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CLÁUSULAS DE MEDIAÇÃO OBRIGATÓRIA EM CONTRATOS (CONVENÇÃO DE MEDIAÇÃO) - O DILEMA ENTRE A VOLUNTARIEDADE DA MEDIAÇÃO E A OBRIGAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO CONTRATO
MANDATORY MEDIATION CLAUSES IN CONTRACTS (MEDIATION CONVENTION) - THE DILEMMA BETWEEN VOLUNTARY MEDIATION AND THE OBLIGATION OF THE ENFORCEMENT OF THE CONTRACT
Sancha Carvalho Campanella
E-mail: Xxxxxx.xxxxxxxxxx-000x@xxxxxxxxx.xx.xx
Instituto Superior de Administração e Línguas da Madeira, ISAL.
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Resumo
O presente artigo tem a modesta pretensão de efetuar uma abordagem geral sobre a problemática das Cláusulas de Mediação de conflitos insertas em contratos - Convenção de Mediação - e a sua compatibilização entre o princípio da voluntariedade da mediação e o princípio geral de direito do pontual cumprimento dos contratos. A escolha do tema prende-se com a vontade de demonstrar que ambos os princípios são compatíveis, e que fazem parte de
um regime jurídico que protege ambos. A função jurisdicional do Estado está definida no art.º 202 da CRP, sendo a mesma atribuída aos tribunais, os quais administram a justiça em nome do povo. Incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Os tribunais podem ser coadjuvados por outras autoridades.
A Constituição permite igualmente no art.º 202 nº 4 a criação de instrumentos e formas de resolução alternativo de litígios, ou seja, formas não jurisdicionais de composição de conflitos. Com base neste princípio foram implementados todos os meios alternativos de resolução de conflitos, onde se inclui a mediação.
Palavras-chave: Mediação de Conflitos; Convenção de Mediação; Meios
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Alternativos de Resolução de Conflitos. 04
Abstract
This article has the modest pretension of making a general approach over the problematic of Mediation Conflict Clauses included in contracts – Mediation Convention- and its compatibility between the principle of voluntary mediation and the general principle of punctual law of observance of contracts. The choice of this theme is due to the will of demonstrating that both principles are compatible and are part of a legal regime that protects both. The State judicial function is determined in article 202 of CRP, being this function assigned to courts, which inforce justice in the name of the people, delegates to courts to ensure the defense of rights and interests legally protected of citizens, repress the violation of democratic legality and solve the conflicts of public and private interests. Courts can be helped by other authorities.
The Constitution allows equally in article 202 nr. 4 the creation of instruments and forms of litigation alternative resolutions, meaning non-judicial forms of conflicts composition. Based in this principle were implemented alternative means of conflicts resolution, whereby mediation
is included.
Keywords: Mediation Conflict; Mediation Convention; alternative means of conflicts resolution.
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Introdução
O presente artigo, tem a modesta pretensão de efetuar uma abordagem geral sobre o a problemática das Cláusulas de Mediação obrigatória insertas em contratos e a compatibilização entre o princípio da voluntariedade
da mediação e o princípio geral de direito do pontual cumprimento dos contratos. Na análise desta problemática da compatibilidade entre ambos os princípios iremos abordar o regime jurídico da Mediação em Portugal, centrando-nos na Mediação Privada Civil e Comercial, pelo que não serão abordados os sistemas públicos de mediação.
Assim, o objetivo principal é proceder a uma análise sistemática do conceito do regime jurídico das cláusulas ou da convenção de mediação inserta em contratos, analisando os seus requisitos, consequências do seu incumprimento, bem como o seu regime processual.
Nesta ótica o nosso estudo tem como objetivos específicos:
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05 - Identificar os sistemas e os princípios da mediação, analisando em particular o princípio da voluntariedade;
- Analisar a validade das cláusulas/convenção de mediação e os
seus requisitos formais e substanciais;
- Analise do princípio da liberdade contratual e do cumprimento pontual dos contratos e compatibilização com o princípio da voluntariedade da mediação.
Sendo atualmente crescente o número de processos judiciais e existindo a tendência para recurso ao meios alternativos de resolução de litígios, será cada vez maior o número de contratos nos quais serão apostas cláusulas de mediação, as quais permitirão as partes tentarem resolver os seus litígios com recursos a meios não jurisdicionais, com todas as vantagens de tempo, burocracias, desgaste pessoal e custos financeiros. E antevendo-se o crescimento deste tipo de cláusulas entendemos ser de interesse analisar o regime jurídico das mesmas e a sua compatibilização com os princípios da voluntariedade da mediação e do cumprimento pontual dos contratos.
Dada a quase inexistência de estudos neste âmbito exclusivo, julgamos pertinente elaborar o artigo que esperamos venha a tornar-se útil para todos os que até a data têm sentido essa necessidade de informação nesta área.
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Metodologia
A ideia principal deste estudo foi tentar sistematizar todos os requisitos da convenção de mediação, seus princípios gerais, consequências do seu
incumprimento e compatibilização com o princípio da voluntariedade. Para a prossecução desse objetivo recorremos a diferentes fontes, a artigos, jurisprudência e ao estudo sistemático da legislação sobre esta matéria, utilizando, assim, o método dedutivo.
A Mediação
A conflitualidade é inerente à condição humana. O direito fundamental de acesso à justiça como meio de dirimir conflitos não deve cingir-se ao acesso ao sistema judicial ou aos Tribunais.
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A função jurisdicional do Estado está definida no art.º 202 da CRP, sendo a mesma atribuída aos tribunais, os quais administram a justiça em nome do povo. Incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Os tribunais podem ser coadjuvados por outras autoridades.
A Constituição permite igualmente no art.º 202 nº 4 a criação de instrumentos e formas de resolução alternativo de litígios, ou seja, formas não jurisdicionais de composição de conflitos.
Com base neste princípio foram implementados todos os meios alternativos
de resolução de conflitos, onde se inclui a mediação.
A mediação é definida na LM – Lei 29/2013 de 19 de abril, no seu artigo 2.º como:
“forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos”.
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A lei portuguesa está em harmonia com a Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho que define a figura da mediação como um:
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“processo estruturado, independente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre resolução do seu litígio com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal ou imposto pelo direito de um Estado-Membro”. 1
Podemos concluir que o procedimento de mediação tem como objetivo proporcionar um espaço de diálogo, possibilitando a investigação das motivações e problemas dos participantes, com recurso a um profissional – o mediador – independente e imparcial, que ajuda as partes na resolução do conflito.
É assim um meio alternativo de resolução de litígios, baseado na vontade das partes e com vista a uma solução consensual que satisfaça os interesses de ambas as partes, coadjuvado por um terceiro – o mediador.
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Em Portugal temos simultaneamente sistemas públicos de mediação, especialmente regulamentados, como a Mediação Penal, Mediação Familiar e a Mediação Laboral e a mediação Privada Civil e Comercial, regulada pela Lei da Mediação (Lei 29/2013 de 19 de abril), lei que resultou da transposição para o ordenamento interno da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia de 21 de maio de 2008 relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial.
A mediação de conflitos é, assim, muito recente no nosso ordenamento jurídico, sendo quase inexistente jurisprudência sobre esta temática. A sua atualidade justifica a importância do tema.
A mediação é uma forma de autocomposição dos conflitos, pois os sujeitos ativos da resolução do litígio são as próprias partes em litígio, ou seja, no fundo são as próprias partes que resolvem o litígio.
1 Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2008 – Disponível em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/?xxxxxxxxx:00000X0000.
Nos sistemas de resolução de conflitos temos meios Heterocompositivos e
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meio autocompositivos, os quais podem ser demonstrados no quadro
Quadro 1 – Sistema de Resolução de Conflitos
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Fonte: XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx (2013), La Mediación (1ª ed.), Madrid: Xxxxxxx Xxxx, pág. 31.
que se segue:
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A grande diferença entre os meios autocompositivos e heterocompositivos de resolução de conflitos é o sujeito que decide a resolução do conflito, nos primeiros são as próprias que decidem, ainda que coadjuvadas por um terceiro, nos segundos o conflito é resolvido por um terceiro dotado de poder para tal.
Não se pode confundir, contudo os meios autocompositivos com os meios alternativos de resolução de conflitos, já que a arbitragem é um meio heterocompositivo e simultaneamente um meio alternativo de resolução de conflitos. Os meios alternativos de resolução de conflitos são todos aqueles que se apresentam como “alternativa” aos meios judiciais tradicional – ao sistema judicial.
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De forma muito simplista podemos definir:
- Arbitragem, e de acordo com a Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxx:
“... pode ser definida como um modo de resolução jurisdicional de conflitos em que a decisão, com base na vontade das partes, é
confiada a terceiros. A Arbitragem é, assim, um meio de resolução alternativa de litígios adjudicatório, na medida em que o litígio é decidido por um ou vários terceiros. E essa decisão é vinculativa para as partes. A arbitragem aproxima-se do padrão judicial tradicional, sendo jurisdicional nos seus efeitos: não só a convenção arbitral gera um direito potestativo de constituição do tribunal arbitral e a consequente falta de jurisdição dos tribunais comuns,
como também a decisão arbitral faz caso julgado e tem
força executiva”. 2
- Negociação - É uma decisão coletiva, baseada na comunicação ativa, orientada para um resultado, implicando transformação de valores de maneira a que as partes cheguem a um acordo. Este processo central baseia-
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variáveis e na utilização do poder.
- Conciliação – A conciliação é uma forma especial de negociação, encaminhada por uma terceira pessoa, imparcial e neutra, que incentiva as partes na obtenção do acordo, agindo ativamente, propondo soluções. Difere da mediação por o mediador não poder propor soluções, apenas facilita a comunicação entre os mediados, e estes é que encontram a solução do conflito.
A conciliação está presente como no sistema judicial nas audiências preliminares e também nos Julgados de Paz. O ordenamento jurídico português admite ainda a conciliação realizada através de terceiros, nos Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo.
- Mediação – E de acordo com a definição constante na lei da mediação:
“forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos”.
2 GOUVEIA, Xxxxxxx Xxxxxx – Curso de Resolução Alternativa de Litígios. 3.a ed. Coimbra: Editora Almedina, 2014, pág. 119
A lei da Medição como forma de complementar o próprio conceito de
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mediação definiu como “Mediador de conflitos”, na al. b) do art.º 2:
“um terceiro, imparcial, e independente desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio”.
Princípios da Mediação
A lei da Mediação estabelece, no Capítulo II, um conjunto de princípios basilares, que são transversais a toda a mediação (penal, labora, civil
e comercial), determinando no seu art.º 3º a aplicação universal
destes princípios.
Os Princípios da Mediação são:
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- Voluntariedade;
- Confidencialidade;
- Igualdade e Imparcialidade;
- Independência;
- Competência e responsabilidade;
- Executoriedade.
Princípio da Voluntariedade
O Princípio da voluntariedade está plasmado no art.º 4º da Lei da Mediação, definindo a mediação como um procedimento voluntário, que necessita do consentimento esclarecido e informado das partes para a sua realização
e que às partes cabe a responsabilidade por todas as decisões tomadas no mesmo. Contudo o legislador não se ficou pela voluntariedade apenas para o impulso processual, afirmando que as partes podem a qualquer momento,
de forma conjunta ou individual, revogar o seu consentimento ou seja desistir do procedimento, enfatizando mais uma vez a vontade das partes como elemento essencial da mediação.
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Assim, o princípio da voluntariedade manifesta-se na iniciativa, permanência, condução e conclusão do procedimento. Assim, o princípio da voluntariedade, ou seja, de controlo pelas partes do procedimento, tem diversas dimensões:
- Ao nível da iniciativa processual – o procedimento só se inicia por vontade das partes, sendo por isso necessário o seu consentimento expresso em Protocolo de Mediação.
- Ao nível do terminus do processo – quer na vertente de livre abandono do processo durante o processo terminando-o quer na vertente final de realização ou não de um acordo, bem como quanto ao conteúdo desse acordo.
- Ao nível da escolha do mediador – os mediados têm liberdade de
escolha do mediador.
- Ao nível do desenvolvimento do processo - as partes é que definem como o mesmo se desenrola, que informação fornecessem, a sua duração, número de sessões, etc.
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Ainda com o objetivo de fortalecer a voluntariedade das partes, definiu-se que a recusa das partes em iniciar ou prosseguir com o procedimento de mediação não consubstancia violação do dever de cooperação estabelecido no Código Processo Civil, impedindo que as partes sejam obrigadas de iniciar ou prosseguir o processo por imposição judicial. Não existe mediação obrigatória.
A mediação é um processo livre, baseado unicamente na vontade das partes, sem essa vontade não mediação.
Princípio da Confidencialidade
O processo de mediação é confidencial, nos termos do art.º 5º da Lei
da Mediação.
O mediador está sujeito ao dever de sigilo, mesmo dentro do próprio processo de mediação, pois as informações obtidas de uma parte do litígio não podem ser comunicadas às outras partes sem o consentimento. Como garantia desde dever de confidencialidade, a Lei da mediação impede no art.º 28 que o mediador possa ser testemunha, perito ou mandatário em qualquer causa relacionada com o objeto da mediação.
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O conteúdo das sessões de mediação não podem ser valorados em Tribunal ou em sede de arbitragem em violação ao princípio da confidencialidade.
Assim, o dever de confidencialidade não recai só sobre o mediador, mas também sobre as partes, as quais não podem fazer valer-se do conteúdo das sessões de mediação.
O dever de confidencialidade conduto cede e pode cessar por razões de ordem pública ou quando seja necessário para efeitos de aplicação ou execução do acordo obtidos por via da mediação, na estrita medida do que, em concreto, se revelar necessário para a proteção dos referidos interesses.
Princípio da Igualdade e Imparcialidade
O mediador é imparcial nas suas relações com as partes, é neutro quanto ao
resultado do processo de mediação, respeita os pontos de vista das partes 12
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e preserva a sua igualdade na negociação e não tem o poder de impor uma solução às partes. O único objetivo do mediador é facilitar a comunicação, não tem interesse em nenhum resultado nem defende uma parte e não é um juiz ou arbitro – art.º 6 nº 2 da Lei da Mediação.
As partes devem ser tratadas de forma equitativa durante todo o procedimento e deve ser sempre garantido o equilíbrio de poderes e participação das partes.
Princípio da Independência
O mediador exerce a mediação de forma livre de qualquer pressão (art.º 7º da Lei da Mediação), e não está sujeito subordinado a nenhuma entidade, nem às partes.
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Princípio da Competência e Responsabilidade
Os mediadores devem ter formação própria e adequada, requisito essencial para fazerem parte da lista de mediadores de conflitos organizada pelo Ministério da Justiça. 3
No tocante ao princípio da responsabilidade significa que o mediador que viole os seus deveres de exercício da atividade fica sujeito a responsabilidade civil pelos danos causados.
Princípio da Executoriedade
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O princípio da executoriedade encontra-se definido no art.º 9 da Lei da Mediação, e estabelece que os acordos de mediação têm força executiva direta, sem necessidade de homologação judicial desde que cumpram cinco requisitos:
1. Digam respeito a um litígio que possa ser mediável e que a lei não exija homologação judicial – significando que o litígio incide sobre interesses de natureza patrimonial ou suscetíveis de transação
e que não se exija homologação (ficam de fora as mediações realizadas nos julgados de paz);
2. As partes tenham capacidade para celebrar;
3. Obtidos por mediação realizada nos termos legais;
4. Cujo conteúdo não viole a ordem pública;
5. Que seja celebrada por mediado inscrito na lista de mediadores
de conflitos organizada pelos Ministério da Justiça – vido nota 1.
3 xxxx://xxx.xxxx.xx.xx/xxxxxxxx/xxxx/xxxxxxxx-xxxxxxx dia 10.08.2018
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Os quatros primeiros requisitos prendem-se, no fundo com a licitude do acordo em fase da lei.
Ao abrigo de um princípio de reciprocidade entre os Estados Membros da União Europeia, estabelece-se o reconhecimento automático da força
executiva dos acordos de mediação celebrados noutros Estados Membros,
desde que aí gozem da mesma prerrogativa.
Outros princípios da Mediação
Para além dos princípios legalmente estabelecido a mediação beneficia dos seguintes princípios:
- Consensualidade - A finalidade de todo o processo é a obtenção
de um acordo satisfatório para as partes, desde que seja um acordo
exequível e que tenha em consideração os interesses envolvidos; 14
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- Extrajudicialidade – O procedimento de mediação poderá decorrer antes, durante ou depois de um processo judicial, isto porque a medição é autónoma face ao poder judicial, apenas se socorrendo dele para a consolidação jurídica dos resultados obtidos por via da homologação judicial dos acordos celebrados pelos interessados, se necessário for;
- Flexibilidade - O processo de mediação é ajustado à vontade e interesses das partes envolvidas, sendo assim flexível quer quanto à sua duração, número de sessões, assuntos a tratar, etc.
- Celeridade - A mediação procura dar uma resposta diferente da decisão judicial, não só ao nível do conteúdo, mas também de tempo e complexidade. Assim sendo, o princípio da celeridade garante que a resposta dada pela mediação ocorre num período de tempo inferior ao período de tempo em que é proferida uma decisão judicial.
- Proximidade - Este princípio caracteriza-se pela participação individual de parte no processo. O mediador ouve ambas as partes num ambiente próximo para compreender as motivações de cada um. O princípio da proximidade consubstancia-se, no fundo, pela ideia de uma solução consensual que nasce da vontade esclarecida de cada uma das partes.
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Mediação de confiitos e o Princípio
da Voluntariedade
A mediação tem natureza contratual, pois todo o procedimento se baseia num acordo entre duas ou mais vontades de submeterem um litígio a este tipo de procedimento, com vista à obtenção de uma solução consensual que satisfaça todas as partes envolvidas. Tendo natureza contratual, necessariamente que a vontade das partes é um pressuposto fundamental.
A natureza contratual da mediação é confirmada pelos art.º 4, 12º, 16 nº 2 e 3 e 20º da Lei da Mediação (Lei 29/2013 de 19 de abril), onde se estabelece o princípio da voluntariedade, da obrigatoriedade de celebração de protocolo de mediação, a definição dos seus elementos, e por fim o acordo.
O princípio da voluntariedade é uma condição sine qua non da Mediação, pois sem a vontade das partes, a qual deve ser livre e esclarecida, em iniciar o procedimento de mediação a mesma não existe. O princípio da autonomia da vontade que preside a celebração dos contratos aplica-se na mediação em
15 todas as suas vertentes.
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O princípio da autonomia da vontade consiste, genericamente, no poder das partes estipularem livremente, mediante acordo de vontades, os seus interesses, envolvendo, além da liberdade de criação contratual, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher a contraparte e de fixar o conteúdo do contrato, dentro dos limites fixado pela lei, pela ordem pública e pelos bons costumes.
Tal como já anteriormente mencionado, a Lei da Mediação no seu
art.º 4º define mediação como um procedimento voluntário, que necessita do consentimento esclarecido e informado das partes para a sua realização e que às partes cabe a responsabilidade por todas as decisões tomadas
no mesmo.
O princípio da voluntariedade ficou consagrado quer como impulso processual, quer como domínio das partes no desenvolvimento do procedimento e no seu terminus, quer por desistência quer levando o procedimento até ao fim, terminando com ou sem acordo de mediação.
Assim, o princípio da voluntariedade manifesta-se na iniciativa, permanência, condução e conclusão do procedimento.
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Convenção de Mediação
A convenção de mediação que é uma cláusula compromissória inserta num contrato, no qual as partes podem determinar sujeitar eventuais conflitos emergentes desse contrato à Mediação.
A Convenção de Mediação vem definida no art.º 12 da LM como um contrato definitivo e formal no qual as “partes podem prever, no âmbito de um contrato, que os litígios eventuais emergentes dessa relação jurídica contratual sejam submetidos a mediação”
Estas cláusulas de mediação, para além de terem de cumprir os requisitos gerais dos demais negócios jurídicos (capacidade, objeto, etc.), têm ainda que cumprir requisitos especiais. Saliente-se que ao nível da capacidade, o mediador tem o dever de verificar a legitimidade e capacidade para
a mediação e como tal, deverá verificar tal condição na convenção
de mediação.
Os requisitos especiais ou Condições de validade das cláusulas de 16
mediação são:
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1. Requisitos de forma – A convenção de mediação é um contrato formal, ou seja, tem de ter forma escrita (desvio à regra da consensualidade prevista no Art.º 219 C.C.), embora a forma escrita seja flexível. São admissíveis uma panóplia diversificada de formas nos quais se incluem documento escrito assinado pelas partes, tais como, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios eletrónicos de comunicação (art.º 12 nº 2 da LM). Tal como toda a violação à forma especifica prescrita, a convenção que viole esta forma prescrita é nula (Art.º 12 nº 3 e 220 CC).
2. Não seja aplicada em relação a matérias que a lei impõe o recurso aos tribunais arbitrais ou judiciais.
3. Requisito Substancial - O contrato principal deve recair sobre assuntos “mediáveis”, ou seja, deve recair sobre litígios que respeitem a interesses de natureza patrimonial (avaliáveis em dinheiro) ou caso os interesse não revistam cariz pecuniário não sejam direitos indisponíveis e como tal possam ser objeto de transação (art.º 11º nº 1 e 2 da LM). Saliente-se que é nula a convenção que viole esta regra – art.º 16 nº 3.
A convenção de mediação tem natureza contratual como já se viu e como tal
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corresponde à vontade das partes.
O art.º 405 do Código Civil, estabelece o princípio da Liberdade contratual, definido que:
“Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
Este princípio de liberdade contratual não é nada mais que um princípio de “voluntariedade” contratual, ou seja, as partes celebram os contratos que quiserem, como quiserem quando quiserem, neles apondo as cláusulas que lhes aprouverem, dentro dos limites estabelecido na lei.
A celebração de uma convenção de mediação corresponde em toda a linha ao princípio da liberdade contratual, permitindo às partes, mesmo que não estivesse expressamente previsto na lei da mediação, a possibilidade
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17 de inserir nos seus contratos as cláusulas que lhes aprouver, desde que as mesmas respeitem os limites legais (capacidade, objeto, legitimidade, etc.). Ao abrigo deste princípio de liberdade contratual as partes podem estipular, previamente e antes dos litígios existirem, que os mesmo sejam primeiramente dirimidos com recurso à mediação, e só em caso de frustração desta o recurso às vias judiciais.
No Regime Jurídico Português temos um princípio de eficácia dos contratos, definido, no art.º 406º do Código Civil, que determina que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Com base neste princípio, num contrato com uma cláusula de mediação inserta, significaria que ao cumprir pontualmente o contrato as partes deverão obrigatoriamente que recorrer à mediação.
E neste campo coloca-se a questão de eventual colisão com o princípio da voluntariedade, pois uma parte poderia ser obrigada a recorrer à mediação, num momento em que efetivamente já não desejaria recorrer a tal meio alternativo de resolução de conflitos.
Em caso de incumprimento contratual, o regime geral estipulado na nossa lei é a reconstituição natural, ou seja, o cumprimento coativo ou quando tal não seja possível a opção pela responsabilidade obrigacional pelos danos causados pelo incumprimento.
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Coloca-se, assim, a questão de saber em caso de violação da convenção de mediação, colocando o litígio diretamente no Tribunal sem previamente
o submeter à mediação, quais serão as suas consequências jurídicas
deste incumprimento.
Doutrinariamente são admissíveis três posições sobre os efeitos das cláusulas de mediação
1. As cláusulas têm efeitos puramente obrigacionais, o que significa que a sua violação gera a direito de indemnizar quem queria recorrer a medição e já não o pode fazer por o litígio estar já a seu decidido nos tribunais judiciais. Esta solução, determinaria que a parte não violadora teria que alegar e provar os danos que teve com a violação da cláusula de Mediação, o que pode ser muito difícil provar danos eventuais, com exceção dos custos
judiciais. Acresce que nunca se poderá afirmar que o procedimento de 18
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mediação teria o efeito pretendido, ou seja, se se conseguiria ou não a obtenção do acordo. Esta solução só será possível se existir uma cláusula penal para o incumprimento.
2. A violação da convenção de mediação tem efeitos meramente processuais, determinando a incompetência do tribunal para a análise do litigioso, configurando, assim, uma exceção dilatória. Esta solução oneraria muitas as partes, pois caso, a mediação não surtisse o efeito pretendido as mesmas teriam novamente que recorrer ao Tribunal. Não existiria, assim, um princípio de economia processual.
3. A violação da convenção de mediação determina a suspensão da instância e o reencaminhamento pelo juiz das partes para o procedimento de mediação. Esta é a solução preconizada pela lei portuguesa e que se
irá explicar.
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Regime Jurídico existente
No tocante aos efeitos da violação da cláusula de mediação, o art.º 12 nº 4 da LM determina a suspensão da instância pelo juiz. No entanto, tal suspensão não é oficiosa, ou seja, o tribunal não tem o dever de a conhecer nem indagar da existência de uma cláusula de mediação.
Muito pelo contrário é um ónus da parte interessada no cumprimento da convenção de mediação em alegar a sua existência e prová-la, requerendo no seu primeiro articulado (em regra a contestação) a suspensão da instância e remessa para o procedimento de mediação.
Este reencaminhamento para a mediação não significa que efetivamente a mediação tenha que ser levada a cabo até ao fim, pois as partes continuam com a possibilidade de terminar o processo de mediação mesmo sem a obtenção de acordo e até podem terminá-lo na sessão de pré-mediação. E neste caso seguiremos as regras do art.º 273 do CPC, ou seja, em caso de impossibilidade de acordo na mediação, o mediador dá conhecimento ao
19 tribunal desse facto, cessando automaticamente a suspensão da instância,
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sem necessidade de qualquer ato do juiz ou da secretaria.
Caso não seja obtido o acordo, o processo judicial continua, com base no princípio de economia processual.
Caso a mediação surta efeito e seja obtido o acordo, o mesmo é remetido ao tribunal, para a homologação, vide art.º 273 nº 5 do Código Civil, seguindo os termos definidos na lei para a homologação dos acordos de mediação, ou seja seguindo os parâmetros estabelecidos no art.º 14º da Lei da Mediação, que determina que o Tribunal verifique se o objeto do litígio pode ser objeto de mediação, a capacidade das partes, se o acordo respeita os princípios gerais de direito e se o seu conteúdo não viola a ordem pública, nem constitui um abuso de direito.
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Compatibilização com o Princípio da Voluntariedade e a Solução Preconizada
Como vimos o princípio da voluntariedade é um princípio que deve presidir em todo o procedimento de mediação, pois nele assente a essência da mediação que é um processo de partes, baseado na sua vontade.
A natureza contratual da convenção de mediação e o facto de a mesma estar sujeita ao princípio do cumprimento pontual dos contratos em nada fere
o princípio da voluntariedade, pois o mesmo está presente no momento da inserção da cláusula no contrato e porque as partes com base nesse princípio, podem acabar com o procedimento de mediação em qualquer momento, quer o procedimento se tenha iniciado voluntariamente quer
tenha sido reencaminhado pelo tribunal apenas baseado na vontade de uma parte. Assim, a voluntariedade é sempre respeitada.
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A obrigatoriedade da cláusula tem meros efeitos processuais que se consubstanciam unicamente na suspensão da instância de um processo judicial existente, para remessa para a mediação, sem impor, contudo,
a obtenção de um acordo final na mediação. Ou seja, a mediação não é imposta, mesmo em “cumprimento coativo de uma cláusula contratual”, apenas se impõe à parte que cumpra pontualmente o que se obrigou e que submeta o litígio a mediação, sem contudo impor a conclusão do processo em mediação ou sem sequer impor que o procedimento de mediação se inicie. É apenas imposto às partes a celebração da sessão de pré-mediação, não sendo obrigatório a celebração do protocolo de mediação.
Assim, cumpre-se a convenção de mediação e continuamos a deixar o princípio da mediação intocável, podendo as partes, se assim, o entenderem resolver o litígio judicialmente, sendo o processo reencaminhado para
o Tribunal.
Com a suspensão da instância em virtude da existência de uma cláusula de mediação, mediante requerimento da parte interessada, consegue-se compatibilizar o princípio da liberdade contratual, da voluntariedade da mediação e do cumprimento pontual dos contratos, sendo no fundo esta
solução muito parecida ao cumprimento coativo do contrato, pois no fundo
as partes acabam por cumprir a cláusula ao ir à sessão de pré-mediação.
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Conclusão
Conforme foi sendo descrito no nosso artigo existe plena compatibilidade
21 entre o Princípio da Voluntariedade e o Princípio do Cumprimento Pontual
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dos contratos nos quais foi inserto um pacto de Mediação ou Convenção de Mediação obrigatória para resolução de conflitos. O sistema jurídico Português protege ambos os princípios, compatibiliza-os e encontra soluções para os problema que surgem na sua própria compatibilidade -
exemplo: quando não se cumpre a própria cláusula de mediação obrigatória, o Código Processo Civil confere ao Réu interessado em fazer cumprir essa cláusula a possibilidade de a fazer cumprir, remetendo as partes para a mediação, sem contudo violar o princípio da voluntariedade, pois as partes mantêm-se detentoras das rédeas do processo podendo terminar este procedimento logo na sessão de pré-mediação.
O Princípio da liberdade contratual que preside a celebração dos contratos em Portugal, acaba por ser um afloramento do princípio da voluntariedade, pois a voluntariedade não é nada mais nada menos que as partes serem livres de escolher as cláusulas que colocam nos seus contratos, e como tal a cláusula de mediação obrigatória.
O princípio da voluntariedade consagrado na mediação, que saliente-se tem natureza ou cariz contratual, não é nada mais do que a consagração da liberdade das partes, que engloba necessariamente a liberdade contratual, pois têm liberdade para celebrar o protocolo de mediação e o acordo final nos moldes que melhor lhes aprouver ao abrigo da sua liberdade contratual.
Jornal jurídico
No tocante ao Princípio do Cumprimento pontual dos contratos, e suas
consequências em caso de violação da cláusula de mediação obrigatória, 22
Ponteditora
vimos que as consequências são meramente processuais e que não impõe de forma nenhuma uma mediação obrigatória, mas antes determinam única e exclusivamente a suspensão da instância, remetendo as partes para a mediação, conformando-se as mesmas com a mesma ou não. Ou seja, as partes podem manter-se no processo de mediação, podem terminar com
o mesmo na sessão de pré-mediação ou noutro momento, continuando o princípio da voluntariedade a atual em pleno.
Este princípio do cumprimento pontual dos contratos, que numa primeira análise poderia colidir com a voluntariedade da mediação, pois impõe o cumprimento do contrato o que limita a liberdade de escolha das partes, efetivamente não colide, pois não a cláusula de mediação resulta de um princípio de liberdade e como tal voluntariedade e depois porque a solução legal de suspensão da instancia, caso o litígio já esteja em tribunal com remessa das partes para a mediação, acautela também essa voluntariedade. Assim, se a parte efetivamente já não quer a mediação não será obrigada a tal e o processo será resolvido em tribunal. O que se impõe é o cumprimento do contrato, iniciando o procedimento de mediação, não obrigatoriedade de conclusão do mesmo.
Assim, podemos concluir que o não existe qualquer incompatibilidade entre princípio da voluntariedade, o princípio do cumprimento pontual dos contratos e a convenção de mediação.
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