MARLLON RICARDO DA COSTA FERREIRA
XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXXX
O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E OS SEUS REFLEXOS NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
CURITIBA 2018
O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E OS SEUS REFLEXOS NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Artigo Científico apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
CURITIBA 2018
AGRADECIMENTOS
"Como posso retribuir ao Senhor toda a sua bondade para comigo?". As palavras do salmista refletem o meu sentimento de gratidão a Deus: eu não mereço, mas Ele é bom e me ajudou até aqui.
Xxxxx gratidão à minha família que me apoiou em todo o tempo e nunca desacreditou de mim. Compreenderam as minhas ausências, me fortaleceram quando necessário e sempre estiveram presentes.
À Xxxxxxx, pelo companheirismo e compreensão diária. Pelas palavras de carinho e incentivo, que foram essenciais para me fortalecer nesse percurso.
Aos meus queridos companheiros de trabalho e de reflexões do direito previdenciário, Xxxxxxxx e Xxxxxxx. Nos momentos de dificuldades os amigos se transformam em irmãos.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, por todos os ensinamentos e reflexões. Deu luz a esse trabalho. Diante de seu brilhantismo, me orgulho em ser seu orientando.
A essa amada universidade, UFPR, pelas lições que aprendi, pelos dias que aqui vivi e pelas pessoas que tive o prazer de conhecer.
Toda a minha gratidão, pois me apoio em gigantes, para poder enxergar o horizonte e encerrar essa etapa.
Ó vinde vós, os povos
Ó vinde vós os povos de todas as nações, erguei-vos e cantai com alegria, fazei nos ares soar a nova melodia que Xxxxx Xxxxxx traz libertação.
É tempo de romper a vil escravidão que em vós exercem homens e ideias, é tempo de dizer que só Deus pode ser o único Senhor da humanidade.
A verdade vos libertará, sereis em Cristo verdadeiramente livres.
Vinde todos, sim, ó vinde já e celebrai com alegria a vossa libertação.
E vós, os oprimidos, e vós os explorados, e vós, os que viveis em agonia,
e vós, os cegos, coxos, vós cativos, sós, sabei que em breve vem um novo dia. Um dia de justiça, um dia de verdade, um dia em que haverá na terra a paz, em que será vencida a morte pela vida e a escravidão, enfim, acabará.
Xxxxxx xx Xxxxx
A Lei 13.467 de 2017 trouxe diversas alterações ao texto da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, anunciando nova modalidade de contrato de trabalho, qual seja, o trabalho intermitente. Contudo, a repercussão disso perpassa a ciência juslaboral, atingindo a sistemática previdenciária do país, a qual é fortemente baseada nas estruturas trabalhistas já consolidadas e que agora sofre grande impacto. Com isso, o presente artigo provoca breves reflexões acerca do funcionamento normativo do trabalho intermitente e possíveis dilemas que serão enfrentados pelos operadores do direito na seara previdenciária e trabalhista, diante dessa inovação jurídica apresentada pela chamada “Reforma Trabalhista”, mas que ainda, como se verá, apresenta mais indagações do que respostas. Para tanto, a metodologia aplicada no presente artigo foi, em primeiro lugar, conceituar a sistemática contratual na esfera trabalhista, e os dilemas trazidos pela inserção dessa nova modalidade de trabalho. Então, descreveu-se a funcionalidade prática do trabalho intermitente, nos moldes descritos pela CLT. Por fim, fora analisada, de forma sucinta, a legislação previdenciária do Brasil, buscando exprimir possíveis dificuldades que a modalidade de contratação intermitente poderá causar ao direito previdenciário.
Palavras-chave: Contrato de trabalho. Trabalho intermitente. Salário e jornada. Custeio da previdência social. Reflexos previdenciários.
Law 13,467 of 2017 brought several changes to the text of the Consolidations of Labor Laws - CLT, announcing a new modality of work contract, that is, intermittent work. However, the repercussion of this goes through the jus- labor science, reaching the social security system of the country, which is strongly based on already consolidated labor structures and now has had a great impact. Thus, the present article offers brief reflections on the normative functioning of intermittent work and possible dilemmas that will be faced by the legal system in the social security and labor fields, in view of this legal innovation presented by the "Labor Reform", more questions than answers. To do so, the methodology applied in this article was, firstly, to conceptualize the contractual system in the labor sphere, and the dilemmas brought about by the insertion of this new type of work. Then, the practical functionality of the intermittent work was described, as described by CLT. Finally, the Brazilian social security legislation was succinctly analyzed, trying to express possible difficulties that the modality of intermittent hiring may cause to the social security right.
Keywords: Employment contract. Intermittent work. Salary and journey. Social security costing. Social security reflections.
2.1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE TRABALHO 9
2.1.1 Princípio da Continuidade 10
3 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE 12
3.1 REGULAMENTAÇÃO DA MP 808/2017 E PORTARIA N. 349 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 15
3.2 SALÁRIO E JORNADA: OS DOIS ELOS MAIS FRÁGEIS DO TRABALHO INTERMITENTE 16
4 A RELAÇÃO PREVIDENCIÁRIA COM O TRABALHO INTERMITENTE 19
4.1 A PREVIDÊNCIA SOCIAL PARA O TRABALHADOR INTERMITENTE 22
4.1.1 Da Contribuição obrigatória à Previdência Social 23
4.1.2 Período de carência e manutenção da qualidade de segurado 25
4.1.3 Benefícios Previdenciários em Espécie do Segurado 26
1 INTRODUÇÃO
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT é datada de 01 de maio de 1943. Legislação que vem sofrendo diversas críticas, há quem defenda que devido a sua antiguidade, é necessária uma Lei que contemple os desdobramentos laborais trazidos pela modernidade e, portanto, não abarcados no texto da CLT1.
Diante desse discurso, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 6.787 de 2016, transformando-se na Lei 13.467 de 2017, que entrou em vigência em novembro de 2017.
A denominada “Reforma Trabalhista”, modificou e inseriu inúmeros artigos à CLT, mas mais do que isso, alterou conceitos já consolidados pela doutrina, como é o caso do contrato de trabalho. Isso porque, a nova modalidade de contrato, nomeada de Trabalho Intermitente, possibilita que a prestação de serviço seja realizada de maneira eventual, gerando diversas indagações aos pesquisadores da ciência juslaboral acerca de sua funcionalidade prática e efetiva, para criar empregos e garantir a dignidade dos postos de trabalhos gerados.
Contudo, além da ciência trabalhista, outras áreas do direito estão tendo que desenvolver conceitos para se adequarem às novidades legislativas. Pois, as consequências do trabalho intermitente redundarão também no direito previdenciário, o qual, em breve, deverá apresentar respostas às demandas que sobrevirão em decorrência dessa nova modalidade de contrato de trabalho.
Assim, a seguir, far-se-á uma breve análise do conceito histórico do contrato de trabalho, como a reforma trabalhista mudou esse conceito, o funcionamento prático do trabalho intermitente e como isso se refletirá na Previdência Social.
2 CONTRATO DE TRABALHO
1 O Relator do projeto da “Reforma Trabalhista, Deputado Xxxxxxx Xxxxxxx, defende que “As dinâmicas sociais foram alteradas, as formas de se relacionar, de produzir, de trabalhar mudaram diametralmente.
Novas profissões surgiram e outras desapareceram, e as leis trabalhistas permanecem as mesmas. Inspiradas no fascismo de Xxxxxxxxx, as regras da CLT foram pensadas para um Estado hipertrofiado, intromissivo, que tinha como diretriz a tutela exacerbada das pessoas e a invasão dos seus íntimos.”, afirmando que é preciso “modernizar a legislação trabalhista” para “trazer o Brasil para o tempo em que estamos e que vivemos”. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000. Acesso em 24 de outubro de 2018.
A influência civilista nas relações trabalhistas é um fato histórico. Em Roma, as mediações das relações de trabalhos eram realizadas pelo contrato civil denominado locatio conductio, o qual, por sua vez, subdivida-se em três modalidades: a) locatio rei; b) locatio operarum; e c) locatio operis faciendi – tendo esses dois últimos, como objeto, o trabalho humano (XXXXX, XXXXXXXXXX, 1995, p. 110).
Posteriormente, na Idade Moderna, tais categorias romanísticas foram amplamente utilizadas, sendo a locatio operarum utilizada em locação de serviços e a locatio operis em empreitada (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 48). Contudo, em que pese a influência da romanística na formação do pensamento jurídico ocidental, defende Dallegrave Neto que “a construção do conceito de contrato propriamente dita é moderna e deve-se fundamentalmente, a filósofos do século XVIII” (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 30). Assevera o referido autor que
Em reação ao absolutismo, adveio o liberalismo da Revolução Francesa que fez cessar a submissão dos trabalhadores aos seus detentores. Em seu lugar surge a livre concorrência e a liberdade de trabalho. Sob os pressupostos da igualdade jurídico-política e da liberdade contratual, configurou-se a emancipação do trabalhador. (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 48).
Xxxxxxxx Xxxxxxx, por sua vez, argumenta que o trabalho formalmente livre, trazido pelos ideais liberais, é pressuposto para o surgimento do trabalho subordinado e, por consequência, da relação empregatícia (XXXXXXX, 1995, p. 68).
No entanto, a liberdade jurídica outorgada à classe operária também trazia como consequência a igualdade formal para a negociação no âmbito laboral. Ou seja, o uso de um contrato para firmar o compromisso do trabalho era regido pelas normas civilistas e, portanto, subentendia-se que todos os homens eram iguais, sendo capazes, por si só de negociar os termos para a filiação de um pacto laboral. Isso torna-se evidente no Código de Xxxxxxxx que, ao regular o contrato de trabalho, no Título VIII do Livro III, em seu art. 1.710, aduz que “o contrato pelo qual um das partes obriga-se a fazer alguma coisa para outra mediante um preço convencionado entre elas” (NASCIMENTO, 2011 p. 339).
Salienta-se que as marcas civilista no direito do trabalho fez-se presente na legislação brasileira, como no código civil de 1916, o qual tratava o contrato de trabalho como locação de serviços (MARTINS, 2007, p. 80).
A doutrina do direito civil, entretanto, possui peculiar entendimento quanto ao conceito de contrato, o qual não pode ser transposto ao direito do trabalho de forma integral e inequívoca. Enquanto que, no tocante às relações trabalhistas, “os especialistas aproximam-se e concordam em reconhecer que o estado de dependência em que fica uma das partes para com a outra é uma singularidade do contrato de trabalho” (XXXXX, XXXXXXXXXX, 1995 p. 117), para o direito civil “o contrato é a veste jurídico-formal de operações econômicas” (ROPPO, 2009, p. 11). Ou seja, enquanto que para aquele, a subordinação jurídica é o seu elemento distintivo, esse serve de revestimento para operações econômicas, tendo, portanto, como finalidade última a relação jurídica patrimonial, operando na esfera econômica, que Xxxx Xxxxx conceitua como “circulação de riqueza, actual ou potencial transferência de riqueza de um sujeito para outro” (ROPPO, 2009, p. 13).
Logo, deduz-se que o objeto do contrato na esfera cível é uma operação econômica, que traduz-se em pecúnia, enquanto que na esfera trabalhista, o objeto é a prestação de um serviço (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 59), a qual é caracterizada pela subordinação jurídica entre as partes.
A aplicação literal da doutrina cível para o âmbito juslaboral levaria à interpretação de que o trabalho é mercadoria, haja vista a necessidade de valoração do objeto do contrato de trabalho. Contudo, a fim de sanar essa possível mercantilização das relações de trabalho, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, asseverou na Declaração de Filadélfia que o trabalho não é uma mercadoria.2
Pois, se mercadoria fosse, qual seria a valoração daquilo que é vendido pelo empregado, ou seja, o seu tempo posto à disposição do empregador? Mais do que o tempo, a sua força e, portanto, parte de sua vida sendo posta em seu trabalho, o que, por óbvio não pode ser mensurado em pecúnia.
Além disso, Xxxxxx Xxxxxxx pontua que o contrato na esfera cível é “um ato jurídico em sentido amplo e norteador da vontade humana que pretende um objetivo de cunho patrimonial” e que é “dependente de declarações de vontade” (TARTUCE,
2 A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Filadélfia na sua vigésima sexta sessão, adopta, neste décimo dia de Maio de 1944, a presente Declaração dos fins e objectivos da Organização Internacional do Trabalho, bem como dos princípios nos quais se deveria inspirar a política dos seus Membros.
A Conferência afirma novamente os princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização, isto é:
a) o trabalho não é uma mercadoria;2
2017, p. 398). Ademais, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx entende que na gênese de um contrato há uma contraposição de interesses, mas harmonizáveis (DINIZ, 2010, p. 398).
Por outro lado, a práxis laborativa demonstra que o trabalhador encontra-se em grande desvantagem em face de seu empregador para negociar as cláusulas do contrato que rege a relação de emprego. Isso porque, a remuneração paga ao obreiro tem como finalidade “satisfazer suas necessidades básicas e de sua família” (XXXXXXX, 2007, p. 208).
Dada a desigualdade material entre o empregado e o seu empregador, a intervenção estatal faz-se necessária, a fim de resguardar a parte hipossuficiente, através de limites e direitos garantidos na hora de sua contratação, ao que a doutrina trabalhista denomina de princípio protetor. Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente e vulnerável na relação empregatícia – o obreiro - , visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. (DELGADO, 2018, p. 231)
Em suma, o contrato de trabalho, caracterizado pela subordinação jurídica, não coloca a prestação de serviço como um produto, como mercadoria, haja vista a impossibilidade valorativa de tal objeto, e outorga maior proteção à parte hipossuficiente, o obreiro, pela sua impotência de negociação dos termos de tal contrato.
2.1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE TRABALHO
O contrato de trabalho, conforme visto, possui distinções marcantes e específicas, que o distingue de outras modalidades contratuais e que possibilita caracterizar, ou não, eventual vínculo de emprego.
Segundo a legislação pátria, contrato de trabalho “é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.” (art. 422, CLT) e “poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.” (art. 423, CLT).
Por simples hermenêutica textual, observa-se que o contrato de trabalho pode possuir um cunho informal, ao ponto de se permitir que o mesmo seja tácito ou verbal. Além disso, contém um prazo – determinado ou indeterminado - e pode ser prestado mediante o trabalho intermitente, sendo essa modalidade de trabalho uma das grandes inovações da Lei 13.467/2017.
Porém, em combinação com os citados artigos, bem como os artigos 2º e 3º da CLT, a doutrina elenca outras características, sem as quais não se há a caracterização de um vínculo empregatício e, por consequência, a existência de um contrato de trabalho, sendo eles: (i) atividade pessoal; (ii) serviço contínuo; (iii) onerosidade; e (iv) subordinação (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 61; XXXXXXX, 2007, p. 933).
A atividade pessoal diz respeito àquele que presta o serviço, o qual deve ser pessoa física e possui uma obrigação personalíssima para ser adimplida, isto é, tal obrigação não pode ser cumprida por outra pessoa, senão pelo sujeito contratado.
O serviço contínuo, ou a continuidade, é prestado de maneira periódica, que se reflete tanto no preceito de que o contrato de trabalho é, em regra, formado para durar de maneira indeterminada, quanto no sentido de que a prestação do serviço não deve ser esporádica.
Ainda, cita-se a onerosidade, na qual incumbe ao empregador o ônus de pagar ao obreiro uma contraprestação pelo seu labor.
E, por fim, a subordinação jurídica. Naturalmente o empregador encontra-se em maior grau hierárquico que o seu empregado, e isso outorga-lhe o poder diretivo e disciplinar, sendo esse responsável por possíveis sanções aos empregados, enquanto aquele pelos ditames técnicos e administrativos do negócio.
Presentes tais elementos em uma relação jurídica, certo é que se está em face de um vínculo de emprego e, portanto, da formação de um contrato de trabalho.
2.1.1 Princípio da Continuidade
A noção de continuidade, ou de não eventualidade, no direito do trabalho, possui, segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, duas dimensões: a duração do contrato
3 Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx elenca, também, como elemento essencial ao contrato de trabalho, a alteridade, que, segundo Xxxxxxx, é “um trabalho sem assunção de qualquer risco para o trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos” (XXXXXXX, p. 94, 2007).
de trabalho que, em regra, é constituído para perdurar por tempo indeterminado (XXXXXXX, 2018, p. 340-341) e, de outro lado, “para que haja relação empregatícia é necessário que o trabalho prestado tenha caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando como trabalho esporádico” (XXXXXXX, 2018, p. 341).
A própria CLT apresenta o requisito da não eventualidade, em seu art. 3º, quando afirma que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” (grifos do autor).
Assim, é evidente que a regra laboral se contrapõe ao trabalho eventual, o qual, segundo Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx é aquele que “depende de acontecimento incerto, casual, fortuito. [...] Os fatos é que revelarão, portanto, se a tarefa do trabalhador na empresa é eventual ou permanente” (RUSSOMANO, 1990, p. 12).
Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx entende que o trabalho não eventual está ligado à atividade do empreendimento do empregador (XXXXXX, 2018,
p. 127), enquanto que Délio Maranhão sustenta que o trabalhador eventual é aquele que atende necessidades específicas, com caráter de exceção, dentro do quadro de finalidades do empreendimento (GODINHO, 2018, p. 343), o que também é defendido por Dallegrave Neto, ao afirmar que “a relação de emprego versa sempre sobre trabalho não eventual, ou seja, aquele inserido na essência da atividade empresarial”. (DALLEGRAVE NETO, 1998, p. 62).
Assim, estabelece-se que, para além dos critérios destacado por Xxxxxxxx Xxxxxxx (relação de emprego com prazo indeterminado e trabalho não casual), pode-se apontar para a prestação de serviços com relação a atividades que sejam corriqueiras para a empresa contratante.
A relação de emprego, portanto, é uma forma de prestação de serviço que ocorre de maneira periódica, em regra sem termo, de maneira não eventual, ou seja, sem que a prestação seja esporádica, em atividade que esteja ligada à rotina do negócio do empregador. Por consequência, aquele que presta serviço de maneira circunstancial, motivada por um fato superveniente que não esteja ligado ao cotidiano do negócio empresarial, não pode ser considerado empregado.
A importância dessa característica, a continuidade no contrato de trabalho, ganhou grande relevo com as alterações trazidas pela Lei 13.467/2017, a qual
possibilitou uma modalidade de trabalho que é prestada de maneira eventual, porém, é considerada pela legislação citada como possível modalidade de trabalho.
3 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
No ano de 2017, foi promulgada a Lei 13.467/2017, de relatoria do deputado Xxxxxxx Xxxxxxx (PSDB/RN), a qual alterou estruturalmente o Decreto-Lei nº 5.452 de 1943 – CLT.
Segundo a exposição de motivos do projeto de Lei 6.787 de 2016, transformado na Lei 13.467 de 2017, a “Reforma Trabalhista” visava “aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os mecanismo de combate à informalidade da mão-de-obra no país [...]4”.
Dentre tantas alterações à legislação trabalhista, as modalidades de contrato de trabalho foram expandidas, constando no rol celetista aquela que é objeto dessa investigação: o trabalho intermitente.
O §3º do art. 443 da CLT cuidou de conceituar essa nova modalidade de contrato, o qual, segundo a redação legal:
“§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” (grifos do autor).
Intermitente, segundo o Dicionário Aurélio Online, é um adjetivo que é caracterizado por aquilo “que tem interrupções ou paragens” e “cujos intervalos são desiguais”5. Ou seja, trata-se de uma modalidade de trabalho, na qual o serviço será prestado de maneira esporádica, eventual, de maneira circunstancial.
As motivações dos legisladores para inserirem essa nova modalidade de contratação no Brasil são as seguintes, segundo a exposição de motivos do projeto de lei:
4 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000. Acesso em 20 de setembro de 2018.
5 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxx. Acesso em 23 de setembro de 2018.
“Esse contrato permitirá a prestação de serviços de forma descontínua, podendo alternar períodos em dia e hora, cabendo ao empregado o pagamento pelas horas efetivamente trabalhadas [...]
[...]
estimam que essa modalidade possa gerar cerca de catorze milhões de postos de trabalho formais no espaço de dez anos. Somente no setor de comércio, a estimativa é de criação de mais de três milhões de novos empregos, e aqui não está sendo considerada a formalização de empregos informais atualmente existentes no setor.
Além do impacto direto na geração de empregos, há que se considerar o efeito social da implantação do contrato intermitente em situações como a obtenção do primeiro emprego, especialmente para os estudantes, que poderão adequar as respectivas jornadas de trabalho e de estudo da forma que lhes for mais favorável. Como consequência, poderemos ter a redução da evasão escolar, tema tão caro a todos nós, bem como a ampliação da renda familiar.”6 (fls. 49-51).
Basicamente, os principais motivos expostos pelo legislador para a criação dessa nova modalidade de contratação é a criação de postos de empregos e a facilidade para o ingresso ao mercado de trabalho para aqueles que, por algum motivo, têm dificuldades em cumprir jornadas em tempo integral, possibilitando o aumento da renda familiar.
Ao contrário da regra geral, o contrato de trabalho intermitente deve, obrigatoriamente, ser celebrado por escrito, com o respectivo valor da hora de trabalho, sendo de, no mínimo, o valor horário do salário mínimo ou o mesmo pago aos demais empregados que exercem a mesma função (art. 000-X, xxxxx, XXX). Como fica, no entanto, se o trabalhador não laborar horas suficientes para receber pelo menos um salário mínimo? Pela interpretação legislativa, fica claro que, mesmo participante de um contrato de trabalho, o trabalhador poderá ganhar menos do que o mínimo permitido, o que relativiza o mandamento constitucional (art. 7º, IV), que garante aos trabalhadores um ganho mínimo mensal.
Após a contratação, o empregador deverá convocar o empregado por qualquer meio de comunicação com pelo menos três dias de antecedência, informando a respectiva jornada, ao passo que o empregado terá de responder o chamado em até um dia útil, sendo que, no silêncio, entender-se-á pela recusa (art. 452-A, §§ 1º e 2º, CLT).
Para manter a característica mais simbólica do contrato de trabalho - a subordinação - o legislador prescreveu no § 3º do art. 452-A que mesmo a recusa do
6 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000. Acesso em 20 de setembro de 2018.
empregado, ante a convocação para o trabalho, não descaracteriza o caráter subordinativo existente no contrato.
Contudo, caso aceite a oferta, mas não compareça, o obreiro deverá pagar ao contratante uma multa de 50% da remuneração que seria devida, no prazo de trinta dias, permitindo a compensação, também em trinta dias (§4º, art. 452-A, CLT). A doutrina tem entendido pela invalidade dessa disposição, haja vista que “traria ao empregado o risco do empreendimento e feriria o princípio da intangibilidade salarial. Portanto, a multa não passa pelo crivo do inciso X do art. 7º da Constituição Federal7, padecendo de inconstitucionalidade" (AUTUORI, BURMANN, 2018, p. 36).
Cita-se que esse dispositivo foi tido como inconstitucional na II Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em outubro de 2017.8
O §5º do art. 452-A apresenta a hipótese de o sujeito estar vinculado a diversos contratos intermitentes, sendo que o intervalo de cada um deles não será entendido como tempo à disposição. Na mesma esteira do §4º, os magistrados da Anamatra também fixaram entendimento mais favorável ao obreiro, no sentido de que, no caso do trabalhador permanecer dentro ou fora do estabelecimento do empregador, por conveniência deste, esse tempo deverá ser computado como tempo de serviço.9
Quanto ao pagamento, o §6º do art. 452-A assevera que ocorrerá ao final de cada prestação de serviço, sendo que, além da remuneração, conterá: férias proporcionais (inc. II); décimo terceiro proporcional (inc. III); repouso semanal
7 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
8 87 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. SALÁRIO MÍNIMO E PISO PROFISSIONAL. MULTA. INCONSTITUCIONALIDADE A MULTA PREVISTA NO ART. 452-A, § 4º, DA CLT, IMPOSTA AO TRABALHADOR QUE DESCUMPRIR CONVOCAÇÃO ANTERIORMENTE ATENDIDA, NÃO É COMPATÍVEL COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA, DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO, DA ISONOMIA, DA PROTEÇÃO DO TRABALHADOR E DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA.
9 89 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. PERMANÊNCIA DO TRABALHADOR DENTRO OU FORA DO ESTABELECIMENTO DO EMPREGADOR POR CONVENIÊNCIA DESTE ÚLTIMO. CÔMPUTO COMO TEMPO DE SERVIÇO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. PERMANÊNCIA DO TRABALHADOR DENTRO OU FORA DO ESTABELECIMENTO DO EMPREGADOR POR CONVENIÊNCIA DESTE ÚLTIMO. CÔMPUTO COMO TEMPO DE SERVIÇO. NO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE, A TEOR DO ARTIGO 452-A, § 5º, DA CLT, OS PERÍODOS EM QUE O TRABALHADOR PERMANECER DENTRO OU FORA DO ESTABELECIMENTO DO EMPREGADOR PARA ATENDER A INTERESSES, CONVENIÊNCIAS OU NO AGUARDO DE INSTRUÇÕES DESTE ÚLTIMO SERÃO COMPUTADOS COMO HORAS OU FRAÇÕES EFETIVAMENTE TRABALHADAS.
remunerado (inc. IV); e adicionais legais (inc. V). Outras obrigações do empregador, como FGTS e contribuição previdenciária, no entanto, terão como referência os valores pagos no período mensal de labor (§ 8º, art. 452, CLT). Ou seja, nos meses que o trabalhador não laborar, não terá o recolhimento de seu FGTS e das suas contribuições previdenciárias.
Por fim, o §9º dispõe sobre o direito às férias, a cada 12 meses, sendo que nesse período de trinta dias, não poderá ser convocado pelo empregador. A crítica desse parágrafo nono é de ordem lógica. Na medida em que o obreiro se associa a diversos contratos de trabalhos intermitentes, em períodos distintos, dificilmente preencherá o período concessivo de férias de todos os contratos de trabalho na mesma época e, portanto, provavelmente esse trabalhador não irá gozar de férias efetivas, haja vista o afastamento de um trabalho, mas não dos outros.
3.1 REGULAMENTAÇÃO DA MP 808/2017 E PORTARIA N. 349 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
Visando regulamentar diversas omissões deixadas pela Lei 13.467/2017, o Governo Federal apresentou a Medida Provisória 808 de 2017, que entrou em vigor no dia 14 de novembro de 2017, a qual, dentre outros assuntos, tratou de explanar e ampliar as normativas acerca do contrato de trabalho intermitente.
Dentre outras regulamentações, a MP havia revogado disposições polêmicas trazidas no bojo da reforma trabalhista, como: (i) a multa de 50%, a cargo do empregado, no caso de ausência ao serviço que fora aceito; (ii) o período de inatividade, que não seria considerado como tempo à disposição do empregador; e
(iii) quanto ao recolhimento da contribuição previdenciária, bem como do FGTS, com base nos valores pagos no período mensal (sendo reeditada no art. 452-H da CLT).
Após revogar tais dispositivos, seis parágrafos foram adicionados ao art.
452-A e sete novos artigos foram criados (art. 452-B ao art. 452-H, CLT).
Importante norma adicionada pela MP 808/2017, tratava sobre o prazo máximo de ausência de convocação ao trabalhador intermitente. O art. 452-D, deste modo, prescrevia que, contado a partir da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, passado um ano, o contrato seria rescindido de pleno direito.
Ao passo que, o art. 452-E trazia as verbas rescisórias cabíveis ao desligamento do trabalhador, sem justa causa, o qual receberia, pela metade, o aviso prévio indenizado e a indenização sobre o FGTS. As demais verbas deveriam ser pagas na integralidade.
No entanto, em 23/04/2018, a Medida Provisória 808 de 2017 perdeu os seus efeitos, por não ter sido convertida em Lei no prazo de sessenta dias (prorrogável por igual período) estabelecido pelo art. 62, §3º da Constituição Federal.
Assim, para evitar maiores transtornos na seara trabalhista, foi editada a Portaria nº 349 do Ministério do Trabalho e Emprego, contendo oito artigos, dos quais cinco versam sobre o contrato de trabalho intermitente, demonstrando-se, no entanto, muito aquém do necessário para se sanar as lacunas trazidas pela Lei
13.467 de 2017 e em nada acrescendo no que tange às relações previdenciárias desses trabalhadores em regime de intermitência.
3.2 SALÁRIO E JORNADA: OS DOIS ELOS MAIS FRÁGEIS DO TRABALHO INTERMITENTE
A despeito das incertezas trazidas pela nova modalidade de contratação trazida pela Lei da Reforma Trabalhista, autores têm defendido o contrato intermitente como uma evolução em certos contextos que padeciam pelas dificuldades sazonais de volume de trabalho, como hotéis, restaurantes, e, portanto, portavam grandes dificuldades em contratações de mão-de-obra, pois a carga laboral era volátil.
Veja-se o posicionamento dos autores Domingos Sávio Zainaghi e Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
Na doutrina já se discutia bem antes da reforma, se o contrato de trabalho poderia ser suspenso durante certo tempo naquelas atividades sozonais, como em hotéis em regiões de férias (praia, campo e montanhas). Ocorre que antes da inovação legal, para se suspender o trabalho seria necessária a concordância do empregado.
Era muito comum em regiões de veraneio, que trabalhadores fossem contratados sem formalização do contrato, para desempenharem suas atividades durante o período do verão, sendo em seguida dispensados, o que, muitas vezes, tais trabalhadores buscavam na Justiça do Trabalho para verem reconhecido seu direito a anotação em CTPS e os demais direitos trabalhistas. Na maior parte dos processos chegava-se a um
acordo, e no verão seguinte o mesmo trabalhador era contratado da mesma forma, buscando ao final do período de verão a Justiça do Trabalho, celebrava acordo e assim continuava esse círculo vicioso.
Portanto, nosso entendimento, é de que o contrato intermitente chega tardiamente em nosso ordenamento jurídico, pois será excelente instrumento de pacificação social (ZAINAGHI, ZAINAGHI, 2018, p. 59).
Antes mesmo da edição da Lei 13.467/2017, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx já alertava pela necessidade de regulamentação do trabalho intermitente, por se tratar de prática social, para “oferecer maior segurança para o contratante e, também, especificar os direitos para o contratado” (NASCIMENTO, 2011, p. 1048), ao que concordava o ex-ministro do TST, Xxxxx Xxxxxxxxxxx, o qual afirmou que “é a regulamentação do bico, uma realidade que já existe. Dá segurança para as duas partes e é uma fonte de rendimento. Músicos e garçons se beneficiariam com este regime, por exemplo” (COURA, GANTOIS, 2017)10.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, no entanto, a partir de um viés crítico consegue compreender uma problemática não levada em consideração pelos autores que consideram positiva a contratação de trabalhos intermitentes. Segundo Xxxxxxx, “a figura é assustadora porque poderá resolver os índices de desemprego do Brasil sem que as pessoas tenham renda assegurada (...). O propósito do registro é apenas blindar a empresa de alegações de mão de obra clandestina” (SILVA, 2017, p. 74).
Xxxxx arremata argumentando que:
O contrato de trabalho intermitente tem potenciais inesgotáveis de precarização do trabalho (...). O contrato intermitente pode ter se expandido em países como a Inglaterra, mas em contextos sociais completamente diferentes do brasileiro, em que o subemprego é tão ou mais significativo do que o emprego. Vários estudiosos enxergam cenários terríveis, em que a taxa de desemprego pode cair drasticamente, mas de maneira artificial, com várias pessoas tendo vários contratos zerados. E o empregado ainda pode sofrer penalidades em dinheiro, ficar atrelado a contrato sem futuro e perder oportunidades de emprego duradouro. (SILVA, 2017, p. 77)
É também a posição apresentada por Xxxxx Xxxxx Xxxxx, em seu artigo “Análise do Projeto de Reforme Trabalhista”, ao defender que o trabalho intermitente é uma forma de precarizar as condições de trabalho.
Segundo Souto Maior:
10 Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxxx-x-xxxxxxxx/xxxxxxxx/x-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xx-00- pontos-13042017> Acesso em 25 de setembro de 2018.
“O argumento de que o trabalho intermitente deve ser direcionado a “situações como a obtenção do primeiro emprego, especialmente para os estudantes, que poderão adequar as respectivas jornadas de trabalho e de estudo da forma que lhes for mais favorável” revela o verdadeiro objetivo da reforma: precarizar as condições de trabalho de quem está ingressando no mercado. Xxxxxxx que não farão carreira em determinada profissão, que terão necessariamente de se sujeitar a dois ou mais empregadores, que receberão menos e trabalharão mais.” (SOUTO MAIOR, 2017)11
É Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, contudo, que pontuam as bases estruturantes do trabalho intermitente, do ponto de vista da precarização das condições de trabalho. Segundo os citados autores, a legislação brasileira, ao possibilitar a contratação intermitente, atinge frontalmente a construção do conceito de duração de trabalho e, por consequência, a lógica da jornada laboral, bem como a remuneração do trabalhador (XXXXXXX, XXXXXXX, 2018, p. 162).
Segundo os autores, o contrato de trabalho intermitente cria a figura de tempo à disposição do empregador, porém, sem a aplicação dos efeitos que esse tempo à disposição em regra enseja (XXXXXXX, XXXXXXX, 2018, p. 162).
Além disso, o salário é desmantelado nessa novidade legislativa. E a razão é muito simples: trata-se de um contrato sem salário. Não havendo convocação do obreiro, nada será devido ao mesmo. Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx apontam que a criação de um contrato, no qual a remuneração é baseada estritamente na duração do trabalho redunda-se em flagrante inconstitucionalidade. Sugerem, portanto, que o trabalho intermitente funcione com uma estimativa mensal de serviços a serem prestados, garantindo o mínimo salarial fixado em lei, com base no art. 78, caput e parágrafo único da CLT, sendo devido o salário mínimo inclusive nos meses em que nenhum serviço seja prestado (XXXXXXX, XXXXXXX, 2018, p. 164- 165).
Como bem articula o Prof. Xxxxxx Xxxxxxx, trata-se do mesmo tipo de contratação implantado na Inglaterra, denominado “contrato-zero”, no qual, mesmo o empregado possuindo um vínculo de emprego, nada tem a receber a não ser que seja convocado, e, sendo poucas vezes chamado ao labor, perceberá salário abaixo do mínimo. Assim, Xxxxxxx defende que
“o conceito de salário mínimo dificilmente se coaduna com o contrato-zero, porque submete ao trabalhador a um fato aleatório imponderável. Amarrado
11 Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxxxxx-xx-xxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx> Acesso em 25 de setembro de 2018.
ao contrato-zero ele não pode pleitear o seguro-desemprego e ao mesmo tempo não sabe se terá renda ou benefício previdenciário”. (SILVA, 2017, p. 74).
Assim, com vistas a diminuir o dramático problema de desemprego vivenciado no Brasil, o contrato de trabalho intermitente poderá resolvê-lo causando outro: diminuição formal de desempregados, contratados sob regime intermitente, passíveis de receberem nenhuma ou pouca renda mensal, sem qualquer previsibilidade sobre os seus proventos futuros, o que além dos impactos econômicos dessa medida, é possível prever reflexos negativos na seara previdenciária, como se verá a seguir.
4 A RELAÇÃO PREVIDENCIÁRIA COM O TRABALHO INTERMITENTE
A Previdência Social é um direito social descrito no art. 6º da Constituição Federal, sendo detalhada de forma extensa no art. 201 do Texto Constitucional.
Diante da importância do tema, duas leis foram editadas pelo Congresso Nacional, a fim de discriminar o tema com maior profundidade, quais sejam, a Lei
8.212 e 8.213, ambas do ano de 1991. Segundo o art. 1ª da Lei 8.213 de 1991:
Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.
Nas palavras de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx e Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx:
Previdência Social é o sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços. (XXXXXX, XXXXXXX, 2017, p. 67).
A seguridade social, modelo constitucional de proteção social, que engloba a saúde, previdência e assistência social, visa minimizar eventos inesperados que produzam situações de vulnerabilidade à população em geral. O financiamento da
seguridade social é dever de toda a sociedade, mediante recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além das contribuições sociais, a cargo dos empregadores, empregados e trabalhadores, sobre a receita de concursos de prognósticos e do importador de bens ou serviços do exterior, nos termos do art. 195 da Constituição Federal.
Diante do caráter compulsório das contribuições sociais, a doutrina majoritária entende que o custeio da seguridade social segue a Teoria Fiscal, a qual caracteriza tais contribuições como verdadeiros tributos devidos à União (GARCIA, 2018, p. 88).
Por se tratar de tributo, não existe facultatividade para ser segurado pela previdência social, para aqueles que exercem atividades laborativas remunerada. Cumpridos os requisitos trazidos pelo art. 195, CF, incidirá o tributo e, portanto, automaticamente, a participação na seguridade social. O art. 201, CF, descreve que “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória” (grifo nosso).
Os filiados, também denominados como segurados, podem ser divididos em dois grupos: segurados facultativos e segurados obrigatórios. O segurado facultativo, segundo o art. 11 do Decreto 3.048 de 1999, é a pessoa maior de 16 anos que se filia ao Regime Geral da Previdência social, mediante contribuição própria de 20% sobre o salário-de-contribuição. Como aponta Xxxx Xxxxxxxx “o segurado deve não exercer qualquer atividade remunerada que o vincule obrigatoriamente ao sistema previdenciário” (XXXXXXXX, 2015, p. 125). Ou seja, trata-se de exceção à filiação obrigatória e, portanto, não se enquadra à teoria fiscal, em razão da natureza tributária ter como característica a compulsoriedade12. (XXXXXXX, 2006, p. 76-77).
Os segurados obrigatórios, contudo, são aqueles que a lei exige participação no custeio, mas lhes concede, em contrapartida, benefícios e serviços, desde que presentes os requisitos para a concessão (CASTRO, LAZZARI, 2017, p. 115).
Quanto aos segurados obrigatórios, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx e Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx apontam que:
12 Segundo Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, “a compulsoriedade da prestação tributária caracteriza-se pela ausência do elemento de vontade no suporte fático da incidência da norma de tributação. O dever de pagar tributo nasce independentemente da vontade” (XXXXXXX, 2006, p. 77)
São segurados obrigatórios, e por tal razão contribuintes do sistema, os indivíduos enquadrados nos conceitos de: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial, na forma prevista no art. 12 da Lei n. 8.212/1991, com redação conferida pela Lei n. 9.876/1999.
Quanto a estes, a contribuição é verdadeiro tributo, sendo exigida a partir da ocorrência do fato gerador (prestação do trabalho remunerado) (...). A participação no sistema previdenciário, sendo compulsória, acarreta também, de modo obrigatório, o pagamento do tributo respectivo – a contribuição incidente sobre os ganhos do trabalho, seja ele assalariado, pago de forma avulsa, decorrente de prestação autônoma de serviços ou, ainda, como produtor rural enquadrado como segurado especial. (XXXXXX, XXXXXXX, 2017, p. 115).
Para se enquadrar como segurado obrigatório, portanto, o indivíduo deve exercer uma função remunerada como empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual ou segurado especial.
A forma de contribuição dos segurados obrigatórios “é calculada mediante a aplicação da correspondente alíquota (8%, 9% ou 11%, conforme o valor da remuneração) sobre o seu salário-de-contribuição mensal” (XXXXXX, 2018, p. 104), a qual é recolhida pelo empregador e repassada à União.
O conceito de salário-de-contribuição, por sua vez, encontra sua definição no art. 28 da Lei 8.212 de 1991, segundo o qual:
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;
A base de cálculo para o custeio da previdência social, advinda dos empregados, é calculada mediante a sua remuneração mensal, conforme o texto normativo acima. A remuneração, por sua vez, é “todo o ganho decorrente do trabalho, englobando salário, gorjetas e complementos salariais” (XXXXXXXX, 2015, p. 135). Ou seja, o financiamento feito pelo empregado à seguridade social, tem como base a remuneração auferida em razão de seu vínculo de emprego. Assim, estabelece-se importante premissa que envolve o salário, no que tange à seguridade social: o custeio e, portanto, a participação no plano de seguros do Governo Federal.
A importância da remuneração do empregado não reside somente no fato de que ela é o substrato da base de cálculo das contribuições previdenciárias. Mais do que isso, “para se ter o direito a usufruir de alguns benefícios previdenciários é necessário um determinado número de contribuições mensais” (XXXXXXXX, 2015,
p. 338) e a isto a lei denomina de período de carência (art. 24 da Lei 8.213/91).
Portanto, note-se que a remuneração mensal paga ao empregado possui importância central tanto para o custeio da previdência, quanto para a fruição dos benefícios previdenciários.
4.1 A PREVIDÊNCIA SOCIAL PARA O TRABALHADOR INTERMITENTE
A Lei 8.213 de 1991 descreve as hipóteses em que os trabalhadores se enquadram como segurados obrigatórios da Previdência social, dentre as quais, se destacam duas:
a) Aquele que presta serviço urbano ou rural, em caráter não eventual, com subordinação e remuneração. Trata-se do empregado com carteira assinada, ou seja, da pessoa que possui um vínculo de emprego, sendo que a assunção desse vínculo torna a sua filiação à previdência obrigatória, mediante contribuição compulsória, a qual tem como base de cálculo a sua remuneração.
b) Trabalhador temporário para atender demanda transitória ou acréscimo extraordinário de trabalho. Essa segunda hipótese apresenta o trabalhador temporário, ou seja, modalidade de trabalho que possui um termo, um fim, prescrito no contrato de trabalho. A transitoriedade do labor, no entanto, não os retira da proteção social previdenciária.
Contudo, em nenhum dos casos acima é possível enquadrar o trabalhador intermitente. A primeira hipótese é clara em destacar que o trabalho não será realizado de maneira eventual, o que é característica marcante da intermitência. O segundo ponto, por sua vez, destaca a temporariedade do trabalho, o que não ocorre no trabalho intermitente, por se tratar de um contrato de termo indeterminado.
Cita-se, entretanto, uma terceira situação descrita pela lei:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
V - como contribuinte individual:
g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego.
Nesse caso, o segurado é um prestador de serviços, urbano ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, porém, sem relação de emprego. Assemelha-se com a condição do intermitente, eis que não possui eventualidade e a possibilidade de prestar serviços a diversas empresas. O impeditivo em enquadrá- los nessa condição é que o trabalhador intermitente efetivamente possui vínculo de emprego.
O fato é que, diante da alteração da CLT ao criar nova modalidade de contrato de trabalho, a legislação previdenciária não possui um modelo de proteção a esse tipo de trabalhador. Nesse sentido, a mora legislativa poderá trazer graves prejuízos àqueles que, mesmo cumprindo o requisito de filiação obrigatória (empregados), podem não estarem acobertados pela Previdência Social.
4.1.1 Da Contribuição obrigatória à Previdência Social
Segundo o texto celetista “o empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária (...) com base nos valores pagos no período mensal” (art. 452-A, §8º), respeitando, assim o preceito da Lei 8.212/1991, o qual prescreve, em seu art. 20 que “a contribuição do empregado (...) é calculada mediante aplicação da correspondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal”, sendo que esse não poderá ser inferior ao salário mínimo nem superior ao teto do regime geral da previdência social (art. 28, §§3º e 5º, Lei 8.212/1991; art. 2º, Portaria MF Nº 15 de 2018).
Entretanto, o contrato de trabalho intermitente possibilita que o obreiro tenha uma renda mensal abaixo do salário mínimo, uma vez que a limitação normativa diz respeito ao “valor horário do salário mínimo” (art. 452-A, CLT) e não à sua renda mensal. Surge-se uma indagação, nesse sentido, acerca dos meses em que a renda do trabalhador não chegar ao salário mínimo e, com isso, for impossível contribuir à previdência social, uma vez que o limite mínimo para a contribuição é o salário mínimo.
A Medida Provisória 808/2017 tentou encontrar uma solução para essa questão, mas que se mostrou demasiadamente maléfica ao empregado. Veja-se:
Art. 911-A. O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017) (Vigência encerrada)
§ 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017) (Vigência encerrada)
§ 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar previsto no § 1º, o mês em que a remuneração total recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017) (Vigência encerrada)
O §1º textualmente asseverava que, na hipótese da remuneração mensal do trabalhador ficar abaixo do salário mínimo, esse poderia recolher à Previdência Social a diferença entre a sua remuneração e o seu salário mínimo. Porém, caso o recolhimento não fosse efetuado, o §2º afirmava que aquele mês não seria “considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado (...) nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários”. Ou seja, a responsabilidade da contribuição já não seria mais do empregador e sim do empregado e mesmo que recebendo uma remuneração abaixo do salário mínimo, ainda assim teria de retirar de seu salário o valor para a complementação da contribuição, sendo onerado duas vezes: no desconto efetuado pelo empregador e no recolhimento complementar.
Porém, a MP 808/2017 perdeu a sua vigência e, portanto, tal norma já não prospera mais.
O dilema, contudo, continua.
Atualmente, o que se sabe é que a contribuição será realizada com base nos ganhos mensais do empregado, mas não está claro se tais períodos serão efetivamente computados como contribuições efetivamente realizadas, para fins de cômputo dos períodos de carência e manutenção da qualidade de segurado, ou se, a exemplo da norma inserida pela MP 808/2017, será necessária eventual complementação desse valor. Contudo, é certo que na necessidade de recebimento de auxílios previdenciários, o piso do benefício deverá ser o salário mínimo, respeitando o princípio prescrito no art. 2º, inciso VI da Lei 8.213/91, qual seja, “valor
de renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo” (grifo nosso).
4.1.2 Período de carência e manutenção da qualidade de segurado
Outros reflexos previdenciários que a legislação não trouxe respostas foram em relação aos períodos de carência e a manutenção da qualidade de segurado.
Segundo a Lei 8.213/1991, “período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício (...)”. Na prática, para o trabalhador que possui vínculo de emprego, em regra o período de contribuições coincide com o seu tempo de trabalho. Contudo, o trabalhador intermitente não terá a garantia de laborar todos os meses, podendo estar por um longo período de tempo em uma empresa, mas com pouquíssimas contribuições efetivamente realizadas.
Excetuam-se os benefícios de pensão por morte, auxílio-reclusão, salário família e auxílio-acidente, tendo em vista que, nos termos do art. 26, I da Lei 8.213/91, tais prestações não exigem período de carência.
A manutenção da qualidade de segurado, por sua vez,
“trata do período em que o indivíduo continua filiado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, por estar no chamado período de graça. Nesse período, continua amparado pelo Regime – bem como seus dependentes – em caso de infortúnios, mesmo não estando a exercer atividade que o enquadre como segurado obrigatório (...)” (XXXXXX, XXXXXXX, 2017, p. 149).
Ou seja, o “período de graça” é verdadeira exceção ao sistema do RGPS, o qual é contributivo, conforme o art. 201 da Magna Carta. Nesse período, ainda que ausente a contribuição mensal, o contribuinte continua segurado pelo regime da previdência.
A qualidade de segurado é mantida nos termos prescritos do art. 15 da Lei 8.213/91, da seguinte forma:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
O inciso II do art. 15 da Lei 8.213/91, aponta que estará assegurado pelo regime previdenciário, durante 12 meses, aquele que deixar de contribuir em razão do indivíduo deixar de exercer atividade remunerada. Contudo, o contrato de trabalho intermitente traz importante exceção a essa norma, eis que o funcionário estará exercendo atividade remunerada, mas poderá passar vários meses sem a devida contribuição. Nesse caso, o período de graça passará a ser computado a partir da não contribuição do obreiro ou do encerramento do vínculo empregatício?
Ao que parece, na prática o obreiro será lesado, em razão da possibilidade de interrupção de contribuições, pois, decorrendo longo período ser efetivar o recolhimento à RGPS, não estará abrangido pelo regime previdenciário, pela força normativa que requere não apenas o vínculo de emprego, como também a efetiva contribuição mensal.
4.1.3 Benefícios Previdenciários em Espécie do Segurado
Nos termos do art. 18, inciso I da Lei 8.213 de 1991, a Previdência social possui, atualmente, oito espécies de benefícios para os seus segurados, dentre os quais, os seguintes serão analisados nessa investigação: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade e auxílio acidente.
A aposentadoria por invalidez, cujo tempo de carência exigido é de 12 meses, é devida ao segurado “incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”, sendo-lhe paga enquanto persistir tal condição (art. 42 da Lei 8.213/91).
O primeiro problema mais claro é o preenchimento do requisito de carência. Contudo, note-se que o obreiro, se preenchidos os requisitos, estar-se-á a receber um benefício de pelo menos um salário mínimo e mensalmente, ou seja, possivelmente em situação muito mais segura do que o trabalho intermitente lhe apresentava.
Além disso, caso a incapacidade não existisse, o obreiro poderia não ser convocado para atividades laborativas e, com isso, não receberia quaisquer contraprestações pecuniárias. Ou seja, nesse caso o estímulo para o retorno às atividades laborativas são baixas, pela maior protetividade e previsibilidade apresentada pela previdência social do que pelo exercício de seu trabalho.
Semelhante situação será no caso de recebimento do auxílio doença, com a diferença que tal benefício tem maior previsibilidade para a cessação da incapacidade do contribuinte, isto é, essa é temporária.
Quanto ao auxílio-doença, a MP 808/2017, com vigência encerrada, havia trazido normativa no sentido de que a previdência seria responsável pelo pagamento da remuneração do empregado a partir da data da incapacidade (art. 452-A, §13º)13, diferentemente da regra geral do art. 60, §3º da Lei 8.213/91, que outorga a responsabilidade aos empregadores de pagarem o salário do obreiro nos primeiros quinze dias da incapacidade.
O salário-maternidade, por outro turno, será devido “à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento de vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste (...)” (art. 71 da Lei 8.213/91) ou “no caso de falecimento da segurada (...) o benefício será pago (...) ao companheiro sobrevivente” (art. 71-B da Lei 8.213/91), sendo que o benefício somente será percebido diante da ausência da empregada ao trabalho (art. 71-C da Lei 8.213/91).
O salário maternidade sofreu a ressalva semelhante ao auxílio-doença, trazida pela MP 808/17, equiparando as seguradas à trabalhadora avulsa ou à empregada do microempreendedor individual. Ou seja, em regra, a empresa pagava à segurada o salário-maternidade e, então, compensava o valor quando das contribuições sobre a folha de salários (art. 72, §1º, da Lei 8.213/91). Pelo regramento da MP 808 - a qual frisa-se, perdeu a sua vigência - todo o período seria pago diretamente pela previdência social (art. 452-A, §14º, CLT)14.
13 § 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será devido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 1991. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017) (Vigência encerrada)
14 § 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no§ 3º do art. 72 da Lei nº 8.213, de 1991. (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017) (Vigência encerrada)
O valor do benefício salário-maternidade, nos termos dia art. 72 da Lei 8.213/91, “consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral”. Contudo, às trabalhadoras que possuem salário variável, “será considerada a média aritmética simples dos 6 últimos salários, apurada de acordo com o valor definido para a categoria profissional em lei ou dissídio coletivo”.15 No contrato de trabalho intermitente, o salário será variável, mas salienta-se que poderá ocorrer meses em que a empregada gestante não receberá salário, pela ausência de chamada de trabalho. Isso, por óbvio comprometerá o cálculo de seu benefício. Voltando-se, contudo, aos princípios previdenciários, defende-se que o salário-mínimo deverá ser respeitado como parâmetro mínimo ao pagamento do benefício à gestante.
Por fim, tem-se o auxílio-acidente, que somente será devido ao empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e ao segurado especial. Esse auxilio, em benefício ao obreiro, não possui o requisito da carência (art. 26, I da Lei 8.213/91), mitigando possíveis consequência negativas ao trabalhador intermitente, o qual, como dito, poderá sofrer dificuldades para preencher o período de carência.
Será concedido quando “após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.” (art, 86 da Lei 8.213/91).
Caso o contribuinte tenha sofrido acidente do trabalho, gozará de estabilidade provisória pelo período de um ano, após a cessação do auxílio doença acidentário, independentemente da percepção do auxílio acidente (art. 118 da Lei 8.213/91). A estabilidade provisória também ocorre no caso da gestante, como se extrai do art. 10, II, b, da ADCT, “desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto”.
Contudo, tais estabilidades, no caso do contrato de trabalho intermitente, podem se tornarem inócuas, pois essas normas visavam a proteção daquele que estaria retornando ao labor, após tempo afastado e, portanto, possivelmente trazendo consigo algumas limitações (no caso de acidente do trabalho), bem como à gestante. Assim, por pelo menos um período, o obreiro ou a obreira estariam assegurados pela estabilidade e, existindo certa previsibilidade quanto ao seu futuro. Já no trabalho intermitente, de nada adiantará a estabilidade se o trabalhador não foi convocado ao labor. Na prática, pouco importará a formalidade do contrato de
15 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxxxxx/xxxxx-xx-xxxxxxx- maternidade/. Acesso em 28 de outubro de 2018.
trabalho se não houver qualquer previsibilidade quanto à prestação de serviço e, por consequência, ao recebimento de valores pelo trabalho prestado.
Portanto, nota-se que diversas lacunas legislativas foram abertas pela criação dessa nova modalidade de trabalho, o que tem gerado mais questionamentos do que respostas ao direito previdenciário. Caberá à doutrina e à jurisprudência a construção hermenêutica de entendimentos que satisfaçam, de maneira protetiva, as imprevisibilidades passíveis de acometerem os contribuintes do regime previdenciário, sendo necessárias, também, alterações na seara legislativa, a fim de que se esclareçam os pontos que poderão causar insegurança jurídica às partes envolvidas, sempre observados os princípios da Previdência Social descritos no art. 2º da Lei 8.213/91.
5 CONCLUSÃO
As alterações legislativas trazidas pela Lei 13.467 de 2017, no que tangem ao contrato de trabalho, com a criação da modalidade de um trabalho intermitente produziram contradições doutrinárias, mas sobretudo lacunas legislativas que podem ser demasiadamente maléficas aos trabalhadores e contribuintes da Previdência Social.
Essa investigação buscou apontar a necessidade de previsibilidade para o vínculo empregatício, tanto do ponto de vista principiológico, a partir do princípio protetor, quanto do ponto de vista previdenciário, tendo em vista possíveis lesões que os obreiros sofrerão em decorrência da intermitência não apenas no labor, mas também no custeio da Previdência Social.
A conclusão a que se chega é, em primeiro lugar, que a principal problemática está na normatização do contrato de trabalho intermitente, isto é, na esfera legislativa trabalhista. Isso porque a criação de um contrato-zero, além de precarizar as relações de trabalho, gera um nebuloso cenário no direito previdenciário. Por outro lado, não se pode negar que as estruturas previdenciárias pátrias encontram-se em dissonância com as modernizações trabalhistas. Essa rigidez normativa do direito previdenciário brasileiro deverá ceder para uma nova formatação de custeio e contribuição, a fim de se adequar às novas modalidades de trabalho, de forma que a universalidade de proteção seja efetivamente aplicada.
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