A MUTABILIDADE E INCOMPLETUDE NA REGULAÇÃO POR CONTRATO E A FUNÇÃO INTEGRATIVA DAS AGÊNCIAS
A MUTABILIDADE E INCOMPLETUDE NA REGULAÇÃO POR CONTRATO E A FUNÇÃO INTEGRATIVA DAS AGÊNCIAS
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx∗
Sumário: 1. Introdução; 2. A Regulação por Contrato: algumas notas; 3. A Partilha dos Riscos; 4. A Flexibilidade Decorrente da Mutabilidade e da Incompletude Contratual; 5. A regulação por agência e sua função integrativa na regulação por contrato;
6. Conclusão. 7. Referências.
Nota Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxxx
XXXXX XXX XXXXXXXXX XXXXXXX foi minha chefe direta no Gabinete por mais de 08 anos. Neste período de uma saudável convivência fiz uma amiga. Aprendi demais com a Xxxxx. Sobre Direito e sobre a vida.
Na sua gestão fui honrado com o convite para trabalhar como Procurador- Assessor e depois como Subprocurador Geral do Estado e sou testemunha da sua dedicação, competência, compromisso e retidão no trato da coisa pública.
Trabalhar com pessoas que admiramos e nutrimos amizade é daquelas coisas que torna a vida mais agradável e feliz. Xxxxx, essa era a tônica daquele Gabinete.
Enfim, externo nesta Revista da Procuradoria Geral do Estado, que presta uma bela e justa homenagem à XXXXX XXX XXXXXXXXX XXXXXXX, a minha sincera gratidão pelo aprendizado e amizade durante esses anos de convivência diária.
1. Introdução
Interessa aprofundar, no presente estudo, a regulação administrativa por contrato, com especial enfoque naquelas atividades que envolvem a prestação de serviços, gestão de infraestrutura e utilidades públicas por operadores econômicos privados.
A utilização de contratos administrativos duradouros, nomeadamente as concessões, para delegar a execução de serviços, utilidades ou mesmo infraestruturas públicas, não constitui propriamente novidade para o Direito, sendo intensa a sua aplicação no século XIX nos mais variados segmentos econômicos.
Contudo a influência dos novos modos de agir do Estado Regulador contemporâneo e de um Direito Administrativo auspiciosamente renovado por valores e princípios que o distanciam dos padrões absolutos de hierarquia, imperatividade e unilateralidade de tradição francesa e construídos a partir da
∗ Procurador do Estado do Rio de Janeiro
jurisprudência do Conseil d’Etat, aliado à absorção de conceitos e teorias advindas da Economic Analysis of Law, produzem importantes repercussões e consequências na forma como esses contratos administrativos, designadamente as concessões e parcerias público-privadas, são estruturados, interpretados e regulados.
A partir dos anos oitenta, em um fenômeno de amplitude global, mas que teve, no Reino Unido, a sua concepção estruturante (New Public Management), a atuação colaborativa entre os entes públicos e operadores econômicos privados reassumiu enorme importância em um cenário marcado por novos padrões e formas de relacionamento entre Estado, mercado e sociedade.
O impacto foi intenso no Direito Administrativo, que não ficou indiferente à dinâmica que passou a oxigenar a atuação estatal em sociedades complexas, globalizadas, multiculturais, heterogêneas e permanentemente sujeitas a uma espantosa evolução tecnológica. Lógicas binárias e soluções padronizadas, antes referenciadas no Direito, cedem espaço diante de uma realidade cambiante, a justificar a maciça presença de instrumentos que confiram maior flexibilidade ao gestor para lidar com as contingências imprevisíveis em todos os campos da atuação administrativa.
É neste cenário que a função de regulação assume uma nova dimensão, eis que intimamente conectada ao reconhecimento de que é cada vez mais difícil, senão impossível, ao legislador, distante das minúcias da realidade, das circunstâncias do momento e das sutilezas técnicas que envolvem a aplicação da lei, definir casuisticamente o elenco de interesses públicos específicos que devem ser atendidos pela administração pública. As escolhas públicas centradas em uma regulação contratual sofrem, igualmente, os efeitos da aceleração das mutações econômicas, financeiras, políticas, sociais e tecnológicas.
A coordenação racional e harmônica entre a segurança jurídica e a mutabilidade inerente à gestão na prestação de serviços públicos e disponibilização das infraestruturas, por meio de relações contratuais duradouras, consiste em desafio contemporâneo a ser enfrentado e que não mais se revela solucionável pelos esquemas e arranjos tradicionais.
O objetivo do presente estudo é, sob a ótica da mutabilidade, investigar as premissas que alicerçam essa regulação contratual a partir do reconhecimento pragmático da incapacidade dos contratos de longa duração em regularem rigidamente ex ante todos os aspectos e circunstâncias que gravitam em torno do seu objeto e condições de execução, desse modo, demandando uma atuação articulada e coordenada com a regulação exercida pela Agência.
Convém sublinhar que, nos setores regulados por Agências, é possível identificar um “sistema duplo de regulação”, com a convivência entre compromissos, obrigações, comportamentos e condutas consensualmente firmados entre as partes e instrumentalizados por meio de contrato de concessão ou qualquer outro arranjo jurídico estruturante de um projeto de interesse público, com as demais funções que serão exercidas pelas entidades autônomas heterorreguladoras durante a execução do ajuste.
A regulação por agência assume, diante da incompletude contratual, uma função integrativa relevante na composição dos interesses juridicamente protegidos dos contratantes, bem como na releitura do contrato à luz das circunstâncias
econômicas, financeiras, tecnológicas e sociais que poderão sobrevir durante a execução do contrato.
Malgrado a complexidade do tema e das múltiplas questões desafiadoras que se colocam a partir do encadeamento dessas ideias, é a correlação e a interseção entre a regulação por contrato e a regulação por agência que anima o propósito do presente trabalho.
2. A Regulação por Contrato: algumas notas
Em uma visão ampla, a regulação corresponde a uma espécie de intervenção estatal que visa orientar o comportamento dos agentes econômicos para resultados que possam beneficiar toda a coletividade1. A regulação pode assumir diferentes formas, métodos, critérios e mecanismos. Nos estritos limites do presente estudo, interessa compreender a utilização do contrato como estratégia regulatória (regulatory contracts ou regulation by contratct)2.
Essa intervenção em determinados setores pode ser instrumentalizada pela via contratual. Tal ocorre quando o contrato assume o principal espaço jurídico conformador de decisões e escolhas regulatórias que serão determinantes para conceber e formatar aspectos essenciais na prestação do serviço ou gestão da infraestrutura.
O que se põe em causa é a escolha de um projeto e, consequentemente, de um operador econômico privado que atuará na gestão de um serviço ou de uma infraestrutura pública, na perspectiva da construção de uma relação duradoura que, se concebida em premissas ou escolhas regulatórias equivocadas, tem grave potencial de ofensa ao interesse público presente e futuro, por conseguinte, estendendo os seus efeitos danosos para outras gerações3.
Exposto em outros termos, esses contratos refletem escolhas que definem e cristalizam políticas públicas de longo prazo em setores vitais da economia e que são essenciais para a consecução do interesse público, legitimando estratégias de políticas duradouras em determinados setores que explicam a origem da ideia de “governar por contrato”4, que vem substituindo progressivamente os “esquemas
1 Veja-se o conceito de regulação concebido por XXXXX XXXXXXX: “Estas duas ideias bastam para construir um conceito operacional de regulação econômica: o estabelecimento de e a implementação de regras para a actividade econômica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objectivos públicos” (XXXXXXX, Vital. Auto-Regulação Profissional e Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1997, p. 34).
2 Nas palavras de XXXXX XXXXXXXXX: “Na formulação que aqui se adota, a regulação administrativa por contrato coincide com a figura do contrato regulatório, este, pois, o contrato (explícito) através do qual se efetiva toda ou uma parte da regulação de um determinado mercado” (XXXXXXXXX, Xxxxx. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra, 2013. p.128). Sobre o tema, ver, entre outros, XXXXXXX, Xxxx. Regulating Contracts. Oxford: Oxford University Press, 1999; XXXXXXX-XXXXX, P. The regulation of contractualisation in quase-markets for public services. Public Law, 1999).
3 XXXXXX XXXXXXX XX XXXXX alerta para o risco das gerações futuras serem afetados com endividamentos que decorram da proliferação de novos modelos de investimento público de bens e serviços duradouros, fundamentalmente as infraestruturas. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo Europeu. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, p.102.
4 O maior peso do contrato na gestão dos públicos interesses se deve à maior participação do mercado na provisão de bens e serviços e utilização mais aguda de mecanismos consensuais de gestão no exercício
clássicos de acção administrativa baseados na contraposição entre autoridade e liberdade"5.
Assim, questões como a estrutura tarifária, metas de qualidade, indicadores de desempenho, compromissos de investimentos, partilha de riscos entre as partes, mecanismos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, universalização do serviço, método de alocação de custos, sistema de monitoramento e avaliação e resultados a serem atingidos são algumas das escolhas regulatórias que serão determinantes para aferição da eficiência do operador econômico na consecução do interesse público.
Esse compromisso regulatório6 (regulatory commitment), estabilizado a partir do vínculo contratual, representa parcela significativa da função regulatória estatal. A regulação futura exercida pela Agência é influenciada e condicionada pelas decisões técnicas, econômicas, financeiras e políticas que foram consensualmente fixadas no compromisso regulatório. Não por outra razão que, ao se contratualizar a regulação, reduz-se a discricionariedade da Agência7.
A contratualização da regulação pode ser uma estratégia garantidora de maior segurança jurídica para os investidores, mormente em países em desenvolvimento8, pois estes são, em tese, propensos a fluxos de instabilidade política e econômica. Por sua vez, com a contratualização, incorporam-se direitos e obrigações para ambos os contraentes sob o manto do ato jurídico perfeito, o que pode tornar mais tormentosa as adequações que decorram da flexibilidade e mutabilidade inerentes a esses arranjos contratuais duradouros.
Importante anotar que a utilização dos contratos regulatórios ocorre com mais intensidade nos setores de infraestrutura caracterizados como monopólios naturais e que não comportam a exploração competitiva por mais de um operador econômico9. Nesses casos, a técnica de intervenção regulatória pela via contratual é
da função administrativa. Sobre o tema, ver XXXXXX, Xxxx-Xxxxxx. Gouverner par Contrat:l’action publique em question. Paris: Presses de Sciences Po, 1999. Acentuando a contratualização da ação administrativa, ver CHEVALLIER, Xxxxxxx. L’État post-modern. 3. xx.Xxxxx: L.G.D.J., 2008.
5 Conforme aponta XXXXX, Xxxx. O Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p.345.
6 A expressão é utilizada por XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx X. Regulação de Indústrias de Rede: entre flexibilidade e estabilidade. Revista de Economia Política, v. 27, n. 2, p. 261- 280, abr./jun. 2007.
7 Como assinalado por XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra, 2013. p. 141.
8 No Brasil, por exemplo, o contrato ainda é a principal forma de transferência da execução de serviços e infraestrutura em segmentos como o saneamento, energia, aeroportos, portos, ferrovias, rodovias. Isso se explica pelo significativo volume de investimentos exigidos dos operadores econômicos e pela maior estabilidade e segurança jurídica que o contrato assegura se comparado com outros instrumentos jurídicos delegatórios, como é o caso, por exemplo, da autorização.
9 Nas palavras de XXXXXX XXXXXXX XX XXXXX: “Os contratos servem também para prosseguir uma importante finalidade de regulação no contexto do direito administrativo econômico. Referimo-nos aos regulatory contracts ou regulation by contratct, as duas expressões utilizadas para designar o fenômeno da substituição da utilização de institutos típicos da regulação (ex: fixação de tarifas ou tecto tarifários, definição de obrigações de acesso de terceiros a infra-estruturas essenciais) por celebração de contratos que cumprem essa função. Trata-se de uma técnica difundida nos sectores econômicos assentes em infra-estruturas de rede (ex. sector eléctrico e o do abastecimento de aguá às populações) e que ganha cada vez mais adeptos.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Um Novo Direito Administrativo? Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. p. 66-67).
substitutiva do mercado10, considerando que a eficiência na prestação do serviço ou na gestão da infraestrutura não será alcançada pela via de competição entre mais de um operador econômico.
O contrato regulatório funciona como fator corretivo das ineficiências ínsitas a serviços e estruturas de mercado que não comportam a competição no serviço, mas apenas a competição pelo serviço. A escolha pública dos padrões de eficiência e dos mecanismos inibidores das potencialidades negativas geradas pela exclusividade de apenas um operador econômico atuar são desenhadas no instrumento contratual.
É claro que essa discricionariedade na fixação das escolhas públicas exercida pela via da regulation by contract se comunica e conecta-se aos marcos regulatórios que, prudencialmente, devem anteceder à contratualização de qualquer atividade.
A inexistência de marcos regulatórios estáveis e estruturantes que explicitem as diretrizes básicas orientadoras de cada setor pode aumentar excessivamente a discrição regulatória contratualizável, gerando soluções discrepantes para objetos regulados, dotados de ampla similitude. A experimentação contratual regulatória pode ser excessivamente perigosa se não for estruturada a partir de critérios metodológicos que obedeçam a uma mesma racionalidade. Em outros termos, marcos regulatórios que antecedam a regulação por contrato são aconselháveis para a fixação de padrões e critérios que, sem retirar o espaço de conformação discricionária da estratégia contratual, confiram coerência sistêmica a cada setor.
Sob outra perspectiva, a regulação por contrato aponta, ainda, uma tendência contemporânea na forma de estruturar o relacionamento com o operador econômico privado. A regulação por contrato deixa de ser preceptiva de conduta e passa a ser preceptiva de resultado.
Tradicionalmente, o contrato estruturador de um projeto de relevante interesse público era um repositório de condutas e obrigações que deveriam ser cumpridas pelo concessionário. A sua nota característica era uma regulação amplamente descritiva e analítica das obrigações e deveres do parceiro privado, remanescendo pouco espaço de liberdade para o contratado inovar ou implementar os seus próprios mecanismos de gestão.
A regulação contratual, alicerçada na ampla e exaustiva predeterminação do projeto, das obrigações, da conduta, das técnicas a serem utilizadas durante a execução e de praticamente todo o conteúdo substantivo do objeto contratual, relaciona-se com um método de exercício da função administrativa calcado na unilateralidade, imperatividade e exclusividade da Administração Pública em definir os modos de atingimento dos interesses públicos.
Essa forma de estruturar e regular o contrato incrementa e dificulta o ônus fiscalizatório do ente contratante, além de submeter o contratado a uma rígida forma de atuar, o que incide em uma contradictio in terminis, porquanto a lógica de colaboração com o setor privado pressupõe o acréscimo de eficiência que o operador econômico possa agregar na consecução das tarefas públicas submetidas a uma exploração com conotação empresarial.
10 Na linha exposta por SOUTO, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 301.
É sob a influência de uma auspiciosa e renovadora doutrina voltada à busca do resultado como objetivo maior a perseguir na atividade administrativa11, que, também, no campo da regulação contratual, o foco de preocupação se orienta para a concretização das finalidades, com maior flexibilização e autonomia para o operador privado definir meios, métodos, técnicas e modos de agir para atingir as metas.
A estratégia regulatória volta-se para a indução do operador econômico privado a alcançar as metas, objetivos e finalidades previamente definidos no contrato. Para tanto, é fundamental a fixação de indicadores de desempenho que sejam objetivamente monitoráveis e vinculados diretamente ao sistema remuneratório12, com a criação de incentivos econômicos que traduzam uma equação simples: quanto maior a eficiência na execução do contrato e no atingimento das finalidades, maior a remuneração do parceiro privado.
Essa regulação contratual por perfomance favorece a flexibilidade e a mutabilidade inerente às relações contratuais duradouras. Explica-se: quanto maior a sua autonomia na implementação de metodologias – sempre agudamente impactadas pela evolução tecnológica – maior a capacidade de adaptação do contratado.
Rígidos esquemas contratuais que congelam modos e meios de execução do objeto podem rapidamente se desatualizar diante da realidade mutante e cambiável das estruturas sociais, políticas, econômicas, financeiras e, principalmente, tecnológicas constantemente impactadas por inovações e circunstâncias supervenientes e imprevisíveis.
Não se ignora que cada setor ou segmento econômico pode, a depender das suas características, comportar um maior ou menor grau de regulação por perfomance, podendo existir setores ou situações marcados pela inviabilidade na adoção dessa técnica regulatória.
O que por ora se pode afirmar é que essa é uma tendência e uma vertente intensificada na regulação por contrato, por isso alinhada a uma moderna visão de administração de resultados, que, frise-se, não se prende apenas a uma teorização abstrata, mas a uma aplicação prática, efetiva e operativa no exercício da função administrativa.
Diretamente ligado ao aspecto da busca por resultados e que produz significativo impacto na regulação por contrato é o espaço de abertura para participação dos interessados e da própria sociedade na concepção original do projeto e da sua estruturação antes da realização da licitação.
Outrora, os procedimentos de formação dos contratos eram definidos unilateralmente pelo ente contratante, sem maiores fluxos ou trocas de informação com o mercado e a sociedade. Fruto de uma visão hermética da Administração
11 A busca pelo resultado deve orientar todo o processo de formulação da política pública. O precursor da expressão administração por resultados foi XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX que apresentou uma visão crítica na prevalência do exame do ato e do procedimento sem a preocupação efetiva com o resultado. Sobre o tema ver: CORSO, Xxxxx. Il risultato nella teoria dell’ azione amministrativa. In: XXXXXXXXX, Xxxxx. Xxxxxxxx Xxxxxx (a cura di). Principio di legalità e amministrazione di risultati: Xxxx xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx 00-00 febbraio 2003. Torino: G. Xxxxxxxxxxxx, 2004. p. 97. Ver também XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Diritti e partecipazione nell’amministrazione di risultato. Napoli: Scientifica, 2003. E, ainda, XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Quatro Paradgimas do Direito Administrativo Pós-Moderno: Legitimidade, Finalidade, Eficiência, Resultados. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
12 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Concessões e PPPs. Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 760.
Pública, voltada apenas ao seu próprio centro de interesses. Assim, a concepção dos projetos e os modos de execução do objeto eram decididos internamente na estrutura administrativa, sem maiores diálogos com os operadores econômicos e com a sociedade.
A possibilidade de contar com a participação direta e ativa dos operadores econômicos na concepção e na estruturação de contratos dotados de maior complexidade, auxiliando o ente público a delimitar o escopo do objeto, é hoje uma realidade no Direito europeu e em outros ordenamentos jurídicos. A colaboração da sociedade civil no processo decisório administrativo é cada vez mais acentuada13.
Sem qualquer pretensão de exaurir todos os novos mecanismos que confluam para essa nova perspectiva, certo é que procedimentos como o Diálogo concorrencial – presente nas antigas e novas Diretivas Europeias sobre contratação pública14 – ou o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) no Brasil15 refletem a correta percepção de que é preciso, antes de definir os objetos estruturantes de interesses públicos complexos e de longa duração, receber a contribuição dialógica de todos os atores envolvidos.
Abandona-se a perspectiva de que o próprio ente contratante tem a solução para todo e qualquer projeto estruturante dotado de maior complexidade e inicia-se um saudável percurso de construção coordenada, coletiva e consensualizada do objeto, com a participação direta dos operadores econômicos, sociedade e usuários; afinal, serão estes diretamente afetados pelos impactos que contratos de infraestrutura duradouros podem produzir ao longo dos anos.
O acréscimo de legitimidade, transparência e democratização da escolha pública regulatória contratual é evidente, porquanto objeto de relações dialógicas que amadurecem e qualificam a racionalidade do processo decisório e das opções eleitas conformadoras do interesse público. Reduz-se, em alguma medida, a relação assimétrica típica das imposições unilaterais e imperativas do Direito Administrativo de matriz francesa, com a compreensão contemporânea de que o interesse público não é mais homogêneo, tampouco unitário16.
13 No Brasil, ver XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A Administração Pública Democrática. Institutos de Participação Popular na Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
14 Conforme o artigo 30 da Diretiva 2014/24UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26.02.14, relativa aos contratos públicos e artigo 48 da Diretiva 2014/25, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais. XXXX XXXXXX esclarece que o diálogo concorrencial é concebido como um procedimento aberto e dinâmico e aplicável em situações em que o objeto do contrato seja particularmente complexo. O seu objetivo é municiar as entidades adjudicantes acerca das soluções disponíveis no mercado. XXXXXX, Xxxx. O Diálogo Concorrencial. Coimbra: Coimbra, 2008. (Estudos de Contratação Pública) v. 1. p.275-326.
15 No Brasil, instituto similar é o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e que vem regulado, no plano federal, por meio do Decreto n.° 5.977, de 01.12.06. Sobre o tema, ver XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. A Participação do Mercado na Definição do Objeto das Parcerias Público-Privadas – O Procedimento de Manifestação de Interesse. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, n. 42, abr./jun. 2013. Admitem-se, ainda, estruturas contratuais nas quais o desenho dos projetos básico e executivo é encargo do próprio contratado, do qual é exemplo a contratação integrada prevista no artigo 9° da Lei n.°12.462, de 04.08.11, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratação.
16 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Diritto Ammnistrativo. Milão: Xxxxxxx, 1988. v. I. p. 109.
Para além disso, a participação ativa dos operadores econômicos na construção do objeto produz consequências importantes no plano da regulação por contrato.
Primeiro, presume-se uma redução dos espaços de inconformismo ex post do operador econômico em relação às soluções e opções adotadas no procedimento de formação do contrato, considerando a abertura procedimental para influenciar e conhecer o processo decisório que resultou no objeto final.
Segundo, por ser uma regulação por perfomance, é interesse do operador econômico que o projeto, as metas, os sistemas remuneratórios e todos os demais aspectos materiais e substantivos do seu objeto sejam definidos nos melhores parâmetros possíveis, eis que será o próprio o maior beneficiário. Unem-se os interesses para criar uma solidariedade que favoreça a lógica da colaboração recíproca17, colocando em prática a premissa de que, se bem-executado, o contrato produz vantagens e benefícios para todos os interessados.
Claramente perceptível a presença de elementos relacionais18 nesses contratos estruturantes de relevantes interesses públicos e de longa duração, cuja premissa é a de que as partes não estão necessariamente em posições antagônicas19, mas que, ao contrário, estão, de certo modo, “reféns uma da outra”, criando uma dependência mútua que incentiva a adoção de comportamentos mais solidários e inspirados na cooperação20, confiança e na boa-fé21.
Portanto, os contratos associados a projetos e serviços de elevada complexidade assumem feições bastante distintas das modalidades de concessão
17 A colaboração recíproca é um dever que orienta as partes durante a execução do contrato administrativo, com previsão expressa, em Portugal, no artigo 289 do Código de Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 18/08, de 29 de janeiro.
18 Ver sobre o tema a nota 43.
00 Xx xxxxx xx XXXXXX XXXXX XXXXX: “Debe quedar claramente asentado em el ánimo del regulador que las empresas privatizadas, gestoras hoy de um servicio de interés general, no son el enemigo a batir, sino que son empresas de interés público que Forman parte del sistema estatal de prestaciones (no, em cambio, del sistema político)”. XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. La regulación econômica. Teoría y práctica de la regulación para la competência. Buenos Aires: Ábaco de Xxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 143.
20 Por essa razão, XXXXXX X. XXXXX propõe que, nos contratos de longa duração, as partes se obriguem, em momento inicial da avença, a um “pré-compromisso de cooperação” em busca de ideal equilíbrio de cooperação: “Under conditions of mutual predictability, therefore, either party can induce a cooperative equilibrium in the very first interaction by announcing its intention to cooperate conditionally before making na adjustment choice. The precommitment to cooperate is a reliable promise; each party knows it cannot, with impunity, suddenly switch strategy choices once adjustment options are presented. Thus, the responding party will maximize its respective utility by also cooperating. The precommitment strategy facilitates the commencement of a cooperative pattern. Thereafter, in an ongoing relationship with repeated interactions, both parties will "lock in" the cooperative equilibrium.” (XXXXX, Xxxxxx. E. Conflict and cooperation in long-term contracts. California Law Review, v.75, n. 6, p. 2028).
21 Conforme observa XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX: “ Os gestores envolvidos em reequilíbrios financeiros de contratos públicos devem – até por imperativo legal: veja-se a nova redacção do artigo 64° do Código das Sociedades Comerciais – assegurar os interesses dos accionistas, dos trabalhadores e dos stakeholders da empresa. E é a confiança de todos estes intervenientes que gera a teia hoje necessária para quaisquer investimentos sérios. A ligação entre o contrato público e a realidade econômica torna-se incontornável”. (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Subsídios para a dogmática administrativa com exemplo no princípio do equilíbrio financeiro. Contratos Públicos, Cadernos O Direito. Coimbra: Almedina, ano. 2007, n. 2. p. 112).
oitocentistas. O figurino agora é outro. A discussão sobre os riscos ocupa papel central no plano da regulação por contrato.
3. A Partilha de Riscos
A dimensão contratual dos riscos é uma realidade nos denominados regulatory contracts. Outrora, a teoria das áleas era suficiente para explicar e justificar os riscos, incertezas e imprevisibilidades que poderiam advir durante a execução do contrato. Basicamente, a álea ordinária era atribuída ao concessionário, eis que vinculada aos riscos inerentes a qualquer atividade empresarial. A álea extraordinária, seja administrativa (aquela que decorre de uma ação estatal, como é o caso da alteração unilateral, fato da administração ou fato do príncipe) ou econômica (decorrente de circunstâncias exógenas ao contrato e a própria vontade das partes), ensejaria o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, recaindo sobre o contratante o dever de promover os ajustes necessários para reposicionar o equilíbrio entre as prestações inicialmente estabelecidas entre as partes.
A percepção contemporânea do tema e que se encontra refletida em vários ordenamentos jurídicos é a de que à teoria das áleas, abstratamente considerada, deveria ser acrescida uma partilha de riscos definida objetivamente no instrumento contratual22.
Compreenda-se risco como evento incerto, mas de possível concretização e, portanto, dotado de alguma previsibilidade. No plano contratual, para ser qualificável como risco, deve admitir mensuração e objetivação que permita medir certos elementos da realidade. A avaliação do risco (risk assessment) e a previsão das medidas preventivas ou atenuadoras dos seus efeitos integram a moderna gestão contratual do risco (risk management). Se a circunstância encontra-se no domínio da absoluta imprevisibilidade já não mais se trata de risco23, mas de incerteza.
Relações jurídicas que envolvam objetos complexos, tais como obras, serviços e infraestruturas públicas, estão permanentemente sujeitas a riscos políticos, tecnológicos24, econômicos, financeiros, regulatórios, ambientais e tantos outros que podem interferir na boa gestão e execução do empreendimento25.
22 Cf. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. O risco no contrato de concessão de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx de. As tarifas e as demais formas de remuneração no serviço público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
23 XXXXX XXXXX XXXXX pondera que “quando o risco ultrapassa os limites do imaginável, já estaremos, ou perante um caso de força maior, gerador de impossibilidade de cumprimento do contrato (cf. O artigo 801° do Código Civil), ou no domínio da teoria da imprevisão e da consequente alteração de circunstância, facto que pode levar à modificação do contrato ou à sua rescisão (cfr. O artigo 437° do Código Civil)” (XXXXX, Xxxxx Xxxxx. Subsídios para um Quadro Principiológico dos Procedimentos de Avaliação e Gestão do Risco Ambiental. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n. 17, p. 38, 2002).
24 A relação entre o risco tecnológico e os modelos de Administração Pública é um aspecto destacado por XXXXXXXXX XXXXXX: “Technological risk evaluation is the province of public administration, and the promotion off differente models of technological risk evaluation is really the promotion of differente models of public administration.” (XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Risk Regulation and Administrative Constitutionalism. Oxford and Portland Oregon: Hart Publishing, 2010. p. 250).
25 Os riscos revelam uma dimensão multidisciplinar, configurando objeto de estudo no campo do Direito, da Economia e das Ciências Sociais. Ver sobre o tema CALABRESI, Xxxxx. The Cost of Accidentes: a
Modernamente, a partilha de riscos guarda maior complexidade, porquanto a provisão de infraestruturas e serviços públicos remete à captação de recursos por intermédio de Project Finance, cuja lógica subjacente lastreia-se na premissa de que é o projeto que alicerça o financiamento a partir das receitas futuras que serão geradas pelo empreendimento26.
A prática internacional na concepção de Project Finance aponta, como uma das suas principais características, a formação de uma rede coligada de contratos que abrange, além dos contratos societários, contratos financeiros e de garantia, contratos de empreitada, fornecimento de materiais e equipamentos, operacionais, além do próprio contrato de concessão firmado com o Poder Público.
No contexto desta complexa rede heterogênea de contratos que se interliga e conecta-se mutuamente, fundamental é a alocação eficiente de riscos para a parte que melhor puder gerenciá-los e mitigá-los, mormente quando vários são os riscos que podem gravitar em torno dos empreendimentos de infraestrutura pública viabilizados por intermédio de um Project Finance27. Eventual inadequação ou imperfeição na alocação dos riscos neste plexo de contratos coligados pode acarretar indesejáveis consequências, seja inviabilizando o financiamento do projeto, seja onerando o seu custo final para o usuário do serviço ou da infraestrutura pública.
legal and economical analysis. New Haven: Yale University Press, 1970; XXXX, Xxxxxx. La Sociedade del Riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós Ibérica, 1998.
26 Confira-se, sobre o tema, a definição de Project-Finance proposta por XXXX X. FINNERTY: “Project finance may be defined as the raising of funds to finance na economically separable capital investment Project in which the providers of the funds look primarily to the cash flow from the Project as the source of funds to service their loans and provide the return off and a returno on their equity invested in the project.” (XXXXXXXX, Xxxx X. Asset-based financial engineering. New York: Wiley, 1996. p. 2). Ver ainda GRAHAM, Vinter. Project Finance: a Legal Guide. Londres: Sweet and Maxwell, 2006.
27 Sobre o tema ver XXXXX, Xxxxxxx. Government Guarantees: allocation and valuin risk in privately financed infraestructure projects. Washington D.C.: The Word Bank, 2007.
28 No Direito europeu essa lógica encontra-se assentada nas Guidelines for Successful Public-Private Partnerships. Disponível em:
<xxxx://xxxxxx.xx.xxx/xxxx/xxxxxxxx_xxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/XXXxxxxx.xxx>. Acesso em: 29 abr. 2014. Expressando um entendimento corrente da doutrina, veja-se por todos XXXXX XXXXXXX XXXXXXX: “Em suma a eficiência produtiva de uma PPP depende de uma adequada afectação e partilha de riscos entre os parceiros, sendo certo que qualquer falha na transferência de risco constitui uma fonte de ineficiência, sobretudo se forem atribuídos riscos a quem não está nas melhores condições de os gerir e suportar." (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. As Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 478; 480-481).
29 A conformação da autonomia contratual pelos referidos princípios é apontada por XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo – Algumas reflexões. Revista de
É, portanto, função primordial da regulação por contrato definir uma adequada matriz de riscos entre as partes contratantes, alocando para cada parceiro os riscos que podem ser mais eficientemente gerenciáveis e prevenidos28. Essa distribuição de riscos não é aleatória ou mesmo sujeita a um amplo grau de autonomia por parte do ente contratante. Os princípios da eficiência, do interesse público e do próprio equilíbrio econômico-financeiro do contrato conformam e limitam a discrição administrativa na partilha dos riscos, eis que concretizadora do interesse público e da própria estabilidade contratual vertida no equilíbrio econômico-financeiro das prestações29.
legal and economical analysis. New Haven: Yale University Press, 1970; XXXX, Xxxxxx. La Sociedade del Riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós Ibérica, 1998.
26 Confira-se, sobre o tema, a definição de Project-Finance proposta por XXXX X. FINNERTY: “Project finance may be defined as the raising of funds to finance na economically separable capital investment Project in which the providers of the funds look primarily to the cash flow from the Project as the source of funds to service their loans and provide the return off and a returno on their equity invested in the project.” (XXXXXXXX, Xxxx X. Asset-based financial engineering. New York: Wiley, 1996. p. 2). Ver ainda GRAHAM, Vinter. Project Finance: a Legal Guide. Londres: Sweet and Maxwell, 2006.
27 Sobre o tema ver XXXXX, Xxxxxxx. Government Guarantees: allocation and valuin risk in privately financed infraestructure projects. Washington D.C.: The Word Bank, 2007.
28 No Direito europeu essa lógica encontra-se assentada nas Guidelines for Successful Public-Private Partnerships.Disponívelem:<xxxx://xxxxxx.xx.xxx/xxxx/xxxxxxxx_xxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/XXXxx ide.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014. Expressando um entendimento corrente da doutrina, veja-se por todos XXXXX XXXXXXX XXXXXXX: “Em suma a eficiência produtiva de uma PPP depende de uma adequada afectação e partilha de riscos entre os parceiros, sendo certo que qualquer falha na transferência de risco constitui uma fonte de ineficiência, sobretudo se forem atribuídos riscos a quem não está nas melhores condições de os gerir e suportar." (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. As Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 478; 480-481).
29 A conformação da autonomia contratual pelos referidos princípios é apontada por XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo – Algumas reflexões. Revista de
O Direito não pode ignorar a realidade30. A alocação racional dos riscos é contributiva na produção de incentivos econômicos para que a parte com maior capacidade de gerenciá-los possa operar no sentido de evitar a sua materialização ou mesmo a atenuação das suas consequências31.
Transferir um risco que não é efetivamente gerenciável pelo operador econômico pode ocasionar o incremento dos custos de transação, resultando na precificação do risco no preço ofertado ou mesmo no deslocamento do ônus para o usuário por intermédio de impacto direto na tarifa. Pode, inclusive, afastar potenciais investidores e licitantes ou, ainda, aumentar exponencialmente a possibilidade de conflitos durante a execução do contrato, os quais certamente envolverão a estabilidade econômica do contrato32. Nada disso milita a favor do interesse público. A ruína do concessionário implica na derrocada do projeto e no próprio atendimento dos interesses da coletividade. Comportamentos oportunistas, orientados por uma equivocada relação de antagonismo em contratos dessa natureza, revelam-se prejudiciais para o interesse comum que une os contratantes.
O mesmo raciocínio se aplica nos casos dos riscos atribuíveis aos operadores econômicos privados serem indevidamente absorvidos pelo ente contratante. Qualquer contrato que reduza injustificadamente o risco empresarial desatende o interesse público e gera vantagens despidas de legitimidade para a sociedade empresária que assumir a gestão do negócio.
Quando a entidade adjudicante, por exemplo, regula o contrato assegurando uma estabilidade da taxa interna de retorno (TIR) do parceiro privado33 produz duas consequências indesejáveis: (i) eliminação do risco inerente à execução do empreendimento, desnaturando a lógica desses contratos34; (ii) subtração, ainda que indireta, de uma regulação por perfomance e voltada aos resultados, eis que a rentabilidade do operador econômico estará assegurada independente do seu grau de eficiência no cumprimento das suas obrigações.
Mas uma clara e objetiva demarcação das fronteiras entre as áleas afetas ao operador econômico privado e ao ente contratante35, que leve em consideração as
Contratos Públicos, Ano 1, n. 1, p. 199-240, mar./ago. 2012; e por XXXXX, Xxxxx. A Distribuição do Risco nos Contratos de Concessão de Obras Públicas. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 72; 121-122.
30 Sobre o princípio da realidade ver XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p 90/91.
31 Cf. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. A repartição de riscos na parceria público-privada. Revista de Direito Público da Economia - RDPE, Ano 6, n. 24, out./dez. 2008. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/xxx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000>. Acesso em: 22 abr. 2014.
32 A elevação dos custos de transação e a indesejável transferência para os usuários, bem como o afastamento dos potenciais investidores e empresas é assinalada por XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. As diversas configurações da concessão de serviço público. Revista de Direito Público da Economia n.1, p. 105, 2003.
33 Para aprofundamento sobre a taxa interna de retorno ver XXXXXXX, Xxxxx. Sobre o Equilíbrio Financeiro das Concessões e a Taxa Interna de Rendibilidade (TIR) Accionista: Uma Perspectiva Econômica. Revista de Contratos Públicos, n. 03, p. 5-25, 2011.
34 A exploração do objeto sem o risco da exploração desnatura a concessão, conforme reconhece expressamente o “considerando n.° 18” e artigo 5°, I, a e b da Directiva 2014/23 EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26.02.14 relativa à adjudicação de contratos de concessão.
35 XXXXXX XXXXXXX pondera que o governo tem a possibilidade de dissipar os seus riscos para os contribuintes e demais beneficiários dos programas. XXXXXXX, Xxxxxx. Riscos em projetos de infraestrutura: incompletude contratual; concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de
especificidades de cada setor e estruture-se a partir de critérios de racionalidade e funcionalidade, é fator decisivo para gerar benefícios para ambas as partes e, principalmente, para a consecução do interesse público.
A matriz de risco tem direta e íntima conexão com todo o sistema de equilíbrio econômico-financeiro, outrora correlacionado e restrito, na visão tradicional, apenas a uma equivalência cartesiana entre o conjunto de obrigações e as formas de remuneração contratualmente previstas. O equilíbrio econômico- financeiro assume uma dimensão dinâmica e conectada a essa matriz de risco36, impactando diretamente a regulação contratual ex ante e a regulação por agência ex post. Desconsiderar essa realidade é regular com um olhar retrospectivo e não prospectivo.
Regular os riscos previamente no contrato implica em efetiva concretização do princípio da eficiência e da própria consecução do interesse público, reduzindo os espaços de conflitos ex post em relações duradouras complexas37 e que são, por natureza, submetidas a constantes mutações, o que se acentua em cenários macroeconômicos marcadamente globalizados, constantemente impactados por uma assombrosa evolução tecnológica em vários campos do conhecimento humano.
4. A Flexibilidade Decorrente da Mutabilidade e da Incompletude Contratual
Apesar da evolução na dogmática jurídica referente à disciplina do risco nos contratos regulatórios de longa duração, existem diversas áleas que não podem ser razoavelmente previstas ou cogitadas quando da celebração do ajuste. São contingências futuras e imprevisíveis que impossibilitam qualquer antecipação ou prognose, mas que podem impactar diretamente a economia contratual.
Em outros termos, não se supõe factível, no momento da regulação por contrato, identificar e partilhar todos os riscos que possam interferir na execução do contrato, ou mesmo antecipar circunstâncias e fatos supervenientes que venham a impactar a economia do contrato. Estar-se-ia, neste caso, no campo da futurologia e não no domínio de uma ciência como o Direito38.
Direito Público – RBDP, Ano 8, n. 28, jan./mar. 2010. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx PDI006.aspx?pdiCntd=66032>. Acesso em: 23 abr. 2014.
36 Veja-se, sobre o tema, a visão crítica de XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX: “A representação correta da equação econômico-financeira, mantendo a complexidade compatível com a elaboração da doutrina jurídica, seria algo que colocasse em um dos lados da igualdade o objeto contratual e o conjunto de riscos atribuídos ao parceiro privado e do outro lado o preço que lhe é devido para prestar o serviço e assumir esses riscos.” (XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Concessões e PPPs. Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 101-103).
37 Nas palavras de XXXX XXXXXXXX XXXXXXX: “A dúvida quanto a quem é o titular deste ou daquele risco apenas incrementa o respectivo custo: definir amigavelmente hoje custa muito menos do que descobrir litigiosamente amanhã.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Riscos, Incertezas e Concessões de Serviços Públicos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Ano 5, n. 20, p. 35-50, out./dez. 2007. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000>. Acesso em: 16 abr. 2014.
38 A expressão “futurologia contratual” é utilizada por XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. O contrato como instrumento de governo. Coimbra: Coimbra, 2013. (Estudos de Contratação Pública). v. IV. p. 15.
Essa constatação se liga à evidência empírica de que na regulação por contrato, em especial nos setores de serviços e infraestruturas públicas, seria irrealístico considerar viável uma completude absoluta nas previsões e estipulações contratuais. É quase que intuitiva a percepção de que não é possível uma perfeita cognição do futuro a partir das expectativas, dados e cenários do passado39.
Agrega-se a essa premissa os elevados custos de transação40 que assomariam no aprofundamento ex ante de um esquadrinhamento tão completo de todas as condições e circunstâncias contratuais41.
Os regulatory contracts se qualificam como incompletos, categorização essa que decorre de relevante contribuição da Economic Analysis of Law para a Teoria Geral do Contrato42. São incompletos porque realisticamente impossibilitados de regular todos os aspectos da relação contratual, o que os torna naturalmente inacabados e com lacunas, que reclamarão uma tecnologia contratual capaz de resolver a infinidade de contingências que poderão surgir durante a sua execução.
A mencionada Teoria dos Contratos Relacionais43, entre outras perspectivas e abordagens, propugna um avanço em relação ao paradigma contratual clássico,
39 Na feliz síntese de XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX XX XXXX: “A este propósito é oportuno, por fim, lembrar que os contratos administrativos duradouros, como de resto muitos contratos privados (v.g entre empresas), são entidades normativas eminentemente dinâmicas, no sentido de que organizam as relações entre os contraentes no âmbito do seu objeto, ficando abertos a uma execução criativa ou implementação por meio de sucessivos e contínuos arranjos, ajustamentos ou protocolos, consoante o aconselhar a evolução do estado das coisas no respectivo mundo.” (XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. A ideia de contrato no centro do universo jurídico-público. Coimbra: Coimbra, 2008. (Estudos de Contratação Pública). v. I. p. 20.
40 XXXXXXX XXXXX MACEDO JUNIOR esclarece que: “O enfoque básico da transaction cost reporta-se a uma estratégia de reduzir os custos de transação nas relações contratuais –the cost of carryng out market transactions, uma vez que tais custos acabam por obstruir as transações. A sua finalidade é, portanto, a de estabelecer estruturas de regulação (ou de governo) das relações contratuais que apresentem o menor custo possível.” (XXXXXX XX, Xxxxxxx Xxxxx. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 189). A Teoria dos Custos de Transação deve-se à construção de XXXXX, Xxxxxx. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, x. 0, x. 0-00, 0000.
00 Cf. XXXXX, X. Xxxx. Granting and Renegotiating Infrastructure Concessions. Doing it Right. WBI Development Studies. Washington D.C.: World Bank Institute, 2004. Disponível em:
<xxxx://xxxx.xxxxxxxx.xxx/xxxxxx/xxxxxxxxxxxxx/xxx0/Xxxxxx0.xxx>. Acesso em: 12 abr. 2104.
42 Não é pretensão desse breve estudo avançar nas bases teóricas que alicerçam a Incomplete-Contract Theory. O objetivo é tão somente de enquadramento dos contratos regulatórios nessa categoria e as consequências daí decorrentes. Nas palavras de XXXXXXXX XXXXXX: "Numa outra abordagem teórica, o inacabamento contratual é a resposta pragmática a um contexto econômico e jurídico eivado de imperfeições e incertezas – é o fruto da constatação de que talvez não valha a pena alongar as negociações quando as resultantes estipulações não erradicariam ou cobririam eficiente os riscos subsistentes ou quando elas se tornassem insusceptíveis de desencadear reacções tutelares adequadas.” (XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 151). Ver, entre outros, AVARAHAM, Xxxxx; ZHIYONG, Lui. Incomplete contracts whith asymetric information: exclusive versus optional remedies. American Law and Economics Review, v. 8, n. 03, p. 523-561, 2006).
43 Ainda, na visão de XXXXXXXX XXXXXX: “Nessa acepção, o contrato relacional é aquele em que as partes não reduzem termos fulcrais do seu entendimento a obrigações precisamente estipuladas, porque não podem ou porque não querem, e se remetem a modos informais e evolutivos de resolução da infinidade de contingências que podem vir a interferir na interdependência dos seus interessses e no desenvolvimento das suas condutas, afastando-se da intervenção judicial irrestrita como solução para
com o propósito de dar uma resposta eficiente às questões afetas aos contratos incompletos a partir do reconhecimento da flexibilidade como a mola mestra para a construção de uma dinâmica contratual mutável e permanente cambiável que decorre de relações duradouras, complexas e multilaterais.
Para os estritos fins do presente estudo, interessa anotar que os contratos regulatórios se enquadram como incompletos e com evidentes elementos relacionais, porque construídos a partir de uma relação duradoura que se beneficiará no caso das partes adotarem a cooperação, a confiança e a boa-fé como elementos centrais da construção coordenada das soluções pós-contratuais44.
Contratos complexos e incompletos, como são aqueles voltados para o setor de infraestrutura e nos quais jaz subjacente o dever de concretização de interesses públicos primários, devem ser objeto de uma gestão contratual eficiente e de uma governação atenta às suas naturais incompletudes. Sob essa ótica, uma das preocupações centrais da regulação por contrato deve ser com a sua gestão. O delineamento de um processo racional e funcional do seu efetivo monitoramento é absolutamente indispensável para a consecução do interesse público. Muito há por avançar nesse campo.
Uma boa governação dos contratos regulatórios – como de resto de qualquer contrato – é aquela que cria mecanismos eficientes de gestão que previnam o surgimento de litígios45. É o que ocorre, por exemplo, com o mecanismo do dispute board46, cuja lógica consiste em deslocar o foco do conflito para a própria relação
os conflitos endógenos para privilegiarem o recurso a formas alternativas de conciliação de interesses, seja as que vão emergindo da evolução da relação contratual, seja as que são oferecidas pelo quadro das normas sociais.” (XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
p. 395). Autor considerado referência nos contratos relacionais é MACNEIL, Xxx. Contracts: adjustment of long-term economic relations under classical, neoclassical, and relation contract Law. Northwestern Universy Law Review, v. 72, n. 6, 1988. No Brasil, ver XXXXXX XX., Xxxxxxx Xxxxx. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
44 Essa percepção foi explicitada em recente decisão da Corte Constitucional da Colômbia. Confira-se: “Las concesiones son por naturaleza contratos incompletos, debido a la incapacidad que existe de prever y redactar una consecuencia contractual para todas y cada uno de las posibles variables y contingencias que pueden surgir en el desarrollo del objeto, lo que impone un límite a las cláusulas contractuales efectivamente redactadas. Por ello adquiere especial relevancia la posibilidad de renegociar y modificar los contratos con el fin, entre otros, (i) de recuperar el equilibrio económico, en los eventos en los que se materializan obstáculos no previsibles, extraordinarios y no imputables al contratista, o (ii) de adecuar la prestación del servicio a las nuevas exigencias de calidad, por ejemplo, desde el punto de vista tecnológico. Además, debe tenerse en cuenta que los contratos de concesión tienen características de contratos relacionales. Estos contratos se caracterizan por ser a largo plazo y por ello la relación entre las partes se fundamenta en la confianza mutua que se desprende (i) de la interacción continuada entre ellas, y (ii) de que su interés por cumplir lo pactado no se fundamenta exclusivamente en la verificación de un tercero sino en el valor mismo de la relación.” (COLÔMBIA. Corte Constitucional da Colômbia. Sentencia C-300/12. Magistrado XXXXX XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX. Bogota. D.C, 25.04.12).
45 Conforme XXXXXXXXX, Xxxxx. Gestão de Contratos em Tempo de Crise. Coimbra: Coimbra, 2010. (Estudos de Contratação Pública). v. III. p. 19.
46 O dispute board é utilizado no segmento dos contratos de construção e poderia ser adaptado para a regulação contratual no setor de infraestrutura. Basicamente, consiste na nomeação de uma comissão de técnicos de confiança das partes para acompanhar e monitorar a execução do contrato, emitindo pareceres e opiniões, que poderão ser vinculativos ou não. A sua diferença em relação à arbitragem, mediação e conciliação é que a sua atuação se dá antes da própria instauração do conflito. Sobre o tema, ver XXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Os Dispute Boards e os Contratos de Construção.
contratual, com acompanhamento permanente da sua execução por experts de confiança das partes.
A gestão e o monitoramento dos contratos regulatórios incompletos pressupõem, também, uma correta definição dos modos e meios de regular a relação contratual duradoura com vistas a assegurar a flexibilidade e estabilidade necessárias para a manutenção do equilíbrio consensualmente estabelecido.
A regulação contratual deve ocupar-se em estabelecer os mecanismos que instrumentalizam operativamente a mutabilidade ou, em outros termos, perseguir a construção de esquemas contratuais que desenvolvam uma metodologia de processualização da mutabilidade, que, para além de estar orientada pelos objetivos primários da preservação do contrato e do equilíbrio das posições contratuais, deve ser densificada em cláusulas contratuais estruturadas a partir de princípios de elevada carga axiológica, como o são a boa-fé, confiança legítima e segurança jurídica.
Cláusulas de renegociação47 e de revisão periódicas48 são exemplos de mecanismos endocontratuais e de soluções internalizadas no próprio desenho regulatório que buscam, exatamente, a preservação do equilíbrio e da estabilidade contratual49, a demandar uma capacidade de aprendizagem na dinâmica contratual- regulatória.50
Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/Xxxxxxx.xxx>. Acesso em: 03 maio 2014. Ver, ainda, o Regulamento da Câmara Internacional de Comércio. Disponível em: <http:// xxx.xxxxxx.xxx>. Acesso em 25.04.14.
47 No plano dos contratos internacionais de investimentos e nos de investigação tecnológica, é muito comum a presença da cláusula de hardship, que impõe uma obrigação para as partes de renegociação do contrato a partir da ocorrência de uma circunstância superveniente e não coberta pela matriz de risco. Ver sobre o tema, XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxx xx Xxxxxxxxxx (Coords.). Direito do Petróleo. Coimbra: Universidasde de Coimbra, 2013.” Ainda sobre renegociação dos contratos públicos, ver XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Renegociación de Contratos Públicos. Buenos Aires: Xxxxxxx-Xxxxxx, 0000.
48 Sobre as revisões periódicas quinquenais adotadas no Brasil, ver XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. Revista de Direito Administrativo, v. 263, p. 48-49, maio/ago. 2013.
49 Não resta dúvida que outros instrumentos jurídicos podem mais facilmente viabilizar a negociação e o dinamismo com os agentes regulados, como é o caso, por exemplo, da autorização. Para tanto, contudo, é indispensável um ambiente de elevada confiança entre regulador e regulado. Quando os investimentos e aportes são muito elevados, o contrato acaba sendo o instrumento mais utilizado em razão do maior grau de segurança jurídica. Sobre o tema, ver XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxxx. Smart Grids: Primeiros Desafios Regulatório. 2013.Tese (Mestrado em Direito) - Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000.
50 Nas palavras de XXXX XXXXXXX XXXXXXX: “Aqui se exige uma dinâmica contratual-regulatória, combinada com a capacidade de detectar as variações dos contratos – o que eu chamo de capacidade de aprendizagem dos contratos públicos: aprender com a prática, negocialmente, de forma bilateral e harmônica, prestigiando os deveres laterais de conduta das partes contratantes, e assim tentar novas soluções de interesse público, próprias às alterações de circunstâncias.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato Administrativo como Instrumento de Governo. Coimbra: Coimbra, 2013. (Estudos de Contratação Pública). v. IV. p.16. Sob a perspectiva econômica, o problema dessas negociações é a assimetria de informações entre as partes contratantes que pode acarretar comportamentos oportunistas. Xxx XXXXXX, X.Xxxxxxx e XXXXXXXX, Xxxx, Governement procurement and international trade in Journal of International Economics, 26, 1989, pp. 291-398.
Mas o fato é que, estando situado na seara do Direito Público, o grau de flexibilidade nesses contratos encontra limites que operam maiores dificuldades na materialização das alterações, modificações e renegociações.
Tradicionalmente, a mutabilidade sempre foi um traço característico dos contratos administrativos, encontrando legitimação e justificação na necessidade de adequação ao interesse público51. Modernamente, encontra xxxxxx também na incompletude do contrato52. O instrumental clássico da mutabilidade sempre foi o poder de modificação unilateral conferido ao ente contratante, como a obrigação de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro original tratado entre as partes53.
A partir de uma percepção contemporânea do tema, é possível identificar graus e intensidades de mutabilidade que podem variar drasticamente em razão da natureza de um contrato. Exposto em outros termos, quanto mais incompleto for um contrato, mais naturalmente mutável ele o será, o que pode fragilizar uma lógica de aplicação uniforme de um regime legal de modificação que não leve em consideração as especificidades e características das distintas relações contratuais de conteúdo regulatório firmadas pelos entes públicos.
Mais problemática ainda é a oponibilidade entre o atendimento ao interesse público (instrumentalizado pela mutabilidade) e a proteção da concorrência. Se é certo que esse interesse público deva ser atendido em articulação coordenada com o valor concorrência54, que condiciona e limita os poderes de modificação nos contratos administrativos55, não é menos exato cogitar que, em determinadas situações concretas (como a dos contratos de concessão e parcerias público-privada) será mais complexa a ponderação entre os dois valores, podendo ser objeto de
51 Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx. A propósito do regime do contrato administrativo no Código dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina, (Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova Lisboa). v. I. p. 346.
52 Na forma anotada por XXXX XXXXX XXXXXXXXX: “Com efeito, a detenção, pela administração pública, do poder de modificação unilateral não é um resultado de uma lógica de prossecução do interesse público ou de uma relação desigual, mas também a expressão de uma radical incompletude do contrato constituindo assim uma resposta eficaz a incerteza característica de um conjunto de transaçcções”. (XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. A Contratação Pública como Instrumento de Política Econômica. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p.74).
53 Observam XXXXXXX XXXXXX DE ENTERRIA e XXXXX-XXXXX XXXXXXXXX que o limite do jus variandi se destina estabelecer uma garantia concreta para o cocontraente privado (ENTERRIA, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Derecho Administrativo. 12. ed. Madrid: Thompson/Civitas, 2005. p. 745).
54 Cf. XXXXXXXXX, Hèléne. La modification du contrat administratif. Paris: L.G.D.J., 2009. p. 5. Confira-se, ainda, a observação de XXXXXX XXXXX XXXXXXXX: “Com efeito, a protecção do mercado e a proteção do interesse público são, e quando não o sejam, têm de ser realidades que não só se compatibilizem como que se favoreçam mutuamente.” (XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A formação dos contratos públicos. Uma concorrência ajustada ao interesse público. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2013. p. 479).
55 Conforme expressamente previsto no artigo 313 do Código de Contratos Públicos de Portugal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de janeiro.
reação por parte de terceiros interessados, em especial os operadores econômicos que pretendam ingressar no mercado56.
No plano europeu, identifica-se uma maior inclinação ao valor de concorrência, conforme jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do qual é exemplo representativo o Acórdão Pressetext, que não proíbe a modificação dos contratos, mas que já revelava uma tendência do Direito Comunitário quanto à maior tutela da concorrência57.
Essa tendência foi ratificada com a edição das recentes Diretivas sobre contratação pública, nomeadamente no disposto no artigo 43 da Diretiva 2014/23 (relativa à adjudicação de contratos de concessão), no artigo 72 da Diretiva 2014/24 (relativa aos contratos públicos) e no artigo 89 da Diretiva 2014/25 (relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais).
Mesmo diante das novas regras e da sua futura transposição para os respectivos ordenamentos nacionais, vislumbra-se um espaço de conformação para que a regulação considere as distintas finalidades e características de cada contrato e opere nos modos, meios e métodos de flexibilização em contratos incompletos, cuja única convicção possível é a da certeza que advém da mudança58. O desafio é conferir estabilidade na mudança59. Todavia, nem sempre as partes são capazes de construírem soluções autossustentadas a partir da dinâmica contratual, o que explica a importância, na ambiência da regulação por contrato, das formas alternativas de disputa, tais como a conciliação, mediação e arbitragem para a solução dos conflitos ex post.
Neste aspecto, como se verá no próximo item, interessa examinar como a
regulação por agência atua integrativamente nas incompletudes contratuais e o seu
56 Conforme alertado por XXXXXX, Cláudia. Os princípios comunitários na contratação pública. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 246.
57 Na esteira da conclusão de XXXXX XXXXXXXXX: “Por fim, e apesar de se reconhecer que a asserção reclama outras explicações, revela-se especialmente adequado aludir a uma inclinação – que parece inevitável – dos sistemas jurídicos europeus que, se radicalizada, pode minar as bases do direito administrativo clássico: referimo-nos à tendência para conferir uma primazia à protecção da concorrência sobre a protecção do interesse público. A acontecer, é neste novo arranjo que terá de se compreender o recuo do poder unilateral de modificação que, nessa medida, poderá constituir também um recuo na prossecução do interesse público.” (XXXXXXXXX, Xxxxx. Acórdão Pressetext: a modificação de contrato existente VS. adjudicação de novo contrato. Anotação do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 19,06,2008, P.C-454-06. Cadernos de Justiça Administrativa, n. 73, p.22, 2009).
58 XXXX XXXXXXXX XXXXXXX pondera que: “Nestes tempos pós-modernos é adequado afirmar que a segurança contratual advém da certeza da mudança. A estabilidade dos contratos de longo prazo não decorre da imutabilidade monolítica, mas sim da dinamicidade/plasticidade contratual. Este aparente contrassenso é essencial nos contratos públicos de longo prazo, sobretudo naqueles que se destinam a ser instrumentos de governo.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato Administrativo como Instrumento de Governo. Coimbra: Coimbra, 2013. (Estudos de Contratação Pública). v. IV. p.17 (Grifos nossos).
59 Cf. XXXXX, Xxxxxxxx. Segurança Jurídica – Entre permanência, mudança e realização do Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 124.
importante papel na leitura viva das condições e circunstâncias objeto da regulação por contrato.
5. A regulação por agência e sua função integrativa na regulação por contrato
No contexto de retomada de uma atuação concertada com o mercado e das parcerias contratuais com os operadores econômicos para consecução de finalidades públicas, foram republicizados os controles sobre as atividades sensíveis (sejam de titularidade pública ou não), eis que negligenciadas pela circunstância da acumulação, pelo Estado, dos figurinos institucionais de prestador e de fiscalizador de serviços.
Emergiram, então, as autoridades independentes (regulação por agência), com funções sistêmicas, harmonizadoras e dotadas de maior neutralidade, para exercer essa relevante missão de ponderar e equilibrar de forma equidistante interesses por vezes antagônicos, e não mais adstrita a uma atuação subsuntiva a normas previamente estabelecidas, mas com poderes normativos e administrativos funcionalizados para incentivar e induzir comportamentos que, ao fim e ao cabo, confluam para o atendimento do interesse público.
A respeito, interessa anotar que essa regulação por agência está longe de ser exclusiva ou mesmo excludente das outras múltiplas formas, métodos e fontes regulatórias60. Como antes examinado, em determinados setores, em especial, naqueles de infraestrutura de rede, a regulação por contrato (regulatory contracts) pode ser o principal veículo de escolhas e decisões regulatórias que conformarão o padrão de atuação e o comportamento do operador econômico.
Na regulação por contrato, cabe à entidade política (Governo), titular do serviço e responsável por garantir a prestação do serviço ou a disponibilização da infraestrutura, exercer a função regulatória primária, sendo um dos seus objetivos traduzir os conceitos jurídicos indeterminados e abertos relativos ao conjunto de princípios incidentes sobre o objeto.
No campo dos serviços públicos, por exemplo, é tarefa da regulação por contrato explicitar como os princípios da universalidade, segurança, atualidade, eficiência, continuidade, regularidade, cortesia e modicidade tarifária serão operacionalizados, o que pressupõe a delimitação de parâmetros objetivos que densifiquem e concretizem cada um desses princípios. Enfim, decisões e escolhas regulatórias fundamentais e conformadoras de toda a relação contratual duradoura são tomadas no momento da celebração do contrato, o que implica na redução da discricionariedade da Agência.
Mas essa circunstância não diminui a importância da função regulatória exercida pela agência, que não se limita a atuar como um mero fiscal externo do
60 XXXXX XXXXXXXXX acentua: “Sem ir tão longe nestas considerações, porquanto qualquer um dos modelos de regulação pode excluir o outro, tem de se reconhecer que a regulação por contrato - enquanto estratégia regulatória e não apenas enquanto técnica regulatória – pode conviver com a regulação por agência. Hoc sensu, não se exclui que haja setores e empresas reguladas por contrato (de concessão) e por agência reguladora.” (XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra, 2013. p. 140).
contrato, a operar a partir de uma lógica mecânica de verificação ou não do cumprimento das obrigações pelos contratantes. Muito ao contrário.
Como se pretendeu demonstrar no item anterior, a regulação por contrato é naturalmente incompleta, inacabada e dotada de lacunas que deverão ser objeto de uma atuação integrativa da agência capaz de manter o equilíbrio sistêmico entre os interesses juridicamente protegidos de todas as partes envolvidas.
É nesse espaço de incompletude contratual que se vislumbra um amplo espectro de atuação no campo da regulação por agência, aqui denominada de função regulatória secundária, não porque menos importante do que a regulação por contrato, mas porque opera a partir de um regulatory commitment preestabelecido pelo ente político e não pela agência.
A atividade regulatória da agência pressupõe um híbrido de atribuições informativas, fiscalizadoras e negociadoras, mas, também, normativas, gerenciais, arbitradoras e sancionadoras. Todas essas funções remanescem na sua tarefa de regular o contrato, mas, em certa medida, conformadas e limitadas a partir das escolhas regulatórias que foram inicialmente tomadas pela entidade federativa titular do serviço ou da infraestrutura.
Esses contratos estruturantes de relevantes interesses públicos transcendem aos interesses das partes. Por isso compete à Agência, no exercício da sua função regulatória, encontrar o ponto ótimo que assegure o equilíbrio sistêmico dos interesses juridicamente protegidos e que maximize as potenciais vantagens e benefícios dos interessados61. Essa atuação não é ampla e irrestrita, senão negociada, participativa e conformada pelas escolhas regulatórias realizadas no domínio do contrato e dos demais marcos regulatórios e legais que lhe antecedem.
A regulação por agência não se limita, ao contrário do que acontece com os métodos alternativos de solução dos litígios (conciliação, mediação e arbitragem), apenas a resolver conflitos ex post que surjam a partir das incompletudes e inacabamentos contratuais.
Se a Teoria dos Contratos Incompletos, a partir da perspectiva da Economic Analysis of Law, reforça o papel do Poder Judiciário na solução dos conflitos que decorram dos contratos incompletos e se a Teoria dos Contratos Relacionais propugna o esforço revisional e negocial das partes e o recurso a métodos alternativos de resolução de litígios62, uma adaptação possível, quando se examina as referidas teorias no campo das contratações públicas referidas no presente estudo, é identificar, nas Agências, uma função integrativa dos inacabamentos contratuais63.
A interpretação dinâmica e evolutiva das incompletudes contratuais e a preservação do equilíbrio sistêmico exigirão do regulador uma constante e razoável ponderação dos interesses, que deverá ser deduzida dos fatos e do exercício qualificado e negociado da participação de todos os interessados.
61 A técnica econômica da regulação pressupõe “criar consistência entre maximização do benefício social e a maximização do lucro da empresa” sendo esse o “ponto crucial da economia da regulação”. Cf. XXXXX, Xxxxxxx. Optimal Regulation. The Economic Theory of Natural Monopoly. 4. ed. Massachussets: The MIT Press, 1995.
62 Cf. XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 394.
63 Propondo uma nova fórmula de escolha regulatória denominada reflexividade administrativa, a partir do binômio prevenção/mediação, ver GUERRA. Xxxxxx. Discriconariedade e Reflexividade. Uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizonte: Fórum. 2008.
É possível, então, aludir a uma tríplice fragmentação na função regulatória quando presente o sistema de dupla regulação (contrato e agência). Temporal porque desdobrada em momentos não coincidentes, ou seja, a conformação contratual e a posterior atuação da Agência. Subjetiva porque partilhada entre entes distintos: a entidade federada titular do serviço ou da infraestrutura (Governo) e a Agência Reguladora (Administração). Objetiva porque o contrato reflete, primariamente, escolhas regulatórias fundamentais e decisivas para o restante da atividade regulatória, enquanto que a Agência, a partir dessas escolhas, secundariamente tem a tarefa de ponderar os diversos interesses na busca do justo equilíbrio e na função integrativa e negociada das incompletudes contratuais.
Essa fragmentação não pode produzir uma desarticulação entre a regulação por contrato e a regulação por agência. Ao contrário, a partir de uma perspectiva sistêmica, a dupla regulação deve ser coordenada funcionalmente para refletir uma responsive regulation64, que conjugue uma avaliação de riscos (risk-based regulation) prévia ao objeto e mercado regulado, equilibrando ponderadamente atuações persuasivas e indutoras de comportamentos desejados e atuações sancionadoras nos casos em que o espontâneo cumprimento das obrigações não se concretiza, a exigir o recurso ao ius puniendi estatal65.
Avançando em uma consideração teórica, ainda que se procedesse um exame estanque entre o Direito da Contratação Pública e o Direito Regulatório (que não foi o propósito do presente estudo), nítida a convergência de formas e modos de agir nos dois subsistemas. Atuações baseadas no consenso e na abertura de participação dos interessados, avaliação prévia de riscos, indução de comportamentos para atingir os resultados desejados, poderes fortes para os casos de descumprimento das obrigações, mecanismos para lidar com a mutabilidade, consagram um Direito Administrativo mais democrático, transparente, aberto, a demandar na sua base a centralidade dos princípios e dos valores fundamentais neles consagrados como elo necessário para o enfrentamento dos complexos desafios contemporâneos.
6. Conclusão
A passagem do tempo e suas repercussões nas relações jurídicas sempre foram temas centrais no Direito. No fundo, trata-se do reconhecimento da incapacidade do ser humano em calcular e prever as contingências futuras, bem como as complexas questões que se põem em causa quando da ocorrência de fatos novos que produzem efeitos em situações jurídicas geradas no passado.
O tema comporta diversas abordagens e visões, seja no campo do Direito ou da Economia. Em uma aproximação bastante genérica, a teoria dos contratos incompletos, a tradicional doutrina da mutabilidade inerente aos contratos administrativos ou o advento de um Estado Regulador – mais presente e atuante a partir da dificuldade do legislador em disciplinar as circunstâncias do momento –
64 Sobre o tema ver XXXXX, Xxx e XXXXXXXXXXX, Xxxx. Responsive Regulation. Transcending the Desregulation Debate. Oxford. University Press, Xxxxxx/Xxx Xxxx, 0000.
Conforme MONIZ, Xxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. A crise e a regulação: o futuro da regulação
65 Conforme XXXXX, Xxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. A crise e a regulação: o futuro da regulação
administrativa. In A crise e o Direito Público. VI Encontro de Professores Portugueses de Direito Público. Coordenadores: XXXXX XXXXXXXXX, XXXXX XXXXX XXXXX, XXXXXX XXXX,
XXXXXX XXXXXX. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2013, p. 112.
lidam cada uma a seu modo e no espaço dos respectivos marcos teóricos, com a necessidade de adaptação das novas realidades. A única convicção é aquela que advém da certeza da mudança.
A diferença em tempos pós-modernos é que as mudanças se aceleraram de uma forma impressionante, tornando as relações jurídicas, econômicas, financeiras, políticas e sociais mais complexas e sofisticadas do que outrora. Sem dúvida, a evolução tecnológica desempenha papel fundamental nessa intensificação da mutabilidade em todos os setores da vida humana, a reclamar a construção de novos esquemas e métodos que enfrentam os desafios da força do mundo dos fatos.
Nos setores de infraestrutura e prestação de serviços públicos organizados e regulados a partir do contrato, a complexidade assume proporções bem maiores do que nas concessões oitocentistas. Igualmente, a forma de estruturação da regulação por contrato assume feições bastante distintas, com os olhos voltados à busca de resultado e performance do contratado, partilha e mapeamento dos riscos no próprio contrato e maior abertura no tocante à participação dialógica da sociedade, usuários e operadores econômicos, o que tende a tornar as soluções e escolhas regulatórias mais eficientes, menos imperativas e mais consensuais.
Mas a sua estruturação é sempre de longo prazo, o que torna fundamental o reconhecimento da sua natural incompletude e, por conseguinte, da necessidade de mecanismos que confiram flexibilidade às partes para adaptação às novas realidades. Quanto mais incompleto, mais naturalmente mutável será o contrato, o que coloca em causa, por se tratar de contrato submetido ao Direito Público, a contraposição de limites e valores como a concorrência, que tornam mais complexa a sua adaptabilidade.
O que se pretendeu propor é que, a partir dessa realidade, é necessário construir uma metodologia da mutabilidade na regulação por contrato, estruturada a partir dos princípios da boa-fé, confiança legítima, motivação, transparência, eficiência, proporcionalidade, equilíbrio econômico-financeiro e interesse público.
O desafio consiste na construção de mecanismos de fixação das regras da mutabilidade a partir dessa base principiológica, garantidora da necessária adaptabilidade às circunstâncias e contingências futuras que, para tanto, considere a realidade e lógica econômica de cada setor regulado.
Em outras palavras, se não é possível prever que tipo de ocorrência afetará o contrato, pode-se cogitar de uma regulação contratual que explicite o modus operandi da mutabilidade, fincada a partir dos princípios que materializem valores e assegurem transparência e legitimidade ao processo decisório de construção de soluções dialógicas e consensualmente negociadas. Pode-se aludir que o objetivo fundamental de uma metodologia própria da mutabilidade estruturada logicamente nos princípios que lhe são aplicáveis é assegurar certa estabilidade na mudança.
A incompletude contratual e a construção de soluções participativas, negociadas e dialógicas, conta, nos setores duplamente regulados, com o papel fundamental da Agência que tem, entre outras, a missão de manter o equilíbrio sistêmico de todos os interesses que estão em jogo e que transcendem apenas àqueles afetos as partes no contrato. Daí se cogitar de uma função integrativa que, a partir do método da ponderação, contribua para a evolução dinâmica do marco
regulatório traçado no contrato, com a sua releitura como fruto de novas circunstâncias e contingências que surjam no decorrer da sua execução.
Os contratos estruturantes de relevantes interesses públicos – como são, por exemplo, as concessões e parcerias público-privadas – realizam o direito e valores fundamentais para a sociedade e para os indivíduos, o que torna indispensável que a regulação por contrato e a regulação por agência atuem de forma coordenada nos seus respectivos espaços de conformação, a partir de um fio condutor comum, a saber, a necessidade de estar preparado para as mudanças. Porque, com certeza, elas virão...
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