Análise de Impacto Regulatório (AIR)
A. Enquadramento
Análise de Impacto Regulatório (AIR)
1. A Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), ao abrigo do Artigo 40 do Regulamento (UE) 600/2014 (Regulamento dos Mercados de Instrumentos Financeiros - RMIF) decidiu a 22 de maio de 2018 aplicar medidas temporárias de intervenção sobre alguns produtos considerados especulativos para os investidores não profissionais.1
2. Os produtos em causa são:
a. Os Contratos Diferenciais (CFDs – Contracts for Differences), cujas características são, entre outras2:
i. Um elevado grau de complexidade;
ii. Retorno esperado negativo para o investidor;
iii. Estruturas de preços, condições comerciais e de liquidação não normalizadas, o que dificulta a compreensão e a comparabilidade destes produtos;
iv. Possibilidade de alavancagem, o que, num cenário de perda, aumenta o detrimento para o investidor.
b. As Opções Binárias (BOs – Binary Options), cujas características são, entre outras3:
i. Um elevado grau de complexidade;
ii. Retorno esperado negativo para o investidor;
iii. Uma estrutura de determinação de preços de difícil compreensão para os investidores não profissionais, o que dificulta sobremaneira a avaliação rigorosa do valor da opção e a sua relação com a probabilidade esperada de ocorrência do acontecimento de referência.
3. As medidas propostas incluem:
a. Para os CFDs: a restrição no marketing, distribuição ou venda de CFDs a investidores não profissionais. Esta restrição consiste na
i. Imposição de limites de endividamento (isto é, alavancagem) em posições abertas;
ii. imposição da regra “margin close out” ao nível de cada conta detida;
iii. proteção do saldo negativo ao nível de cada conta detida;
iv. proibição do uso de incentivos aos agentes que comercializem CFDs;
v. produção de alertas de risco padronizados.
1 Ver xxxxx://xxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxxx. 2 Para mais detalhe ver (página 31 e seguintes) xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx- content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L:2018:136:FULL&from=HU
3 Para mais detalhe ver (página 34 e seguintes) xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx- content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L:2018:136:FULL&from=HU
b. Para as BOs: proibição de ações de marketing, distribuição ou venda de BOs a investidores não profissionais.
4. As medidas temporárias de intervenção da ESMA são válidas durante 3 meses após a data de início da medida e renováveis por iguais períodos. Em dezembro de 2018, a ESMA procedeu à segunda renovação da medida, por 3 meses a partir de 1 fevereiro de 2019 para os CFDs4 e a partir de 2 de janeiro de 2019 para as BOs5.
B. Riscos para os investidores não profissionais que invistam em CFDs e BOs
5. A ESMA identificou vários riscos para os investidores não profissionais que invistam em CFDs e BOs.
6. De facto, estes produtos financeiros são extremamente complexos, de difícil compreensão, avaliação e comparabilidade, e com níveis de risco e volatilidade muito elevados. É expectável que tais características levem os investidores não profissionais a tomar decisões pouco informadas quando investem nestes produtos financeiros, o que poderá resultar em perdas financeiras para estes investidores.
7. O retorno esperado do investimento nestes produtos é negativo, pelo que os investidores que os adquiram terão, em média, perdas financeiras com esse investimento.
8. Nos casos dos investidores não profissionais que contraem dívida para de seguida fazerem aplicações em CFDs e BOs, é expectável que a respetiva perda financeira seja superior ao montante de capital inicialmente investido. Por outras palavras, em cenários onde os investidores não profissionais adquiram CFDs e BOs com recurso ao endividamento, porventura elevado, existirá um potencial de maiores perdas para estes investidores.
9. Como as condições de negociação destes produtos financeiros apresentam elevados níveis de opacidade, a compreensão destas condições pelos investidores torna-se muito difícil, originando normalmente decisões de investimento pouco fundamentadas, com as consequentes perdas financeiras associadas.
10. A maioria destes produtos são disponibilizados através de plataformas de negociação, muitas delas sem serviços de apoio (por exemplo, consultoria) na constituição e na gestão das carteiras de investimento dos investidores não profissionais, o que resulta, em muitos casos, em decisões de investimento pouco informadas. Neste cenário, é expectável que os investidores incorram em perdas financeiras.
11. A estrutura de custos (por exemplo, as diversas comissões cobradas) destes produtos financeiros é também pouco transparente, complexa e de difícil comparação, o que não ajuda os investidores não profissionais na tomada de decisões informadas e fundamentadas. Nestes casos, é de esperar que existam decisões pouco acertadas, com perdas financeiras para estes investidores não profissionais.
12. Os modelos de negócio de CFDs, e em particular de BOs, colocam geralmente os interesses dos fornecedores destes produtos em conflito com os dos seus clientes investidores não profissionais uma vez que os fornecedores agem usualmente como contrapartes diretas na negociação com estes clientes. Este risco de conflito de interesses
4 Ver xxxxx://xxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxx/xxxx00-00- 1078_esma_renews_cfd_measures_from_february_1.pdf
5 Ver xxxxx://xxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxx/0000-xxxx00-00- 1533_bo_renewal_decision_notice_pt.pdf
acresce à assimetria de informação existente na distribuição e comercialização destes produtos.
13. As análises económicas da ESMA a estes produtos concluem, inter alia, que:
a. Para os CFDs6:
i. O retorno esperado é negativo, algo que é ainda mais em detrimento dos investidores não profissionais quando negoceiam com recurso à dívida, situação comum por toda a UE;
ii. Normalmente, os investidores não profissionais não possuem os conhecimentos necessários para entenderem as especificidades dos ativos subjacentes aos CFDs que negoceiam, o que implica um maior risco de decisões pouco fundamentadas e de maiores perdas financeiras.
b. Para as BOs7:
i. O retorno esperado é negativo, o que implica que, em média, os investidores não profissionais que comprem estes produtos irão sofrer perdas financeiras; estas perdas aumentam quanto maior for a frequência de negociação.
ii. As BOs incentivam a negociação excessiva e levam os investidores não profissionais a negligenciarem os custos associados a essa negociação (e.g. pagamento de custos de negociação);
iii. As BOs são instrumentos de natureza especulativa e muito parecidas com produtos de jogo, normalmente associados a comportamentos aditivos e detrimento para quem neles investe.
C. A CMVM e as medidas propostas pela ESMA
14. A CMVM tem como missão a proteção dos investidores e a estabilidade do mercado de capitais. Ademais, é expectável que, num cenário alternativo (isto é, num cenário onde a CMVM optasse pela não aplicação das medidas da ESMA), pudessem surgir situações de arbitragem regulatória8, num contexto em que a CMVM apoia as medidas propostas pela ESMA e a sua aplicação ao mercado de capitais em Portugal.
15. Num cenário onde os agentes do lado da oferta desloquem a comercialização e distribuição de CFDs e BOs de jurisdições onde tal não é permitido para outras jurisdições que permitam a comercialização e distribuição destes produtos (i.e. num cenário de “cross-border”) é expectável que existam perdas financeiras para os investidores não profissionais que adquiram CFDs e/ou BOs.
16. Por outras palavras, como as restrições da ESMA à distribuição e à comercialização destes tipos de produtos são de aplicação em toda a União Europeia, um cenário de não aplicação destas medidas restritivas em Portugal (e após o termo de aplicação das medidas da ESMA noutras jurisdições da UE) incluiria, muito possivelmente, a migração da comercialização e distribuição destes produtos financeiros das jurisdições onde as
6 Ver documento da ESMA (em inglês): xxxxx://xxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxx/xxxx00- 162-215_product_intervention_analysis_cfds.pdf
7 Ver documento da ESMA (em inglês): xxxxx://xxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxx/xxxx00- 162-214_product_intervention_analysis_binary_options.pdf
8 Ver documento da ESMA que argumenta precisamente que as medidas propostas não criam o risco deste tipo de arbitragem xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx- content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018X0601(02)&from=EN.
medidas restritivas estariam em vigor para Portugal, para a partir do nosso país poderem comercializar e distribuir esses produtos a investidores não profissionais.
17. Como consequência, nesse cenário é expectável i) que exista um aumento, potencialmente mais elevado, das perdas financeiras para os investidores em Portugal e
ii) que existam riscos sérios para uma eficiente convergência da supervisão na União Europeia, duas consequências que a CMVM não deseja.
18. Os dados recolhidos e analisados pela ESMA podem ser vistos como uma indicação das perdas potenciais para os investidores não profissionais num cenário em que Portugal não adotasse as medidas propostas pela ESMA e em que houvesse a migração dessa oferta para Portugal. Estes dados referem, inter alia:
a. Para os CFDs9, em vários países europeus a percentagem de investidores não profissionais que negociaram CFDs com perdas financeiras oscilou entre 74% (na Irlanda) e 89% (em França).10,11
b. Para as BOs12, em vários países europeus a percentagem de contas de investidores não profissionais que negociaram BOs com perdas financeiras oscilou entre 81% (no Reino Unido) e 87% (no Chipre), e mais de 86% (na Polónia) dos investidores não profissionais que negociaram BOs sofreram perdas financeiras.13
19. Estes dados são indicativos das perdas potenciais para os investidores não profissionais caso a medida aqui proposta não seja aplicada pela CMVM, algo que iria contra a missão da CMVM de proteção do investidor.
20. Neste contexto de existência de oportunidades de arbitragem regulatória com efeitos potencialmente nocivos para os investidores não profissionais, e na prossecução da sua missão de i) proteção do investidor e ii) promoção da estabilidade do mercado de capitais, e usando o princípio da prevenção, a CMVM apoia a adoção das medidas restritivas propostas pela ESMA quanto à distribuição e comercialização de CFDs e de BOs.
9 Ver xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/XXX/?xxxxXXXXX:00000X0000(00)&xxxxxXX
10 Em diferentes períodos temporais.
11 Dados de 2016 – ver documento citado na nota 8.
12 Ver xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/XXX/?xxxxXXXXX:00000X0000(00)&xxxxxXX
13 Em diferentes períodos temporais.