A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM CONTRATO DE DERIVATIVOS
A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM CONTRATO DE DERIVATIVOS
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx∗
Sumário: 1 Introdução; 2 Contratos nas relações de consumo; 3 Contratos empresariais; 4 Contratos de derivativos e contrato de swap; 5 Aplicação do CDC aos contratos de swap; 6 Conclusão.
Resumo: Este artigo aborda a controvérsia da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas contratuais no âmbito do mercado de derivativos, tendo em vista os tipos de operações efetuadas, o hedge (proteção), a arbitragem e a especulação. A princípio poder- se-ia pensar que são todos contratos empresariais, em que se busca o lucro, mas através do estudo, usando a título de exemplo o contrato de swap, típico para operações de hedge, chega- se à conclusão que estas operações podem se enquadrar na relação de consumo. Essa conclusão decorre, levando-se em conta uma pessoa jurídica que busca uma instituição financeira para realizar um contrato swap, da adequação ao conceito de consumidor, bem como de produto e serviço prestado, qual sejam, respectivamente, a proteção e o conhecimento técnico e estrutura de gerenciamento de risco que a instituição possui, o que quase sempre leva à uma hipossuficiência técnica do contratante. Assim, a relação de consumo é aceitável e de possível aplicação no mercado de derivativos, mas somente nas operações de hedge, em que se busca um produto, a proteção, e o serviço, o conhecimento técnico da instituição. Portanto, colocam-se em xeque os argumentos de que o direito fundamental da proteção ao consumidor, através do Código, não se estenderiam ao âmbito do mercado de derivativos, fazendo incidir apenas as normas do Direito Civil.
Palavras-chave: Contratos. Derivativos. Swap. Relação. Consumo.
∗ Mestre em Direito Empresarial na Faculdade de Direito Xxxxxx Xxxxxx, em Nova Lima, Minas Gerais.
1 Introdução
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor tem sido alvo das mais diversas teses jurídicas, no intuito de atrair a incidência de suas normas, em teoria, mais protetivas. Em relação ao mercado de derivativos não é diferente. Vários casos já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça questionando a incidência do códex, sendo que o Tribunal tem rechaçado sua aplicação, justificando no risco inerente e conhecido de tal tipo de mercado.
Entretanto, apesar de tal entendimento, através de um estudo um pouco mais aprofundado acerca dessa espécie de mercado, em especial sobre as operações realizadas, como hedge, arbitragem e especulação, veremos que existem diferenças fundamentais que podem influir na mudança do raciocínio. Usaremos a título de exemplo de contrato de derivativo, o contrato de swap, que inclusive possui peculiaridades que o diferenciam para um melhor estudo.
Através desse estudo o objetivo é chegar a uma conclusão se é possível a configuração de uma relação de consumo com contratos de derivativos, ou se se trata apenas de um contrato empresarial. Levar-se-á em conta, em especial, as relações contratuais entre pessoas jurídicas empresárias e instituições financeiras, que são os contratos mais comuns no mercado.
Assim, com o presente estudo pode-se contribuir para uma possível mudança de entendimento jurisprudencial acerca da aplicação do CDC, que, conforme dito tem sido rechaçado, colaborando para a efetivação do direito fundamental de proteção ao consumidor.
2 Contratos nas relações de consumo
Em 1990 foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, cujo principal intuito é resguardar o consumidor, parte geralmente mais fraca na relação jurídica de consumo. Foi necessário face as desigualdades que a autonomia da vontade já provocava na relação contratual, geralmente pela força econômica das empresas face ao consumidor, hipossuficiente.
Essa relação de consumo é uma compra ou venda de produtos ou serviços entre um consumidor e um fornecedor. Um dos requisitos é consumo final, para utilização própria. Adquirir ou utilizar os serviços como usuário final. (XXXXXXXXXXX, 2011, p. 565)
Em relação às partes dessa relação, o CDC, em seu art. 2º, o define como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, produto ou serviço, como destinatário final. Em outros pontos do código há outros conceitos, como a coletividade de pessoas que interveio nas relações de consumo, art. 2º, parágrafo único; vítimas de fato do produto, art. 17; todas as pessoas expostas a práticas de consumo, art. 29. Normalmente quem seja hipossuficiente face ao fornecedor, vulnerável à concentração de poder econômico, desprovido de meios de produção do bem ou serviço.
É fundamental que o consumidor seja o destinatário final. Segundo Xxxxxxxxxxx (2011,
p. 565), é necessário adquirir ou utilizar, produtos ou serviços, em benefício próprio, sem o interesse de repassar a terceiros. Há autores que defendem, além do benefício próprio, a possibilidade de em benefícios de terceiros. Ademais, o alvo principal da lei são as pessoas físicas.
Quanto às pessoas jurídicas, a mesma autora diz que se elas não agem em caráter profissional e especializado, com ou sem fins lucrativos, e o bem ou serviço não integrar a cadeia de produção ou prestação de serviços, sem repassar a terceiros, elas se tornam vulneráveis em relação ao fornecedor. A questão de integrar ou não a cadeia produtiva é analisada sob o espectro de três teorias:
1 - Teoria finalista: interpretação de maneira restritiva do conceito de consumidor, levando-se em conta a vulnerabilidade da parte na relação. É necessário retirar o bem ou serviço de circulação. As pessoas jurídicas somente serão consumidoras se o produto ou serviço não tiver qualquer relação com sua atividade econômica desenvolvida. É necessário comprovar a hipossuficiência relativo ao fornecedor, sendo que as pessoas jurídicas sem fins lucrativos são sempre vulneráveis.
2 - Teoria maximalista: interpretação de maneira extensiva do conceito de consumidor, aplicando ao maior número possível de relações no mercado. O relevante é adquirir o produto ou serviço, e como destinatário final.
3 - Teoria finalista temperada: posicionando-se como uma evolução da primeira teoria, basta que se comprove a vulnerabilidade da parte adquirente. Ainda que o agente busque lucro com o produto ou serviço, será destinatário final.
Por fim, o conceito de fornecedor, de acordo com o art. 3º, do CDC, são todas as pessoas capazes, físicas ou jurídicas, além dos entes despersonalizados. É necessário que se realize atividades típicas que envolvam produtos, como a produção ou comercialização, ou haja prestação de serviço. Por produto entende-se qualquer bem móvel, imóvel, material e imaterial, incluindo-se nesta última categoria, atividades bancárias, como mútuo, aplicação em renda fixa, dentre outras. Já os serviços são quaisquer atividades prestadas no mercado de consumo, incluindo de natureza bancária, financeira, creditícia ou securitária. (NUNES, 2012, p. 144)
De acordo com Xxxxxxxx (2010, p. 32), o Superior Tribunal de Justiça, em suas 4ª e 6ª Turmas, adota a teoria finalista, enquanto a 1ª e 3ª Turmas, adota a teoria maximalista. Em análise de alguns julgados mais recentes, como os aportados abaixo, pode-se ver a mudança dos entendimentos:
➢ AgRg no REsp 1398768/AM, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXXXX, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 06/03/2014. (Teoria finalista estrita).
PROCESSUAL CIVIL. CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO PRETÉRITO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. TEORIA FINALISTA. DESTINATÁRIO FINAL. NÃO ENQUADRAMENTO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal a quo entendeu não ser legítimo o corte de energia elétrica referente a débito pretérito por violar o art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
[...]
4. Ademais, a jurisprudência do STJ possui o entendimento de que o CDC somente não se aplica às pessoas jurídicas se o produto contratado for utilizado na implementação da atividade econômica, o que não é o caso dos autos. Entendimento diverso do adotado pelo acórdão impugnado quanto a este ponto recursal esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
[...] (grifos do autor).
➢ REsp 1176019/RS, Rel. MINISTRO XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 17/11/2015. (Teoria finalista estrita);
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURO. PESSOA JURÍDICA. TRANSPORTADORA QUE CONTRATA SEGURO PARA PROTEÇÃO DE SUA FROTA E CONTRA DANOS CAUSADOS A TERCEIROS. DESTINATÁRIA FINAL DO PRODUTO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE
ANÁLISE CONJUNTA DO CRITÉRIO DA VULNERABILIDADE. CLÁUSULA LIMITATIVA DE COBERTURA. CASO CONCRETO. VALIDADE. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, não havendo, portanto, critério pessoal de definição de tal conceito.
2. A caracterização do consumidor deve partir da premissa de ser a pessoa jurídica destinatária final do produto ou serviço, sem deixar de ser apreciada a questão da vulnerabilidade.
3. É sempre a situação do caso em concreto que será hábil a demonstrar se existe ou não relação de consumo, sendo o emprego final do produto determinante para conferir à pessoa jurídica a qualidade de consumidora, tendo como parâmetro, além da utilização de insumo imprescindível à atividade, também a sua vulnerabilidade.
4. Se o transportador contrata seguro visando à proteção da carga pertencente a terceiro, em regra, não pode ser considerado consumidor, uma vez que utiliza os serviços securitários como instrumento dentro do processo de prestação de serviços e com a finalidade lucrativa.
5. O transportador que contrata seguro objetivando a proteção de sua frota veicular ou contra danos causados a terceiros, em regra, enquadra-se no conceito de consumidor, pois é destinatário final do produto.
[...] (grifos do autor).
➢ AgRg no AREsp 837871/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 29/04/2016. (Teoria finalista mitigada);
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. REVISÃO DO JULGADO. INVIABILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
[...]
2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, o que foi configurado na hipótese dos autos.
[...] (grifos do autor).
➢ AgRg no REsp 1331112/SP, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 01/09/2014. (Teoria finalista estrita).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. UTILIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA COMO INSUMO. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior adota a teoria finalista para a definição do conceito de consumidor, motivo pelo qual não se aplica a legislação consumerista quando o usuário do serviço utiliza a energia elétrica como insumo, como se verifica no caso dos autos.
2. O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. Desse modo, não sendo a empresa destinatária final dos bens adquiridos ou serviços prestados, não está caracterizada a relação de consumo (AgRg no REsp 916.939/MG, Rel. Min. XXXXXX XXXXXX, DJe 03.12.2008).
[...] (grifos do autor).
Conforme exposto, houve a aderência da 2ª Turma à teoria finalista estrita; a 4ª Turma permaneceu com a teoria finalista estrita; a 3ª Turma mudou para a teoria finalista mitigada; e a 1ª Turma mudou para a teoria finalista estrita.
3 Contratos empresariais
Os contratos empresariais são qualificados de forma residual em relação aos contratos de consumo, ou seja, excluída a hipótese de relação de consumo, pode se ter um contrato empresarial ou não empresarial. O que os diferencia dos demais é finalidade lucrativa, o lucro. (FORGIONI, 2010, p. 57)
A questão da tipicidade dos contratos empresariais é irrelevante, já que a dinamicidade do mercado e da atividade é tamanha, que se torna impossível padronização, criando-se novas formas a todo o momento. Da mesma forma não importa o sujeito ativo, podendo ser pessoa física, como o empresário individual, ou pessoas jurídicas empresárias.
Também excluídos os contratos de organização societária, como o contrato social, são empresariais propriamente ditos, os contratos de organização da atividade da empresa. Segundo Xxxxxxx Xxxxx (1998, p. 31), são quatro os setores que se relacionam com a atividade: capital (ex.: contratos de financiamento bancário); insumos (ex.: contratos de
aquisição de insumos); trabalho (ex.: contratos de trabalho e emprego); tecnologia (ex.: contratos de transferência de tecnologia, know-how, assistência técnica).
Portanto, a atividade empresarial está sujeita a vários regimes jurídicos, inclusive distintos, como por exemplo, administrativo, trabalhista, consumerista, cível. De acordo com a natureza do contrato firmado, e das partes, é que se terá a incidência de um determinado regime.
O regime cível é que interessa ao estudo em questão, regime de estudo do direito empresarial em si. Neste regime, o Código Civil de 2002 é o diploma legal regente, já que a primeira parte do Código Comercial, relativa aos contratos foi revogada. De acordo com Xxxxxxxxxxx (2011, p. 568), mesmo tendo-se um diploma civil tratando de contratos empresariais e civis, aqueles tem uma lógica própria aplicável, que inclusive demanda interpretação diferente. Assim, mesmo que não expressa, existe uma teoria geral dos contratos empresariais, em que o legislador traça normais gerais, tipificando tais contratos sempre que possível.
Dessa forma, de acordo com a mesma autora, estaremos diante de contratos empresariais quando: a finalidade for empresarial; não houver destinatário final; houver nos polos da relação empresários, que exercem a atividade profissionalmente; se forem contratos típicos, aplica-se a legislação especial; se forem contratos atípicos, aplicam-se as normas gerais do Código Civil, conforme art. 425.
4 Contratos de derivativos e contrato de swap
Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (2014, p. 308), os derivativos são uma família de mercados em que ocorrem operações de liquidação futura, fazendo possível uma gestão de risco do preço de diversos ativos. As modalidades de contratos negociadas nesses mercados são: termo, futuro, opções e swap. O termo, derivativos, advém do fato de que os preços desses contratos derivam dos preços dos ativos subjacentes ao contrato.
Os derivativos são dotados de grande poder de alavancagem. Isso significa que negociar com tais instrumentos exige menos capital do que a operação para comprar o ativo à vista, podendo aumentar a rentabilidade total de um investimento a um custo mais barato.
Em geral os contratos de derivativos são padronizados, e negociados em mercados organizados, como bolsas de valores. Porém as operações também podem ocorrer no mercado informal, ou secundário, chamado mercado de balcão. O mercado de derivativos pode ser usado para três finalidades precípuas, quais sejam o hedge, a especulação e a arbitragem.
O hedge, ou proteção é, segundo Xxxx (0000, p. 70), uma maneira de reduzir um risco particular que se enfrenta, tomando uma posição que o neutralize para mais longe possível. Pode ser um risco relativo ao preço do petróleo, o cambio de uma moeda estrangeira, ou outra variável. A maioria dos participantes do mercado futuro são hedgers, buscando a proteção contra a oscilação de preços. Não se busca efetivamente o lucro.
Já a arbitragem é uma atividade que objetiva retirar o lucro através da diferença de preços de um mesmo produto negociado em diversos mercados. O lucro vem das operações de compra e venda onde é mais vantajoso. Os arbitradores são assim chamados, porque acabam agindo como árbitros ao promover o equilíbrio nos mercados, na medida em que ao comprar, aumentam a procura em um mercado, e ao vender, aumentam a oferta em outro mercado.
De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (2014, p. 309), o arbitrador é um agente que praticamente não assume riscos, pois sabe por quanto irá comprar e vender, sendo que seu lucro advém mais do volume de operações, do que do lucro diferencial na operação específica.
A especulação, da mesma forma que a arbitragem, tem como base as operações de compra e venda, mas de contratos futuros, obtendo lucro com o diferencial da operação. A diferença para o hedge é que na especulação não há interesse no ativo objeto, apenas o lucro obtido com o diferencial, não havendo nenhum negócio no mercado físico que demande proteção. O especulador é a única parte que toma riscos, ao contrário do hedge e da arbitragem. Estes transferem seu risco ao especulador, que arrisca seu capital, e assim viabiliza a liquidez do mercado.
Analisemos agora o mercado de swap, que se materializa através dos contratos de swap. A breve análise será utilizada como uma amostragem dos derivativos em geral, ou seja, através do contrato de swap, como um dos exemplos de derivativos, é que iremos formular as questões propostas neste artigo, mas que se aplicam aos demais tipos, respeitando suas peculiaridades. Procedamos ao básico desse instituto.
O contrato de swap é um contrato entre duas partes para a troca futura de fluxos de caixa, um contrato a termo para troca de rentabilidade. Em geral, as duas partes dificilmente irão ao mercado em busca de uma contraparte para o swap. O normal é a busca de uma instituição financeira, que acaba agindo como intermediária, e ao mesmo tempo buscando outra contraparte, para eliminar seu risco. Na prática as duas partes sequer sabem da existência uma da outra, e contam que a instituição é sua contraparte, mas esta procura uma contraparte que acaba neutralizando a relação e seu risco na operação.
Tais contratos são geralmente negociados no mercado de balcão, informal, o que acaba gerando contratos taylor-made, ou seja, contratos específicos para aquelas partes do swap, que atendem suas especificações. Isso acaba por gerar uma das características do contrato de swap, que é a ausência de intercambialidade, ou seja, não se pode substituir as contrapartes por outras.
O contrato define a data de quando os fluxos devem ser pagos, e como deve ser feito o cálculo, este que normalmente envolve valores futuros de uma ou mais variáveis de mercado. Os tipos mais comuns de swap são os de taxa de juros, de moeda, e de commodities.
A liquidação dos contratos de swap é essencialmente financeira, em que no vencimento do contrato, trocam-se os valores de rentabilidade, sem que haja entrega física de um ativo negociado. Como a liquidação é concentrada, cria-se um risco de crédito, de inadimplência da outra contraparte. Há também o risco do próprio mercado, em especial em relação às variáveis. Em regra as partes são vinculadas ao acordo até a data estipulada, somente podendo ocorrer a liquidação antecipada se ambas concordarem. Os contratos podem estipular garantias contratuais, tornando a liquidação segura.
O swap mais comum é o conhecido como plain vanilla, em que uma empresa aceitar trocar um fluxo de caixa em uma taxa prefixada sobre um montante principal, por um determinado período de tempo. Em retorno, recebe uma taxa flutuante sobre o mesmo principal, pelo mesmo período de tempo.
Existem vários exemplos, como swap de ouro versus taxa pré-fixada, em que no vencimento do contrato, se o ouro valoriza mais do que a taxa negociada, recebe a diferença das valorizações a contraparte que comprou ouro. Se a rentabilidade for inversa, recebe a contraparte que comprou a taxa pré-fixada. Outros exemplos são o swap de dólar ou taxa LIBOR (London Interbank Offer Rate) versus taxa pré-fixada, como Ibovespa.
Um exemplo de cálculo se daria da seguinte maneira: swap taxa fixa 5% ao ano, versus taxa LIBOR anual, num contrato de 6 meses, sobre um montante de 100 milhões de dólares. Uma contraparte pagaria a taxa fixa de 5% sobre 100 milhões, o que daria 2,5 milhões; em retorno receberia da outra contraparte a taxa flutuante LIBOR sobre 100 milhões, digamos em 4,2%, o que daria 2,1 milhões. O resultado a ser pago seria 2,5 milhões – 2,1 milhões, ou seja, 400 mil dólares que seriam pagos à empresa que pagou taxa fixa (mais valorizada).
No swap de moeda, troca-se o principal, que é valor de referência em que se aplicam as taxas (base de cálculo), e também os juros, em uma moeda, pelo principal e juros em outra moeda. É interessante para empresas que contratam a prazo em operações de importação ou exportação, e receiam que a taxa de câmbio se torne desfavorável, realizando, portanto, um swap da taxa de câmbio por uma taxa fixa, se garantindo contra as flutuações de mercado.
Também se pode usar o swap para a conversão de uma responsabilidade. Por exemplo, uma empresa contrai um empréstimo bancário, mas receia que a taxa de juros, indexada a um valor variável, se torne insuportável. Por isso realiza um swap. Depende das vantagens corporativas que cada empresa tem um determinado mercado, como o de renda fixa, ou mesmo o que o mercado oferece no momento, por exemplo, somente empréstimos com taxas flutuantes. Daí a usa-se o swap para trocar a taxa flutuante por uma fixa.
Um exemplo de troca de taxas para hedge seria: uma empresa com um empréstimo em que paga a taxa flutuante juros LIBOR + 0,1%. Daí realiza um swap em que deve pagar 5% fixo e recebe a taxa flutuante LIBOR. Como essa empresa recebe a taxa flutuante LIBOR, mas também tem pagar a taxa LIBOR no empréstimo, isso se anula. Logo a resultante do empréstimo seria 5% + 0,1%, ou seja, 5,1%.
O swap utilizado como investimento sempre deve ser considerado de risco, uma vez que são ativos de renda variável. Seu uso mais comum é como hedge. A maior questão dos contratos de swap é que criam a ilusão de que se negocia um instrumento seguro, trazendo ganhos para todas as partes. Com isso há chance de grandes perdas para empresas que por algum motivo não conhecem dos riscos, ou não estimam corretamente seus fluxos de caixa. Daí cabe as Instituições Financeiras alertarem seus clientes para os riscos envolvidos nas operações e os detalhes dos contratos, tornando-os efetivamente rentáveis. (PEDOTE, 1999, p. 70)
5 Aplicação do CDC aos contratos de swap
A questão que se propõe neste artigo é saber se é possível qualificar os contratos de derivativos, tomando como o exemplo o contrato de swap, em contratos de consumo ou contratos empresariais. A resposta da pergunta é, depende. Depende da finalidade com que se firma o contrato, de acordo com o tipo de operação, se para hedge (proteção), arbitragem ou especulação.
Caso o contrato seja firmado para arbitragem ou especulação, conforme já foi dito, a intenção é claramente obter lucro, que é a principal distinção entre os contratos de consumo e os contratos empresariais. Ademais, tratando-se de pessoas jurídicas (empresa e instituição financeira, normalmente), e o fato de o lucro, de forma direta ou indireta, ir para o setor de capital de giro, relacionando-se com a atividade profissionalmente desenvolvida, poder-se-ia considera-los contratos empresariais. Com isso, não há efetivamente um destinatário final, pois a busca é o lucro e não um produto ou serviço.
Entretanto, quando se trata de hedge, não se tem a mesma situação. Isso porque o hedge é uma proteção que se busca através das operações com derivativos, em especial os contratos de swap. Não importa o lucro, e também não importa se nos polos estão pessoas empresárias, ou se o resultado vai para a atividade.
Uma empresa que busca firmar um contrato de swap com uma instituição financeira, busca um produto e um serviço. O produto é a proteção contra sua posição de risco, e o serviço a busca da melhor opção, e do sistema de gerenciamento de riscos que a instituição financeira possui, tudo isso através do contrato de swap. Se houver eventualmente lucro, não importa a sua existência, tampouco a destinação, pois não é o fim buscado.
No caso da troca de uma responsabilidade, uma dívida em taxa flutuante, por uma taxa fixa, a empresa age como consumidor final do produto e do serviço. Isso não é repassado a ninguém, a proteção da empresa é o fim em si mesmo. Há a figura do destinatário final, e também do fornecedor, a instituição financeira, que irá prover a necessidade da pessoa jurídica.
No mercado internacional várias empresas tem buscado ressarcimento por perdas no mercado futuro. As principais alegações são a falta de informação e a não adequação das operações às necessidades dos clientes. Algumas têm obtido êxito, mas em geral não as
empresas de grande porte, devido à possibilidade de gerir os riscos com uma análise financeira mais complexa.
No Brasil, alguns, como Xxxxxx (2011, p. 74), defendem que o CDC seria aplicável somente aos investidores, que seria o consumidor ou usuário final do produto, que é a operação de futuro. Entretanto, o derivativo, que é por sua natureza um produto arriscado, mesmo com falta de informações expressa, seria ínsito a probabilidade de perdas, principalmente levando-se em consideração a cultura empresarial, em que maiores ganhos implicam maiores riscos. Seria diferente de se apresentar um produto totalmente ausente de riscos e possíveis prejuízos.
Isso traz à baila a questão da vulnerabilidade que, quase sempre haverá, em no mínimo, hipossuficiência técnica. Tanto a hipossuficiência econômica quanto a técnica serão dependentes da análise do caso concreto, em especial do porte e organização da pessoa jurídica. Entretanto, a vulnerabilidade técnica em relação a instituições financeiras é mais patente, uma vez que estas possuem estrutura, conhecimento, pessoal especializado, toda uma organização voltada para operações de derivativos, de swap. Mais visível ainda, é a questão do sistema de gerenciamento de riscos desses entes, que obrigatoriamente deve ser o melhor possível, do contrário a instituição terá enormes prejuízos, e irá à bancarrota.
Certo é que não há proteção 100%, em especial no mercado de derivativos, mas isso não anula o fato de que a empresa que busca o hedge num swap com uma instituição financeira, não busque o melhor contrato para ela. Mesmo que seja uma empresa de grande porte, desde que não seja especializada em derivativos e operações financeiras, ela estará em desvantagem técnica frente a instituição financeira.
Portanto, nas operações de hedge, a princípio há uma relação de consumo, que atende inclusive a teoria finalista, mais restritiva, quiçá a finalista temperada, adotada por parte do STJ. Este, em vários julgados, não tem reconhecido relação de consumo em contratos de derivativos, sob o fundamento de que o risco nesses mercados é inerente às operações. Entretanto, permissa vênia, não é o melhor entendimento, pois, conforme já exposto, existe a hipossuficiência técnica, que pode inclusive culminar com violação do dever de informação, e com a formação de um mau contrato, causando prejuízo à pessoa jurídica. Mesmo com o conhecimento dos riscos do mercado, tal fato não elide a responsabilidade por um mau produto (proteção), e um mau serviço (gerenciamento de riscos, bom contrato).
Entretanto, apenas no caso concreto há como se aferir se o contrato foi firmado sem o conhecimento dos riscos assumidos ou que há cláusulas que podem gerar dúvida de interpretação (SANTOS, 2011, p. 77). Há exemplos de grande monta e importância, e recentes, em que seria interessante a aplicação do CDC, como veremos a seguir.
Um exemplo recente, não no Brasil, mas nos Estados Unidos, em 2009, foi a crise do subprime. Com a crise, segundo a CVM, o mercado de derivativos de balcão teve uma retração de dois dígitos, mas já em 2013 recuperou espaço, sendo que houve uma grande demanda, principalmente por importadores e exportadores, por contratos de swap de dólar, buscando proteção contra as oscilações da moeda. Segundo estimativas, apenas o mercado de swap movimenta mais de 90 bilhões por ano.
De acordo com Xxxxx (2011, p. 92), após a crise de 2009, várias disputas judiciais surgiram entre bancos e empresas, com alegações de que foram enganadas na formulação dos contratos, mesmo que as tesourarias tenham sido negligentes na identificação dos riscos assumidos. Na Coréia do Sul se chegou a anular contratos de hedge cambial de empresas exportadoras do país, com base na assimetria na relação contratual entre bancos e empresas, devendo haver espectro razoável nas variações cambiais esperadas, o que não ocorreu devido a grande alavancagem do dólar. Segundo o BIS, em 2009, as perdas no Brasil foram de 25 bilhões para as empresas, enquanto no México, apenas 4 bilhões.
Em tais casos, se os contratos fossem para hedge, de acordo com a legislação brasileira, seria plenamente aplicável o CDC.
6 Conclusão
A conclusão que se chega neste artigo é a de que nos contratos de derivativos, a exemplo do swap, e no caso das pessoas jurídicas, desde que as operações sejam com o intuito de hedge (proteção), configurar-se-ia uma relação de consumo. Isso porque a pessoa jurídica ao buscar realizar o contrato, tem o intuito de adquirir o produto proteção, cumulada com o serviço, que é a estrutura de conhecimento e gestão de risco, das instituições financeiras.
Assim, estaríamos diante não de um contrato empresarial, que principalmente visa o lucro, mas de relação distinta, em que se tem a figura do destinatário final, o produto e o serviço, a figura do fornecedor, e a questão da vulnerabilidade técnica do sujeito, face à
especialização massiva das instituições financeiras nas operações de derivativos em geral. Logo, um contrato mal feito, omissão de informações, ou até mesmo discrepâncias muito grandes nos resultados esperados, pode atrair a incidência do Código de Defesa do Consumidor.
Em que pese o Superior Tribunal de Justiça adotar o entendimento de que os contratos de derivativos em geral, possuem risco inerente e sabido, não se aplicando o CDC, não há óbice em se efetuar o raciocínio proposto no presente trabalho, para a aplicação do códex. Ademais, de acordo com o próprio entendimento de algumas Turmas do Tribunal, acerca da teoria finalista temperada, mais razão ainda há para que se adote um futuro entendimento no sentido proposto.
The possibility of consumer relationship in derivative contracts
Abstract: This paper discusses the application of the controversy of the Consumer Protection Code to contractual legal relationships in the derivatives market, in view of the types of operations performed, the hedge (protection), arbitrage and speculation. At first it may be thought that are all business contracts, which seeks to profit, but through study, using as an example the swap agreement, typical for hedge transactions, one comes to the conclusion that these operations they may fall in consumption ratio. This conclusion follows, taking into account a legal person seeking a financial institution to hold a swap contract, the adequacy consumer concept and product and service, which are, respectively, the protection and the technical knowledge and risk management framework that the institution has, which almost always leads to a contracting technique vulnerability. Thus, the consumption ratio is acceptable and possible application in the derivatives market, but only in hedging transactions, which seeks a product, protection, and the service, the expertise of the institution. So put yourself in check the argument that the fundamental right of consumer protection, through the Code, does not extend the scope of the derivatives market, making only focus the rules of civil law.
Keywords: Derivatives. Market. Swap. Consumer. Relation.
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□ Recebido: maio/2015. Aprovado: fevereiro/2016.