RESPONSABILIDADE DO ESTADO DECORRENTE DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: FISCALIZAÇÃO E ENCARGOS TRABALHISTAS
RESPONSABILIDADE DO ESTADO DECORRENTE DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: FISCALIZAÇÃO E ENCARGOS TRABALHISTAS
Giovanna Ellen de Lima1 Douglas Willians da Silva dos Santos2
RESUMO
A responsabilidade do Estado pode decorrer de diversas situações, sejam elas contratuais ou extracontratuais. No ordenamento jurídico brasileiro a teoria da responsabilidade a ser aplicada depende do caso concreto, podendo-se exigir ou não a comprovação do elemento subjetivo, de forma que há a possibilidade de aplicação da responsabilidade subjetiva ou objetiva. Neste contexto, surge a discussão sobre a responsabilidade do Estado decorrente dos contratos administrativos, especificamente, quanto ao inadimplemento de encargos trabalhistas por parte do particular contratado. Ponto relevante da questão é o poder-dever do Estado contratante de fiscalizar os referidos contratos administrativos, e os efeitos que decorrem da ausência ou ineficiência desta fiscalização. O tema passou por diversas discussões no Tribunal Superior do Trabalho e no Supremo Tribunal Federal, e diante disso, o STF decidiu a Tese de Repercussão Geral n. 246, com posicionamento adotado com apenas um voto de diferença, demonstrando a interessante e relevante discussão sobre este assunto. Dessa forma visa-se abordar as previsões legislativas sobre o tema, as discussões, os fundamentos que norteiam cada uma, as posições adotadas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal e a posição adotada pela doutrinária.
Palavras-Chaves: Responsabilidade. Administração pública. Contratos administrativos. Fiscalização. Encargos trabalhistas.
ABSTRACT
State liability may arise from a variety of situations, whether contractual or non-contractual. In the Brazilian legal system, the theory of responsibility to be applied depends on the specific case, and it may or may not be required to prove the subjective element, so that there is the possibility of applying subjective or objective liability. In this context, the discussion arises about the State's liability arising from the administrative contracts, specifically, as to the default of labor charges by the private contractor. Relevant point of the matter is the contracting State's power to supervise such administrative contracts, and the effects of the absence or inefficiency of such supervision. The subject went through several discussions in the Superior Labor Court and the Federal Supreme Court, and before that, the STF decided the General Repercussion Thesis n. 246, with a position adopted with only one vote of
difference, demonstrating the interesting and relevant discussion on this subject. Thus, it aims to address the legislative provisions on the subject, the discussions, the fundamentals that guide each, the positions adopted by the Ministers of the Supreme Federal Court and the position adopted by the doctrinal.
Key-Words: Responsibility. Public administration. Administrative contracts. Supervision. Labor benefits.
1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil do Estado pode decorrer de situações contratuais ou extracontratuais, sendo que cada uma é disciplinada de maneira específica. Referente aos contratos administrativos, o Estado atua com prerrogativas em face o particular, havendo tantos poderes quanto deveres a ele assegurados e, especialmente sobre seu poder-dever de fiscalização e a responsabilização decorrente de sua omissão para com essa obrigação a doutrina e a jurisprudência brasileira está em constante discussão a alguns anos.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal fixou recentemente Tese de Repercussão Geral, mas que demonstra no julgamento do caso e fixação da tese a enorme divergência dentre os Ministros do respectivo Tribunal, tendo em vista que foi fixada com apenas um voto de diferença (6 Ministros a favor e 5 Ministros contra). Dessa forma, em pese fixada a tese pelo STF, se vislumbra que a discussão não está pacificada e merece destaque em questão de problematização jurídica.
Objetiva-se com o presente, elencar inicialmente as teorias adotadas no Brasil, seu histórico e aplicação em cada caso, o ônus da exigência de comprovação do elemento subjetivo do Estado na prestação de serviços, e nos casos omissivos, de modo que permita posterior compreensão e análise das teses defendidas no Supremo Tribunal Federal.
No que concerne as hipóteses, evidencia-se que a fixação da Tese de Repercussão Geral nº 246 e seus fundamentos trazidos à baila, não se mostram pacificados pelo Poder Judiciário brasileiro. Em pese tenha o STF fixado a referida tese, exige-se ainda que o Poder Legislativo, no exercício de sua função típica de legislar, trate especificamente sobre esta responsabilidade estatal por omissão no poder-dever de fiscalização dos contratos administrativos, especialmente sobre o inadimplemento de encargos trabalhistas por parte do
particular contratado, com o fim de fixar entendimento definitivo e garantir a segurança jurídica.
A metodologia da pesquisa será realizada com fundamento em referenciais bibliográficos e em jurisprudência do STF, que versam sobre a responsabilidade contratual do Estado, seu dever de fiscalização dos Contratos Administrativos e sobre a aplicação da responsabilidade diante de omissão estatal na fiscalização dos contratos, de modo que se possa compreender e permita analisar os fundamentos abordados no julgamento do Recurso Extraordinário nº 760931/DF que definia a Tese de Repercussão Geral nº 246.
2. A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO ESTADO PELO ADIMPLEMENTO DE ENCARGOS TRABALHISTAS DECORRENTES DE CONTRATOS DE TERCERIZAÇÃO
2.1 Breve histórico acerca da responsabilidade civil do Estado
A responsabilização do Estado passou ao longo dos séculos por diversas teorias, desde a irresponsabilidade total do Estado à responsabilidade integral. Isso ocorreu diante de contextos históricos e políticos distintos, o que fez com que em alguns países houvesse a transição por todas as teorias e em outros não. Dessa forma, a seguir explana-se acerca das teorias, seus fundamentos e discussões realizadas sobre sua aplicação.
Durante o período que que perdurou o modelo absolutista de Estado, especialmente até o século XIX, o monarca era quem detinha todo o poder, falar-se em responsabilidade do Estado era sinônimo retrocesso ao crescimento estatal. Ao tempo, era comum as expressões “the king do not wrong”, que na tradução para o português significa “o rei não erra nunca”.3
Entretanto, conforme destaca Xxxxxxxx Xxxxxxxx, não se tratava de absoluta irresponsabilidade em alguns Estados que adotavam esta teoria. O Estado era considerado responsável somente “quando a lei específica a definisse expressamente ou, ainda, por prejuízos decorrentes da ação estatal na iniciativa privada, bem como pelos causados pelas coletividades públicas locais.”4
3 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo. 10. Ed – Versão Digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.155
4 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo. 10. Ed – Versão Digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.156
Em contrapondo a esta afirmação, Jose dos Santos Carvalho Filho5 afirma que, pelos atos realizados por seus agentes, o Estado não era responsabilizado. Durante o Estado Liberal o Poder Público pouco intervinha nas relações particulares, o que acaba sendo pressuposto para o afastamento e a isenção de responsabilidade estatal.
A corroborar, Alexandre Mazza6 leciona que durante o vigor dos estados absolutistas, o rei não era somente visto como aquele que nunca era, mas, em verdade, consideravam-no o representante de Deus, e, diante de sua origem divina, os danos causados pelo Estados eram atribuídos a vontade soberana de Deus.
Insta salientar que há exceção à aplicação desta teoria quanto ao Fisco. Conforme destaca Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, aquela época, “[...] O fisco foi considerado entidade distinta do monarca, tendo sido associado a atividades estatais de caráter privado que, por não configurarem manifestações de poder público, foram submetidas a tribunais comuns.”7
Nesta seara Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx destaca a justificativa para a adoção desta concepção e aponta a evolução ao Estado de Direito:
[...] A noção de que o Estado era o ente todo-poderoso confundida com a velha teoria da intangibilidade do soberano e que o tornava insuscetível de causar danos e ser responsável foi substituída pela do Estado de Direito, segundo a qual deveriam ser a ele atribuídos os direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas.8
Denota-se que, aquele que detinha a soberania absoluta sobre um determinado Estado representava a vontade de Deus e, por isso, seus atos não poderiam ser considerados causas de eventuais danos à particulares. Ocorre que, aos poucos, esta concepção, foi se alterando em cada Estado.
5 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl – Versão Digital. São Paulo: Atlas, 2017, p. 372.
6 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. Ed – versão digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 518.
7 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. 7. ed. rev., atual. e ampl. Versão Digital em Minha Biblioteca. São Paulo: Atlas, 2017, p. 834. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/xxx/0/00!/0/00/0@0:0.00> Acesso em 13 out. 2019
8 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl – Versão Digital. São Paulo: Atlas, 2017, p. 373.
Alexandre Mazza9 registra que foi o direito francês o grande influenciador ao Estado de Direito. Em fevereiro do ano de 1.800, foi editada lei que disciplinava sobre a responsabilidade de danos provenientes de obras públicas, e assim surgiu a primeira situação prevista em lei que gerava a responsabilidade do Estado.
Ademais, apresentando uma das situações que ensejou o surgimento da responsabilidade subjetiva defendida pela teoria civilista, Maria Sylvia Zanella Di Pietro10 afirma que a responsabilização estatal pela culpa iniciou a partir da divisão entre os atos de império e os atos de gestão. Em suma, os atos de império representavam a atuação do Poder Público no uso de suas prerrogativas, ou seja, em soberania para com os particulares, enquanto os atos de gestão representavam a atuação em patamar de igualdade com os particulares, era o próprio Estado no exercício da administração.
Estabelecida esta divisão, entendia-se que sobre os atos de império não poderiam recair responsabilidade alguma, uma vez que o monarca representava a vontade soberana e divina, e sobre os atos de gestão haveria responsabilidade quando da comprovação da culpa, por isso era necessária a exata indicação do agente público causador do dano. De acordo com Xxxxxxxxx Xxxxx, esta divisão foi inicialmente essencial para “conciliar a possibilidade de condenação da Administração e a noção de soberania do Estado” 11
Não obstante, a doutrina majoritária ressalta a relevância da decisão do Tribunal de Conflitos da França tomada em fevereiro de 1873 no caso de Xxxxx Xxxxxx, que é indicada como ponto de virada da irresponsabilidade para responsabilidade por culpa atribuída ao Estado e não ao agente público.12
Sobre o caso, Xxxxxxxxx Xxxxx faz breve resumo:
[...] Em 8 de fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro Xxxxx, o Tribunal de Conflitos analisou o caso da menina Xxxxx Xxxxxx que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com ação de indenização fundada na ideia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento
9 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. Ed – versão digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 518.
10 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 644/645
11 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. Ed – versão digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 520.
12 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 344.
definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas [...]13 [sem grifo no original]
Destaca-se a relevância do caso na influência e evolução para adoção da responsabilidade do Estado com culpa do serviço, que é identificada pela doutrina como teoria publicista. No caso, a conduta praticada não foi pelo próprio Estado representado por seus agentes, mas se tratava de prestação de serviço público, e por isso, entendeu o Tribunal de Conflitos francês pela condenação do Estado ao pagamento dos danos.
Assim, o Estado passa a ser responsável pelos danos causados em casos previstos na legislação e em situações pontuais, desde que comprovada a culpa. Segundo Matheus Carvalho14 diante da aplicação da responsabilidade subjetiva é necessária a comprovação da conduta estatal, do dano, do nexo de causalidade e a culpa ou dolo do agente público. Estes são os requisitos básicos para aplicação da responsabilidade subjetiva que implica no dever de o Estado ressarcir pelos danos causados a particulares.
Por efeito, Xxxxxxxxx Xxxxx disserta sobre as dificuldades enfrentadas pelos particulares para a comprovação destes requisitos:
Embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima em comprovar judicialmente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva.15
Verifica-se que, em pese haver a responsabilidade estatal em ressarcir pelos danos causados, a comprovação dos requisitos pelo particular, muitas vezes não era exitosa. Este fato destaca que embora existente a possibilidade de condenação do Estado ao ressarcimento, em muitos casos era impune pelos danos causados e, por isso, passou-se a reconhecer somente em casos específicos a culpa presumida, uma vez que a conduta culposa era evidente naquelas situações, desonerando o particular prejudicado de comprová-la.16
13 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. Ed – versão digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 519.
14 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 344.
15 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. Ed – versão digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 520.
16 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo.10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.157
Para o doutrinador Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, o surgimento da teoria da culpa administrativa “[...] representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração. [...]”17
Acerca disso, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Vicente Paulo18 lecionam que na teoria da culpa administrativa pouco importava a culpa subjetiva do agente público. Para sua aplicação era necessária a comprovação da culpa administrativa analisada de forma objetiva, ou seja, da comprovação da falha na prestação de serviço, que decorre, basicamente, da inexistência quando obrigatório (omissão), da má prestação e do retardamento na prestação do serviço.
Por conseguinte, surge a teoria da responsabilidade objetiva ou teoria do risco administrativo, na qual, segundo José dos Santos Carvalho Filho19, a incidência de sua aplicação passa a depender tão somente do nexo causal entre o fato e o dano, pouco importando se tratar de conduta lícita ou ilícita.
No mesmo sentido, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx defende a inexigibilidade de culpa, afirmando que “nesta teoria, a ideia de culpa é substituída pelo nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular. [...]”20
Por efeito, Xxxxxxxx Xxxxxxxx disserta sobre a justificação desta teoria:
A atuação estatal é imposta à sociedade que não tem como recusar sua presença, não tem como afastar sua ação, já que o Estado age de forma imperativa, independentemente da vontade do indivíduo. Dessa forma, considerando que os administrados são obrigados a aceitar e suportar a sua presença, nada é mais justo, para esse mesmo indivíduo que não tem como expelir tal ação, que lhe seja atribuído um tratamento diferenciado, uma proteção especial e para o Estado, frente ao seu amplo poder, o maior rigor quanto à responsabilização de seus atos.
O administrado não tem como escapar ou sequer minimizar os perigos de dano provenientes da ação estatal. É o Estado quem define os parâmetros de sua presença no seio da sociedade e é ele quem estabelece o teor e a intensidade de seu relacionamento com os indivíduos. Com essas bases constrói-se a responsabilidade civil do Estado, com mais proteção para o administrado e mais rigor para o ente estatal.21
17 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 781.
18 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
19 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl – Versão Digital. São Paulo: Atlas, 2017, p. 373.
20 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 646
21 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.154
Esta afirmação merece ser complementada pelos dizeres de Hely Lopes Meirelles22. Segundo o autor, a própria atividade exercida pelo Poder Público gera risco aos particulares, podendo causar eventuais danos e, para compensar este ônus sofrido por pessoas determinadas, o Estado deve reparar os danos causados, a todos aqueles que demonstrarem e comprovarem seus prejuízos diante da atuação da Administração Pública.
Dessa forma, tendo em vista a superioridade e poder do Estado sobre a comunidade, faz sentido atribuir-lhe igual responsabilidade sobre seus atos. Em um Estado de Direito a aplicação desta teoria é essencial à eficácia de direitos fundamentais.
Não obstante, diante da responsabilidade objetiva, a doutrina divide em duas modalidades, quais sejam, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. A primeira permite, em situações excepcionais, que o Estado não seja responsável pelos danos, diante da culpa concorrente ou culpa exclusiva da vítima, por culpa de terceiro ou por ocorrência de caso fortuito ou força maior, enquanto na segunda, não há situações que excluem ou atenuam a responsabilidade estatal.23
Importante destacar que, atualmente esta teoria é adotada por grande parte dos países inclusive pelo Brasil, conforme o subtítulo seguinte que explana sobre as teorias que vigoraram no Brasil, seu tempo, precisão no ordenamento, e a posição de responsabilidade adotada atualmente.
2.1.1 Histórico da responsabilidade civil no Brasil e teoria adotada atualmente
Primeiramente, insta saliente que a doutrina diferencia a aplicação das teorias da responsabilidade do Estado durante o período colonial e após a independência do Brasil. Por este motivo, alguns doutrinadores afirmam a aplicação da teoria da irresponsabilidade e outros não.
Segundo Irene Patrícia Nohara24, durante o período colonial vigorava a teoria da irresponsabilidade do Estado e, com a promulgação da Constituição de 1824, consoante art.
22 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
23 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019.
24 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. 7. ed. rev., atual. e ampl. Versão Digital em Minha Biblioteca. São Paulo: Atlas, 2017, p. 843. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/xxx/0/00!/0/00/0@0:0.00> Acesso em 13 out. 2019
9925 e 179, XXIX26, passou-se a aplicação da teoria civilista, ou seja, aquela que reconhecia a responsabilidade subjetiva com culpa somente com relação aos atos de gestão dos agentes públicos, nada se podendo reclamar quantos aos atos de império.
Dessa forma, pelo reconhecimento da superioridade e origem divina do imperador, aos seus atos não poderia o Estado ser responsabilizado a indenizar eventuais prejuízos, tendo em vista que sua vontade representava a vontade de Deus, conforme exposto no tópico anterior.
Em contraponto, para Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxxx a teoria da irresponsabilidade jamais foi adotada, “mesmo em legislação mais remotas, não se tem notícia do acolhimento da teoria da irresponsabilidade no país”27, afirmando ainda que a primeira previsão legal sobre o tema somente foi abordada no Código Civil de 1916 que adotou a responsabilização estatal na forma culposa.
O art. 15 do Código Civil de 1.916 continha e seguinte disposição:
Art. 15. As pessoas jurídicas de direito publico são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.
Sobre este artigo surgiram à época inúmeras discussões, pois alguns doutrinadores afirmavam, pela interpretação do artigo, a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, enquanto a doutrina majoritária defendeu que se tratava da adoção da teoria da responsabilidade subjetiva por exigir atuação contrária ou a própria falta à disposição legislativa. 28
Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx acrescenta:
[...] A imprecisão do legislador, todavia, propiciou larga divergência na interpretação e aplicação do citado artigo, variando a opinião dos juristas e o entender da jurisprudência entre os que viam, nele, a exigência da demonstração da culpa civil da Administração e os que já vislumbravam admitida a moderna teoria do
25 Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.
26 Art. 119, XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.
27 XXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Xxxxxxxx: JusPODIVM, 2016, p. 852.
28 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 782.
risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa em determinados casos de atuação lesiva do Estado.29
Esta teoria vigorou no Brasil até a promulgação da Constituição de 1.946 que adotou a teoria da responsabilidade objetiva da Administração Pública.30 Conforme consta no art. 194 da referida Constituição “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros”.
A adoção da teoria da responsabilidade objetiva foi de grande importância a sociedade, que por ser hipossuficiente, sempre enfrentou grandes dificuldades na comprovação da culpa e, ainda previu somente a aplicação desta teoria quanto aos entes federativos (União, Estado e Municípios) que há época eram as únicas pessoas de direito público interno. Acerca disso Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx enfatiza a relevância desta teoria para os administrados lesados:
[...] Só louvores merece a diretriz constitucional, mantida na vigente Constituição (art. 37, § 6º), que harmoniza os postulados da responsabilidade civil da Administração com as exigências sociais contemporâneas, em face do complexo mecanismo do Poder Público, que cria riscos para o administrado e o amesquinha nas demandas contra a Fazenda, pela hipertrofia dos privilégios estatais.31
Importante destacar que fora adotada a responsabilidade objetiva do Estado somente quanto ao risco administrativo, nada prevendo sobre a adoção da teoria do risco integral em casos específicos.32
Ao longo dos anos, está teoria não foi abandonada pela legislação brasileira, pelo contrário, a cada Constituição promulgada evoluía-se à proteção do administrado face a superioridade do Poder Público. Atualmente a Constituição Federal de 198833 dispõe sobre a
29 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 783.
30 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
31 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 783.
32 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 783.
33 Art. 37, § 6º, CF/88: As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
responsabilidade objetiva abarcando os entes administrativos, entidades que integram a administração indireta e empresas prestadoras de serviço público.
Neste sentido, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx:
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Xxxxxx, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados. [...] 34 [sem grifo no original]
Em contraponto, Xxxxxxxx Xxxxxxxx acrescenta que nem sempre é aplicada esta teoria, havendo casos em que há a exigência da comprovação da culpa ou dolo:
Hoje a responsabilidade objetiva é a regra no país, acatada como padrão a teoria do risco administrativo. Entretanto, doutrina e jurisprudência admitem ser possível compatibilizá-la com a responsabilidade subjetiva, nos casos de danos decorrentes de atos omissivos, seguindo, nesse caso, a teoria da culpa do serviço. Portanto, atualmente subsistem as duas teorias de forma harmônica, apesar de preferencialmente, em razão da proteção à vítima, reconhecer-se a teoria objetiva. [...]35 [sem grifo no original]
Dessa forma, mesmo que sem previsão legal, a doutrina e a jurisprudência, majoritariamente, exigem nos casos de atos omissivos, que decorrem da ausência ou má prestação de serviço, a comprovação de que a Administração deixou de praticar ou o fez de forma ineficiente, onerando novamente o administrado.
Conforme destaca Matheus Carvalho36, neste caso, não se trata da comprovação da culpa ou dolo do agente público, mas sim daquela responsabilidade que decorre da culpa anônima, basta a comprovação da má prestação, da prestação ineficiente ou da prestação retardada, o que igualmente não diminui o ônus probatório do particular lesado.
Não obstante, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx disserta sobre a responsabilização por atos de terceiros, destacando que igualmente se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva:
34 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 784.
35 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo.10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.159
36 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 353.
[...] não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização destes atos e fatos estranhos e não relacionados com a atividade administrativa observa-se o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou ou ensejou o dano - culpa, essa, que pode ser genérica.37
Dessa forma, resta esclarecida a aplicação de teorias da responsabilidade no Brasil, e assim podemos passar a análise da responsabilidade contratual da Administração Pública, especialmente quanto ao dever de fiscalização.
2.2. Prerrogativas nos contratos administrativos e o poder-dever de fiscalização
A Administração Pública é munida de prerrogativas decorrentes da supremacia do interesse público face o interesse privado. Assim, nos contratos administrativos ela se encontra em patamar de superioridade com relação ao particular contratado, de forma que, nestes contratos há clausulas exorbitantes implícitas, uma vez que decorrem da própria disposição legal e, permitem uma atuação que não seria possível nos contratos particulares.38
Destarte, Xxxxxxx Xxxxxxxx conceitua as cláusulas exorbitantes como aquelas “extrapolam as regras e características dos contratos em geral, pois apresentam vantagem excessiva à Administração Pública. [...] Estas cláusulas são designadas como exorbitantes, haja vista o fato de sua previsão em contratos privados ensejaria a nulidade contratual”39
Estas clausulas exorbitantes que são traduzidas em prerrogativas estão previstas no artigo 58 da Lei 8.666/93, dentre as quais se encontram a alteração e rescisão unilateral, a aplicação de sansões motivadas e a fiscalização da execução do objeto contratado, o que especificamente interessa ao presente trabalho.
Acerca da fiscalização, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx lecionam que:
A prerrogativa, que possuí a administração, de controlar e fiscalizar a execução do contrato administrativo é um dos poderes a ela inerentes e, por isso, a doutrina assevera estar esse poder implícito em toda contratação pública, dispensando cláusula expressa. De qualquer forma, a Ler 8.666/1993 expressamente enumera
37 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 784.
38 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
39 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 550.
como prerrogativa da administração a fiscalização da execução dos contratos administrativos (art. 58, III).40
Dessa forma, o poder de fiscalização contratual concedido a Administração Pública é presumido em todos os contratos administrativos e independente de previsão expressa e específica nos contratos. Ademais, em razão de sua natureza a doutrina aponta a fiscalização com um poder-dever da Administração.
Neste sentido Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx afirmam que, pela exigência contida no art. 67 da Lei 8.666/1993, deve ser designado um representante para fiscalizar o contrato, que deverá acompanhar tanto a execução do objeto quanto o cumprimento das cláusulas contratuais e disposições legais, sendo que o “acompanhamento é permanente e abrange todo o período de execução do contrato [...]”41
Nos termos do artigo 67 da Lei 8.666/1993, in verbis:
Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
§ 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
§ 2º As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.
Verifica-se que o termo utilizado pelo legislador é vinculado ao dever de acompanhar e fiscalizar, o que poderá ser feito através da designação de representante como um agente público ou com a contratação de terceiros, momento em que se permite a discricionariedade do gestor público. Ademais, no decorrer da fiscalização deve o representante tomar registro de ocorrências e determinar ao contratado o que for necessário cumprimento de todas as obrigações.
Não obstante, denota-se ainda no § 2º do art. 67, acima transcrito, que o representante deve informar seus superiores de ocorrência que estão além do limite de sua competência, para que sejam tomadas as medidas cabíveis e evitar-se eventuais danos a Administração Pública.
40 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 613.
41 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 613.
Posto isso, tem-se que a fiscalização e o acompanhamento do contrato é uma obrigação da Administração Pública, não lhe sendo discricionária a designação ou não de responsável fiscalizador. Isto se monstra especialmente relevante ao passo que sua ausência ou ineficiência pode acarretar tantos prejuízos diretos, quanto prejuízos indiretos decorrentes da responsabilidade por omissão.
Importante destacar que de acordo com Xxxxxxx Xxxxxxxxx e João Trindade42, a ausência de fiscalização do contrato ou sua ineficiência não eximem ou reduzem a responsabilidade do particular contratado pelas suas condutas, nos termos do art. 70 da Lei 8.666/93.
Ademais, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro43, caso o particular deixe de atender as exigências da Administração Pública contratante, poderá esta rescindir unilateralmente o contrato por culpa do contratado.
Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, na esteira da responsabilização administrativa afirma que “Em verdade, trata-se de poder-dever da administração pública, haja vista que comprovada a ausência de fiscalização, o Estado poderá responder por omissão, por eventuais danos causados pela empresa, inclusive, no que tange ao inadimplemento das obrigações trabalhistas.”44
Nesta toada, retoma-se conceitos anteriormente abordados no tópico 2.1.1 concernentes a responsabilidade por omissão. Trata-se de situações especificas em que a Administração possuía o dever de atuar, poderia fazê-lo, mas deixou de fazer ou o fez de forma ineficiente.
Acerca disso, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx leciona:
No que tange aos contratos, a responsabilidade administrativa surge normalmente perante os órgãos públicos fiscalizadores das atividades contratadas ou do exercício profissional (responsabilidades tributárias ou fiscais e ético-profissionais).
A inexecução do contrato ou sua imperfeita execução pode gerar responsabilidade dessa natureza, paralelamente a civil, à criminal e às demais que resultarem das
42 XXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Xxxxxxxx: JusPODIVM, 2016.
43 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 272.
44 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 556.
obrigações assumidas pelas partes, tais como as trabalhistas, nestas incluídas as de natureza previdenciária e acidentária.45
Na mesma seara defendem e complementam Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx:
[...] na hipótese de danos advindos de omissões estatais, a regra geral será a sujeição do poder público a uma modalidade subjetiva de responsabilidade civil em que a pessoa que sofreu a lesão deverá provar (o ônus da prova é dela) a falta ou a deficiência de um serviço público a cuja prestação o Estado estava obrigado e demonstrar a existência de um efetivo nexo de causalidade entre o dano por ela sofrido e a omissão havida.46
Diante disso, tem-se que a omissão estatal na fiscalização do contrato administrativo, pode acarretar a aplicação da responsabilidade por omissão em eventuais ações indenizatórias. A teoria aplicada neste caso, defende majoritariamente a doutrina, que seja da responsabilidade subjetiva, na qual é condam para condenação do Poder Público a comprovação na ineficiência ou ausência do serviço que deveria estar sendo prestado pelo Estado. Assim continuam os mesmos autores:
[...] para que lhe seja reconhecido direito a indenização, o particular deverá demonstrar que a atuação estatal regular, normal, ordinária, teria sido suficiente para evitar o dano a ele infligido. É necessário que ele comprove que concorreu para o resultado lesivo determinada omissão culposa do Estado: este estava obrigado a agir, tinha possibilidade material de atuar e, se tivesse agido, poderia ter evitado o dano.
47
Destaca-se novamente que o Estado passa a ser responsável somente quando havia o dever de agir, vinculado a exigência legislativa, poderia ter agido, e se tivesse agido teria evitado o dano causado a terceiros lesados.
Sobre a comprovação da ausência de fiscalização ou sua ineficiência quando realizada, Xxxxxxxxx Xxxxx dispõe que pode haver a inversão do ônus da prova diante da hipossuficiência do particular lesado:
45 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 272/273.
46 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 966
47 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 966
Entretanto, a partir da hipossuficiência decorrente da posição de inferioridade da vítima diante do Estado, deve ser observada a inversão no ônus da prova relativa à culpa ou dolo, presumindo-se a responsabilidade estatal nas omissões ensejadoras de comprovado prejuízo ao particular, de modo a restar ao Estado, para afastar tal presunção, realizar a comprovação de que não agiu com culpa ou dolo.48
Diante o exposto, o Estado deve cumprir rigorosamente com o dever de fiscalização que lhe é imposto pelo art. 67 da Lei 8.666/93, com fito de evitar danos a própria Administração Pública em razão de sua omissão, que eventualmente poderá ser a mais lesada da relação contratual. A seguir, será abordado a responsabilidade por omissão da administração decorrente do inadimplemento do particular contratado para com seus empregados.
2.3. Responsabilidade pelos encargos trabalhistas inadimplidos pelo particular contratado
Em uma contratação administrativa, independente do objeto, o particular contratado possui além das obrigações contratuais aquelas previstas no ordenamento jurídico. Acerca disso o artigo 71 da Lei 8.666/93 dispõe sobre a responsabilidade do contratado quanto aos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais, sendo que é objeto do presente trabalho somente o primeiro item.
Assim, se tratando de reponsabilidade decorrente do contrato administrativo, o Poder Público contratante possui a obrigação de fiscalizar pagamentos regulares dos encargos trabalhistas e previdenciários. Neste momento é oportuno analisar os termos do referido artigo, in verbis:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
48 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. Ed – versão digital. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 520.
Destaca-se que o § 1º é claro ao dispor que não será transferida à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas caso o particular contrato deixe de cumprir com sua obrigação.49
A despeito disso, Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx defende a expressão legal da inaplicabilidade de responsabilidade à Administração Pública:
[...] Caso ocorra tal situação, a responsabilidade é exclusiva do contratado devedor, ainda que os encargos tenham advindo da execução do contrato administrativo (art. 71 do Estatuto). De fato, esses débitos se originam de relações jurídicas diversas constituídas com terceiros, inclusive com o próprio Estado, como sucede nos débitos fiscais ou previdenciários. Sendo assim, não poderia o Estado-contratante ser prejudicado por esses outros encargos.50
Ocorre que o Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento (Súmula 331/TST) de que no caso de inadimplemento dos encargos trabalhistas pelo contratado o tomador dos serviços (1º contratante) passaria automaticamente a ser responsável subsidiariamente sobre os pagamentos destes encargos, aplicando-se este posicionamento aos contratos administrativos e contrariando a disposição do art. 71, §1º da Lei 8.666/93, e “ampliando a responsabilidade para além dos limites legais”51
Diante disso o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16/DF, rechaçou a posição sumulada do TST e afirmou que a responsabilidade não poderia ser automaticamente transferida ao Estado, devendo ser verificada sua conduta, mas fez ressalva quando aos casos de omissão culposa.52
Acerca disso, Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx explana que:
A Corte, em orientação inquestionável, também rechaçou os fundamentos adotados na esfera trabalhista, de um lado considerando que a hipótese não retrata a responsabilidade objetiva (extracontratual) prevista no art. 37, § 6º, da CF, a qual não se confunde com a responsabilidade contratual aplicável no caso, e de outro julgando impertinente o art. 2º, § 2º, da CLT, que trata da responsabilidade solidária de grupo de empresas, situação totalmente diversa da que sucede com os contratos administrativos. O julgado, porém, ressalvou a hipótese de omissão culposa da
49 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
50 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 162.
51 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo.10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 626.
52 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 629
Administração, que, logicamente, há de ser analisada em cada caso, com a produção da prova pertinente pelo interessado.53
Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx ressaltam a relevância desta decisão:
Essa manifestação de nossa Corte Suprema fez-se necessária porque a Jurisprudência ate então prevalente no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – cristalizada na Súmula 331 do TST - implicava o afastamento automático do § l.º do art. 71 da Lei 8.666/1993 em todas as situações em que houvesse mero inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de empresas contratadas por órgãos e entidades administrativos, imputando-se à entidade pública contratante a responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos encargos inadimplidos. [...]54
A par disso o Tribunal Superior do Trabalho realizou alteração na Súmula 331/TST no ano de 2011, que passou a dispor que somente seria transferida a responsabilidade ao Estado caso restasse comprovada que a Administração Pública contratante realizou conduta culposo no que concerne ao cumprimento das disposições contidas na Lei 8.666/93, o que se inclui o poder-dever de fiscalização do contrato administrativo.55 O texto da referida súmula restou editado na seguinte forma:
SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE [...]
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
53 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 163.
54 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 629
55 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 629
Xxxxxxxx, Jose dos Santos Carvalho Filho56, afirma que com a alteração da súmula 331/TST, retoma-se a interpretação do art. 71, § 1º da Lei 8.666/93, uma vez que esta evidenciada a conduta culposa da Administração Pública, e tendo em vista referido artigo e lei em nada dispõe sobre isto, em nada contrariando o ordenamento jurídico.
Continuando, Xxxxxxxx Xxxxxxxx, destaca a questão especificamente quanto ao poder- dever de fiscalização:
[...] o TST tem reconhecido que a omissão culposa da administração em relação à fiscalização – se a empresa contratada é ou não idônea, se paga ou não encargos sociais – gera responsabilidade da União. Havendo, portanto, consenso no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos e terá de investigar com mais rigor se a inadimplência tem como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante.57
Dessa forma, a Administração Pública somente poderia ser responsabilizada subsidiariamente quando restasse comprovada sua condutada omissiva por não cumprir a obrigação de fiscalizar e acompanhar o contrato administrativo, uma vez que, diante de suas prerrogativas, poderia aplicar penalidades ao contratado visando que este adimplisse as obrigações trabalhistas.58
Não obstante, diante de inumes discussões que permaneceram nos tribunais sobre a temática, recaindo em divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 760931/DF estabeleceu a tese de repercussão geral tema nº 246. Da leitura do Voto da Min. Carmem Xxxxx extrai-se que o “acórdão proferido pela
Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que imputou à União a responsabilidade subsidiária pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, por não ter demonstrado, em juízo, a efetiva fiscalização do contrato administrativo.”59 Dessa forma, verifica-se que o TST imputou à União o ônus de provar que realizou a efetiva fiscalização do contrato administrativo, contrariando o entendimento fixado na ADC nº 16/DF.
Ao final do julgamento, ocorrido no dia 30/03/2017, a Min. Relatora Xxxx Xxxxx, seguida pelos Min. Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxx xx Xxxxx,
56 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 163.
57 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo.10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 626
58 XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 760.
59 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 760931/DF – Inteiro Teor do Acordão. p. 279. Disponível em
<xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxXxxx.xxx?xxx000000000&xxxx.xxx> Acesso em 11 out. 2019.
manifestou em seu voto que não provimento do recurso e manutenção do acordão do TST que condenou a União a responsabilidade subsidiária por não comprovar a efetiva fiscalização do contrato administrativo, e foi vencida pelo voto dos demais Ministros.60
Por fim, foi fixado o texto da Tese de Repercussão Geral nº 246 que cotem a seguinte disposição: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”.61
Dessa forma, conclui-se do texto acima que a comprovação da culpa por omissão na fiscalização deve ser realizada pelo trabalhador, não cabendo a Administração Pública provar que o fez. Insta salientar que o processo transitou em julgado em 01/10/2019, mantida o acordão e tese nº 246 nos termos acima esclarecidos.
3. PROCEDER METODOLÓGICO
A pesquisa do presente trabalho foi baseada no levantamento de materiais bibliográficos de doutrinadores do Direito Administrativo brasileiro e no Inteiro Teor do Acordão do Julgamento do Recurso Extraordinário nº 760931/DF.
A pesquisa foi limitada ao levantamento de material sobre o histórico da responsabilidade civil do Estado no mundo ocidental, que é o influenciador do Direito brasileiro; sobre histórico das teorias adotadas no Brasil e aquela adota atualmente, bem como seus requisitos de comprovação a aplicação da responsabilidade por omissão; sobre a prerrogativa da Administração Pública de fiscalização dos contratos administrativos; e por fim sobre responsabilidade da Administração Pública subsidiária ou solidária pelo pagamento dos encargos trabalhistas não adimplidos pelo particular contratado.
Assim, a pesquisa foi realizada com base em material bibliográfico, de natureza básica, com abordagem qualitativa e objetivos exploratórios.
60 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 760931/DF – Inteiro Teor do Acordão. p. 279. Disponível em
<xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxXxxx.xxx?xxx000000000&xxxx.xxx> Acesso em 11 out. 2019.
61 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 760931/DF – Inteiro Teor do Acordão. Disponível em
<xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxXxxx.xxx?xxx000000000&xxxx.xxx> Acesso em 11 out. 2019.
4. RESULTADOS E ANÁLISE
Diante da pesquisa realizada e do material levantado, passamos à análise dos resultados. Primeiro ponto relevante refere-se a obrigatoriedade de fiscalização do contrato administrativo. Da análise extrai-se que a Administração Pública possui este poder-dever principalmente como meio de evitar eventuais danos a própria Administração Pública, uma vez que a inadimplência do contratado possui relação direta com o contratante e afeta seus interesses.
Sendo assim, é do interesse de todos que a Administração Pública mantenha a fiscalização rigorosa do contrato como uma das formas de evitar eventuais prejuízos dele decorrentes. Ademais, destaca-se que por atuar com prerrogativas, quando verificada situação irregular ou de inadimplência pelo contratado, pode aplicar penalidades e inclusive rescindir o contrato unilateralmente. Por efeito, possui ao seu dispor os mecanismos que possam evitar estas situações, mas que muitas vezes por deficiência administrativa, deixa de fazê-lo.
Nesta toada, encontra-se a responsabilidade por omissão na fiscalização. Um dos principais pontos controvertidos é por haver expressa previsão legal contida no art. 71, § 1º da Lei 8.666/93 que dispõe a inadimplência do contratado quanto aos encargos trabalhista não é transferida a Administração Pública e por não haver exceções a aplicação da teoria da responsabilidade por omissão, o TST passou a entender que a transferência ocorria em situação de subsidiariedade, mas que independia da comprovação da omissão da fiscalização.
Assim, o entendimento do TST estava em desacordo com o dispositivo legal, o que ensejou a ADC nº 16/DF decidindo o STF por pela impossibilidade da transferência automática, pois não se aplicava ao caso a teoria da responsabilidade objetiva que era designada as situações de responsabilidade extracontratual, mas sim a responsabilidade subjetiva, pois, apesar de não haver relação contratual direta, a responsabilidade decorria de omissão na fiscalização de contrato administrativo.
Referente a aplicação da responsabilidade subjetiva ou objetiva, não se verificou a existência de discussão que relevante discussão, já que a maioria da doutrina defende a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, que segue o mesmo entendimento do STF.
Ademais, insta salientar que o próprio fato de a ausência de fiscalização ou ineficiência não reduzirem ou eximirem a responsabilidade do particular contratado, passa a
interpretação de que o pagamento deve ser primeiramente executado deste, e somente depois da Administração Pública, seguindo a responsabilidade de forma subsidiária.
Ocorre que há época, o Supremo Tribunal Federal não especificou aquele que deveria comprovar a má fiscalização ou sua ausência, a depender do caso, e a possibilidade ou não da inversão do ônus da prova, permitindo que os tribunais exigissem da Administração Pública a comprovação de que fiscalizou efetivamente o contrato, já que o trabalhador prejudicado pelo inadimplementos dos encargos trabalhistas é hipossuficiente.
E novamente, com o objetivo de pacificar o tema de forma definitiva, o STF fixou seu entendimento na tese de repercussão geral nº 246, afirmando que não cabe ao ente público a comprovação da efetiva fiscalização, mas aquele interessado no recebimento dos encargos trabalhistas que deve comprovar a ineficiência ou inexistência de fiscalização.
Destaca-se que dos 11 Ministros, 5 votaram pela tese de possibilidade de inversão de ônus da prova, e 6 contra, de forma que é clara a flagrante divergência sobre o tema, e deve ser aprofundado e desenvolvido em futuros trabalhos científicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante todo o exposto, pode-se concluir que não há entendimento pacificado sobre a responsabilidade estatal pelo pagamento de encargos trabalhistas, decorrente da omissão na fiscalização dos contratos administrativos.
Em pese estar fixada tese de repercussão geral, que define a necessidade de comprovação da má fiscalização ou sua ausência como requisito à condenação de responsabilidade subsidiária da Administração Pública, como ônus de prova do trabalhador lesado, não se verifica, no caso, aquela proteção do particular face ao Estado que atua em superioridade que ensejou a evolução das teorias da responsabilidade.
Ao contrário disso, a tese fixada onera aquele que é hipossuficiente e está em busca do recebimento de seus encargos trabalhistas. Por outro lado, ao Estado que goza de todas as suas prerrogativas, que mantem ou deve manter registros das fiscalizações contratuais, que pode aplicar penalidades ao contratado de modo a coibi-lo ao adimplemento dos encargos trabalhistas, mas que diante de sua deficiência administrativa deixa de tomar providencias, nada é exigido pelo judiciário.
Dessa forma, diante a enorme divergência sobre o assunto, exige-se do Poder Legislativo que possui a competência para legislar, que discipline a matéria, tendo por base não somente os interesses do Estado, mas também aqueles direitos individuais de cada cidadão.
REFERÊNCIAS
XXXXXXXXX, Xxxxxxx; DEUS, Xxxx xx. Direito administrativo. 4. ed., rev., atual. e ampl.
– Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado I. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A aparente derrota da súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização. Revista do TRT da 2ª Região, São Paulo, n. 7/2011, p.
29-73. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00.000.00000/00000/0000_xxxxxxxx_xxxxx_xxxx ente_derrota.pdf?sequence=1> Acesso em 12 out. 2019.
BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx00.xxx> Acesso em 18 out. 2019.
. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx.xxx> Acesso em 18 out. 2019.
. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil de 1.916. DOU de 5.1.1916. Disponível em <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx> Acesso em 18 out. 2019.
. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. DOU de 22.6.1993 Disponível em
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000xxxx.xxx> Acesso em 18 out. 2019
XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017.
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 6. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019.
XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010. XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo.10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016
XXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxx de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial.16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. 7. ed. rev., atual. e ampl. Versão Digital em Minha Biblioteca. São Paulo: Atlas, 2017, p. 834. Disponível em < xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/xxx/0/00!/0/00/0@0:0.00> Acesso em 13 out. 2019
XXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Xxxxxxxx: JusPODIVM, 2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Andamento Processual do Tema de Repercussão Geral 246. Disponível em
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxXxxxxxxxxxx/xxxXxxxxxxxxXxxxxxxx.xxx?xxxxxxxx e=4434203&numeroProcesso=760931&classeProcesso=RE&numeroTema=246> Acesso em 17 out. 2019.
. RE 760931/DF – Inteiro Teor do Acordão. Disponível em
<xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxXxxx.xxx?xxx000000000&xxxx.xxx> Acesso em 11 out. 2019.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula 331. Disponível em
<xxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/Xxxxxxx_xxx_xxxxxx/Xxxxxxx_Xxx_000_000.xxxx> Acesso em 18 out. 2019