Administrative contract for the provision of service performed continuously: deadline extension made after its final term
Contrato administrativo de prestação de serviço executado de forma contínua: prorrogação
de prazo efetuada após seu termo final*
Administrative contract for the provision of service performed continuously: deadline extension made after its final term
Xxxxxxx Xxxxx*
RESUMO
O presente artigo, de natureza dogmática, elaborado segundo o método hipotético-dedutivo, analisa a prorrogação do contrato administrativo de prestação de serviços executados de forma contínua. A hipótese tomada para análise é a de que é possível essa prorrogação, ainda que o contrato
∗ Artigo recebido em 12 de julho de 2017 e aprovado em 19 de abril de 2018. DOI: xxxx://xx.xxx. org/10.12660/rda.v277.2018.76709.
∗∗ Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: xxxxxxx.xxxxx@xxxxx.
xxx.xx.
Doutor e mestre em direito político e econômico e especialista em direito empresarial pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado público federal.
esteja vencido. Para tanto, analisa o que justificaria a prorrogação desses contratos de modo geral, os problemas envolvidos com os contratos de prazo mais longo, o que caracterizaria os serviços executados de forma contínua, além da possibilidade de contratos com esse tipo de objeto terem vigência superior a 12 meses. Efetua ainda uma distinção entre contratos com prazo determinado e contratos por escopo. Finalmente, após verificar que a preocupação da lei em tratar as prorrogações como exceções decorre da vigência anual do orçamento e que o próprio sistema jurídico reconheceria a existência de despesas que ultrapassariam o exercício, conclui que não há vedação à prorrogação do contrato após seu termo final, desde que atendidas certas condições.
PALAVRAS- CHAVE
Contrato administrativo — serviços executados de forma contínua — prorrogação — orçamento — contratos por escopo — contratos com prazo determinado
ABSTRACT
This paper, of dogmatic nature and using the hypothetical-deductive reasoning, explores the term extension of administrative contracts made after its expiration. The focus is on contracts of services that are performed continuously. The main hypothesis is that the term extension is possible. To treat this issue, it studies what justifies the extension of such contracts in general, the problems involved with longer-term contracts, the distinguish element of services that are performed continuously, besides the possibility of contracts with this type of object having duration exceeding 12 months. It makes a distinction between fixed term contracts and contracts for scope. Finally, after checking that the concern of the law in dealing with extensions as exceptions are due to the annual duration of the budget and that the legal system recognizes the existence of expenses that exceed this duration, it points out that there is no prohibition to the contract’s deadline extension made after its expiration, provided that certain conditions are fulfilled.
KEYWORDS
Administrative contract — services performed continuously — term
extension — budget — per-scope contracts — contracts with a fixed period
1. Introdução
Para que o Estado possa cumprir a contento sua missão regulatória, sua estrutura e seu funcionamento devem ser adequados para tanto.
Um dos instrumentos de que se serve o Estado para atender seus objetivos é o contrato administrativo. Entre os contratos administrativos, existem aqueles destinados à prestação de serviços executados de modo contínuo. Embora a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, tenha permitido que tais contratos tivessem sua vigência prorrogada, a interpretação prevalecente no Tribunal de Contas da União, e mesmo na administração pública federal em geral, caminha no sentido de que tal prorrogação é vedada quando o contrato já teve seu termo expirado. Daí, acabam sendo propostas soluções que, nem sempre, são as mais adequadas.
O objetivo principal do artigo, por isso, é analisar a possibilidade de pror- rogação de contratos administrativos de prestação de serviços de natureza contínua.
O método da pesquisa será o hipotético-dedutivo,1 tendo como base principal o ordenamento jurídico e a literatura especializada, com o levanta- mento das normas que regem o tema e alguns julgados do Tribunal de Contas da União selecionados apenas com o intuito de comprovar o entendimento vigente, que será debatido ao longo do texto.
Recorreu-se ainda a alguma bibliografia antiga, até para buscar na his-
tória a origem do entendimento vigente e a razão de ser das normas atuais.
A hipótese do presente artigo é a de que os contratos administrativos de prestação de serviços executados de modo contínuo podem ser prorrogados, ainda que expirado seu prazo de vigência. Será necessário então verificar se a hipótese se confirma e quais suas condições.
Para tanto, como objetivos secundários e até para isolar o objeto de estudo, a análise demandará abordar a caracterização de um serviço executado de forma contínua e a distinção entre os contratos com prazo determinado e os contratos por escopo.
Desse modo, o presente artigo se divide em cinco seções, além desta introdução.
1 MEZZAROBA, Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de metodologia da pesquisa no direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva: 2009. p. 68-70.
Na primeira seção, será esclarecido o entendimento vigente acerca da impossibilidade de prorrogação de contrato com prazo vencido.
A segunda preocupou-se em conceituar o serviço executado de forma contínua. Ela se subdividiu em dois tópicos para tratar, respectivamente, do aspecto da vinculação da duração do contrato ao orçamento e do elemento que caracterizaria o serviço executado de forma contínua.
Na terceira seção é feita a distinção entre contratos por prazo determinado, contratos por prazo indeterminado e contratos por escopo.
A quarta seção trata do tema da prorrogação do prazo contratual expi- rado, esclarecendo a diferença dessa medida nos contratos por escopo e nos contratos de serviços executados de forma contínua.
Finalmente, no último tópico, são reunidas as conclusões extraídas ao longo da exposição, esperando que, com elas, a comunidade acadêmica dis- cuta o assunto e proponha a mudança de entendimento da administração pública.
Até lá, deverá o administrador público seguir as orientações vinculantes
da Corte de Contas e do próprio Poder Executivo.
2. O entendimento vigente
O Tribunal de Contas da União (TCU) há certo tempo já firmou posição quanto à necessidade, em regra, de os contratos administrativos terem prazo determinado. Isso foi objeto de sua Súmula no 191.2 Esse entendimento, atual- mente, decorre do disposto no art. 57, §3o, da Lei de Licitações, segundo o qual “é vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado”.
Além disso, segundo o TCU,3 vencido o prazo, a continuidade da avença ensejaria nulidade, por caracterizar contrato verbal, de acordo com inter- pretação dada ao parágrafo único do art. 60 da Lei de Licitações.4
2 Súmula no 191 do TCU: “Torna-se, em princípio, indispensável a fixação dos limites de vi- gência dos contratos administrativos, de forma que o tempo não comprometa as condições originais da avença, não havendo, entretanto, obstáculo jurídico à devolução de prazo, quando a Administração mesma concorre, em virtude da própria natureza do avençado, para interrupção da sua execução pelo contratante. Súmula no 191 de 26/10/1982”.
3 “[...] 197. Portanto, segundo inteligência dessa comissão, ultrapassado o prazo de vigência de um contrato administrativo sem a tempestiva prorrogação, extingue-se o contrato formal, inaugurando uma situação de existência (pendência) de obrigações lastreadas em mero con- trato verbal e com prazo indeterminado, irregularidade a ser sanada por meios juridicamente admissíveis. [...]” (Xxxxxxxx, Xxxxxxx no 2143/2015, relator Xxxxxxxx Xxxxxxxx, x. 26 ago. 2015).
4 “Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as
quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato,
Mesmo que a prorrogação venha a ser formalizada posteriormente, o TCU chega a afirmar que “a celebração de aditivo de prorrogação de prazo contra- tual cuja vigência já esteja esgotada configura recontratação sem licitação”.5
Então, consolidou-se no TCU a posição de que não seria permitido pror-
rogar um contrato em data posterior ao término de sua vigência.6
Esse entendimento também prevalece na administração pública federal, consoante Orientação Normativa no 3, da Advocacia-Geral da União, de 1o de abril de 2009.7 No âmbito da Procuradoria-Geral Federal, por exemplo, no ementário das conclusões da Câmara Permanente de Licitações e Contratos, nota-se que mesmo em relação aos contratos por escopo não estão admitindo a prorrogação de contrato com prazo expirado, hipótese em que recomen- dam “a inserção da parte remanescente em novo contrato administrativo, o qual deverá ser precedido de licitação ou enquadrado em alguma hipótese de dispensa ou inexigibilidade”, porque “a execução de contrato extinto, seja ele de escopo ou de execução continuada, configura contrato verbal, aplicando-se a ON/AGU no 04/2009, que determina o pagamento por meio de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59 da Lei no 8.666/93”, afirmando também que nem a rescisão de tais contratos seria permitida.8
salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem. Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, xxxxxx ‘a’ desta Lei, feitas em regime de adiantamento.”
5 TCU, 2a Câmara, Acórdão no 2546/2017, relatora Xxx Xxxxxx, x. 14 mar. 2017.
6 “Não se prorroga contrato com prazo de vigência expirado, ainda que por um dia apenas. Celebra-se novo contrato.” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orien- tações e jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. 4. ed. Brasília: TCU, Secretaria- Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 659, 766, 773).
7 Orientação Normativa/AGU no 3, de 01.04.2009 (DOU de 07.04.2009, S. 1, p. 13): “Na análise dos processos relativos à prorrogação de prazo, cumpre aos órgãos jurídicos verificar se não há extrapolação do atual prazo de vigência, bem como eventual ocorrência de solução de continuidade nos aditivos precedentes, hipóteses que configuram a extinção do ajuste, impedindo a sua prorrogação”.
REFERÊNCIA: art. 57, inc. II, Lei no 8.666, de 1993; Nota Decor no 57/2004-MMV; Acórdãos
TCU 211/2008-Plenário e 100/2008-Plenário.
8 CONTRATO ADMINISTRATIVO. VIGÊNCIA DO CONTRATO DE ESCOPO. Conclusão DEPCONSU/PGF/AGU No 58/2013. Referência: Parecer no 13/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/ AGU, aprovado pelo Procurador-Geral Federal em 03.12.2013.” Disponível em: <www.agu. xxx.xx/xxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xx/00000000>. Acesso em: 24 jun. 2017.
Por outro lado, o TCU, apenas excepcionalmente, tem admitido a prorrogação de contratos extintos e somente para aqueles de escopo.9
Finalmente, no que diz respeito aos contratos de prestação de serviço prestados de forma contínua, existe parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal que se manifestou favorável à prorro- gação efetivada após expirado o prazo apenas quando houvesse manifestação do contratante formulada dentro da duração do contrato.10
Cabe, então, um melhor aprofundamento nos conceitos de serviço execu- tados de maneira contínua, de contratos por prazo determinado e de contratos por escopo, para verificar se o entendimento vigente seria o mais adequado para o tratamento das prorrogações.
3. Serviços executados de forma contínua
A prestação de serviço de forma contínua é definida, por exemplo, pelo art. 15 da Instrução Normativa no 5, da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, de 25 de maio de 2017, que elenca como elemento importante a essencialidade do serviço.11
A definição dessa Instrução Normativa já aparecia no Acórdão no 132/ 2008 da 2a Câmara do TCU, que também apontava o risco para o interesse público em caso de interrupção do serviço.12 Nesse Acórdão no 132/2008,
9 “5. Em regra a prorrogação do contrato administrativo deve ser efetuada antes do término do prazo de vigência, mediante termo aditivo, para que não se opere a extinção do ajuste. Entretanto, excepcionalmente e para evitar prejuízo ao interesse público, nos contratos de escopo, diante da inércia do agente em formalizar tempestivamente o devido aditamento, é possível considerar os períodos de paralisação das obras por iniciativa da Administração contratante como períodos de suspensão da contagem do prazo de vigência do ajuste. [...]. Acórdão 127/2016 — Plenário, Auditoria, Relator Ministro-Substituto Xxxxx xx Xxxxxxxx.” (Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos no 272) No mesmo sentido o Acórdão no 3131/2010-Plenário, TC-008.318/2005-9, rel. min. Xxxxxxx Xxxxxx, 24.11.2010. (Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos no 44)
10 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx. Contrato administrativo — revisão, prorrogação e aditamento — registro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 17, p. 274- 276, jul. 1949. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxx/xxxxxxx/ view/11093/10068>. Acesso em: 11 jul. 2017.
11 “Art. 15. Os serviços prestados de forma contínua são aqueles que, pela sua essencialidade, visam atender à necessidade pública de forma permanente e contínua, por mais de um exercício financeiro, assegurando a integridade do patrimônio público ou o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou entidade, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional.”
12 “[...] 29. Na realidade, o que caracteriza o caráter contínuo de um determinado serviço é sua
essencialidade para assegurar a integridade do patrimônio público de forma rotineira e
entende-se que o caráter contínuo estaria no próprio serviço e decorreria do fato de sua interrupção poder prejudicar o funcionamento do órgão público. Antes desse Xxxxxxx, o TCU apresentava como elementos conceituais o fato de esses serviços corresponderem a “obrigações de fazer” e “a necessidades permanentes”.13
Ocorre que a essencialidade do serviço não é indicada na lei como ele- mento indispensável nem exsurge de maneira óbvia no contexto real. Se um serviço é executado de forma contínua é porque ele é destinado a atender necessidade de natureza contínua.
Como cada órgão tem necessidades diferentes, o mesmo serviço poderá
ser executado de modo contínuo em um órgão e sem continuidade em outro.
Deve ficar assentado, então, que o aspecto da continuidade está ligado à necessidade e não ao serviço em si. Na prática, será o administrador que avaliará a realidade do órgão que administra para decidir se a necessidade é contínua ou não.
O mais importante, dessa forma, é definir o que seria uma necessidade de natureza contínua. Ao lado dessa questão, também importa trazer a razão de a lei ter autorizado a prorrogação de contratos de serviços executados de forma contínua e os problemas envolvidos com os contratos de longa duração.
3.1 Duraęão do contrato e oręamento
A preocupação com a duração do contrato parece ter surgido em razão de problemas práticos ligados ao direito financeiro. Qualquer que seja o objeto contratual, o art. 57 da Lei no 8.666, de 1993, prevê que a duração dos contratos deve corresponder à vigência dos créditos orçamentários que, segundo
permanente ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do ente administrativo, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional.
[...] (TCU. Acórdão no 132/2008 — Segunda Câmara. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxx. Data do julgamento: 12/02/2008).” Até seria dispensável citar o presente acórdão, mas ele é mencionado apenas para demonstrar como o entendimento jurisprudencial acaba se consolidando e se tornando norma.
13 “9.2. Dessa forma, para se enquadrar os serviços como continuados, é necessário analisar os contratos caso a caso e confrontá-lo com a forma de atuação da DFA/PR, cabendo para o caso determinação para que o órgão, ao firmar e prorrogar contratos, observe atentamente o inciso II do art. 57 da Lei 8.666/93, de forma a somente enquadrar como serviços contínuos contratos cujos objetos correspondam a obrigações de fazer e a necessidades permanentes” (TCU, Plenário, Decisão 1.136/2002).
o direito financeiro, em regra, têm duração de um exercício financeiro, segundo o princípio da anualidade, previsto no art. 2o da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964.14 A regra, assim, é que o contrato dure no máximo um ano, compreendido entre 1o de janeiro e 31 de dezembro desse mesmo ano,15 com base no art. 34 da Lei nº 4.320, de 1964, para o qual “o exercício financeiro coincidirá com o ano civil”.
O princípio da anualidade é tradicional do direito financeiro e busca acompanhar a natural programação também anual dos agentes econômicos no mercado. Não é necessário que ele compreenda o período de 1o de janeiro a 31 de dezembro, pois tudo dependerá da realidade de cada país e do que a legislação dispuser.16
Vale lembrar que a exigência de observância da anualidade na gestão do gasto público é consagrada na própria Constituição, consoante, por exemplo, o texto de seus arts. 165 e seguintes. A propósito, o art. 167 veda em seu inciso I “o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual”17 e no inciso II “a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.
Porém, há despesas que podem continuar sendo necessárias além do término do exercício. Ciente dessa realidade, o próprio texto constitucional previu, por exemplo, a figura do plano plurianual, destinado a um planeja- mento de longo prazo para despesas de capital, de despesas decorrentes destas, bem como para programas de caráter continuado. Caso contrário, apenas a título de esclarecimento, nenhuma obra que durasse mais do que um ano poderia ser executada. Vale lembrar ainda que, se não fosse possível a exis- tência de despesas com caráter continuado, não só de capital, mas também de custeio, seria inviável qualquer contratação de servidores públicos, os quais podem passar muitos anos trabalhando para a administração.
14 “Art. 2o A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evi- denciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade.”
15 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Levando o direito financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016. p. 101, 137, 141 e 142.
16 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. Manual de finanças públicas e direito financeiro. Lisboa: 1974. v. 1, p. 661-689. XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 202-205.
17 Segundo a Portaria no 42, de 14 de abril de 1999: “Art. 2o — Para os efeitos da presente Portaria, entendem-se por: a) Programa, o instrumento de organização da ação governamental visando à concretização dos objetivos pretendidos, sendo mensurado por indicadores estabelecidos no plano plurianual; b) Projeto, um instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou o aperfeiçoamento da ação de governo”.
A constatação dessas despesas prolongadas, contudo, não é incompatível com a anualidade, na medida em que, anualmente, elas podem ser avaliadas e votadas pelo Legislativo. Esse controle anual é um meio-termo, na medida em que é difícil autorizar por prazo maior e é difícil executar por prazo menor.18 Na legislação, a limitação dos contratos à duração dos créditos orçamen- tários já aparece pelo menos desde a Lei no 3.018, de 5 de novembro de 1880,19 e passou para o Regulamento Geral de Contabilidade Pública.20 Nele, porém, fica claro o reconhecimento das situações que demandavam despesas além do exercício financeiro. Basta atentar para os arts. 56, 73, 228, 230, 767 e 777, do referido Regulamento, que tratam, entre outras coisas, da programação or- çamentária e do empenho inclusive nos casos de despesas que se deveriam repetir-se a cada ano, além de já naquela época terem limitado a duração dos contratos à vigência dos respectivos créditos, mas com previsão de prolongamento por mais de um exercício, desde que não ultrapassado o
período de cinco anos.
A partir do momento em que a legislação orçamentária permite contratos superiores a 12 meses, não se entende a razão de limitá-los, como foi feito pelo citado art. 777 desse Regulamento, a cinco anos. Não se entende nem o motivo dessa limitação nem a razão de se adotar cinco anos e não outro prazo.
No Código Civil de 1916, os contratos de prestação de serviço eram limi- tados a quatro anos. O fundamento dessa limitação seria garantir a liberdade do indivíduo prestador do serviço, isto é, seria uma reação ao passado escravagista. Até por conta disso, seria possível, nos contratos sem prazo, rescindi-los mediante prévio aviso.21
Xxxxxx tenha sido essa a causa que levou o legislador, no Código de Con- tabilidade Pública, a também limitar o prazo. Permaneceria, então, a questão relativa ao período da limitação, que, enquanto no direito civil era de quatro anos, neste último foi limitado a cinco anos.
18 Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, Manual de finanças públicas e direito financeiro, op. cit., p. 662,
687-689; Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx, O orçamento na Constituição, op. cit., p. 54-55.
19 XXXXX XXXXX, X. Contrato — prazo e prorrogação. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 233-235, jan. 1945. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/ index.php/rda/article/view/8345/7120>. Acesso em: 11 jul. 2017.
20 Aprovado pelo Decreto no 15.783, de 8 de novembro de 1922, para tratar mais detalhadamente do Código de Contabilidade da União, organizado pelo Decreto no 4.536, de 28 de janeiro de 1922.
21 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado por Xxxxxx Xxxxxxxxx. Edição histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1958. v. IV, p. 332-333. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 3, p. 198-199.
É provável que esse período decorra da praxe do direito público, princi- palmente para fins de prescrição, de limitar os prazos a cinco anos, como se vê, por exemplo, no art. 178, §10, VI, do Código Civil de 1916, nos arts. 174,
§1o, 353, j, 356, 453, 503, 518, 609 e 767, parágrafo único, do Código de Contabilidade Pública, valendo registrar que tal prazo quinquenal já era apli- cado pelo menos desde a Lei de 30 de novembro de 1841, interpretada pelo Decreto no 857, de 12 de novembro de 1851.22
Independentemente dessa questão, parece ainda ter sido essa a origem do prazo que acabou constando como limitador dos contratos de prestação de serviço a ser executado de forma contínua com a administração. Esse contrato e outros, que a Lei no 8.666, de 1993, reconheceu que necessitariam durar mais do que o exercício financeiro, foram arrolados em seu art. 57 como exceções à limitação da duração dos contratos aos créditos orçamentários necessários para custear suas respectivas despesas.23
Algumas conclusões podem ser obtidas desse dispositivo legal. Em pri-
meiro lugar, não só os contratos de serviços executados de forma contínua,
22 BRASIL. Senado Federal. Decreto no 857, de 12 de novembro de 1851. Explica o art. 20 da Lei de 30
de novembro de 1841 relativo à prescrição da dívida ativa e passiva da Nação. Disponível em:
<xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxx>. Acesso em: 3 abr. 2018. Outra possibilidade está no fato de o mandato presidencial da época ser de quatro anos, conforme art. 43 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 (BRASIL. Presidência da República. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx00.xxx>. Acesso em: 3 abr. 2018). Embora na época não houvesse plano plurianual, como se sabia da existência de despesas de longo prazo, ao se fixar o prazo máximo de cinco anos para os contratos, evitar- se-ia, de um lado, a interrupção destes por conta da mudança de presidente, pois o prazo contratual iria além do mandato. Por outro lado, possibilitaria ao novo presidente avaliar as despesas continuadas durante seu primeiro ano de mandato para decidir pela continuidade delas ou não. Aliás, o plano plurianual existente na Constituição de 1988 também propicia a mesma situação, na medida em que ele é feito no primeiro ano do mandato presidencial para durar os três últimos anos desse mesmo mandato, indo até o primeiro ano do mandato seguinte.
23 “Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: I — aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório; II — à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; [...] IV — ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato. V — às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração. […] §4o Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses.”
mas também outros tipos de contratos podem ser prorrogados ou ter sua vigência superior à duração dos créditos orçamentários.
Em segundo, a prorrogação com a qual a Lei mais se preocupou foi justa- mente aquela em que a duração do contrato ultrapassa o exercício financeiro, pois seria exceção à regra da vinculação da duração à vigência do crédito orçamentário, embora todas as hipóteses necessitem seguir procedimentos próprios, mesmo que a prorrogação ocorra dentro de um mesmo exercício.
Em terceiro, especificamente sobre os serviços executados de forma contínua, previstos no inciso II do art. 57, o aspecto temporal diz respeito ao fato de a necessidade ultrapassar o término do exercício financeiro e, portanto, a vigência do crédito orçamentário. O prazo pode ser, portanto, inferior a um exercício financeiro, ou seja, pode ser inferior ao período de 12 meses, mas a preocupação da lei é deixar claro que será possível prorrogar a vigência mesmo quando seu termo inicial estiver em um exercício e seu termo final em outro exercício.
Em quarto, deve ser notado que o próprio inciso II não estipulou limite mínimo de prazo, mas tão somente o limite máximo de 60 meses, que pode ser acrescido, excepcionalmente, de mais 12 meses, nos termos do §4o do art. 57.
Em quinto, outra conclusão importante é que, mesmo quando o serviço for executado de forma contínua e quando a necessidade for permanente, não será admissível prorrogar o contrato além do limite legal (60 meses mais 12 meses, em casos excepcionais). Desse modo, durante o último período contratual, se a necessidade permanecer, deverá haver licitação para nova con- tratação ou, conforme as circunstâncias do caso concreto, contratação direta.
Com isso, fica evidente que o argumento que aponta a “essencialidade” do serviço como motivo para prorrogar o contrato fica fragilizado. De acordo com esse argumento, seria a “essencialidade” do serviço, ou seja, a inviabi- lidade de sua interrupção por conta de possíveis prejuízos ao órgão e ao cumprimento de seus objetivos, que justificaria a prorrogação. Esse argu- mento parece não enxergar o aspecto do direito financeiro, da anualidade orçamentária, mas apenas a necessidade de licitação a cada término de contrato. O argumento parece ver a prorrogação, dessa forma, não apenas como uma exceção à limitação do prazo contratual à vigência do crédito orçamentário, mas principalmente como uma exceção à regra da licitação.
Ainda de acordo com esse argumento, parece que a licitação é vista como um trâmite burocrático que poderia prejudicar a continuidade do serviço. Como o serviço não poderia ser interrompido, afastar-se-ia a regra da licitação, permitindo a prorrogação do contrato. O risco de a licitação
prejudicar a continuidade do serviço diz respeito aos eventuais incidentes inerentes ao certame, como o tempo necessário para o processo, os possíveis recursos e impugnações, entre outros.
Ocorre que risco também há no procedimento necessário à prorrogação. O contratado pode não querer continuar com o contrato e o contrato pode deixar de ser vantajoso entre outras hipóteses que levariam à necessidade de licitar.
Se fosse efetivamente a essencialidade do serviço e a impossibilidade de sua interrupção que justificassem a prorrogação, esta, em princípio, não poderia ser limitada. Além disso, também seria necessário que as outras hipóteses do art. 57 abrangessem objetos essenciais para a administração.
Por isso, parece mais ser um aspecto prático, ligado à anualidade do orçamento, que levou a Lei de Licitações a permitir a prorrogação desses contratos. Não houvesse a limitação orçamentária anual (e as normas que impedem contratos sem prazo), nada impediria de se fazer um contrato de prestação de serviço sem prazo ou com um prazo bem dilatado, nos casos em que a necessidade a ser atendida se prolongasse no tempo.
Xxxxx fazer um paralelo com uma obra para se entender essa assertiva. Se uma obra tem duração estimada de sete anos, deveria a administração fazer uma licitação a cada ano ou mesmo fazer um contrato com prazo limitado ao exercício financeiro e depois ir fazendo prorrogações a cada ano até terminar a obra?24
Fica evidente, dessa forma, que o prazo do contrato de obra deve ser o necessário para se concluir a obra. Quando, contudo, há uma demanda a ser atendida por meio da prestação de um serviço, o prazo do contrato deveria corresponder ao tempo necessário para o atendimento dessa demanda.
Note-se que, mesmo que o prazo fosse indeterminado ou muito longo no contrato de prestação de serviço, não se estaria deixando de atender à exigência de licitação prevista no art. 37, XXI, da Constituição.
Infelizmente, parece ter surgido essa confusão entre a questão orçamen- tária e a questão licitatória que levou até mesmo a lei a limitar os prazos dos contratos de prestação de serviço.
Xxxxxxx foi a confusão que, no início da vigência do dispositivo que
permitiu a prorrogação dos contratos de prestação de serviços executados
24 A usina hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, teve sua construção iniciada em 1974 e só começou a gerar energia em 1984 (ITAIPU BINACIONAL. Perguntas frequentes. Disponível em: <www. xxxxxx.xxx.xx/xxxx-xx-xxxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxx>. Acesso em: 3 abr. 2018).
de forma contínua, acreditava-se que, qualquer que fosse o termo inicial do contrato, seu termo final deveria ocorrer em 31 de dezembro do ano de início. Acreditava-se ainda que a prorrogação deveria ser feita até 31 de dezembro, para que o contrato pudesse continuar a partir de 1o de janeiro do ano seguinte e, desta vez, com vigência podendo novamente ir até 31 de dezembro.25
Atualmente, a questão parece pacífica, havendo no âmbito da União a Orientação Normativa da AGU no 1, de 2009, segundo a qual “a vigência do contrato de serviço contínuo não está adstrita ao exercício financeiro”, Orientação esta editada com base na Decisão no 586/2002 da 2a Câmara do TCU e na Decisão no 25/2000 do Plenário do TCU.
Se qualquer relação com o poder público exigisse licitação periódica anual, seriam inviáveis os contratos de concessão ou permissão públicas previstos na Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Como nesses contratos o concessionário ou permissionário executam por sua conta o serviço ou obra, ou seja, sem necessitar do orçamento público, não houve essa preocupação com a limitação tão exígua do prazo desses contratos. Tanto é que, neles, o prazo é estimado para compensar o investimento do particular, o que pode levar muitos anos.
Já no caso da prestação de serviço, em razão da limitação legal do prazo de até cinco anos, foi editada a Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que trata das parcerias público-privadas, estipulando prazos bem mais prolon- gados. Xxxxx, nessa Lei, vedam-se contratos com prazos inferiores a cinco anos. A menção a essas leis evidencia como é possível atender à exigência constitucional de licitação sem que haja necessidade de renovação anual do procedimento licitatório. Também evidencia, principalmente no caso das parcerias público-privadas em que a administração aplique recursos públicos, que é possível contratos com prazos superiores ao anual e mesmo ao quinquenal sem ofender o planejamento orçamentário anual, até porque a própria Constituição reconhece a existência de projetos e programas cuja
duração deva ser superior a esse prazo.
Enfim, relativamente aos serviços executados de forma contínua, onde a Lei de Licitações prevê que é possível a prorrogação, deve ser lido que,
25 XXXXX XXXXX, X. Contrato — prazo e prorrogação. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 233-235, jan. 1945. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/ index.php/rda/article/view/8345/7120>. Acesso em: 11 jul. 2017. XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. A duração dos contratos administrativos na Lei no 8.666/93. In: XXXXXX, Xxxxx (Xxxxx.); XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx dos; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Estudos sobre a lei de licitações e contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 175-178.
respeitado o limite máximo de 60 meses (acrescido excepcionalmente de 12 meses), é possível a continuidade do contrato além da vigência do crédito orçamentário, pouco importando se a prorrogação ocorrerá durante a vigência contratual ou não, pois o que importa para a manutenção do contrato, como se verá, é a permanência da necessidade pública a ser atendida. Dito de outro modo, a preocupação do inciso II do art. 57 da Lei de Licitações não foi restringir o cabimento da prorrogação apenas aos casos em que o contrato estivesse em vigor, mas, em vez disso, apenas esclarecer que tais contratos poderiam ter duração além do crédito orçamentário.
Também por essa razão, tanto o prazo inicial já pode ser fixado em lapso superior ao anual como também o prazo da prorrogação “pode ser igual ou inferior e até mesmo superior ao do contrato inicial, observadas as limitações do art. 57 da Lei 8.666/93”, segundo Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx,26 posição que adotamos.
A única preocupação para contratos com prazo mais longo é a necessi- dade de manutenção da vantagem, requisito esse, a propósito, exigido pelo inciso II do art. 57 da Lei de Licitações como condição para autorizar a pror- rogação. É que, enquanto na licitação há uma concorrência entre licitantes que pode levar à obtenção de uma proposta relativamente mais vantajosa, no caso da prorrogação, é possível que, ao longo do contrato, essa vantagem deixe de existir, por exemplo, quando os reajustes aplicados no contrato tornam o preço superior ao de mercado. Por isso, é essencial que, independentemente do prazo do contrato, haja previsão expressa de que deve ser mantida a vantagem, sob pena de rescisão. Além disso, deve a administração constantemente apurar a manutenção dessa vantagem pelo menos anualmente, lembrando que, como alternativa para a rescisão, haverá a possibilidade de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, conforme o art. 65, II, d, da Lei de Licitações. Havendo vantagem e se respeitando a duração máxima de sessenta meses,
o que determinará o cabimento da prorrogação do contrato de prestação de serviço será a necessidade a ser atendida. É preciso, por isso, verificar que tipo de necessidade autoriza essa prorrogação.
26 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Licitações e contrato administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
p. 201. Essa posição se reflete no art. 25 da Portaria-TCU no 128, de 14 de maio de 2014, que “dispõe sobre a licitação e a execução de contratos de serviços no âmbito da Secretaria do Tribunal de Contas da União”: “Art. 25. A depender das características do objeto do contrato de serviços continuados, justificadamente, a contratação inicial ou total poderá ser superior a 12 (doze) meses, limitada a 60 (sessenta) meses”.
3.2 O que caracteriza a natureza contínua da necessidade a ser atendida
Já foi verificado que o serviço executado de forma contínua tem por objetivo atender a uma necessidade de natureza contínua. Aliás, a natureza contínua pertence à necessidade e não ao serviço. Daí ser inadequada a expressão “serviço de natureza contínua”.
Xxxxxxxx, então, ao principal ponto deste tópico, que seria a análise do elemento que caracterizaria esse tipo de necessidade.
Para analisar a questão posta, tomemos o seguinte exemplo: o serviço de limpeza. Em princípio, enquanto um órgão estiver em funcionamento, será necessário que o trabalho seja executado em ambiente limpo. Além da poeira que se acumula, os próprios agentes públicos acabam sujando o ambiente naturalmente, ao jogar detritos no lixo, ao usar o sanitário, ao andar pelo ambiente etc. A necessidade desse serviço, então, é contínua.
Reconhece-se, todavia, que o serviço não é prestado, em regra, no período noturno ou aos fins de semana. Ou seja, há interrupção do serviço à noite e aos fins de semana, sem que tal interrupção, contudo, afaste a natureza contínua da necessidade a ser atendida.
Isso evidencia que os conceitos anteriores que colocam a impossibilidade de interrupção como característica do “serviço de natureza contínua” possuem pelo menos duas imperfeições. Primeiro, porque, como dito, não é o serviço, mas a necessidade, que possui natureza contínua. Segundo, porque pode haver interrupção, sem que se afaste a natureza contínua da necessidade.
Mas, se não é a interrupção que tem relevância para a natureza contínua
da necessidade, qual elemento seria?
Começando com uma hipótese extrema, afastaria essa natureza contínua aquela interrupção que decorra do fato de o serviço não ser mais necessário no momento e haver previsão de que ele, em princípio, não será mais necessário no futuro.
Imaginando uma hipótese em que um órgão é extinto e que um pavi- mento inteiro de um edifício público será desocupado, mantendo-se os demais com outros órgãos em funcionamento, o serviço de limpeza no andar desocupado não será mais necessário, havendo uma interrupção decorrente da desnecessidade do serviço.
Com os dois exemplos anteriores, o do serviço diário de limpeza e o exemplo do encerramento desse serviço, confirma-se, em primeiro lugar, que a natureza contínua decorre da necessidade a ser atendida e não do serviço
em si. Foi esse entendimento adotado, por exemplo, no Acórdão no 766/2010 do Plenário do TCU. Aliás, nesse mesmo julgado, o TCU chegou a reconhecer que até mesmo certos casos de fornecimento pudessem ser prorrogados com base no art. 57, inc. II, da Lei de Licitações. O Tribunal admitiu, “em caráter excepcional, com base em interpretação extensiva do disposto no inciso II do artigo 57 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, que as contratações para aquisição de fatores de coagulação sejam consideradas como serviços de natureza contínua”.
Assim, tão fundamental é o elemento da “necessidade pública a ser atendida”, que a Corte de Xxxxxx chegou a afastar os termos literais da lei para permitir a prorrogação de contratos de fornecimento que, segundo a própria concepção legal, não seriam de serviços.27
Voltando ao exemplo do serviço de limpeza, após considerar que a interrupção diária e a semanal do serviço não afastam seu enquadramento no inciso II do art. 57 da Lei de Licitações, caberia analisar como ficaria a situação caso o serviço fosse prestado em apenas um ou em alguns dias da semana, ou mesmo a cada mês, trimestre, semestre ou ano. Ou seja, interrupções bem mais duradouras.
27 Apenas a título de ilustração, enquanto no âmbito federal se trata de uma situação muito rara, essa aplicação da possibilidade de prorrogação para contratos diversos da prestação de serviço parece ser mais aceita no âmbito do Estado de São Paulo: “No mérito, acolho os pareceres da Chefia da Assessoria Técnica e da SDG, pois, após a análise de cada caso em particular, e desde que devidamente motivadas e atendidas determinadas condições, há certas situações em que poderá ser reconhecido um contexto de fornecimento contínuo no qual haverá uma interpretação extensiva do artigo 57, inciso II, da Lei de Licitações, para o fim de ser admitida a prorrogação de prazo prevista naquele dispositivo legal.
De fato, tal como ocorre com a prestação de serviços de caráter continuado, existem situações em que há contratos de fornecimento que, do mesmo modo, possuem o caráter de continuidade e de previsibilidade, vez que há um rol de produtos cujo fornecimento se repete no tempo, ao longo de um determinado período de vigência pactuado, e com base em quantitativos previamente estimados pelo ente contratante, sendo que a continuidade desse fornecimento revela-se como requisito essencial para a manutenção de determinados serviços públicos.
No tocante à questão orçamentária tratada pelo ‘caput’ do artigo 57, da Lei de Licitações, não há óbice, pois, em se tratando de fornecimento de produtos caracterizado pela continuidade e pela previsibilidade, os recursos necessários já estarão reservados em dotação orçamentária específica, previamente estabelecida na Lei Orçamentária Anual, os quais serão utilizados, do mesmo modo, tanto em uma contratação nova, quanto em uma eventual prorrogação de prazo, já que não poderá haver uma interrupção desse fornecimento.
(Relator Conselheiro Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxx, x. 26 abr. 2006)” (TC 000178/026/06 do
TCE/SP)
No mesmo sentido é a Decisão Normativa no 3, de 10 de novembro de 1999 do Tribunal de Contas do Distrito Federal, segundo a qual “é admitida a interpretação extensiva do disposto no inciso II do art. 57 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, às situações caracterizadas como fornecimento contínuo, devidamente fundamentadas pelo órgão ou entidade interessados, caso a caso”.
Novamente, não se vê motivo para afastar o enquadramento da neces- sidade como de natureza contínua. Basta imaginar, por exemplo, um serviço de limpeza de caixa d’água do edifício onde funciona um ente público, feito apenas uma ou algumas vezes por ano. O serviço é necessário ou, se se pre- ferir, “essencial” para o funcionamento do órgão.
Parece exsurgir dessas ilustrações que, em vez de se focar na ausência de interrupção, o elemento para caracterizar a continuidade da necessidade seria a previsão de sua repetição futura, ou seja, sabe-se, de antemão, que o serviço voltará a ser necessário. Assim, talvez o próprio termo “contínuo” ou “continuidade” não seja adequado. Devem-se preferir serviços destinados ao atendimento de necessidades recorrentes ou repetitivas.
Essa repetição ou recorrência também não necessita ter um padrão perió- dico, ou seja, não se exige que a necessidade sempre ocorra a cada mesmo período, por exemplo, a cada mês, semestre, quadrimestre etc. Exige-se apenas que se tenha certo grau de certeza de que ela irá se repetir.
Pode-se imaginar a prestação de serviço de chaveiro, quando se sabe que o órgão irá necessitar de tal serviço, mas sem saber precisar quantas vezes. O ideal para tal situação seria a contratação por demanda, ou seja, empreitada por preço unitário.
Diante da configuração da previsão de recorrência da necessidade, deverá o administrador apurar, primeiro, se é melhor para o interesse público a realização de licitação periódica ou a contratação direta, esta última apenas nas hipóteses expressamente autorizadas pela lei. Segundo, se a contratação será com prazo mais reduzido com possibilidade de prorrogação, ou com prazo dilatado e sem possibilidade de prorrogação. Poderá ainda decidir entre a contratação mediante sistema de registro de preços ou por meio de contrato de prestação de serviços a serem executados de forma continuada.
4. Contratos por prazo determinado, contratos por prazo indeterminado e contratos por escopo
Ao lado do aspecto do planejamento orçamentário, já tratado anterior- mente, o prazo diz respeito à própria caracterização da obrigação a ser cumprida.
A obrigação, em regra, é extinta com a entrega da prestação devida, isto é, com seu adimplemento. O nome dado a esse adimplemento é pagamento e, segundo o Título III do Livro I da Parte Especial do Código Civil, fica claro
que a relação obrigacional abrange o sujeito passivo (aquele que tem o dever de pagar); o sujeito ativo (aquele a quem deve ser feito o pagamento); o objeto do pagamento (a prestação de dar, fazer ou não fazer); a prova do pagamento (quitação); o lugar do pagamento; e, finalmente, o tempo do pagamento, ou seja, quando a obrigação deve ser cumprida. Assim, pagamento, tecnicamente, é cumprimento da obrigação e não necessariamente entrega de dinheiro.
Quando não fixada época para pagamento, o art. 331 do Código Civil dispõe que o pagamento pode ser exigido imediatamente.
Decorre, assim, também dessa essencialidade do prazo na relação obri- gacional a exigência contida no inciso IV do art. 55 da Lei de Licitações que coloca como cláusula necessária em todo contrato administrativo: “IV — os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de obser- vação e de recebimento definitivo, conforme o caso”.
Estipulando a administração o prazo, ela tem como planejar o pagamento
e, desse modo, organizar seu fluxo financeiro.
Deve ser registrado que o pagamento pode ocorrer de diversas maneiras,
conforme a natureza do contrato ou da obrigação a ser executada.
Por isso, o prazo, que é um lapso temporal, segundo a doutrina, pode ter diferentes funções, conforme o modo como a execução do contrato ocorrerá. A doutrina acaba distinguindo entre execução diferida e execução imediata conforme a existência de lapso maior ou menor entre a formação do contrato e sua execução. Da mesma forma, enquanto chama de execução instantânea aquela em que a prestação se cumpre de uma só vez em um único momento, chama de prestações sucessivas ou de execução diferida as hipóteses em que a execução se protrai no tempo. Apesar das diversas formas como o assunto é tratado, normalmente há uma classificação em três grandes grupos: de execução instantânea, de prestações sucessivas e de conclusão de obra ou serviço determinado.28
Para essa classificação, no primeiro grupo, estariam os contratos em que
o pagamento ou adimplemento ocorre de imediato, em um único momento, como nas entregas de bens nos contratos de aquisição.
Ainda seguindo essa classificação, haveria também os contratos com pres- tações sucessivas durante determinado período, como os serviços de limpeza, em que há uma rotina a ser cumprida diariamente. Nesse caso, o prazo fixa
o tempo em que o serviço deve ser prestado, bem como sua periodicidade interna a esse lapso.
28 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Extinção dos contratos administrativos. São Paulo: RT, 1986. p. 22-24.
Finalmente, os contratos em que o prazo compreende o período concedido
ao contratado para executar o contrato, concluindo seu objeto.
Enquanto no grupo o cumprimento é instantâneo e deve ocorrer em qualquer momento até o termo final do prazo, nesse último grupo o contrato já começa a ser cumprido durante o prazo, devendo o objeto estar finalizado até o termo final. A execução nesse último caso se protrai no tempo.
Já o segundo grupo, em que há prestações sucessivas, traz em comum com o último o fato de haver execução e, portanto, cumprimento durante o prazo. Ocorre que, enquanto no segundo são devidas diversas prestações determinadas que se repetem durante o prazo, no último grupo o objeto é parcialmente completado a cada momento, devendo estar concluído até o termo final, isto é, haveria, em princípio, uma única prestação sendo entregue aos poucos.
O fato é que é difícil em todas essas classificações precisar quanto tempo definiria cada uma das hipóteses. Quantas horas caracterizam esse contrato? Pode haver pausa no cumprimento? Essa dificuldade em precisar cada hipótese é fenômeno semelhante ao que ocorre na matemática na distinção entre discreto e contínuo. Da mesma forma, isso acontece no Direito na distinção entre regras e princípios. Com base nisso, acreditamos que haveria vários graus indiscerníveis compreendidos em um lapso, vários níveis de intensidade. Preferimos, por isso, analisar as hipóteses possíveis de modo distinto. Entendemos, em primeiro lugar, que a execução pode ser iniciada em data mais próxima da formação do contrato ou mais afastada. Uma vez iniciada, ela pode durar mais ou menos tempo. Além disso, a execução pode ser singular ou se repetir durante determinado período (e a frequência da repetição pode até mesmo configurar uma permanência ou constância da prestação). Iniciada ou não a execução, repetida ou não a prestação, poderá haver um prazo cujo termo final definirá se o contrato estará extinto — com adimplemento ou com inadimplemento absoluto — ou não extinto, havendo nessa última hipótese mora do devedor. Eis um esquema para ilustrar melhor nosso pensamento.
Tabela 1
Classificação das configurações dos prazos contratuais
Elementos de análise | Possibilidades de configuração | Tipo de prazo | |
Início da execução | Mais próxima da formação | Mais distante da formação | Para iniciar |
Duração da execução | Mais curta | Mais longa | Para concluir |
Repetição da execução | Não ocorre | Ocorre | Para repetir |
Extinção do contrato | Extintivo | Moratório | Para definir |
Fonte: Elaborada pelo autor.
Novamente, a necessidade pública a ser atendida será elemento primordial na definição das hipóteses anteriores: a) Quanto ao início da execução, se a necessidade já estiver presente e for urgente seu atendimento, é mais provável que sua execução ocorrerá na data mais próxima possível da formação do contrato; b) Quanto à duração da execução, se se tratar de algo simples a ser feito, mais curto será o tempo necessário para entregar a prestação;
c) Quanto à repetição, se se tratar de uma necessidade recorrente ou constante, maior poderá ser a probabilidade de as prestações se repetirem ou mesmo de permanecerem. Basta pensar no exemplo do fornecimento de água e energia elétrica; e d) Finalmente, independentemente da ocorrência ou repetição da execução, haverá hipóteses em que a lei ou o contrato limitará sua duração a certo prazo, enquanto em outras a prestação somente será útil se entregue até determinada data ainda que posterior ao termo final, de modo que, enquanto, na primeira hipótese, o término do prazo, em regra, acarretará a extinção do contrato, na última, o devedor, se tiver culpa, responderá por perdas e danos, sem prejuízo das sanções contratuais, se não pagar até referido termo, mas ele continuará obrigado até a efetivação da rescisão.
De todo modo, vale registrar que, segundo o §3o do art. 57 da Lei de Lici- tações, são vedados contratos por prazo indeterminado. Novamente, porém, a realidade escapa à ânsia legislativa de apreender em seus termos a genera- lidade dos fenômenos, fato já cediço antes mesmo de Cristo.29 Assim como
29 Xxxxxxxxxxx já apontava que “toda lei é universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares” (XXXXXXXXXXX. Ética a
as próprias Cortes de Contas chegaram a afastar a restrição legal do inciso II do art. 57 que permitia a prorrogação de contratos apenas nos casos nele especificados e permitiu prorrogar contratos de fornecimento, não poderia ser diferente com essa proibição genérica do §3o do art. 57. O exemplo clássico da exceção a esse dispositivo é a prestação de serviço público “essencial”.30
Tirando essa exceção, deve ficar registrado que, embora todos os con- tratos devam ter prazo determinado, são chamados de “contratos por prazo determinado” apenas aqueles em que a fluência do prazo acarrete sua extinção. Entre os contratos por prazo determinado enquadra-se o contrato de pres- tação de serviço executado de forma contínua. Assim, por exemplo, havendo um contrato desse tipo com prazo de vigência de 12/1/2010 a 12/1/2011, o dia 12/1/2011 será o termo final do prazo contratual, cujo advento acarretará a extinção do contrato. É bom lembrar, todavia, que haverá prazos para a contratada cumprir suas obrigações, tais como o prazo para atender ordens de serviço ou periodicidade para execução de certas rotinas. Mas não são
esses prazos que caracterizam o contrato por prazo determinado.
Não é somente o contrato de prestação de serviço executado de modo contínuo que se enquadra como contrato por prazo determinado. Basta lembrar dos incisos III e IV do já citado art. 57 da Lei de Licitações.
A nomenclatura de “contrato por prazo determinado” é utilizada não só para distinção dos contratos por prazo indeterminado, até porque, em regra, esses não são permitidos pela Lei de Licitações, mas também dos contratos por escopo.
Nicômaco. Tradução de Xxxxxx Xxxxxxxx. São Paulo: Xxxxxx Xxxxxx, 2003. p. 125). Mas se isso já era sabido há tanto tempo, por que ainda ocorre? Xxxxxx, como Xxxx Xxxxxxx nos comentou, “a história não se repete, mas ela rima”.
30 Como reconhecido pela Orientação Normativa no 36, de 13 de dezembro de 2011, da Advocacia- Geral da União: “A Administração pode estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos em que seja usuária de serviços públicos essenciais de energia elétrica, água e esgoto, serviços postais monopolizados pela ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) e ajustes firmados com a imprensa nacional, desde que no processo da contratação estejam explicitados os motivos que justificam a adoção do prazo indeterminado e comprovadas, a cada exercício financeiro, a estimativa de consumo e a existência de previsão de recursos orçamentários”. Disponível em: <xxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxx/xxxxxxx/xxxxx/000000>. Acesso em: 23 jun. 2017. Segundo essa Orientação Normativa, como o art. 62, §3o, da Lei de Lici- tações, sem mencionar o art. 57, afastou as normas dos arts. 55 e 58 a 61 de contratos em que a administração é parte como usuária de serviço público, entendeu-se que referido art. 57 não se aplicaria a esses contratos. A conclusão da Orientação Normativa foi no sentido de que tais contratos poderiam ser firmados com prazo indeterminado. Porém, esqueceu-se essa Orientação Normativa de mencionar a necessidade de constante averiguação quanto ao surgimento de outras prestadoras do serviço, possibilitando contratos mais vantajosos para a administração por meio da concorrência entre elas.
Novamente, é o elemento utilizado como critério de extinção do contrato que é o fator de diferenciação aqui. Enquanto no contrato por prazo deter- minado é o termo final do contrato que acarreta sua extinção normal, no con- trato por escopo é a execução do objeto que tem esse efeito.
A doutrina aponta que nos contratos por escopo se pretende um objeto concluído.31 Todavia, deve ser notado que em contrato de prestação de serviço executado de modo contínuo, que normalmente se enquadra como contrato com prazo determinado, também há um objeto a ser concluído, normalmente uma rotina a ser cumprida, porém apenas durante a vigência do contrato.
Normalmente, o contrato de obra é classificado como contrato por escopo, na medida em que somente a conclusão da obra é que extinguiria o contrato. Contudo, não se afasta a hipótese de uma obra somente ser considerada útil para a administração se entregue até determinada data. Nesse caso, mesmo que a obra não tenha sido terminada, poderá haver a extinção do contrato, se assim for determinado em suas cláusulas.
Apesar desses apontamentos, a distinção entre contrato por prazo deter- minado e contrato por escopo é reconhecida pela doutrina32 e pela juris- prudência.33 Essa distinção, vale ressaltar, é aplicável principalmente no direito administrativo e para os contratos administrativos. É com base nela que o TCU, conforme já referido, vem admitindo nos contratos por escopo a prorrogação do prazo, mesmo quando esse tenha expirado, nas hipóteses em que não tenha ocorrido a conclusão do objeto.
Veremos, contudo, que nem sempre o objeto é concluído, apesar da pror- rogação de prazo. Além desse aspecto, também necessita de análise, finalmente, a questão principal do presente artigo, que diz respeito à prorrogação de prazo dos contratos por prazo determinado, principalmente os de prestação de serviço executado de forma contínua e nos casos em que o prazo se expira.
31 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 640.
32 Ibid., p. 640-641.
33 “[...] a doutrina e a jurisprudência dividem os contratos públicos em duas espécies: 1) por prazo determinado, que se extinguem pela expiração do prazo de sua vigência; e 2) “por escopo”, que se extinguem pela conclusão de seu objeto. No caso dos segundos, expirado o prazo de sua vigência sem a conclusão do respectivo objeto, seria permitida a devolução do prazo, como previsto no art. 79, §5o, da Lei no 8.666/1993 [...] Xxxxxxx 5.466/2011 — 2a Câmara.”
5. Prorrogação
No Acórdão no 2.143/2015 do Plenário do TCU, retrata-se bem o posicionamento da impossibilidade de prorrogação de contrato cujo prazo tenha expirado. Ao que tudo indica, para o TCU, mesmo nos contratos por escopo a prorrogação seria excepcional. É interessante observar que, no texto desse julgado, o Tribunal cita entendimento de Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx constante de sua obra de 1999 que indicaria a impossibilidade de prorrogação de contrato após o advento de seu termo final.34
Sabendo-se que esse grande administrativista faleceu em 1990, é necessário recorrer às edições anteriores para apurar se esta seria efetivamente sua posição. Fato é que, na edição de 1979, o trecho citado no acórdão já constava com a mesma redação, porém esse mesmo trecho se referia apenas à extinção dos contratos de prazo determinado, isto é, tal entendimento não se aplicava aos contratos por escopo.35 Ainda na mesma obra, esclareceu o autor que, “nos contratos que só se extinguem pela conclusão do seu objeto, a prorrogação independe de previsão e de licitação, porque embora ultrapassado o prazo o contrato continua em execução”.36
Esse mesmo entendimento, que distingue os contratos que se extinguem pelo advento do termo final daqueles que dependem da conclusão do objeto
34 “ 201. A obra de Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx tem o seguinte entendimento sobe o tema:
‘A expiração do prazo de vigência, sem prorrogação, opera de pleno direito a extinção do ajuste, exigindo novo contrato para continuação das obras, serviços ou compras anteriormente contratadas. O contrato extinto não se prorroga, nem se renova: é refeito e formalizado em novo instrumento, inteiramente desvinculado do anterior.’ (XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 214.)
202. O Tribunal de Contas da União ratifica esse posicionamento em alguns de seus preceden- tes. Tomemos como exemplo o Acórdão 1.335/2009-TCU-Plenário, Rel. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx 3.863/2011-TCU-2a Câmara, Rel. Min. Xxxx Xxxxx, Xxxxxxx 738/2006-TCU-Plenário, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx 740/2004-TCU-Plenário, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx.
203. Na mesma direção, foi expedida a Orientação Normativa AGU no 3 [...]” (TCU, Xxxxxxxx, Acórdão nº 2.143/2015, Relator Xxxxxxxx Xxxxxxxx, x. 26 ago. 2015).
35 “A extinção do contrato pelo término de seu prazo é a regra nos ajustes por tempo determinado. Necessário é, portanto, distinguir os contratos que se extinguem pela conclusão de seu objeto e os que terminam pela expiração do prazo de sua vigência: nos primeiros, o que se tem em vista é a obtenção de seu objeto concluído, operando o prazo como limite de tempo para a entrega da obra, do serviço ou da compra sem sanções contratuais; nos segundos, o prazo é de eficácia do negócio jurídico contratado, e assim sendo, expirado o prazo, extingue-se o contrato, qualquer que seja a fase de execução de seu objeto, como ocorre na concessão de serviço público ou na simples locação de coisa por tempo determinado. Há, portanto, prazo moratório e prazo extintivo do contrato” (MEIRELLES, Xxxx Xxxxx. Licitações e contrato administrativo. 4. ed. São Paulo: RT, 1979. p. 253-254).
36 Ibid., p. 258.
também consta da última edição de seu Direito administrativo brasileiro antes de seu falecimento,37 bem como em sua obra específica de Licitações e contratos,38 permanecendo, por exemplo, na 34a edição de seu Direito administrativo brasileiro,39 que é posterior à utilizada pelo TCU.
Com o perdão do trocadilho, essa distinção faz toda a diferença, sendo, portanto, inadequado o entendimento do TCU de pretender generalizar a extinção dos contratos pelo advento de seu termo final, seja porque há pecu- liaridades que demandam tratamento específico para cada tipo de contrato, seja porque o próprio Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, que foi usado como fundamento, não tinha essa posição.
Vamos prosseguir, então, analisando os contratos por escopo para tratar das questões relacionadas ao término do prazo contratual, agora considerando também o §1o do já citado art. 57 da Lei de Licitações.40
Em primeiro lugar, percebe-se que, enquanto os incisos do caput do art. 57 dizem respeito às exceções à regra da vinculação do prazo contratual à vigência do orçamento, os incisos do §1o tratam de hipóteses de prorrogação de prazos relativos à execução do contrato, ou seja, são matérias diferentes.41 Assim, tomando um contrato por escopo, é possível que desde sua for- mação seja fixado prazo superior a um exercício financeiro ou que seu prazo
37 Id. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: RT, 1991. p. 210.
38 Id. Licitações e contrato administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 196-198, 200-201.
39 Id. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 234-235; 237. “1. Conclusão do objeto: a extinção do contrato pela conclusão de seu objeto é a regra, ocorrendo de pleno direito quando as partes cumprem integralmente suas prestações contratuais, ou seja, a realização do objeto do ajuste por uma delas e o pagamento do preço pela outra. [...]
2. Término do prazo: a extinção do contrato pelo término de seu prazo é a regra nos ajustes por tempo determinado, nos quais o prazo é de eficácia do negócio jurídico contratado, de modo que, uma vez expirado, extingue-se o contrato, qualquer que seja a fase de execução de seu objeto, como ocorre na concessão de serviço público.”
40 “Art. 57 [...] §1o Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: I — alteração do projeto ou especificações, pela Administração; II — superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato; III — interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração; IV — aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei; V — impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência; VI — omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.”
41 Em sentido semelhante: XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 945.
inicial seja prorrogado, desde que o projeto esteja incluído no Plano Plurianual, segundo o art. 57, I. Uma vez fixado o prazo, caso haja algum evento alheio à vontade das partes, poderá haver prorrogação, mas com fundamento no §1o, II, do art. 57.
O que interessa aqui, contudo, são as hipóteses de prorrogação e o trata-
mento da situação quando o prazo contratual se expirou.
No contrato de escopo, como parece ter ficado claro, o simples advento do termo final não extingue o contrato. É necessário que o contratado entregue o objeto para que ocorra a extinção normal do contrato. Pode acontecer, contudo, de o prazo para essa entrega ou conclusão do objeto se esgotar sem que ela tenha ocorrido. Nesse caso, será possível prorrogar o contrato?
A resposta dependerá das circunstâncias do caso concreto. Essa prorro- gação é permitida, segundo o espírito da Lei, somente quando ocorrem fatos alheios à vontade ou responsabilidade do contratado, normalmente atribuí- dos à administração, a terceiros ou à natureza. É o que consta do citado §1o do art. 57 da Lei de Licitações. Assim, se ocorrer um atraso por culpa do con- tratado, não haverá autorização para prorrogação.
Pode-se perguntar então: se o contrato por escopo só se extingue pela
conclusão do objeto, de que serviria a prorrogação?
É aqui que está um aspecto fundamental da prorrogação: ela representa, em primeiro lugar, o reconhecimento por parte da administração de que o atraso ou não cumprimento do contrato não é imputável ao contratado e, por isso, é possível a concessão de mais prazo. Havendo esse reconhecimento, fica afastada, por conseguinte, a necessidade de abertura de processo administrativo punitivo para apurar infração do contratado.
Essa prorrogação importará uma alteração do prazo contratual, dentro do qual o cumprimento do contrato continua sendo regular. Tanto é assim que o §5 o do art. 79 da lei, da mesma forma, prevê que, “ocorrendo impedi- mento, paralisação ou sustação do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente por igual tempo”.
Essa alteração, decorrente, como dito, de motivos não imputáveis ao contratado, necessitará ser formalizada por meio de termo aditivo.
Por outro lado, caso haja culpa atribuível ao contratado, não caberá a prorrogação do prazo, nem deverá o contrato ser alterado. Nada obstante, haverá necessidade de a administração se manifestar formalmente para esclarecer se a prestação continua útil e até que data essa mesma prestação continuará sendo útil, caso isso ainda não esteja previsto no edital.
Haverá casos em que será possível estabelecer já no contrato até que data a obrigação continuará sendo útil. Pode-se imaginar a hipótese de forneci- mento de lanches em um evento de dois dias. Caso a empresa não forneça no primeiro dia, é possível que ainda forneça no segundo dia, sem prejuízo da responsabilização pela falta do primeiro dia. Passados os dois dias, contudo, nenhuma prestação mais será útil, cabendo apenas processo administrativo para apuração das perdas e danos e aplicação das sanções cabíveis, além da rescisão contratual.
Porém, em outras situações, somente será possível saber se a prestação continuará útil quando do vencimento do prazo. Nesse caso, fixando à admi- nistração uma data, isso significa que o contratado permanecerá em mora até tal momento, caso não entregue a prestação antes disso. Ainda nessa hipótese, se o contratado conseguir concluir o objeto dentro desse prazo, o contrato será extinto, sem prejuízo da necessidade de abertura de processo administrativo punitivo para apurar os prejuízos decorrentes da mora e aplicação das pena- lidades cabíveis, inclusive considerando as circunstâncias incidentes, como a conclusão do objeto.
Por outro lado, se a prestação deixar de ser útil à administração, como visto anteriormente, será necessário processo administrativo para apurar a infração contratual além de culminar com a rescisão do contrato.
A formalização da manifestação da administração, como não importa alteração contratual, pode ser feita por mero apostilamento. Com efeito, não há alteração do prazo do contrato. Xxxxx, o vencimento do prazo contratual servirá como termo inicial da mora do contratado, conforme o caso.
Outra questão que poderia surgir é a seguinte: seja nas hipóteses em que a prorrogação é permitida, como as citadas no §1o do art. 57 da Lei no 8.666, de 1993, seja nas hipóteses em que a prorrogação não é permitida, mas a prestação continua útil para a administração, é possível que a prorrogação ou a manifestação formal fixando a data limite para entrega do objeto seja feita após a expiração do prazo contratual?
Nos casos de contrato por escopo, conforme visto, o próprio TCU vem admitindo, embora em caráter excepcional, a prorrogação extemporânea. Esse entendimento de que a admissão seria excepcional parece decorrer de uma interpretação equivocada da lei e da doutrina. É certo, todavia, que a permissão geral e irrestrita da prorrogação de contratos vencidos poderia levar a abusos por alguns agentes fiscalizados e a irregularidades que trariam insegurança jurídica e falta de controle e transparência da gestão pública.
Mas, primeiro, deve-se pensar no interesse público a ser satisfeito e, somente em segundo lugar, apurar as responsabilidades por eventuais desvios.
De todo modo, fica evidente que, tanto a prorrogação — por meio de adi- tivo — quanto a fixação de data-limite para recebimento útil da prestação — por meio de apostilamento — podem ser feitas após decurso do prazo contratual, conforme as circunstâncias do caso concreto, que importarão, não para permitir tal prorrogação, mas para indicar se haveria ou não necessidade de responsabilização dos agentes envolvidos. Com efeito, tudo dependerá de quando surgiram os eventos supervenientes que levaram ao atraso ou inexe- cução do objeto, bem como dos motivos que impediram a administração de não tomar as providências antes do vencimento do prazo. Xxxxx imaginar a hipótese em que há um contrato em que uma prestação pode ser entregue até o último dia de seu prazo. Poderá ocorrer, conforme o caso, de somente ser possível saber se o contrato será cumprido ou não nesse dia, ficando evidente que, em princípio, não haverá tempo suficiente para todo o procedimento burocrático necessário à prorrogação.
A situação é um pouco distinta nos casos de contrato por prazo deter- minado. Neles, ao que tudo indica, jurisprudência e doutrina, inclusive a de Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, parecem unânimes em não admitir a prorrogação. Comecemos por uma situação mais simples para entender melhor. Nesses contratos, em regra, o transcurso do prazo extingue o contrato. Então, se, por exemplo, houver um contrato por prazo determinado de prestação de serviço executado de forma contínua com vigência entre 10/1/2010 e 10/1/2011, pode- se afirmar, em princípio, que em 11/1/2011 não haverá mais contrato.
O que fazer quando a necessidade continuar presente após a extinção do contrato? É possível haver a prorrogação quando se tratar de contrato de prestação de serviço executado de forma contínua?
Acreditamos que sim, a depender das circunstâncias do caso concreto. Como essa posição foge do senso comum, é necessário explicá-la um pouco melhor.
Em primeiro lugar, tratando-se de contrato por prazo determinado, com sua extinção pelo decurso do prazo não seria admissível, em tese, a conti- nuidade de sua execução. É que, em princípio, essa execução poderia carac- terizar contrato verbal, que seria nulo por força do parágrafo único do art. 60 da Lei de Licitações.
Para esse argumento, deve-se lembrar que, quando há prorrogação, há um aditamento para fixar o novo prazo. Assim, não se trata de contrato verbal, mas de contrato escrito, atendendo, desse modo, o disposto no citado art. 60.
Em segundo lugar, a posição dominante sustenta que só se pode prorro- gar aquilo que ainda vige ou, dito de outro modo, não seria possível prorrogar prazo já extinto.
Para esse argumento, pode-se apontar que não há em nenhum dispo- sitivo legal vedação à prorrogação após extinto o prazo, assim como não há nenhuma previsão do dever de efetivação da prorrogação dentro do prazo de vigência.
Se se tomar os contratos de prestação de serviço executados de forma contínua, a única restrição legal será para que a duração não ultrapasse 60 meses, prorrogáveis, excepcionalmente por mais 12, nos termos do art. 57, II e §4o da Lei de Licitações.
Ainda que a lei tenha dito que a prorrogação ocorrerá por iguais e sucessivos períodos, já se viu que os prazos das prorrogações não necessitam ser iguais ao prazo anterior.
Por sua vez, quando a lei menciona a prorrogação por período sucessivo, é óbvio que o prazo sucessivo só ocorrerá após o prazo antecedente, de modo que também haverá extinção do prazo anterior para início do prazo de pror- rogação. A intenção da lei, então, foi apenas limitar a duração máxima da relação contratual, mas nunca impedir sua ocorrência, ainda que por períodos separados no tempo.
Preocupou-se em estabelecer que é permitido o prazo contratual extra- polar a duração do crédito orçamentário, respeitado apenas o limite máximo de 60 meses. Se se pode o mais, que é uma duração de 60 meses, obviamente que deve ser permitido o menos, que seria uma duração inferior a 60 meses, fato que pode ocorrer nos casos em que as prorrogações não ocorram imediatamente ao término dos prazos.
Nessa linha, se um contrato de serviço executado de forma contínua tem vigência inicial de 10/1/2010 a 10/1/2011, poderá haver tantas prorrogações quantas forem necessárias e elas poderão ser formalizadas a qualquer momento, mesmo após 10/1/2011, mas não será admissível que a vigência contratual ultrapasse 10/1/2015 (ou excepcionalmente 10/1/2016).
Assim, para esses contratos, enquanto se estiver dentro do limite legal de 60 meses, poderá a administração efetuar a prorrogação, desde que essa seja a alternativa mais vantajosa em comparação, por exemplo, com a licitação ou a contratação direta.
Um terceiro argumento que poderia ser trazido pelo senso comum seria o de que a interrupção do contrato, pela extinção, acarretaria solução de conti- nuidade que afastaria a natureza contínua dos serviços.
Em resposta a esse argumento, deve ser lembrado que, como visto anteriormente, a continuidade decorre da natureza da necessidade a ser atendida e não do serviço. Desse modo, enquanto houver necessidade, haverá possibilidade de prorrogação, dentro do limite de prazo previsto na lei, em regra de 60 meses.
O contrato é mero acessório, instrumento de atendimento do principal, que é a necessidade pública. Não se pode dizer que a interrupção do contrato afastaria o caráter contínuo quando a necessidade perdura. Seria uma inversão indevida de toda lógica.
Exemplos, novamente, são necessários para um melhor esclarecimento: no caso de serviço de limpeza em que há rotinas diárias a serem cumpridas, ainda que se exija o rigor de não permitir sua execução após extinto o prazo de vigência, nada estará a impedir que o contrato volte a ser executado após formalizada a prorrogação, ainda que essa tenha ocorrido, por exemplo, uma semana depois de expirado o prazo anterior. E isso nos casos de maior rigor em que se exige a formalização prévia, pois não se afasta a possibilidade de formalização posterior, quando devidamente justificada, até porque se trata de um vício sanável. Da mesma forma, poderá haver casos em que as partes já acertaram a prorrogação e essa já foi aprovada pela autoridade competente, de modo que não seria aceitável deixar de pagar o particular que, de boa-fé, agiu para cumprir o contrato e atender a necessidade pública.42
Há outros casos, contudo, em que a própria necessidade pública, embora recorrente, possua períodos de intervalo maior. Pode-se citar a limpeza de caixa d’água. Se considerado o mesmo prazo de vigência de 10/1/2010 a 10/1/2011 e tendo em conta que a caixa d’água deva ser limpa a cada seis meses, pode-se imaginar que, uma vez firmado o contrato, a primeira limpeza ocorra, por hipótese, em 10/3/2010. É que, após firmado o contrato, ainda pode ocorrer de ser necessário algum planejamento para que o serviço não atrapalhe o funcionamento do órgão. Feita em 10/3/2010, a próxima limpeza deveria ocorrer em 10/9/2010 e a outra em 10/3/2011. Esses intervalos não descaracterizam a natureza contínua da necessidade a ser atendida. Daí por que também não se vê nenhum problema caso a prorrogação ocorra após 10/1/2011.
42 Quanto à possibilidade de pagamento, embora sem afastar a necessidade de apuração das responsabilidades: VILLAÇA, Xxxxxx Xxxxxxxx. Contrato — prorrogação tácita — ilegalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 201, p. 307-311, jul. 1995. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxx/xxxxxxx/xxxx/00000/00000>. Acesso em: 11
jul. 2017.
Por isso, após essa exposição, não parece razoável impedir uma prorro- gação apenas porque se extinguiu o prazo do contrato e, por esse motivo, impor à administração uma licitação ou uma contratação direta. Essas soluções poderiam prejudicar o atendimento da necessidade pública ou mesmo o erário, nos casos em que o preço fosse maior do que aquele vigente para a prorrogação.
Quanto às formalidades, por seu turno, se se tem por premissa que elas servem para possibilitar o controle da administração e proteger o erário e, em última instância, o cidadão, não é admissível que elas sejam utilizadas para prejudicá-lo.
Portanto, é possível, em tese, a prorrogação de contratos de prestação de
serviços executados de forma contínua mesmo após a expiração de seu prazo.
Entre o período transcorrido entre o término do prazo e a formalização da prorrogação, em regra, não poderá haver execução contratual, salvo nos casos em que a necessidade pública a ser atendida não puder aguardar essa formalização. Em todas essas hipóteses, todavia, deverá ocorrer a formalização, ainda que extemporânea e apuração de eventuais responsabilidades.
6. Considerações finais
Ao longo do texto, percebe-se que muitas concepções se repetem e se consolidam. Quando se constata que a realidade reclama soluções que se con- trapõem a essas concepções, muitas vezes tais casos acabam sendo tratados como exceções. Contudo, quando certas distinções são feitas, verifica-se que, de fato, em vez de exceções, haveria regras distintas para realidades distintas.
De tudo o que foi analisado ao longo do artigo, o primeiro apontamento que cabe fazer é que o entendimento vigente que coloca como regra a impossibilidade de prorrogação de contrato findo comporta certos reparos.
Ele, em princípio, somente poderia ser aplicado aos contratos com prazo determinado. Todavia, mesmo nesses, se se tratar, por exemplo, de serviços executados de forma contínua, será possível haver prorrogação extemporânea, desde que a necessidade pública a ser atendida assim o requeira.
Como se viu, não é o serviço que tem “natureza contínua”, mas a neces- sidade a ser atendida que possui essa natureza e que, por conseguinte, demanda uma continuidade no seu atendimento.
A limitação dos prazos contratuais decorre de razões do direito financeiro, como a anualidade orçamentária, mas, mesmo lá, reconhece-se a possibilidade de exceções, que devem estar contempladas no plano plurianual.
Por conta dessas exceções, a Lei de Licitações nada mais fez do que escla- recer a possibilidade de o prazo contratual ir além da vigência do crédito orçamentário, contemplando, entre essas hipóteses, os serviços executados de forma contínua.
Ficou evidente que, para os contratos com prazo mais longo, há certos problemas ligados principalmente à manutenção da vantagem durante sua execução.
Não obstante, tratando-se de uma necessidade pública a ser atendida, cujo atendimento demande um serviço executado de forma contínua, o prazo desse contrato poderá superar a vigência do crédito orçamentário. Mesmo assim, contudo, a lei acabou limitando a 60 meses a duração máxima dessa relação contratual, prorrogável, excepcionalmente, por 12 meses.
O que caracteriza essa necessidade pública contínua é a previsibilidade de sua repetição ou recorrência. Não é, como se costuma dizer, a essencialidade do serviço ou o possível prejuízo à administração em caso de interrupção que justificaria a prorrogação contratual.
Dada a existência de tal necessidade contínua, desde o início do contrato já é possível, em princípio, fixar prazo superior a 12 meses, caso seja justificada tal fixação.
O que distingue um contrato por prazo determinado do contrato por escopo é a função extintiva do prazo no primeiro tipo de contrato. Isso porque, mesmo no contrato de escopo, também haverá fixação de prazo, mas, em regra, tal prazo não terá função extintiva.
Em casos excepcionais será possível a existência de contratos com prazo indeterminado, como nos casos de prestação de serviço público de forne- cimento de energia elétrica, água e tratamento de esgoto.
O contrato de prestação de serviço executado de forma contínua se enquadra como contrato por prazo determinado, de modo que o término de seu prazo de vigência leva à extinção contratual.
O que determina a possibilidade de prorrogação do prazo de um contrato, seja ele de escopo ou por prazo determinado, não é o fato de o prazo ainda estar em vigência. Não há na lei esse requisito para permitir a prorrogação.
Nos contratos por escopo, a prorrogação é necessária para que o objeto seja entregue. Ela só será cabível quando a inadimplência contratual ocorrer por fatos não imputáveis ao contratado. Já nos casos em que o contratado tenha
dado causa ao atraso, ele ficará em mora, quando a prestação ainda for útil à administração. Quando a prestação não for mais útil, estará caracterizado o inadimplemento absoluto. Em ambos os casos, caberá a apuração das perdas e danos, além das sanções contratuais e a rescisão do contrato para efetivar sua extinção, quando a prestação não for entregue.
Nos contratos por prazo determinado, por outro lado, verificou-se que também é possível sua prorrogação, mesmo quando vencido o prazo, quando se tratar de prestação de serviços executados de forma contínua, uma vez que a justificativa para a prorrogação é a continuidade da necessidade pública a ser atendida. A única limitação legal é o prazo de 60 meses, além da exigência de que essa solução seja mais vantajosa para a administração.
Vem a calhar uma frase sempre repetida por Lenivaldo Gaia do Nasci- mento: “a lei é trilha, não é trilho”. A lei é um instrumento que deve ser usado com inteligência, que deve se submeter à razão humana. Não é admissível o contrário, que o homem se submeta irrefletidamente e irracionalmente aos termos literais da lei aplicando-a de modo absurdo e contrário aos fins para os quais ela se destina.
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