Contrato de mútuo - Agiotagem - Comprovação - Negócio jurídico - Nulidade parcial - Julgamento antecipado - Cerceamento de defesa - Dilação probatória - Necessidade
Contrato de mútuo - Agiotagem - Comprovação - Negócio jurídico - Nulidade parcial - Julgamento antecipado - Cerceamento de defesa - Dilação probatória - Necessidade
Ementa: Apelação cível. Ação monitória. Contrato de mútuo. Agiotagem comprovada. Invalidade parcial. Possibilidade de preservação do negócio. Julgamento antecipado. Necessidade de instrução probatória. Sentença cassada.
- A comprovação da prática de agiotagem não torna totalmente nulo o negócio jurídico realizado, desde que possível sua conservação parcial, devendo ser excluídos os juros cobrados acima do limite legal.
TJMG - Jurisprudência Cível
- Caso o processo tenha sido julgado antecipadamente, mesmo havendo provas necessárias ao esclarecimento do caso, deve ser acolhida preliminar de nulidade parcial do processo por cerceamento de defesa.
Preliminar acolhida. Sentença cassada.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0701.11.029576-6/001 -
Comarca de Uberaba - Apelante: Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx - Apelado: Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx - Relator: DES. XXXXXXXXX XX XXXX X XXXXX
Acórdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em ACOLHER A PRELIMINAR SUSCITADA, CASSANDO A SENTENÇA.
Belo Horizonte, 12 de março de 2013. - Gutemberg da Mota e Xxxxx - Relator.
Notas taquigráficas
DES. XXXXXXXXX XX XXXX X XXXXX - Xxxx Xxxxxx
Xxxxx Xxxxx interpôs apelação pleiteando a reforma da sentença do MM. Juiz da 5ª Vara Cível da Comarca de Uberaba, que julgou procedentes os embargos opostos por Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx à ação monitória que move contra o apelado, declarando a nulidade do título em que se baseou a ação, diante da verificação de ocor- rência de agiotagem.
Arguiu preliminar de cerceamento de defesa, pois lhe foi negada a chance de produzir prova testemunhal requerida, capaz de demonstrar os termos do contrato que deu origem à nota promissória desconstituída pela sentença, afastar as alegações do apelado e comprovar a ausência de agiotagem.
Afirmou que o mútuo existente entre as partes foi confessado pelo apelado, havendo divergência quanto ao valor. Alegou que realizou tal contrato a pedido do
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cido pelo devedor fiduciário, mesmo que não rece- bida pessoalmente.
Quanto à controvérsia objeto deste recurso, o colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou o enten- dimento, por meio do julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.184.570/MG (DJe de 15.05.2012), de que é valida a notificação efetivada por cartório de circunscrição diversa daquela em que reside o devedor, desde que enviada para o endereço deste.
Ocorre que, na espécie, a mora não restou compro- vada pelo fato de que não se pode aferir se as notifica- ções extrajudiciais de f. 15/17 e 29/31 foram realmente encaminhadas para o endereço do devedor, uma vez que, no contrato de f. 08/12, não consta tal dado.
Vale ressaltar que as aludidas notificações foram encaminhadas para o mesmo endereço mencionado pelo autor/apelante, na petição inicial, como sendo o do réu/ apelado.
No entanto, tais notificações não servem para comprovar a mora do devedor fiduciário, pois, como já mencionado, não há como verificar se realmente foram encaminhadas para o endereço do réu/apelado.
Sobre o tema, vejamos o entendimento jurisprudencial:
Apelação cível. Busca e apreensão. Notificação extraju- dicial. Endereço do contrato. Ausência. Invalidade para fins de constituição em mora. - Na ação de busca e apre- ensão, é válida a notificação extrajudicial enviada ao ende- reço do devedor constante no contrato, ainda que não rece- bida pessoalmente por ele. Hipótese em que, inexistente no contrato o endereço do contratante, inviável a concessão imediata da liminar pretendida, por não se ter elementos sufi- cientes para constatar ter sido entregue no endereço do desti- natário (TJMG - 15ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento nº 1.0245.11.002419-8/001 - Rel. Des. Xxxxx Xxxxx - Dje de 30.03.2012).
Ora, a comprovação da mora, exigência do Decreto-lei nº 911/69, tem a finalidade de possibilitar que o devedor fiduciário pague seu débito para que não seja surpreendido com a apreensão do bem.
Logo, nas hipóteses em que a mora não for comprovada, o processo deve ser extinto, em razão do não cumprimento das disposições do § 2º do art. 2º do Decreto-lei nº 911/69.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso, para manter a sentença pelos fundamentos aqui expostos.
Custas recursais, pelo apelante.
Votaram de acordo com o Relator os DESEM- BARGADORES XXXXXX XXXXXXXX e XXXXX XXXXXXXXX.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
...
apelado, em razão de relação de amizade entre seu filho e Xxxxxxx, tendo emprestado R$ 4.500,00 para paga- mento, em 30 dias, de R$ 4.604,00, cobrando o acrés- cimo equivalente a 2,3%, que se aproxima da apli- cação monetária que resgatou para atender ao pedido do apelado.
Alegou que não é agiota, tendo realizado o emprés- timo para suprir necessidade de curto prazo do apelado, sendo-lhe devidos os juros contratados por ter sido privado de seu capital em benefício deste, sobretudo considerando-se que a taxa foi estipulada em patamar bem inferior à praticada no sistema bancário ou mesmo por agiotas.
Sustentou que o réu não foi capaz de demonstrar a cobrança de encargos financeiros excessivos ou de que tenha realizado pagamentos, ônus seu, nos termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil.
Requereu a reforma da sentença, diante da ausência de ilicitude do negócio jurídico, ou a redução dos valores cobrados, com a substituição dos juros convencionados pelos legalmente estabelecidos.
Contrarrazões do apelado às f. 89 a 99. É o relatório. Decido.
Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx ajuizou ação monitória pleiteando a cobrança de valores referentes a contrato de empréstimo celebrado com Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, juntando, como prova escrita da dívida, a nota promis- sória de f. 10, preenchida com o valor de R$ 4.604,00.
Este último embargou, sustentando que o apelante é agiota, realizando empréstimo com juros médios de 10 a 12% e que a nota promissória juntada foi preenchida apenas em parte por ele, sendo o restante preenchido de maneira abusiva pelo apelante. Ademais, afirmou que, desde o vencimento, vinha realizando pagamento parce- lado da dívida ao filho do apelante, porém jamais lhe foi passado qualquer recibo. Requereu que sejam decotados da dívida os juros abusivos e sua capitalização, devendo haver restituição do indébito.
O MM. Juiz, diante de manifestação do apelante de que houve cobrança de juros de 2,3% no caso, julgou o feito no estado em que se encontrava, acolhendo os embargos para desconstituir o mencionado título, em razão da verificação de prática de agiotagem.
A cobrança de juros remuneratórios em contratos de mútuo não só é permitida, como também presumida, quando este se destinar a fins econômicos, nos termos do art. 591 do CC, que dispõe da seguinte maneira:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permi- tida a capitalização anual.
Por sua vez, o mencionado art. 406 do mesmo diploma, x.x. xxx. 000, § 0x, xx Xxx xx 0.000, de 25.10.1966 (Código Tributário Nacional), estabelecem, como teto máximo dos juros remuneratórios que podem ser cobrados em tais contratos de mútuo, a taxa de 1% ao mês.
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Como o apelante afirma que cobrou juros de 2,3% em um único mês, e o apelado afirma que foram cobrados juros de 12,25% ao mês, de maneira capitalizada e por diversos meses, é indiscutível que houve prática de agio- tagem no contrato de mútuo que deu origem à nota promissória de f. 10.
Entretanto, a sentença proferida não pode preva- lecer. A única prova de que ocorreu agiotagem no presente processo limita esta à cobrança de 2,3% em um único mês, que, considerando as bases da sentença, significa uma diferença de R$ 59,00 em relação ao que seria devido se fossem cobrados os juros legais.
Ainda que a ilicitude seja evidente, anular totalmente o negócio jurídico em razão de uma invalidade parcial e mínima, se comparada com o restante do contrato, e, unicamente em razão disso, pôr fim ao presente processo, mesmo sendo incontroversa a existência da dívida inicial, atenta não somente contra o princípio da conservação dos negócios jurídicos, mas também contra os princípios da instrumentalidade do processo, economia processual, razoabilidade e proporcionalidade.
Sobre a preservação do negócio jurídico, além do mencionado art. 591 do CC, que possibilita a simples redução dos juros no caso, tem-se também, dentre outros, o art. 184 do CC, que dispõe:
Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação prin- cipal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.
Com base na intenção, declarada pelo apelante acerca do mútuo realizado, de ajudar o apelado em um momento de necessidade, bem como na duração do empréstimo e na pequena diferença de valor entre o cobrado e o legalmente possível (considerando-se sempre os dados que foram utilizados pela sentença), é possível afirmar que a invalidade parcial do negócio jurídico, com a redução dos juros para os parâmetros legais, respeitaria a intenção das partes.
Ademais, se não fosse este o caso, a anulação total traz como consequência o retorno das partes ao estado em que se achavam antes do negócio celebrado, nos termos do art. 182, do CC, o que acaba gerando discussão semelhante à que se verifica no presente processo, já que cada parte defende que a outra lhe deve determinado valor.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Direito civil. Teoria dos atos jurídicos. Invalidades. Título executivo extrajudicial. Notas promissórias. Agiotagem. Princípio da conservação dos atos e dos negócios jurí- dicos redução dos juros aos parâmetros legais com conser- vação do negócio jurídico. 1. A ordem jurídica é harmônica com os interesses individuais e do desenvolvimento econô- mico-social. Ela não fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão. A teoria dos
negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos seus efeitos, estabelece que até mesmo as normas cogentes destinam-se a ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social, respeitados os negó- cios jurídicos realizados. Deve-se preferir a interpretação que evita a anulação completa do ato praticado, optando-se pela sua redução e recondução aos parâmetros da legalidade. 2. O Código Civil vigente não apenas traz uma série de regras legais inspiradas no princípio da conservação dos atos jurí- dicos, como ainda estabelece cláusula geral celebrando essa mesma orientação (art. 184), que, por sinal, já existia desde o Código anterior (art. 153). 3. No contrato particular de mútuo feneratício, constatada, embora a prática de usura, de rigor apenas a redução dos juros estipulados em excesso, conser- vando, contudo, parcialmente o negócio jurídico (arts. 591 do CC/02 e 11 do Decreto 22.626/33). 4. Recurso especial improvido. (REsp nº 1.106.625/PR, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxx, x. em 16.8.2011; fonte: site do STJ.)
TJMG - Jurisprudência Cível
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também já dispôs sobre o tema:
Importa registrar que, quando se comprova que os títulos executados advieram de práticas usurárias, em sendo possível extrair dos autos o valor do empréstimo original e, se este ainda não tiver sido quitado, deve-se decotar apenas o excesso dos juros ilegais cobrados, e não extinguir o processo de execução.
Isso porque o que é vedado pelo ordenamento jurídico é a prática da usura. O empréstimo, em si, não encontra qual- quer impedimento legal. (Apelação nº 1.0271.03.021909- 8/003, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxx, x. 26.9.2012; fonte: site do TJMG.)
No caso, verifica-se ainda que o apelado não requereu o simples encerramento do processo, já que o próprio confirmou, nos embargos de f. 28 a 37, a exis- tência da dívida cobrada pelo apelante, divergindo quanto ao real valor desta e também afirmando que realizou pagamentos superiores ao que era legalmente devido, tendo expressamente realizado pedido para que
seja ao final julgada improcedente a ação monitória com o decote da dívida de juros em percentual superior ao permi- tido pela lei da usura, dos juros capitalizados, com a conse- quente repetição do indébito com base na regra estabelecida nos arts. 11 do Decreto 22.626/33 e 153 do CC.
Dessa maneira, se mantida a sentença proferida, a parte que se sentiu prejudicada pela decisão (que poderia ser qualquer das duas, já que cada uma alega que o saldo é positivo em seu favor) precisaria ajuizar nova ação, visando a impedir o locupletamento ilícito da outra, o que é desnecessário no caso, já que o documento de f. 10 é prova indiciária da existência do débito em discussão e foram interpostos embargos, tornando possíveis maiores discussões sobre a dívida, produção de provas e mesmo a reconvenção, tendo em vista que o procedimento adotado passa a ser o ordinário, nos termos do art. 1.102c, § 2º, do CPC.
Sobre essa questão, já decidiu o STJ:
Processo civil. Ação monitória. Extinção sem julgamento do mérito. Prova escrita. Iliquidez. Necessidade de produção de provas. Ampla defesa e contraditório. Cabimento. - 1. Admite-se como prova escrita hábil a instruir a ação moni- tória qualquer documento que denote indícios da existência do débito e seja despido de eficácia executiva, bastando que permita ao juiz concluir pela plausibilidade ou verossi- milhança do direito alegado. 2. No que respeita à suposta iliquidez do crédito pretendido, e à necessidade de ampla discussão e produção de provas acerca da expressão quan- titativa do crédito, a lei assegura ao devedor a via dos embargos, previstos no art. 1.102-c do CPC, por meio dos quais pode-se discutir os valores, a forma de cálculo e a própria legitimidade da dívida. 3. Uma vez opostos embargos ao mandado monitório, instaura-se a via ampla do contra- ditório, com a instrução do feito, através do procedimento ordinário, nos termos do § 2º do art. 1.102-c do CPC. 4. Precedentes: REsp 434779/MG, REsp 687173/PB, REsp 400213/RS, REsp 220.887/MG. 5. Recurso conhecido e provido, a fim de que, afastada a extinção da ação moni- tória, o Tribunal de origem julgue a apelação como entender de direito. (REsp nº 324.135/RJ, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, j. em 27.9.2005, fonte: site do STJ.)
Como se sabe, o julgamento antecipado da lide somente é possível nos casos previstos no art. 330 do CPC, mas, no presente caso, faz-se necessária a produção das provas requeridas pelo apelante às f. 55 e 56, permi- tindo um esclarecimento sobre o saldo do negócio jurí- dico realizado entre as partes, inclusive sobre quem seria o favorecido por ele.
Ensina Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx:
A razão pela qual se permite a antecipação do julgamento do mérito é invariavelmente a desnecessidade de produzir provas. Os dois incisos do art. 330 desmembram essa causa única em várias hipóteses, mediante uma redação cuja leitura deve ser feita com a consciência de que só será lícito privar as partes de provar quando as provas não forem necessárias ao julgamento. (In Instituições de direito processual civil. 4. ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2004, v. III, p. 555.)
Impõe-se, portanto, a cassação da sentença, com a consequente apuração, através de dilação probatória, do saldo devedor relativo ao negócio jurídico realizado entre as partes.
Diante disso, acolho a preliminar de nulidade do processo, por cerceamento de defesa, cassando a sentença e determinando a realização de prova testemu- nhal requerida pelo apelante, ficando prejudicadas as demais questões do recurso.
Custas, ao final, pela parte vencida.
DES. XXXXX XX XXXXXXXX - De acordo com o Relator.
DES.ª XXXXXXXXXX XXXXX - De acordo com o Relator.
Súmula - PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA CASSADA.
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