quando um acordo com o cliente cria direitos e obrigações exequíveis.
A quantificação, ou “mensuração” segundo a terminologia mais comum na contabilidade, das obrigações, já sofre, “ab initio”, fortes modificações entre o que está contratado e vale juridicamente, e o que deve ser refletido contabilmente.
Desde o final do item 9 do CPC 47 há a previsão de distinções, pois, segundo ele, o valor da contraprestação à qual a entidade tem direito pode ser inferior ao preço declarado no contrato, isto se a contraprestação for variável, pois, segundo esse item, a entidade pode oferecer ao cliente uma “concessão de preço”.
Agora entramos num terreno de possíveis divergências, pois o preço contratado (a contraprestação a ser recebida) é uno para o direito, quando não decomposto no contrato que o estabelece, enquanto que o item 52 do CPC 47 expõe que a variabilidade relativa à contraprestação prometida ao cliente pode ser declarada expressamente no contrato, ou se existir qualquer das seguintes circunstâncias:
(a) o cliente possui uma expectativa válida decorrente das práticas de negócios usuais da entidade, das políticas publicadas ou de declarações específicas, de que a entidade deva aceitar um valor de contraprestação que seja inferior ao preço declarado no contrato (esta alínea esclarece que se espera que a entidade ofereça uma concessão de preço, e que, dependendo da jurisdição, do setor ou do cliente, essa oferta pode ser referida como desconto, abatimento, restituição ou crédito);
5 “Art. 421 - A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
(b) outros fatos e circunstâncias indicam que a intenção da entidade, ao celebrar o contrato com o cliente, é oferecer uma concessão de preço ao cliente.
Mas em princípio (e dependendo do contratado) não há contrariedade com o direito quando o item 51 do CPC esclarece que o valor da contraprestação pode variar em razão de descontos, abatimentos, restituições, créditos, concessões de preços, incentivos, bônus de desempenho, penalidades ou outros itens similares, e também que a contraprestação prometida pode variar se o direito da entidade à contraprestação depender da ocorrência ou não ocorrência de evento futuro (como exemplo, o item 51 dá o seguinte: o valor da contraprestação é variável se o produto for vendido com direito de retorno ou se um valor fixo for prometido como bônus de desempenho em caso de ser atingido um marco especificado).
O problema decorre de que a entidade deve estimar o valor da contraprestação variável (item 50), utilizando um de dois métodos expostos e orientados nos itens 53 e 54 do CPC (método do valor esperado e o do valor mais provável), o que somente se coadunaria com o preço contratual se o método fosse cláusula do contrato.
Outrossim, muitas das circunstâncias que determinam contabilmente haver uma parcela variável nos preços não são reconhecidas por nosso direito tributário, bastando aqui lembrar os descontos condicionais. Mesmo porque a contabilidade pode e deve fazer ajustes nas estimativas, se houver razões para tanto.
As variáveis são muitas, o que nos impede, nos limites do presente trabalho, de abordar todas as diretrizes do CPC 47, inclusive de descer a detalhes sobre as diretrizes contábeis acima apresentadas resumidamente, inclusive sobre o item 4, no qual o pronunciamento especifica a contabilização dos contratos individuais com os clientes, mas permite, como expediente prático, a sua aplicação a uma carteira de contratos (ou de obrigações de desempenho) com características similares, se a entidade esperar que os efeitos sobre as demonstrações contábeis da aplicação do pronunciamento à carteira não difiram significativamente da sua aplicação aos contratos (ou obrigações de desempenho) individuais dentro dessa carteira.
A noção de “obrigação de desempenho” passa a ser fundamental para o (no) CPC 47, e daí haver quatrocentos e noventa referências à palavra “desempenho”.
A explicação do que seja “obrigação de desempenho” está no tópico do CPC
47 denominado “Identificação de obrigação de desempenho”, e começa com a determinação, no item 22, de que. no início do contrato, a entidade deve avaliar os bens ou serviços prometidos em contrato com o cliente, e deve identificar, como obrigação de desempenho, cada promessa de transferir ao cliente:
(a) bem ou serviço (ou grupo de bens ou serviços) que seja distinto; ou
(b) série de bens ou serviços distintos que sejam substancialmente os mesmos e que tenham o mesmo padrão de transferência para o cliente; para este efeito, série de bens ou serviços distintos tem o mesmo padrão de transferência para o cliente se atendidos dois critérios constantes do item 23 e segundo os demais itens nele mencionados.
Também quanto a isto as variáveis são diversas (veja-se os itens 23 a 30 do CPC6), mas importa constatar a possibilidade de haver “desempenhos” distintos numa só obrigação contratual, isto é, numa obrigação legalmente indivisível, tal como na entrega de um produto montado no local da sua utilização pelo comprador, ou na venda com garantia, ou na entrega gratuita de telefone num negócio de utilização de linhas telefônicas com compromisso de fidelidade do cliente, etc.
E, além de separar obrigações embutidas na prestação da pessoa jurídica, o item 31 determina que a entidade deve reconhecer receitas quando (ou à medida em que) ela satisfizer uma obrigação de desempenho ao transferir o bem ou o serviço (ou seja, um ativo) prometido ao cliente, considerando-se, para este fim, que o ativo é transferido quando (ou à medida em que) o cliente obtiver o controle desse ativo.
6 Não obstante, para melhor conhecimento do conceito, vale ao menos transcrever os seguintes itens: “24. Um contrato com cliente de modo geral declara expressamente os bens ou os serviços que a entidade promete transferir ao cliente. Contudo, as obrigações de desempenho identificadas no contrato com o cliente podem não estar limitadas aos bens ou serviços que são expressamente declarados nesse contrato. Isso porque um contrato com cliente pode incluir também promessas que sejam sugeridas pelas práticas de negócios usuais, políticas publicadas ou declarações específicas da entidade se, no momento da celebração do contrato, essas promessas criarem uma expectativa válida do cliente de que a entidade transfira bem ou serviço ao cliente. 25. Obrigações de desempenho não incluem atividades que a entidade deve realizar para cumprir o contrato, a menos que essas atividades transfiram o bem ou o serviço ao cliente. Por exemplo, o prestador de serviços pode precisar executar várias tarefas administrativas para elaborar o contrato. A execução dessas tarefas não transfere o serviço ao cliente à medida que as tarefas são executadas. Portanto, essas atividades de elaboração não constituem obrigação de desempenho”.
Isto significa que para a contabilidade pode haver momentos de apropriação de receitas distintos do momento, ou dos momentos, em que contratualmente elas sejam adquiridas pela pessoa jurídica e que, no âmbito do imposto de renda, sejam consideradas como disponíveis econômica ou juridicamente. A própria contabilidade, sem qualquer mudança legislativa, passou a dar ênfase à aquisição do controle do adquirente sobre o bem objeto do contrato, ao passo que antes do CPC 47 a ênfase estava na transferência de riscos e benefícios decorrentes da propriedade.
Antes de evoluirmos na questão dos desempenhos, é importante observar que, ao tratar da “Determinação do preço da transação” (o qual deve ser entendido como o preço do negócio), o item 47 do CPC 47 determina que a entidade deve considerar os termos do contrato e suas práticas de negócios usuais para determinar o preço da transação, e esclarece que o preço da transação é o valor da contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca da transferência dos bens ou serviços prometidos ao cliente, excluindo quantias cobradas em nome de terceiros, dando como exemplo alguns impostos sobre vendas.
Por conseguinte, o ponto de partida da contabilidade é o mesmo que se encontra juridicamente estabelecido no contrato.
O item 47 também reconhece que a contraprestação prometida em contrato com o cliente pode incluir valores fixos, valores variáveis ou ambos, sendo que a variabilidade já foi mencionada anteriormente.
A este propósito, encontramos noções jurídicas que podem ser equivalentes às contábeis, embora também possam divergir.
Realmente, na essência da questão, sob o ponto de vista jurídico, temos envolvidas as noções de preço determinado, preço indeterminado e preço fixo.
Sem muitos detalhes, mas atento às exigências legais para que o contrato esteja aperfeiçoado7, repetindo hipóteses constantes do código, XXXXXX XXXXXXXXX assinala que:8
7 “Art. 481 - Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro. Art. 482 - A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.” Na fixação do preço de outros contratos, inclusive o de prestação de serviço, podem ser aplicados os mesmos critérios, devidamente adaptados.
8 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito Civil – Dos Contratos. São Paulo: 2ª ed., Xxx Xxxxxxx, , Vol. III, p. 158.
“Mister se faz ainda que o preço seja determinado, ou determinável de maneira precisa.”
A este propósito, XXXXXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXX lecionou sobre alguns conceitos de maneira a poder amparar o afirmado acima. Assim se constata na seguinte passagem extraída da sua conhecida obra sobre o direito civil:9
“Por sua vez, o preço pode ser determinado, desde logo conhecido de ambas as partes contratantes no momento da celebração do contrato, como indeterminado, mas determinável a posteriori, pelos critérios convencionados.
Em regra, na grande maioria dos casos, o preço é determinado, quer dizer, conhecido e fixado desde logo pelos contraentes, no instante em que ultimam o contrato, em atenção à lei da oferta e da procura, de acordo com os seus interesses, ou segundo ainda os atos administrativos, se tabeladas se acham as coisas vendidas (Lei Delegada n. 5, de 26.9.1962, art. 3º, n. VII).
Mas, o preço pode ser indeterminado, contanto que seja oportunamente determinável, mediante elementos objetivos estabelecidos ou fixados pelos próprios contratantes. Assim acontecerá, exemplificativamente, no caso em que a compra e venda se efetua pelo preço que a coisa vendida tiver na bolsa ou mercado, em tal dia e lugar (Cód. Civil, art. 112410). Se na data aprazada, a cotação oscilar, prevalecerá o valor médio; contudo, podem as partes melhor precisar sua intenção, esclarecendo, por exemplo, que o preço será o do pregão de abertura, ou o do encerramento.” (destaques no original)
De PLÁCIDO E XXXXX segue por igual senda, embora com termos distintos, nos seguintes verbetes do seu clássico “Vocabulário Jurídico”:11
“PREÇO CERTO. É aquele que se apresenta fixado ou determinado por uma
quantia certa ou por uma soma em dinheiro preestabelecida.
O preço certo, pois, revela-se na exata fixação da soma pecuniária, que o constitui, que já vem demonstrada ou determinada. Preço certo ou determinado têm significação equivalente. Se é certo é determinado.
.....
9 MONTEIRO, Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações. São Paulo: 6ª ed., Saraiva, Vol. 2, p. 85.
10 A referência é ao código de 1916, cujo ar. 1224 corresponde no atual código ao art. 486: “Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar”.
11 XXXXX, Xx Xxxxxxx e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 2ª ed., Vol. III, p. 1198 e 1199.
PREÇO INDETERMINADO. Preço indeterminado ou incerto é aquele que ainda não está definido ou estabelecido, dependendo de estimação ou de avaliação, que o venha determinar, ou de qualquer outra circunstância que o firme ou estabeleça a sua fixação.
Preço indeterminado, portanto, é o que ainda não foi fixado ou depende de fixação, seja esta confiada a terceiros ou dependente da evidência de fato que o determine ou fixe.”(destaques no original)
XXXXXXX XXXXX, em obra não menos clássica, adota o termo “determinado” para referir-se a todo preço que derivar de estipulação, arbitramento de terceiro ou cotação, portanto, numa atribuição de abrangência muito mais ampla. Diz ele:12
“Além de verdadeiro, deve o preço ser certo - certum. Há de constar no contrato, mas não é preciso que seja determinado. Basta que possa ser determinado, como no caso de ser deixado à taxa do mercado, ou no de ser o habitualmente pago.
A determinação do preço pode resultar: a) da livre estipulação das partes; b) do arbitramento de terceiro (arbitrador);·c) da cotação da mercadoria em determinado dia e lugar.
O primeiro modo de fixação do preço é o mais comum. Em regra, há plena liberdade de estipulação, mas, na venda de certas mercadorias, o preço é tabelado pela autoridade pública.” (os negritos são destaques no original)
Diga-se que a noção de preço determinável não é mera criação doutrinária, pois é fato da vida negocial que o direito visa regular, e encontra supedâneo no art. 487 da atual codificação civil, “in verbis”:
“Art. 487 - É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.”
Portanto, com as variantes terminológicas decorrentes das preferências dos autores, o que temos é a possibilidade de haver preço indeterminado, mas determinável.
12 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 10ª ed., p. 254.
E distinções em relação aos critérios contábeis podem surgir por conta da conceituação de parcelas variáveis, para fins da contabilidade.
Outras distinções, provavelmente mais significativas, situam-se na obrigação de o contabilista segregar, dentro do preço do negócio, o preço das “obrigações de desempenho”, cuja definição vimos acima e que pode ser resumida na existência de mais de uma espécie de atividade (como venda da coisa e sua montagem) compondo uma única prestação indecomponível juridicamente, inclusive remuneradas sob preço único e total.
O que o CPC exige é, a partir do valor total da transação, a alocação de valores a cada obrigação de desempenho, mesmo quando não haja qualquer base contratual para tanto.
Dentro do pronunciamento há um tópico denominado “Determinação do preço da transação e os valores alocados a obrigações de desempenho”, e nele o item 126 prescreve que a entidade deve divulgar informações sobre métodos, informações e premissas utilizados para todas as alíneas seguintes:
(a) determinar o preço da transação, o que inclui, entre outras coisas, estimar a contraprestação variável, ajustar a contraprestação para refletir os efeitos do valor do dinheiro no tempo e mensurar a contraprestação não monetária;
(b) avaliar se a estimativa de contraprestação variável é restrita;
(c) alocar o preço da transação, incluindo estimar preços de venda individuais de bens ou serviços prometidos e alocar descontos e contraprestação variável a parte específica do contrato (se aplicável); e
(d) mensurar obrigações de devolução, de restituição e de outras obrigações similares.
São, portanto, alocações de valores para fins meramente contábeis, sem qualquer interferência nas relações jurídicas a que se referem (das quais proveem), nestas incluídas as relações jurídicas tributárias, cujas bases de cálculo são
estabelecidas por normas das leis ordinárias de cada tributo, em consonância com as do Código Tributário Nacional que existam.
Ao tributarista com formação jurídica é fácil perceber, entre outras consequências, que, quanto às letras “a” e “b”, via de regra o valor do dinheiro no tempo é irrelevante para a quantificação dos tributos, e as contraprestações variáveis somente se manifestam no terreno tributário quando efetivamente (e não apenas estimativamente) verificadas. Quanto à letra “c”, percebe que somente pode haver as alocações nela requeridas quando o contrato ou a norma legal determinar a decomposição do preço, e, quanto à letra “d”, os eventos nela citados não mudam o preço tomado como base de cálculo tributária, e somente podem vir a produzir algum efeito quanto ocorridos efetivamente, assim mesmo sob dependência da natureza de cada tributo e de outras circunstâncias juridicamente relevantes.
E também para o civilista, as mesmas observações virão à tona quando abordar as relações jurídicas entre as partes, regidas pelas normas legais aplicáveis e pelos respectivos contratos.
Para maiores e mais detalhadas comparações ainda em torno dos preços, teríamos que contar com maior espaço e estar em outra perspectiva, aqui inexistentes, podendo-se, contudo, recomendar a análise criteriosa dos itens 123 a 126 do Pronunciamento Técnico CPC 47. Neste sentido, em relação ao item 124, deve-se lembrar que trata de situação regida pelo art. 10 do Decreto-lei n. 1598, de 26.12.1977, e verificar-se as possíveis discrepâncias entre este e aquele item.
Passemos para outro aspecto abordado no Pronunciamento Técnico CPC 47, que é o tópico relacionado ao que o ato denomina “Combinação de Contratos”.
Segundo o item 17 do pronunciamento contábil, a entidade deve combinar dois ou mais contratos celebrados na mesma data, ou perto dessa data, com o mesmo cliente (ou partes relacionadas do cliente), e deve contabilizar os contratos como um único contrato se um ou mais dos seguintes critérios forem atendidos:
(a) os contratos forem negociados como um pacote com um único objetivo comercial;
(b) o valor da contraprestação a ser paga pelo contrato depende do preço ou do desempenho de outro contrato; ou
(c) os bens ou serviços prometidos nos contratos (ou alguns bens ou serviços prometidos em cada um dos contratos) constituem uma única obrigação de desempenho (cujo conceito já foi referido acima).
Esta noção de contratos combinados, estabelecida no CPC 47, evoca algumas noções jurídicas que podem se igualar à contábil, ou estar apenas aproximadas a ela, ou ainda ser totalmente distintas.
Convém iniciar aclarando que os atos jurídicos são classificados em (1) atos jurídicos em sentido estrito, que são os regidos inteiramente pela lei, a cuja disciplina as partes aderem com possibilidades limitadas para estabelecer condições, e em (2) atos jurídicos em sentido lato, ou negócios jurídicos, que são regidos por contratos submetidos à liberdade de estipulações mais ampla do que nos primeiros, sendo, quando regularmente exercidos (portanto, inclusive observadas as suas funções), delimitados apenas pelas normas de ordem pública, isto é, aquelas que não podem ser contrariadas pela vontade individual.
Esta distinção pode parecer apenas teórica, mas é importante registrá-la porque é comum ler-se em dispositivos legais do Código Civil alusões apenas a negócios jurídicos. Não obstante, tais disposições geralmente estendem-se aos atos jurídicos em sentido estrito, eis que o art. 185 preceitua que “aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”, título este que trata dos negócios jurídicos.
Portanto, é possível haver um ato jurídico em sentido estrito (por exemplo: aumento de capital) e um negócio jurídico (por exemplo, mútuo), e pode ocorrer que ambos sejam enliçados por um negócio jurídico previamente pactuado entre as partes.
Isto pode ocorrer quando dois ou mais atos ou negócios jurídicos tenham validade jurídica e identidades (naturezas) jurídicas individuais, ainda que previamente as partes envolvidas tenham contratado, também legal e validamente, realizá-los em conjunto e como parte de uma tratativa global.
Nestes casos, a individualidade de cada ato ou negócio jurídico está diretamente vinculada ao regime jurídico de cada um, com suas prestações e contraprestações próprias e distintas, não obstante eles possam fazer parte de um único negócio, com consequências, em caso de sua ruptura, definidas no contrato “geral”.
De fato, o direito privado brasileiro reconhece a existência de atos ou negócios jurídicos coligados e atos jurídicos complexos, sendo bom esclarecer desde já que, em teoria, há atos jurídicos complexos que não são coligados, e há atos jurídicos coligados que não são necessariamente complexos, embora a doutrina utilize terminologia não necessariamente coincidente.
XXXXXX XXXXX XX XXXXX XXXXX define os negócios jurídicos complexos da seguinte maneira:13
“249 - Negócios jurídicos complexos.
Xxxxxx foi o idealizador desta nova categoria de negócios jurídicos: os negócios jurídicos complexos. Na verdade, no domínio dos contratos bilaterais, há determinadas categorias em que se não procura pacificar interesses entrechocantes, pois esse é o objetivo comum dos contratos bilaterais, mas, mui ao contrário, se busca regular uma atividade cuja finalidade consiste na obtenção de um ideal comum. As partes contratantes não se mantêm opostas, nem limitadas, mas, diversamente, se congregam para um só objetivo. Não existem sujeitos ativos e passivos, mas co-titulares de direitos. Nos contratos bilaterais comuns, são vontades que se defrontam, ao passo que nos negócios jurídicos complexos são vontades que marcham paralelas. Tal é o caso do contrato de sociedade”.
Já para TRAJANO DE XXXXXXX XXXXXXXX, a incorporação de uma pessoa jurídica por outra é um ato jurídico complexo. Diz esse autor:14
“793. A incorporação e a fusão de sociedades anônimas entram na categoria dos atos jurídicos complexos. Resultam de deliberações tomadas pelas assembleias gerais, deliberações que, como atos colegiais, se incluem igualmente na referida categoria (n. 428).
Pouco importa que as bases para a fusão ou a incorporação tenham sido objeto, o que é natural, de acordos ou convenções prévios entre as sociedades
13 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx. Curso de Direito Civil. São Paulo: 6ª ed., Biblioteca Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, vol. I, p. 371.
14 XXXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Sociedades por Ações. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., vol. III, p. 79.
que se vão fundir. Isso não desclassifica o ato ou o negócio jurídico (n. 198). Sem a aprovação, pela assembleia geral, das bases ou condições da fusão ou da incorporação, o negócio é legalmente impossível.
794. A opinião dos que veem, senão já na fusão, mas, ao menos, na incorporação, uma espécie de cessão, troca ou compra, deve ser rejeitada. Na fusão, porque há a constituição de uma nova sociedade anônima, e a versão de valores para formação do capital dela não é nenhum daqueles negócios jurídicos (n. 225); na incorporação, porque, simples ato de modificação estatuária em relação à sociedade incorporadora, os bens das sociedades incorporadas entram para aquela pelo mesmo processo da constituição de uma nova sociedade anônima, isto é, pelo ato de subscrição. A sociedade anônima incorporadora aumenta o seu capital, que é subscrito pelas sociedades a serem incorporadas. O valor dos bens será, evidentemente, a diferença, em dinheiro, a favor do ativo das sociedades que vão ser incorporadas. É o seu patrimônio líquido.”
Por sua vez, XXXXXXX XXXXX caracteriza os contratos coligados a partir da definição de contratos atípicos, inclusive dos contratos mistos. Diz ele:15
“76. Divisão dos contratos atípicos
Os contratos atípicos formam-se de elementos originais ou resultam da fusão de elementos próprios de outros contratos. Dividem-se em contratos atípicos propriamente ditos e mistos. Ordenados a atender interesses não disciplinados especificamente na lei, os contratos atípicos caracterizam-se pela originalidade, constituindo-se, não raro, pela modificação de elemento característico de contrato típico, sob forma que o desfigura dando lugar a um tipo novo. Outras vezes, pela eliminação de elementos secundários de um contrato típico. Por fim, interesses novos, oriundos da crescente complexidade da vida econômica, reclamam disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem livremente, sem terem padrão para observar.
Os contratos mistos compõem-se de prestações típicas de outros contratos, ou de elementos mais simples, combinadas pelas partes. A conexão econômica entre as diversas prestações forma, por subordinação ou coordenação, nova unidade. Os elementos que podem ser combinados são: contratos completos, prestações típicas inteiras ou elementos mais simples. Nesses arranjos cabem: um contrato completo e um elemento mais simples de outro; um contrato completo e uma prestação típica de outro; prestações típicas de dois ou mais contratos; prestações típicas de contratos diversos e elementos simples de outros.
15 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. São Paulo: 10a ed., Forense, p. 111 e seg.
Uma vez que os contratos mistos constituem subdivisão dos contratos atípicos, não se incluem na categoria os que se formam de elementos de outros contratos, mas já se tornam típicos.
77. Contratos mistos e coligados
Contrato misto é o que resulta da combinação de elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada na lei.
Caracteriza-os a unidade de causa.
Não se confundem, pois, com os contratos coligados. Da coligação de contratos não resulta contrato unitário, como no contrato misto. No entanto, o mecanismo da coligação muito se assemelha ao do contrato misto.
A união de contrato apresenta-se, na classificação de ENNECCERUS, sob três formas: a) união meramente externa; b) união com dependência; c) união alternativa.
A união externa é simplesmente instrumental. Sem que haja interdependência entre os contratos, as partes os reúnem no mesmo instrumento, concluindo-os simultaneamente. Nesse caso, não há propriamente coligação de contratos, pois não se completam nem se excluem.
A união com dependência é a figura que mais se aproxima do contrato misto. Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual isoladamente é desinteressante. Mas não se fundem. Conservam a individualidade própria, por isso se distinguindo dos contratos mistos.
A dependência pode ser recíproca ou não.
Na primeira forma, dois contratos completos, embora autônomos, condicionam-se, reciprocamente, em sua existência e validade. Cada qual é a causa do outro, formando uma unidade econômica. Enfim, a intenção das partes é que um não exista sem o outro. A coligação dos contratos pode ser necessária ou voluntária. A coligação necessária, também chamada genética, é imposta pela lei, como a que existe entre o contrato de transporte aéreo e o de seguro do passageiro. Quando decorre da vontade dos interessados, como se verifica ordinariamente, diz-se voluntária. Visto que nessa união de contratos há reciprocidade, extingue-se, ao mesmo tempo, a dissolução de um implicando a do outro.
A união com dependência unilateral verifica-se quando não há reciprocidade. Um só dos contratos é que depende do outro. Tal coligação requer a
subordinação de um contrato a outro, na sua existência e validade. Os contratos permanecem, no entanto, individualizados.
A união de contratos configura-se, por fim, sob forma alternativa. Dois contratos são previstos para que subsista um ou o outro, realizada determinada condição. Um contrato exclui o outro, quando a condição se verifica. Embora unidos, não se completam, como na união com dependência.
Em qualquer das suas formas, a coligação de contratos não enseja as dificuldades que os contratos mistos provocam quanto ao direito aplicável, porque os contratos coligados não perdem a individualidade, aplicando-se-lhes o conjunto de regras próprias do tipo a que se ajustam. Na união formal ou instrumental, sem qualquer dificuldade, porque não há interdependência. Nos contratos interdependentes, o condicionamento de um ao outro não constitui obstáculo à aplicação das regras peculiares a cada qual. Na união alternativa, aplica-se o direito relativo ao contrato subsistente.
Em resumo, distinguem-se na estruturação e eficácia as figuras dos contratos coligados e dos contratos mistos. Naqueles há combinação de contratos completos. Nestes, de elementos contratuais, enquanto possível a fusão de um contrato completo com simples elemento de outro. Pluralidade de contratos, num caso; unidade, no outro.”
Resumidamente, os atos jurídicos complexos são aqueles que se constituem juridicamente num único ato, mas somente se completam pela realização de mais de um ato (mais de um passo ou providência). É o caso, por exemplo, de uma incorporação de pessoa jurídica, porque esta depende da realização de vários atos jurídicos individuais prescritos pela disciplina legal desse tipo de operação – tais como o protocolo de incorporação, a realização de assembleias para nomeação de avaliadores, as avaliações dos patrimônios a serem reunidos, as assembleias de aprovação –, mas, do conjunto dessas providências, surte um único efeito jurídico de reunião das duas (ou mais) pessoas jurídicas, com todas as consequências que a lei outorga a esse ato.
Para estes, não há coligação, porque eles se perfazem por si sós, ainda que completados pelo último dos atos necessários, e, uma vez perfeitos e acabados, produzem um efeito jurídico determinado (ou mais de um efeito determinado), que não está ligado aos efeitos de outros atos jurídicos simples ou complexos, porque eles não precisam estar coligados a outros atos jurídicos para que aquele efeito desejado seja atingido.
Já os atos ou negócios jurídicos coligados são atos ou negócios que se completam separadamente uns dos outros, podendo ser atos simples ou atos complexos, mas visam produzir um determinado efeito que somente pode decorrer da sua coligação, isto é, da justaposição dos efeitos individuais de cada um deles.
Tais atos coligados, portanto, são aqueles que se constituem de mais de um ato ou negócio jurídico, tendo cada um deles a sua individualidade própria e seu próprio objeto, que pode ser independente e distinto dos objetos dos outros (e inclusive podendo ter partes diferentes), mas todos eles se inter-relacionam porque cada um depende dos demais para a produção de um resultado final desejado por todos os que deles participam.
Um excelente exemplo de atos coligados é o da operação de cartões de crédito, na qual há múltiplos negócios jurídicos, cada um deles se perfazendo pelo respectivo contrato pactuado por diferentes pessoas em relação às participantes de outros (embora algumas participem de mais de um). Porém, são vários negócios jurídicos que são necessários para que o sistema de cartões de crédito funcione: o contrato da administradora do sistema com a pessoa titular da bandeira e do “know how” sob os quais o sistema opera, todos os contratos da administradora com os portadores de cartões, todos os contratos da administradora com os lojistas, todos os contratos da administradora e/ou dos titulares de cartões e/ou dos lojistas com instituições financeiras financiadoras, todos os contratos da administradora e/ou das instituições financeiras com seguradoras de créditos, e possivelmente outros. Cada um desses contratos é perfeito e acabado quando pactuado entre suas partes, e todos produzem entre essas partes os efeitos que lhes são próprios, mas que somente se tornam úteis e viáveis na realidade negocial quando são associados a todos os demais contratos de todas as demais pessoas que no conjunto dão existência à operação dos cartões de crédito. Com razão, basta dizer que de nada vale alguém ter em mãos um cartão de crédito a ele entregue pela entidade emissora, de acordo com o contrato entre ambos, se não houver toda a rede de lojas ligadas à emissora por seus respectivos contratos.
Por estas explicações, percebe-se que os atos complexos não se confundem com os atos e contratos coligados, tratando-se de categorias distintas, embora próximas porque têm ao menos uma característica coincidente, que é a busca de um resultado global de interesse para todos.
E quando existem tais atos ou negócios jurídicos, sejam eles complexos ou coligados, não se pode deixar de considerar o conjunto, sendo que sua ligação ou proximidade não pode ser considerada como indício de simulação, como às vezes pensam alguns mais desatentos à ciência jurídica e à realidade do mundo negocial.
Em suma, não há ilegalidade nessas ações.
O importante é ter em conta que a possibilidade de as partes contratarem negócios coligados ou em conjunto decorre do princípio da liberdade de contratar, inerente ao direito das obrigações e ao direito dos contratos, a qual encontra guarida no inciso II do art. 5º da Constituição Federal e está hoje expressamente consagrada no art. 421 do Código Civil, retro transcrito.
Outrossim, as espécies contratuais são categorizadas como contratos típicos ou nominados, e contratos atípicos ou inominados. Os primeiros são aqueles cuja existência e cujas causas, envolvendo seus efeitos decorrentes das respectivas prestações e contraprestações, estão previstos expressamente na lei (Código Civil e leis esparsas, e antes também Código Comercial), e os segundos são aqueles que não dispõem de previsão legal específica, quanto à sua existência e ao seu conteúdo de objeto e cláusulas, que derivam apenas das tratativas particulares.
A possibilidade da pactuação de contratos atípicos é uma extensão da liberdade de contratar, mas hoje em dia está expressa no art. 425 do Código Civil:
“Art. 425 – É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”
Pois bem, a liberdade de contratar regularmente (portanto, sem abuso) é limitada quando contrariar lei ou a ordem pública, dado que o código também prescreve:
“Art. 122 - São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”
Vê-se, pois, que a regra dominante é a liberdade, porque a regra geral é de que todas as condições são lícitas independentemente de expressa declaração legal,
pois a lei, ao contrário, somente lista as que não têm validade, inclusive, por sua importância, as que sejam contrárias à ordem pública.
Outrossim, a liberdade de pactuar cláusulas que não contrariem disposições de ordem pública existe para ambas as categorias de contratos – típicos e atípicos –, o que deixa no âmbito das tratativas “inter pars” uma extensa gama de possibilidades para definir os contornos desses contratos, pois, em qualquer caso, podem ir até onde não houver contrariedade com a ordem pública.
Entretanto, além disso, especialmente em se tratando de atos jurídicos em sentido estrito e contratos nominados, também é necessário que as partes observem a sua função social, que a doutrina civilista caracteriza como sendo a função prática para a qual o ato ou contrato está previsto na lei, com sua substância jurídica própria, representada por sua “causa de atribuição patrimonial”, “causa substancial”, “causa jurídica”, “causa legal”, “causa típica”, “causa objetiva” e outras expressões que visam explicitar o sentido do termo “causa” (que nada tem a ver com motivo, o qual também é irrelevante para a contabilidade). É que, se não observada essa função, pode ocorrer abuso no exercício do direito de contratar.
Uma análise teórica destes conceitos jurídicos confirma que há multiplicidade de situações possíveis perante o direito brasileiro, cuja multiplicidade é muito mais ampla do que a ideia de contratos combinados, emanada do Pronunciamento Técnico CPC 47.
Mas, o estudo conjunto das duas disciplinas, tendo em mente os seus diferentes objetivos, inclusive quando se trata de direito tributário, ajuda a compreender as suas diferenças e as suas aproximações, utilidade esta que se manifesta quer para a consideração dos contratos combinados, quer para as demais questões antes apresentadas.
Para finalizar, vale fazer menção à Instrução Normativa RFB n. 1771, de 20.12.2017, que adicionou à Instrução Normativa RFB n. 1753/17 o Anexo IV, o qual trata especificamente do Pronunciamento Técnico CPC n. 47 listando, com remissão aos itens deste, os procedimentos que contemplam modificação ou adoção de novos métodos ou critérios contábeis, ou que divergem da legislação tributária, os quais, portanto, não produzem efeitos tributários. Essa listagem representa o entendimento da Secretaria da Receita Federal do Brasil sobre o assunto, havendo itens especiais
quanto à receita bruta prevista o art. 12 do Decreto-lei n. 1598, com a redação dada pela Lei n. 12973, e requer uma análise meticulosa, não cabente neste artigo.
Ademais, o referido Anexo IV contém instruções quanto a procedimentos formais perante a legislação fiscal, incluindo contas para lançamento contábil, ajustes no e-LALUR e e-LACS, ECD e injunções perante o lucro presumido e o lucro arbitrado.