Contract
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Matching e Determinação de Contratos nas Microempresas no Brasil
3.1.
Introdução
O desenho de contratos, sejam eles de trabalho, seguro ou delegação de responsabilidades, envolve dois problemas cruciais: a assimetria de informação e a divisão de risco.
A assimetria de informação, além de problemas de seleção, leva a questões de incentivo. Em muitos casos o principal não observa plenamente o esforço do agente, não podendo, dessa forma, atrelar o contrato a ele. Sendo assim, é preciso identificar sinais que sejam correlacionados com o esforço e possam ser atrelados à remuneração, de forma que se consiga estimular o esforço do agente [Xxxxxxxx (1974), Xxxxxxxxx (1979) e Xxxxxx e Xxxxx (1978)].
Uma das formas de garantir o esforço máximo do agente quando existe assimetria de informação, segundo a literatura, é repassar a empresa ao agente, ou seja, conceder o uso do capital físico em troca de um aluguel. Mas isso levaria a um segundo problema do desenho dos contratos caso os agentes não sejam neutros ao risco. Em contratos de aluguel, todo o risco da produção é suportado pelo agente, o que não é uma solução Pareto ótima quando o agente é avesso ao risco. Sob o ponto de vista da divisão de risco, os contratos mais eficientes seriam o de partição da produção, onde o percentual recebido por cada parte será determinado pela diferença do nível de aversão ao risco [Cheung (1969)].
De fato, grande parte da literatura de contratos concentra-se na relação entre riscos e incentivos, mas o sentido dessa relação é teoricamente controverso e objeto de análise empírica. A teoria da agência (agency theory) considera que, mantendo a aversão ao risco do agente constante, contratos atrelados a desempenho irão aparecer em ambientes onde o risco é menor. A explicação é que quanto maior a incerteza, maiores as compensações que teriam que ser dadas a um funcionário num contrato por desempenho. Assim, seria mais adequado num cenário de elevada incerteza um contrato de salário fixo.
Por outro lado, a teoria de delegação (delegation theory) prevê exatamente o oposto, argumentando que a relação entre risco e incentivo é positiva. A justificativa é que quanto maior a incerteza, mais difícil é o monitoramento do esforço do agente e nesse caso seria mais eficiente lhe dar poder de decisão de como executar suas tarefas e condicionar o pagamento à sua performance [Prendergast (2002)].
De modo semelhante, não há uma unanimidade sobre a importância do risco na determinação de contratos. Xxxxxx (2002) rejeita empiricamente o modelo de compartilhamento de risco puro, onde os contratos são determinados de acordo com a aversão ao risco do proprietário e do arrendatário. O autor enfatiza que a
preocupação com a conservação do bem arrendado pode levar à escolha de um contrato de partição da produção mesmo quando os arrendatários são neutros ao risco, uma vez que melhora a fertilidade futura da terra ao reduzir o esforço do arrendatário. Para Laffont e Matoussi (1995), as restrições financeiras são mais importantes que a aversão ao risco para explicar o desenho de contratos agrícolas. Outra linha da literatura tende a ignorar a disposição ao risco dos agentes e foca nos custos incorridos para garantir o cumprimento dos contratos e na dificuldade de transação de alguns tipos de ativos. Xxxxx e Xxxxx (1992), em um dos artigos clássicos da teoria de custos de transação, argumentam que os contratos de partição da produção devem ocorrer em ambientes com grandes possibilidades de exploração do solo e onde o custo de dividir a produção é baixo.
Toda essa discussão teórica necessita de validação empírica. Porém, estimar uma dessas hipóteses não é uma tarefa trivial. O principal problema é que apesar da aversão ao risco ter um papel fundamental, ela não é observada, pelo menos para o econometrista.
O uso de aproximações para determinantes fundamentais do contrato, como a aversão ao risco, pode resultar em estimadores viesados quando há uma associação endógena (endogenous matching) entre características do principal e do agente. Xxxxxxxxx e Botticini (2002) demonstram a importância de tal efeito, analisando dois tipos de contrato (partição da produção ou aluguel fixo) e dois tipos de plantação com graus distintos de risco (cereais e vinho) com dados da região italiana de Toscana coletados no século XV. Os autores estimam um resultado oposto ao da teoria convencional, que supõe que o cultivo mais arriscado (vinho) estará associado ao contrato de partição da produção. A explicação dada é que esse resultado é conseqüência da associação endógena de características do proprietário e do arrendatário. Se proprietários neutros ao risco associam-se a arrendatários avessos ao risco, o contrato ótimo é o de partição da produção. Mas, a aversão ao risco do agente faz com que ele escolha o plantio de cereais, resultando num equilíbrio onde o cultivo de cereais é verificado em terras contratadas por sistemas de partição da produção.
Portanto, se o resultado do processo de combinação endógena é relacionado a alguma heterogeneidade não observada que também afeta a escolha do contrato, a análise dos determinantes dos contratos de trabalho torna-se uma questão mais delicada. Embora a importância teórica do matching seja bem reconhecida, poucos estudos empíricos foram feitos na tentativa de mensurar a existência de combinação entre características do principal e do agente [Xxxxxxxxx e Salanié (2000)].
Inúmeros motivos podem levar à existência de matching entre o agente e o principal, sendo que a associação pode ser tanto entre características semelhantes (positive assortative matching), quando entre características opostas (negative assortative matching). Por exemplo, um principal com maior capacidade de monitoramento ou de medição da produção tende a se combinar com agentes com maior aversão ao risco, mais restritos a crédito e com maior custo de esforço, pois os dois preferirão estabelecer uma remuneração por xxxxxxx fixo [Xxxxxxxxx e Botticini (2002)]. Macours et al (2001) encontram evidências de associação positiva entre proprietários de terra e arrendatários: os proprietários preferem arrendar sua terra a arrendatários com o mesmo padrão de vida e que vivem no mesmo círculo social. Questões de seguro também podem ser importantes na combinação entre agentes, apontando para outra direção. Analisando a formação de grupos solidários para obtenção de microcrédito na Guatemala, Sadoulet e
Xxxxxxxxx (2001) encontram que os grupos são formados por pessoas com diferentes níveis de risco, numa tentativa de diversificar risco e diminuir a probabilidade de inadimplência coletiva.
No entanto, trabalhos que indicam a relação entre a combinação endógena de trabalhadores e a escolha do contrato são praticamente inexistentes. Este trabalho pretende justamente avaliar essa relação. Em primeiro lugar, testa-se a ocorrência da combinação endógena entre as características dos proprietários de microempresas e de seus empregados. Em seguida, avalia-se a influência dessa combinação na determinação de contratos. Para isso, se utiliza os dados da pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF) que investiga as unidades produtivas com até cinco empregados no Brasil e oferece uma grande oportunidade para se estudar a associação entre empregados e empregadores dada sua estrutura que liga os dados dos proprietários da firma com os de seus empregados (o que lhe dá a classificação de ‘linked employer-employee data’)
Encontram-se evidências da existência de associação endógena: proprietários contratam trabalhadores com o mesmo sexo, faixa etária e nível educacional que o seu. Uma justificativa para esse resultado é a apresentada no modelo de Cornell e Xxxxx (1996). O matching entre pessoas do mesmo tipo ocorreria simplesmente porque a familiaridade tornaria mais fácil fazer avaliações precisas e a alocação racional dos postos de trabalho faz com que se busque candidatos considerados de maior qualidade, que são mais fáceis de serem identificados no grupo de pessoas com características similares ao do proprietário. Além disso, avalia-se a influência dessa combinação sobre quatro tipos de contratos: salário fixo, salário fixo mais comissão, remuneração por peça ou tarefa e participação nas vendas. A análise concentra-se em mensurar o efeito do matching sobre uma variável dicotômica de contrato onde zero indica a forma contratual que não provê incentivos (salário fixo) e um indica o contrato que remunera o desempenho (xxxxxxx fixo mais comissão, por peça/tarefa ou
participação nas vendas).
A primeira vista, os resultados não indicam influência da associação endógena sobre a escolha dos contratos. Entretanto, ao se realizar alguns cortes na amostra na tentativa de se isolar o efeitos de fatores não observáveis que influenciam a associação entre empregados e empregadores, resultados aparecem. Há indicação clara de que trabalhadores e empregadores parecidos em termos de nível educacional ou gênero estabelecem contratos onde o empregado assume uma parte do risco, ou seja, onde risco é mais compartilhado. Outra evidência é que quando o trabalhador ou o empregador tem naquele trabalho sua fonte principal ou exclusiva de renda, há uma tendência de usar o contrato de trabalho como forma de se precaver contra o risco, havendo uma preponderância da escolha por contratos onde o risco é mais compartilhado.
Estudos sobre a determinação de contratos indicam que os indivíduos respondem a contratos que remuneram o desempenho [Prendergast (1999)] e que a remuneração por peça aumenta a produtividade dos trabalhadores [Lazear (2000) e Paarsch e Xxxxxxx (2000)]. Esse ganho de produtividade pode ser resultado tanto do aumento da produção dos antigos trabalhadores (efeito incentivo), quanto da contratação de trabalhadores mais eficientes atraídos pelo sistema de remuneração (efeito seleção) [Lazear (2000)]. Dessa forma, poderia se argumentar que contratos atrelados ao desempenho seriam mais vantajosos para os contratantes, uma vez que incentivam a produtividade mesmo quando o monitoramento não é possível e selecionam os melhores trabalhadores. Entretanto,
fatores como perda de qualidade do bem produzido, aumento dos custos de transação, realização de múltiplas tarefas, indivisibilidade da produção e alocação de risco impedem que a forma contratual que remunera o desempenho seja sempre utilizada.
Argumenta-se aqui que a questão de alocação eficiente de risco explica o resultado encontrado. Pessoas parecidas em termos de gênero, educação ou idade teriam graus de aversão ao risco semelhantes, o que faria com que o empregador pudesse passar parte do risco para o empregado. Ao estabelecer um contrato onde a remuneração do trabalhador é condicionada ao seu desempenho ou a situação do negócio, o risco é de alguma forma repartido entre o empregado e o empregador. Para um empregado avesso ao risco, o melhor contrato seria o de salário fixo, uma vez que teria uma remuneração garantida, independente do desempenho do negócio.
Os resultados encontrados são de grande importância para a literatura de contratos, uma vez que documentam a relação entre associação endógena de características e a escolha do contrato. Esse resultado torna-se ainda mais interessante dada a natureza dos dados. Trata-se de uma pesquisa individual, rica em informações sobre o proprietário, o pessoal ocupado e a estrutura a produtiva, o que permite o controle para uma série de características que podem influenciar a escolha do contrato. Ademais, o trabalho traz indicações sobre a determinação dos contratos nas pequenas firmas, que executam diversos tipos de atividades, mensuráveis ou não, algo muito pouco estudado na literatura internacional.
Este trabalho está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção descreve a base de dados e a terceira avalia a existência da combinação endógena. A influência do matching sobre o desenho dos contratos é testada na seção quatro. Por fim, a última seção apresenta as conclusões.
3.2.
Base de dados
Este trabalho utiliza a base de dados Economia Informal Urbana (ECINF), coletada pelo IBGE em 1997, com o intuito de entender a dinâmica dos pequenos negócios no Brasil. A pesquisa foi realizada da seguinte forma. Primeiro, os pesquisadores foram até domicílios pré-selecionados e aplicaram um questionário simples, no qual perguntava-se a posição na ocupação de cada morador do domicílio e algumas características pessoais como gênero, idade e renda auferida. Para as pessoas que responderam que eram trabalhadores por conta-própria ou empregador com até cinco empregados, foi aplicado um segundo questionário. Esse segundo questionário era dividido em três partes: uma com informações sobre a firma, outra com perguntas sobre o proprietário e por fim uma parte sobre cada pessoa ocupada no negócio. Dessa forma, é possível avaliar a relação entre as características do empregador e de seus empregados e controlar para a estrutura de produção e especificidades da atividade desenvolvida. Esse desenho faz com que essa pesquisa seja classificada pela literatura internacional como ‘linked employer-employee data’. Com esses três níveis de informações, é possível saber, por exemplo, o nível educacional do proprietário e de cada pessoa que trabalha no empreendimento, fatores de extremo interesse para a análise de matching.
Para efetuar a análise foram feitos alguns ajustes. A base de dados foi organizada de forma que cada observação seja um empregado. Excluiu-se da amostra todos os indivíduos que responderam que tinham alguma relação de
parentesco com o empregador. A exclusão de parentes foi feita por se acreditar que a relação de trabalho entre parentes e trabalhadores contratados é bem distinta, como é suposto em Feder (1985) e comprovado em Frisvold (1994).
A análise da existência de associação endógena foi feita através de variáveis binárias que indicam o gênero (igual a um quando é do sexo feminino) e o nível educacional dos empregados e dos empregadores. A informação sobre a educação dos indivíduos da ECINF é obtida através de uma variável categórica que indica se o indivíduo não tem instrução, possui primeiro grau incompleto, completo, segundo grau incompleto, completo ou ensino superior. Sendo assim, construiu-se uma variável indicadora que é igual a um quando o indivíduo não tem instrução ou tem o primeiro grau incompleto. A análise de combinação entre pessoas da mesma faixa etária foi feita com as variáveis originais da ECINF, que indicam a idade dos empregados e do empregador em anos.
Para se avaliar o tipo de contrato, utilizou-se a variável que informa sobre a base de pagamento do empregado, ou seja, indica se a remuneração do empregado é feita através de pagamento de salário fixo (por hora ou mensal), por xxxxxxx fixo mais comissão, por peça ou tarefa, por participação nas vendas, por retirada do sócio ou se o trabalhador é não remunerado. Como se está interessado na relação estrita e remunerada entre empregado e empregador, retirou-se da amostra todos os empregados que eram não remunerados ou recebiam como sócios. Criou-se, então, uma variável binária que é igual a zero quando o pagamento é independente do desempenho do trabalhador (salário fixo) e igual a um quando a remuneração contém algum estímulo à performance do empregado (xxxxxxx fixo mais comissão, por peça / tarefa ou participação nas vendas).
Dessa forma, a base utilizada contém 8.424 observações, onde cada observação é um empregado. A Tabela 11 mostra as estatísticas descritivas.
Pode-se observar que a relação entre homens e mulheres é maior entre os proprietários e que os proprietários são relativamente mais velhos e mais educados que seus empregados. Há um grande percentual de empregados sem instrução ou com no máximo primário incompleto: 46%. O mesmo percentual é de 27% para os proprietários. Sobre a base de pagamento, a maioria esmagadora dos empregados (80,4%) recebe um salário fixo.
3.3.
Matching
O teorema de ‘assortative matching’ de Xxxxxx (1973) afirma que pessoas com características similares irão se associar se essas características forem complementares (positive assortative matching) na produção de um bem comum e que pessoas com características opostas se juntam se essas forem substitutas (negative assortative matching).
Num contexto de mercado de trabalho, existem vários argumentos que apontam para a complementaridade de características similares. O primeiro é baseado na teoria de custos de transação - esses custos podem ser menores quando se contrata pessoas parecidas. Um segundo argumento diz respeito a questões de monitoramento - o esforço de uma pessoa parecida pode ser mais facilmente monitorado ou determinado. Além disso, é possível argumentar que trabalhar com pessoas do mesmo sexo ou da mesma faixa etária pode evitar conflitos de interesses.
Outro possível motivo para um haver uma combinação positiva entre empregados e empregadores é o apresentado no modelo de Cornell e Xxxxx (1996). Supondo que a seleção (screening) é importante e que é mais fácil para os indivíduos selecionar pessoas com as mesmas características e histórias pessoais, demonstra-se matematicamente que os empregadores tendem a contratar pessoas semelhantes mesmo quando não possuem preferências claras por indivíduos similares ou mesmo não acreditando que a qualidade entre os trabalhadores dos dois grupos seja diferente. A discriminação seletiva (screening discrimination) ocorreria porque os indivíduos se sentiriam mais capazes de distinguir entre trabalhadores ruins e bons numa população de pessoas com características similares.
O primeiro exercício deste trabalho concentrou-se na identificação da existência de matching entre características observáveis dos proprietários da firma e seus empregados. Mais especificamente, avaliou-se a existência de matching entre pessoas com a mesma educação, sexo e idade. Nos três casos realizou-se o mesmo exercício: estimou-se a característica de interesse do empregado como função da mesma característica do empregador e mais uma série de controles.
A Tabela 12 mostra os resultados da estimação para as variáveis dependentes educação, sexo e idade. A primeira coluna mostra o resultado da regressão simples de educação, de forma a avaliar a correlação entre o nível educacional do empregado e do empregador. Na coluna seguinte, introduziu-se controles em relação às características do proprietário, do empregado, características médias do pessoal ocupado na firma (idade média, sexo predominante entre a mão-de-obra, razão entre o número de familiares e o pessoal contratado, número de empregados e número de empregados com primeiro, segundo e terceiro grau), informações sobre a estrutura da firma (receita, patrimônio) e dummies de região geográfica. Na terceira coluna, foram acrescentadas dummies da atividade econômica desenvolvida pela firma (107 dummies). As colunas seguintes mostram os resultados do mesmo exercício para verificar a associação por gênero (colunas 4 a 6) e por idade (colunas 7 a 9).
Pode-se constatar que há uma associação significativa entre níveis educacionais semelhantes, sexo e idade. Mesmo com a inclusão de todos os controles, a correlação entre sexo, idade e educação do proprietário e do empregado continua elevada e significante a 1%. Note que a correlação persiste mesmo após a inclusão de 107 dummies para tipo de atividade econômica, o que demonstra que há um padrão de contratação de pessoas semelhantes que independe da atividade desenvolvida pela firma.
Contudo, a estimação revela que proprietários com menos de quatro anos de estudo têm 21 pontos percentuais a mais de chance de contratar trabalhadores com esse nível educacional, que o fato de ser mulher aumenta em 23 pontos percentuais a probabilidade de contratar uma pessoa do mesmo gênero, e que um proprietário um ano mais velho é associado a um empregado 0,23 anos mais velho.
3.4.
Contratos
Uma vez detectado a existência de matching, o próximo passo é avaliar se o
matching exerce alguma influência sobre a determinação de contratos. Ackerberg
e Botticini (2002) demonstram que quando há incentivos econômicos para a existência de matching e há características que não são observadas plenamente pelo econometrista, as estimativas das equações de contrato ótimas podem ser viesadas. Dessa forma, a regressão do tipo de contrato como variável dependente das características do empregado, do empregador e da firma devem levar a conclusões erradas sobre os principais determinantes dessa escolha. Entretanto, o que se está interessado é em avaliar se essa combinação específica entre empregados e empregadores do mesmo sexo, da mesma idade e do mesmo nível educacional influencia o tipo de contrato que eles estabelecem.
A coluna 1 da Tabela 13 apresenta os resultados da estimação da equação de contratos onde a variável dependente é igual a zero quando o trabalhador recebe salário fixo e igual a um quando a remuneração é atrelada à produção ou à receita da firma (salário mais comissão, pagamento por peça/tarefa ou participação nas vendas). Foram utilizadas como variáveis independentes: as características do empregado,22 do empregador,23 características médias dos empregados da firma,24 características da firma25 e região geográfica. Incluiu-se, ainda, dummies de associação endógena de educação, gênero e idade26 para avaliar se a associação identificada no exercício anterior influencia a escolha do contrato.
Os resultados indicam que empregados e empregadores com mesmo nível educacional e gênero estabelecem contratos por desempenho. Entretanto, pode-se argumentar que essa associação identificada é decorrente do tipo de atividade desenvolvida. Para avaliar, esse efeito a coluna 2 apresenta os resultados da regressão incluindo 107 dummies de atividade econômica. De fato, as dummies de associação endógena deixam de ser significativas.
Porém, fatores não observáveis afetam a escolha de contratos e podem ser especialmente fortes quando há associação endógena, conforme demonstrado por Xxxxxxxxx e Botticini (2002). Numa tentativa de isolar esses efeitos não observáveis, optou-se por excluir da amostra todos os empregados que declararam ter entrado no trabalho através de relações pessoais (75% da amostra). Os resultados estão apresentados na coluna 3 da Tabela 13 e são significativos. Analisando-se somente os contratos estabelecidos por pessoas que não se conheciam antes de começarem a trabalhar juntas, encontra-se que o fato de ter o mesmo nível educacional aumenta em 40% a probabilidade de estabelecer uma remuneração atrelada ao desempenho. Cabe frisar que esse resultado não pode ser explicado por questões de estímulo a produtividade, uma vez que as evidências são de que tanto empregados e empregadores com primário incompleto, quanto empregados e empregadores com segundo grau ou ensino superior, preferem estabelecer contratos por peça ou tarefa.
22 Idade, gênero, nível educacional, se entrou no negócio através de relações pessoais e tempo que trabalha na firma.
23 Idade, gênero, nível educacional e se possui outro emprego.
24 Idade média, sexo predominante entre a mão-de-obra, razão entre o número de familiares e o pessoal contratado, número de empregados e número de empregados com primeiro, segundo e terceiro grau.
25 Patrimônio, receita, se possui licença municipal e se atividade é desenvolvida fora do domicílio do proprietário.
26 A dummy de educação é igual a 1 quando o proprietário e o empregado têm o mesmo nível educacional,26 a dummy de gênero indica se proprietário e empregado têm o mesmo gênero e a variariável indicadora de associação por idade indica se ambos tem a mesma faixa etária
Outro exercício na mesma direção é apresentado na coluna 4. Nessa regressão só foi considerado no cálculo proprietários que moram no município há dois anos ou menos, na tentativa de considerar apenas pessoas que têm pouco conhecimento do mercado de trabalho local e de sua mão-de-obra, conhecimento este que pode também afetar a escolha do contrato. Os resultados também são fortes: o fato do empregado e do empregador terem o mesmo sexo aumenta em 40% a probabilidade deles estabelecerem uma remuneração por desempenho.
Entender porque pessoas "iguais" em termos de nível educacional e gênero preferem contratos que remuneram o desempenho torna-se a questão mais desafiadora. Uma possibilidade é que agentes mais parecidos tendem a ter preferências similares em relação ao risco, devendo estabelecer um tipo de contrato onde o risco seja mais compartilhado e não fique totalmente a cargo do empregador. A parcela de risco assumida pelo empregado irá depender da relação entre o seu nível de aversão ao risco e o grau de aversão de seu empregador [Cheung (1969)].
Outras duas análises interessantes são feitas nas colunas 5 e 6. Nesses casos tenta-se avaliar a influência do matching sobre a determinação de contratos de acordo com o grau de dedicação do proprietário e do empregador. A coluna 5 apresenta os resultados da análise feita só para proprietários que possuem outro trabalho e, consequentemente, outra fonte de renda. Encontra-se que empregados e empregadores com mesmo nível educacional têm 3% a mais de chance de escolherem um contrato de salário fixo. A explicação dada é que nesse caso o proprietário tem outra fonte de renda e, dessa forma, outras alternativas para lidar com o risco inerente ao negócio. Sendo assim, mesmo tendo aversão ao risco semelhante ao de seu empregado – caso semelhança de nível educacional indique semelhança de grau de aversão ao risco – ele poderia optar por assumir todo o risco desse contrato, uma vez que pode compensar a tomada de risco nesse negócio no outro trabalho.
A coluna 6 analisa o resultado simétrico a esse, tentando identificar o que acontecesse quando só há empregados que dedicam a maior parte de seu tempo – mais de 20 horas semanais – a esse empreendimento. Os resultados indicam que, para esses trabalhadores, ter a mesma faixa etária aumenta em 22% as chances de estabelecer uma remuneração por desempenho. A evidência é na mesma direção dos resultados da coluna 5: quando os empregados só tem aquele trabalho como principal fonte de remuneração, eles acabam tendo que lidar com questões de risco naquele contrato e acabam por estabelecer uma forma de remuneração onde o risco está compartilhado, com a possibilidade, inclusive, de ter um retorno esperado maior.
Dessa forma, os resultados da Tabela 13 indicam que há uma influência da associação endógena de características de empregado e empregador sobre a determinação de contratos. Aparentemente, essa influência ocorre de modo que pessoas mais parecidas têm parâmetros de aversão ao risco semelhantes e por isso optam por um contrato onde o risco seja mais compartilhado.
3.5.
Conclusão
Este trabalho avalia a existência de associação endógena entre empregados e empregadores por nível educacional, sexo e idade e investiga a influência dessa
relação sobre a determinação de contratos. Encontra-se evidências de que há uma associação endógena positiva de sexo, idade e nível educacional. O resultado de que proprietários de firmas preferem contratar trabalhadores com mesmo nível educacional, gênero e idade que o seu resiste mesmo quando se controla para distintas estruturas produtivas e para as mais de cem atividades econômicas existentes na amostra.
Além disso, avalia-se a influência dessa associação sobre a escolha dos contratos de trabalho e encontra-se que a associação de nível educacional, gênero e idade afetam a escolha de contratos, havendo uma preferência por contratos que remuneram o desempenho. Argumenta-se que esse resultado pode ser explicado por questões de partição de risco. Supondo que pessoas semelhantes em termos de nível educacional, gênero ou idade possuem níveis de aversão ao risco similares, contratos cuja remuneração está atrelada ao desempenho são preferidos por essas pessoas por proporcionarem uma divisão do risco mais igualitária.
Este trabalho apresenta importantes resultados para a literatura empírica de contratos. Além de comprovar a existência de associação endógena nas microempresas no Brasil, estima-se de forma indireta a importância do risco na determinação de contratos. A importância do risco na escolha de contratos é evidente na literatura teórica, mas de difícil verificação empírica dada as limitações das proxies de nível aversão ao risco.