O CONTRATO DE ADESÃO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A ECONOMIA
Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
Pós-Graduação em Contratos e Responsabilidade Civil
CARLOS ALBERTO CARNIELLI VILLELA
O CONTRATO DE ADESÃO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A ECONOMIA
Brasília-DF 2010
CARLOS ALBERTO CARNIELLI VILLELA
O CONTRATO DE ADESÃO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A ECONOMIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título no curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito em Contratos e Responsabilidade Civil, do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.
Xxxxxxxx-XX 0000
À minha família, Xxxxxx, Xxxxxxxx e Xxxxx, dádivas que não meço esforço em retribuí-las ao Pai a confiança depositada
Xxxxxxxx ao companheiro Xxxxxxx Xxxxxxx pela inestimável oportunidade oferecida.
O presente estudo visa mostrar o contrato de adesão e a sua importância para a economia, onde foram abordados aspectos econômicos e jurídicos contextualizando o tema proposto. O contrato de adesão é um instrumento que viabiliza a circulação de riquezas em uma economia de escala. O objetivo deste estudo é demonstrar que o contrato de adesão, balizado pela Constituição de 1988, garante os direitos fundamentais ao consumidor. Mostrar-se-á como se deu a evolução dos contratos verificando as conformações das relações existentes, os princípios aplicáveis à proteção contratual e a importância do contrato de adesão para a economia. Conclui-se que o contrato de adesão é de grande importância para a economia.
Palavras-Chave: contrato de adesão, direito e economia.
The present study shows the membership contract and its importance to the economy, were discussed economic and legal aspects contextualizing the theme. The membership contract is an instrument that allows the circulation of wealth in an economy of scale. The objective of this study is to demonstrate that the adhesion contract, sheltered by the Constitution of 1988 guarantees the fundamental rights of the consumer. Show will be as it was the evolution of contracts by checking the conformations of the relationship, the principles governing the protection of contract and the importance of the membership contract for the economy. We concluded the membership contract economy is of great importance to economy.
Keywords: adhesion contract, law and economics.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
Capítulo 1 12
1.1 Origem e Evolução dos Contratos 12
1.2 Princípios Contratuais 17
1.3 Pressupostos e Requisitos do Contrato 23
1.4 Teoria do Consentimento 24
1.5 O Contrato de Adesão 27
1.5.1 Natureza Jurídica 28
1.5.2 Características do Contrato de Adesão 29
1.6 Função Econômica do Contrato 31
1.7 Função Social do Contrato Versus Função Econômica do Contrato 33
1.8 Teoria do Custo de Transação 37
Capítulo 2 39
2.1 Princípios Aplicáveis `a Proteção Contratual nas Relações de Consumo 39
2.2 Pressupostos Aplicáveis ao Direito do Consumidor 40
Capítulo 3 433
3.1 A Importância do Contrato de Adesão para a Economia 433
3.2 Os Contratos e a Propriedade 466
Conclusão 488
Referências Bibliográficas 51
Anexo 1 - Livro de Urântia 533
INTRODUÇÃO
O tema em pauta aponta sobre o contrato de adesão e a sua importância para a economia. Para elaboração deste estudo, foi necessário abordar alguns aspectos econômicos e jurídicos que melhor contextualizassem o assunto. A contratação de, ou por, adesão carrega em si, por razões históricas, uma visão parcial do instituto, até mesmo maniqueísta.
No sistema econômico, com o rompimento do sistema feudal, a burguesia, em um primeiro momento dominado pela aristocracia, a nobreza etc, passa a reivindicar direitos na medida de suas contribuições. Torna-se ao longo do tempo importante classe social, valendo-lhes, com isto (diga-se, injustamente), pejorativos hodiernos de “exploradores do povo”.
Dando um salto à frente, com a chegada da Revolução Industrial a oferta de bens e serviços aumenta em proporções consideráveis, havendo, entre outras vantagens, ganhos na produção em escala, facilitando sobremaneira a aquisição de bens e serviços por parte da grande massa da população que, outrora, não tinha acesso.
Ocorre, com isso, a chamada “economia de massa” que se baseia na produção em altíssima escala. Esta fase do capitalismo contemporâneo, também chamada de pós-modernidade, apóia-se no consumo de massa e está modificando o cotidiano das instituições tradicionais.
A massificação do consumo necessitava de um instrumento que agilizasse as relações entre fornecedores e consumidores; surge, então, o “contrato de adesão”.
Como a maioria dos institutos do direito, a natureza jurídica do “contrato” não encontra conceituação unânime na doutrina, embora haja entre os doutos um traço comum, qual seja: “instrumento jurídico viabilizador da circulação de riquezas”.
Nesse sentido, o “contrato de adesão” é um instrumento viabilizador da circulação de riquezas em uma economia de escala, especialmente em determinados seguimentos onde há uma acentuada massificação do consumo,
embora ao se falar em “contrato de adesão” não se esteja falando em tipo contratual, mas uma técnica de formação do contrato.
Por outro lado, por razões históricas, os “burgueses” associados aos detentores do poder econômico foram injustamente estigmatizados como “exploradores do povo”. Importante ressaltar, que tal estigma pode ser debitado, sem medo de errar, aos chamados “formadores de opinião”, pseudo- elite intelectual encastelada nas academias, bancados pelo erário e militantes da esquerda. Em razão disso, os “contratos de adesão” associados aos “exploradores do povo” foram erigidos à condição de “inimigos do povo”.
Outro ponto de importância relaciona-se à suposição de que o aderente está em situação econômica inferior ao proponente. Assim não se pode entender, haja vista inúmeras situações em que, v.g. um grande empresário contrata com uma empresa de pequeno porte.
Questão interessante está em que, em regra, os autores que tratam do “contrato de adesão” o vêem de forma desfavorável, como se essa “técnica de contratação” tivesse apenas esta dimensão. Opor-se, ou mesmo compor, à esta dimensão chega a ser uma tarefa inglória.
Objetiva-se com este estudo demonstrar que o “contrato de adesão” devidamente emoldurado pela Carta, resguardados todos os princípios constitucionais que de um lado garantem os direitos fundamentais do consumidor, de outro propiciam à livre iniciativa (e seus desdobramentos) como mecanismo de uma economia forte na busca do pleno emprego, isto é, um instituto jurídico de extrema importância para a economia.
A presente monografia mostrará a origem e evolução dos contratos, apontando as conformações das relações existentes, os princípios contratuais, os pressupostos e requisitos do contrato, a teoria do consentimento, o contrato de adesão, a função econômica do contrato, a função social do contrato versus função econômica do contrato e o custo de transação. No capítulo II será explanado sobre os princípios aplicáveis a proteção contratual. Por último abordar-se-á no capítulo III sobre a importância do contrato de adesão para a economia.
É cediço que a ciência do Direito é essencialmente dialética (a terceira ciência do discurso numa escala ascendente em grau de confiabilidade – Teoria dos quatro discursos de Xxxxxxxxxxx). Decorre disto, a contrario sensu das ciências exatas onde 1 + 1 sempre será igual a 2, os diversos institutos do direito raramente encontram univocidade de conceitos e interpretações. Dito isto, e por uma questão metodológica, apenas quando o instituto tiver vinculação direta com o tema será discutido em maior profundidade; caso contrário, os conceitos e interpretações adotados neste estudo serão os constantes em textos legais.
Conforme aponta Prof. Reale
... Nenhum jurista pode ser contrário à elaboração de “categorias jurídicas” destinadas à disciplina dos fatos sociais, atendendo às exigências da igualdade entre fatos da mesma espécie, mas o que é criticável é pretender que tal solução seja obtida tão somente graças a fórmulas de natureza jurídica, sem levar em conta os fins éticos e
econômicos, por aqueles também reclamados.1
Xxxxx mostra que o jurista, superando os estreitos limites do positivismo, precisa alargar fronteiras ao operar o direito, jamais se dissociando da realidade nem das demais ciências que informam o conhecimento humano.
1 XXXXX, Xxxxxx. A Boa-fé no Código Civil. 16/08/2003. Disponível em: << xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx. xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx.xxx >> Acesso em: dez. 2009.
CAPÍTULO 1
1.1 Origem e Evolução dos Contratos
O direito sempre andou a reboque dos fatos. A sociedade, desde a mais remota, em suas relações, sempre imprimiu dinamicidade para a obtenção de resultados.
Diz o Prof. Xxxxx Xxxxx:
A índole do direito legal é marchar sempre com descompasso, no tempo, do fato técnico. A propensão do jurista é ser cauteloso no fazer leis. 2
Desta forma, os institutos políticos e econômicos, põem-se não apenas na frente, mas principalmente à apreciável distância dos institutos jurídicos destinados a discipliná-los. A tendência é o fato emergir e só muito depois de submetido ao atrito da aplicação, receber o tratamento da lei.
Mesmo em nosso século, de monopólio da civilização industrial e de dinamização técnica, observa-se esta defasagem, com o fato surgindo e só muito depois nascendo o preceito positivo para enquadrá-lo nos parâmetros do sistema jurídico. 3
As primeiras conformações destas relações ocorreram com fundamentos os mais diversos possíveis, religiosos, éticos, místicos, morais etc.
O saudoso Xxxxxx Xxxxx0 argumenta que o direito foi inicialmente, um fato social diferençado, confuso com outros elementos de natureza religiosa, mágica moral ou meramente utilitária. Nas sociedades primitivas, o Direito é um processo de ordem costumeira. Não se pode dizer que haja um processo
2 XXXXX, X. X. Othon. A Revisão Judicial dos Contratos e outras figuras jurídicas. Rio de Janeiro. Forense, 1984. 2ª ed.p. 92.
3 Idem.
4 XXXXX, Xxxxxx. Lições Preliminares de Direito. São Paulo. Saraiva, 1999. 24ª ed.p. 143.
jurídico costumeiro, porquanto as regras jurídicas se formam anonimamente no todo social, em confusão com outras regras não jurídicas. A cultura primitiva é como que uma nebulosa da qual se desprenderam, paulatinamente, as regras jurídicas, discriminadas e distintas das regras morais dentre outras.
Tal período do Direito costumeiro é o mais longo da humanidade. Alguns calculam em dezenas e até mesmo em centenas de milhares de anos a fase em que as formas de vida religiosa, jurídica etc., ainda não se distinguiam uma das outras. Mesmo quando a espécie humana começou a ter vaga noção dessas distinções, o Direito foi, durante milênios, pura e simplesmente um amálgama de usos e costumes.
Afirma Xxxxxxx Xxx0 que “o direito acompanha a natureza e as contingências da vida, pressupondo, portanto, a existência da lei natural de interdependência e de complementação existente entre os seres humanos;”
Indica a doutrina que o sistema de troca nas relações mais primitivas pode ser caracterizado como precursor na forma de contratar. Entretanto, apenas na fase do Direito Romano o contrato começa a tomar a forma dos dias atuais. Conforme Xxxxx Xxxxxxxx, no direito romano, o contrato baseava-se no formalismo e era de inspiração religiosa, firmado no direito canônico, assegurando à vontade humana a possibilidade de criar direitos e obrigações.
A formação de contratos, tanto no direito romano antigo, quanto no direito romano clássico, obedecia a forma requerida pela stipulatio, que era um processo geral de alguém contrair obrigação, e servia para dar forma a qualquer contrato. 6
Conclui o autor, citando o ilustre jurista Xxxxxxxx Xxxxxx: “Portanto, no direito romano, contrato era pacto + formas, sendo a fórmula aplicável ao acordo de vontades, para que surjam obrigações. 7”.
O termo contractus (unir, contrair), no direito romano, tem significado diverso do que se entende por contrato, o que não o excluía como um negócio.
5 XXX, Xxxxxxx. O direito e a vida dos direitos. 6 ed. Anotada e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais , 2004.p. 565.
6 SOBRINHO, Xxxxx xx Xxxxxxx. Contrato de Adesão e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo. Lex Editora, 2000.p. 48.
7 Idem. 49.
Com Xxxxxxxxxx0 tem-se o início da conformação dos contratos como é conhecido, nas figuras do pactum e da conventio, exprimindo o acordo de duas ou mais pessoas, com objeto definido, necessitando, porém, de uma certa solenidade, a qual conferia exeqüibilidade às tratativas.
Em tempos posteriores, duas correntes forneceram o substrato para a atual compreensão do contrato: Direito Canônico e Direito Natural.
Embora ambas tivessem por base a autonomia da vontade, o Direito Canônico realçava a importância do consenso, onde a vontade seria fonte de obrigação, e a certeza do cumprimento da palavra empenhada; já o Direito Natural superestimava a vontade livre das partes contratantes.
Para Xxxxxxx Xxxxx0 a contribuição canônica consistiu basicamente na relevância que atribuíram, por um lado, ao consenso, e por outro, à fé jurada. Na valorização do consentimento preconiza-se que a vontade é a fonte da obrigação, abrindo caminho para a formulação dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo.
A Escola do Direito Natural, racionalista e individualista, influiu na formação histórica do conceito moderno de contrato ao defender a concepção de que o fundamento racional do nascimento das obrigações se encontrava na vontade livre dos contratantes. 10
Também, pela importância que o contrato sempre desfrutou nas sociedades, o Prof. Dr. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxx00 traz luzes à historicidade do contrato, mostrando que o Direito romano conheceu uma reflexão sobre os contratos. O sentido deste, porém, não equivalia ao nosso, de fato os contratos que passaram a ser protegidos pela ação do pretor eram uma inovação, em contraste com os negócios tradicionais do direito antigo e ritual (sponsio e stipulatio). Afirma ainda que:
8 Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx conhecido simplesmente como Xxxxxxxxxx X ou Xxxxxxxxxx, o Grande, foi Imperador Romano do Oriente desde 1 de Agosto de 527 até à sua morte.
9 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000.
10 Idem. p. 6.
11 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxx. O Direito na história. Lições introdutórias. São Paulo. Xxx Xxxxxxx, 2000.
Os quatro novos contratos da vida comercial, já conhecidos e praticados no Mediterrâneo, inclusive pelos gregos, tornaram-se tipos novos, desenvolvidos, fundados na boa-fé: a compra e venda (emptio venditio), a locação (locatio conductio, dividido em três subtipos: locatio rei, operarum ou operios faciendi), o mandato e a sociedade. São os contratos nascidos do consenso, ditos obrigações
consensuais. 12
Assim, outras ações vieram proteger tipos não derivados dos ritos da stipulatio, ou seja, da obrigação nascida do uso das palavras sacramentais (obrigações verbais). Foram ações que garantiram a devolução de coisas (depósitos, mútuos, portanto ditas obrigações reais); que se provavam pelos escritos dos pais de família, ditas obrigações literais ou por escrito (litteris).
Atualmente, admite-se que os contratos no Direito romano eram verdadeiras fontes de obrigação. A fonte do vínculo era o contrato, e não a vontade das partes. Daí a convicção que os pactos puros e simples não geravam ação (ex nunc pacto actio non oritur). Para o jurista romano, o que interessava não era uma teoria geral do contrato, pois todo o Direito romano estava construído sobre as defesas e ações possíveis (actio ou remedy, do Direito inglês), e não sobre um conceito substantivo de direito ou contrato. Assim, ou um ato solene gerava uma ação (os negócios da stiupulatio, por exemplo) ou a ação se estendia a certas interações por meio da interpretação bona fidei. Não se esperava uma teoria geral dos contratos, mas da ação.
Segundo XXXXX00 a idéia de que os contratos, e não somente a vontade das partes, geram a obrigação dominou também boa parte do direito medieval acadêmico e letrado, conhecido como ius commune. Havia dois pressupostos na teoria contratual do século XII ao século XVII:
a) que os contratos eram tipos definidos, com finalidades específicas, aos quais as partes aderiam quando desejavam certas conseqüências jurídicas;
b) que o fundamento último dos contratos era realizar a justiça entre as partes, ou realizar a liberalidade, isto é, trocar igualmente entre iguais ou trocar porque um dos sujeitos desejava realizar uma liberalidade, aquela virtude que está entre a avareza e a prodigalidade e que consiste em doar
12 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxx. O Direito na história. Lições introdutórias. São Paulo. Xxx Xxxxxxx, 2000.
13 Idem.p. 391.
segundo o mérito e a conveniência de cada um, e que permite ao homem alegrar-se ou entristecer-se com as aquisições e perdas na medida certa (Xxxxxxxxxxx).
Ainda conforme o referido autor, ao trocar de forma justa, as partes dão-se reciprocamente o que é de cada um (pois a justiça consiste em dar a cada um o que é seu). Ao realizar a liberalidade, as partes dão do que é seu, e não do que é do outro, vão além do devido num sistema de trocas ou retribuição.
As transformações sociais sempre contaram com determinados marcos históricos, vale dizer, acontecimentos pelos quais, e a partir dos quais, a humanidade se vale para seguir um caminho diverso do qual trilhava.
Podem ser citados, dentre outros, o surgimento do Cristianismo, que, sem embargo das transformações operadas a partir de “Xxxxxx” após a fuga do Egito, engendrou uma nova relação entre os homens e Deus.
A forma como se entende hodiernamente remonta ao boom do capitalismo. Para Xxxxxxx Xxxxx:
A concepção moderna do contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização e do processo econômico de
consolidação do regime capitalista de produção. 14
Ainda no pensamento de Xxxxxxx Xxxxx00, o conjunto das idéias, então dominantes, nos planos econômicos, político e social, constitui-se em matriz da concepção do contrato como consenso e da vontade como fonte dos efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do indivíduo.
No campo da economia registrou-se um acontecimento que viria a se transformar no grande marco no modo de produção: a Revolução Industrial.
Caminhando em paralelo com a Revolução Francesa, que proporcionou o rompimento com o sistema feudal para o liberalismo, a
14 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000.
15 Idem. p. 7
Revolução Industrial, após uma grave crise no campo em razão do enfraquecimento dos feudos, trouxe uma enorme massa de trabalhadores para a cidade em busca de empregos nas nascentes indústrias que se formavam.
A burguesia, outrora excluída em razão do absolutismo, acumulou grande quantidade de capital, passando de uma atuação marginal ao centro da história. Conforme Xxxx Xxxxx,
assim como não por acaso que a primeira grande sistematização legislativa do direito dos contratos (levada a cabo pelo código civil francês, code Napoleon, de 1804) é substancialmente coeva do amadurecimento da revolução industrial, e constituiu o fruto político directo da revolução francesa, e, portanto, da vitória histórica conseguida pela classe – a burguesia – à qual o advento do capitalismo facultou funções de direção e domínio de toda a
sociedade16.
Apenas para constar, a doutrina majoritária (valendo por todos Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx00) aceita o contrato como inserido na seguinte ordem dedutiva: Fato Jurídico (lato sensu) > conforme o direito (lícito) > ato jurídico (lato sensu) > negócio jurídico > bilateral ou plurilateral (segundo a ótica dos sujeitos).
1.2 Princípios contratuais
Embora o objetivo deste trabalho não seja uma teoria geral dos contratos, entende-se, para melhor compreensão do Contrato de Xxxxxx, a necessidade de se discorrer sobre alguns pontos gerais.
Neste ponto do trabalho verificar-se-á o contrato em suas diversas formas e espécies, vale dizer, contrato puramente civil, mercantil ou consumerista, sabendo-se que cada um tem seu valor específico.
16 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Almedina. Coimbra. 2009.p. 26.
17 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Plano da Existência. 15ª edição revista. Editora saraiva. 2008.p. 125.
Xxxx Xxxxxxx Xxxx00 afirma no seu entendimento que a principiologia que informa a moderna concepção dos contratos não está por uma nova ordem, como se a teoria clássica dos contratos tivesse sofrido solução de continuidade, para inaugurar novos paradigmas. (GRAU, 2001).
O que se tem, em verdade, são movimentos cíclicos da sociedade, ora afirmando o individualismo ora primando pela sociabilidade dos direitos.
Xxxxxx Xxxxxxxxx afirma que
A realidade caracteriza-se, antes, pela alternância entre tendências individualistas e socializantes, ora predominando a liberdade clássica, enaltecida pela eficiência econômica do livre mercado, ora buscando, através da imposição de normas cogentes, um controle heterônomo sobre o conteúdo e os efeitos do contrato em vista do
ideal de construção de uma sociedade mais justa e solidária. 19
Longe de um rol exaustivo, os princípios que dão contorno aos contratos e ao direito dos contratos são: autonomia20 da vontade, consensualismo, força obrigatória, boa-fé, equilíbrio econômico e função social.
A expressão autonomia, que se encontra em dicionários da língua portuguesa a partir de 1836, resulta, em termos etimológicos, da conjunção de duas palavras gregas, autós e nomói. De autós tem-se a idéia de si mesmo, representando uma qualidade ou condição inerente e peculiar a um ser. E nomói corresponderia a norma ou regra. A junção do antepositivo grego autós com a palavra nomói gerou autonomia, que ingressou no vernáculo, provavelmente, por influência da palavra francesa autonomie.21
Literalmente autonomia da vontade é o anseio, o desejo, de praticar ou não um determinado ato por si mesmo, sem interferências.
18 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo Paradigma dos contratos? Revista Trimestral de Direito Civil. São Paulo, n. 05, p. 73-82, jan/mar. 2001.
19 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro. Xxxxxxx, 0000.x. 285.
20 Autonomia, segundo XXXXXXXX (1988) em seu dicionário, é a faculdade de se governar por si mesmo; vontade é a faculdade de representar mentalmente um ato que pode ou não ser praticado em obediência a um impulso ou a motivos ditados pela razão; sentimento que incita alguém a atingir o fim proposto por esta faculdade; aspiração; xxxxxx; desejo.
21 Dicionário Houaiss de Lingua Portuguesa. Cd-Room Completo. 2001, p. 351.
Embora a literalidade nos dê um norte, a autonomia da vontade sofreu ao longo dos tempos variações semânticas de acordo com o contexto econômico-social que se encontrava inserido. Neste contexto, a autonomia da vontade encontrou campo fértil, e em maior intensidade, no nascente capitalismo, pois este necessitava se ver livre das amarras resultantes do modo de produção feudal.
Valendo por todos, Xxxxxxx Xxxxx diz ser “o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica”22 “O contrato pertence à autonomia preceptiva.”23
Por derradeiro, Xxxx em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes afirma que:
a autonomia da vontade é a propriedade que a vontade possui de ser lei para si mesma (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é, pois: escolher sempre de modo tal que as máximas de nossa escolha estejam compreendidas,
ao mesmo tempo, como leis universais, no ato de querer. 24
Da autonomia da vontade abre-se caminho para a liberdade contratual que pressupõe: a) a liberdade de contratar ou abster-se de contratar; b) liberdade de escolher o parceiro contratual e o tipo de negócio a realizar e c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato e redigir suas cláusulas segundo suas conveniências.
Consensualismo é o acordo de vontades, manifestado pela declaração tácita ou expressa. Embora para alguns o termo “acordo” difere do termo “contrato”, entende-se que tal distinção é irrelevante, pois conforme Xxxxxxx Xxxxx:
as mudanças provocadas pela transformação do direito social vieram a aproximar os conceitos jurídicos de contrato e de acordo. Há basicamente dois sentidos tradicionais pelos quais os termos se distinguem. Numa primeira acepção, o acordo tem um significado
22 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000. p. 25).
23 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Teoria Geral do Direito. Âmbito Cultural. 2006. p. 149).
00 XXXX, X. Xxxxxxxxxxx xxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxxxx. Band VII, Werke in 00 Xxxxxx, Xxxx. von Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991, p. 74 (BA 87). p. 74.
mais amplo e aberto, podendo nele faltar algum dos requisitos formais do contrato, como a formalidade e a obrigatoriedade25.
A força obrigatória decorrente da autonomia da vontade, materializada no princípio romano da pacta sunt servanda, encontra sua força no entendimento de que ninguém é obrigado a contratar; entretanto, uma vez contratado tem de cumprir o acordado, desde que escoimado de vícios.
Corolário da força obrigatória dos contratos está a segurança jurídica fundada na Teoria Preceptiva, onde as obrigações assumidas devem ser cumpridas não apenas porque as partes assim o disseram, mas porque há um interesse de toda a coletividade em face das conseqüências que a falta de cumprimento pode trazer na seara econômico-social.
Ao longo do tempo este princípio vem sofrendo mitigações, sendo a primeira informada pela cláusula rebus sic stantibus do Direito Canônico. A Teoria da Imprevisão, de larga aplicação nos dias atuais, também relativizou a intangibilidade dos contratos.
Tema de grande e acalorados estudos, a boa-fé deita raízes no direito romano-cristão.
O termo “boa-fé” não é novo no ordenamento jurídico pátrio. Disposto pela primeira vez no vetusto Código Comercial (2 menções), foi efetivamente incorporado pelo Código Consumerista (2 menções) e posteriormente no atual Código Civil (55 menções). Segundo Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxx a boa-fé está contida no plano de validade, pois seu contrário (a má-fé) nulifica o negócio jurídico.26
A boa-fé, hodiernamente, pode ser compreendida sob dois aspectos: objetivo e subjetivo. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx:
Modernamente distingue-se a boa-fé subjetiva, que se refere a um estado subjetivo ou psicológico do indivíduo, aplicável notadamente no campo do Direito das Coisas (fala-se em ‘possuidor de boa-fé’, por exemplo), da boa-fé objetiva, correspondente a uma regra de
25 XXXXXX XX, Xxxxxxx Xxxxx. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. São Paulo. XX, 0000. p. 69.
26 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Plano de Validade. 9ª ed. Editora Saraiva. 2008. p. 88.
conduta, um modelo de comportamento social, algo, portanto, externo em relação ao sujeito. 27
No CDC as duas vezes tratadas se referem à boa-fé objetiva; já no CC tem ambas as concepções (v.g. nos arts. 113, 187 e 422, tem a concepção objetiva).
Interessante destacar, ainda, a observação feita por Xxxxxx Xxxxxxxxx00 que “a boa-fé subjetiva é contraposta à má-fé. O mesmo não se pode dizer em relação à boa-fé objetiva, cuja ausência não necessariamente caracteriza uma conduta intencionalmente lesiva à outra parte contratante.”
Afirma Xxxx Xxxxx que:
As situações, as relações, os interesses que constituem a substância real de qualquer contrato pode ser resumidos na ideia de operação econômica. De fato, falar de contrato significa sempre remeter - explícita ou implicitamente, direta ou mediatamente – para a ideia de
operação econômica. 29
Desta forma, e considerando o ensinamento do mestre italiano, usar- se-á a expressão “equilíbrio econômico” como equivalente à “equilíbrio contratual”.
O termo “equilíbrio” é ausente no Código Civil. Já o termo “econômico” usado se refere à finalidade ou atividade.
Entretanto, no Código do Consumidor o termo “equilíbrio” é mencionado três vezes (sendo uma vez “equilíbrio contratual”), todos no sentido literal, conforme consta no dicionário Aurélio30: igualdade, absoluta ou aproximada, entre forças opostas; boa proporção; harmonia. Ressalva-se, entretanto, a igualdade absoluta, pois o ordenamento jurídico nacional não busca tal forma de equilíbrio, haja vista, v.g. admitir contrato gratuito.
27 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000. p. 43.
28 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro. Xxxxxxx, 0000. p.122.
29 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Almedina. Coimbra. 2009. p. 8.
30 FERREIRA, Xxxxxxx Xxxxxxx de Holanda Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
Editora: Editora Nova Fronteira Ano: 1988.
Pergunta-se: o silêncio no Código Civil quanto ao termo “equilíbrio” seria eloqüente quanto a não-aplicação às relações civis? A resposta deve ser negativa, pois mesmo nas relações que não seja de consumo (v.g. civil, mercantil), pode haver desequilíbrio, razão pela qual pode ser corrigida por uma interpretação sistemática. Dizendo mais, alguns juristas (v.g. Xxxxxxx Xxxxxxxxx) chegam a dizer que “o princípio do equilíbrio econômico atua na formação do contrato – sendo este o terreno da lesão – e na sua revisão por força da alteração superveniente nas circunstâncias – sendo este o terreno da onerosidade excessiva.”, ambas as figuras previstas no CC/02.
A função social do contrato visa, se não combater, ao menos mitigar o princípio da relatividade dos contratos, segundo o qual a avença subtrai terceiros de seus efeitos, salvo as exceções normativas (v.g. contratos em favor de terceiros, promessas de fato de terceiros).
É preciso lembrar, ainda, que a função social do contrato precisa, por seus próprios delineamentos, ser uma via de mão dupla, isto é, as partes contratantes submetem-se às esferas de direitos de terceiros e vice-versa.
Interessante notar o disposto no parágrafo único do art. 2.035 do atual Código Civil, onde, salvo entendimento diverso, permite que o princípio em comento possa retroagir para estiolar o ato jurídico, em frontal desconformidade com a vedação expressa na Carta da República.
Destaca-se, por extremamente didático, a lição de Xxxxxxx Xxxxx ao dispor que:
A grande vantagem da explicitação legal da função social do contrato como limite à atividade privada não está tanto no momento inicial do contrato (a isso responde a teoria das nulidades), e sim no momento posterior, relativo ao desenvolvimento da atividade privada.31
31 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000. p. 51.
1.3 Pressupostos e Requisitos do Contrato
Como dito anteriormente, o presente trabalho não tem por escopo uma teoria geral dos contratos; portanto, as questões adjacentes serão abordadas em menor profundidade.
Os pressupostos do contrato, também chamados elementos extrínsecos, são: capacidade das partes, idoneidade do objeto e legitimação para realizá-lo.
A capacidade a que se refere é a capacidade jurídica que não se confunde com a capacidade natural (v.g. doente mental).
A idoneidade do objeto se refere à licitude, à possibilidade e à determinabilidade, bem como à adequação técnica (v.g. comodato de coisa consumíveis).
A legitimação diz respeito à vinculação, direta ou indireta, da pessoa com o bem objeto do contrato.
Os requisitos, também chamados elementos intrínsecos, são, segundo Xxxxxxx Xxxxx00: “consentimento, causa, objeto e forma”.
A regra geral quanto aos contratos é que a forma livre impera. Ocorre, entretanto, que em alguns casos, previstos em lei ou no negócio, a forma é da essência do ato, conforme disposto nos arts. 108 e 109 do Código Civil.
Para Carnelutti33 “causa é o interesse do agente como ele se lhe apresenta não na situação inicial mas na situação final.”, acrescentando que “causa do ato é o interesse que o agente procura com o seu ato realizar.”.
O objeto é todo o conteúdo do contrato, observando-se, sempre, a conformidade com o direito, isto é, a licitude, a possibilidade física ou jurídica e a determinabilidade; segundo Xxxxxxx Xxxxx00, “é o conjunto dos atos que as partes se comprometeram a praticar, singularmente considerados...”
32 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000. p. 53.
33 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Teoria Geral do Direito. Âmbito Cultural. 2006. p. 390/391.
34 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000. p. 65.
Para os fins deste trabalho, o “consentimento” é de grande relevância, ensejando, assim, um grau maior de aprofundamento.
1.4 Teoria do Consentimento
O consentimento nada mais é que a materialização escrita da vontade na relação contratual entre as partes. Deve-se entender que a relação contratual é aquela em que as partes capazes ou seus substitutos legais, manifestam vontade livre acerca de um objeto lícito, na forma que a lei determina (escrita).
A teoria da vontade se apóia na fé da palavra dada, que está ligada ao princípio da autonomia da vontade e que constitui um regra de moral social. Xxxxxxx Xxxxxx00, expondo o princípio da autonomia da vontade, dá sua fase filosófica histórica, afirmando que o Código Civil emprega, no art. 1.134m a expressão mais enérgica que se pode encontrar: “as convenções legalmente formadas fazem lei entre as partes.” Ao se lembrar do culto à lei durante o período revolucionário, a fórmula parece forte. Para se chegar a essa concepção da vontade soberana, foi preciso que a filosofia espiritualizasse o direito, libertando a vontade pura, da materialidade pelas quais ela se manifestava, a religião cristã impôs aos homens a fé na palavra escrupulosamente guardada, a doutrina do direito natural ensinou a superioridade do contrato, fundamentando-se nele a própria sociedade. A teoria do individualismo liberal afirmou a concordância dos interesses privados, livremente debatidos, com o bem público. Reinou-se assim, a doutrina da autonomia da vontade que é simultaneamente o reconhecimento e o exagero da onipotência do contrato.
O consentimento do aceitante manifesta-se apenas a título de adesão em bloco ao conteúdo preestabelecido. Ripert36 ao falar do código civil alemão já declarava “... Em certos contratos a posição das partes é tal que um dos
35 XXXXXX, Xxxxxxx. In: XXXXXXXX, Xxx Xxxxxxx de. Do Contrato de Adesão. Ver. TRT – 8ª X. Xxxxx, 00 (22):95-130, 1979.
36 Idem.
contratantes é obrigado a tratar das condições que lhes são oferecidas e impostas pelo outro. Dá-se a tais contratos o nome de Contratos de Adesão.”.
Os contratos de adesão, enquanto representam apenas uma forma de contratar, devem obedecer a todos os pressupostos e requisitos de validade deste. Para Xxxxxxxxx Xxxxxxxx00 os requisitos (Los elementos constitutivos) do contrato são: O consentimento, a causa lícita, a prestação (possível, lícita e determinável), a forma (quando requerida ad substantiam), e o motivo lícito (excepcionalmente).
Verifica-se que o consentimento é um dos elementos intrínsecos constitutivos de qualquer contrato. Revela-se, desta forma como o acordo de vontades exprimindo a formação do negócio jurídico bilateral. É uniforme as vontades distintas. A declaração de vontade do contratante, para ser válida, deve ser direcionada ao conteúdo real do contrato, atenta ao fim que o direciona a realizar o negócio.
Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 46, dispõem o seguinte:
Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não Ihes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
No contrato de xxxxxx, negócio jurídico bilateral, o consentimento deve-se dar por ambas as partes; com isso afastam-se alguns entendimentos de que o contrato de adesão teria características de ato unilateral, isto é, apenas uma das partes efetivamente manifestariam a vontade, por meio do consentimento.
Afirma Xxxx Xxxxx que: “Entre os negócios unilaterais, os mais importantes são o testamento (que é um negócio mortis causa) e as promessas unilaterais (que são, ao invés, negócio “inter vivos”).” Continuando o raciocínio:
As promessas unilaterais são declarações de vontade por efeito das quais o declarante assume obrigações em relação a um outro
37 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Doctrina General del Contrato. Ediciones Jurídicas Europa- América. Buenos Aires. 1952. págs. 72/73.
sujeito. Como veremos (infra, cap. III, 1.3.) elas são norteadas – diversamente dos contratos – por um princípio de “tipicidade” ou de “numerus clausus” (ou seja, são válidas e eficazes só as promessas unilaterais expressamente reconhecidas e disciplinadas na lei, não
sendo permitida aos particulares a criação de outro. 38
O termo consentimento, segundo o dicionário Houaiss39, pode ter dupla acepção, isto é, pode representar acordo de vontades, onde, no caso específico dos contratos, pode significar que as cláusulas sejam discutidas pelas partes envolvidas; pode, também, ser entendida como concordância, aquiescência, com as cláusulas elaboradas por uma das partes. No primeiro caso, é chamada pela doutrina de acepção lata; no segundo, restrita.
O contrato de adesão, em sua formação, adota a acepção restrita, mas nem por isso retira-lhe a legitimidade.
O consentimento atua no plano da existência, seja instrumentalizado pela teoria da vontade ou pela teoria da declaração, pois como afirma Xxxxxxx Xxxxxxxxx, ambas as teorias partem do equívoco como se vontade e declaração não fossem partes do mesmo, haja vista o que se tem é a declaração da vontade; isto porque, a vontade enquanto não externada é um irrelevante jurídico.
O que podemos dizer é que a vontade pode atuar no plano da validade ou da eficácia, mas não como elemento de formação do contrato.
Discorrendo sobre a autonomia da vontade, o eminente Prof. Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, em contraste com os chamados “contratos paritários”, afirma que:
Na contramão do contrato paritário está o contrato de adesão. Aquele em que o exercício da autonomia da vontade por parte do contratante, economicamente mais fraco, se limita à liberdade de contratar ou não, ou seja, à liberdade de aderir ou não às
38 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Almedina. Coimbra. 2009. p. 74.
39 Dicionário Houaiss de Lingua Portuguesa. Xx-Xxxx Xxxxxxxx.0000.
condições impostas pelo preponente, em regra, economicamente mais forte.40
Ousamos discordar do i. Professor. Primeiramente por não estarem em uma relação binária (paritário/adesão), pois ainda que haja uma ou outra forma de contratar, isto por si só, não leva, necessariamente, à conclusão de que de um lado (no caso, aderente) haja alguém mais fraco economicamente.
O exercício da autonomia da vontade ocorre em 3 momentos distintos: liberdade de contratar, com quem contratar e o que, ou como, contratar, conforme muito bem lembrado pelo Prof. Xxxxx Xxxxx, citando doutrina do saudoso Xxxx Xxxxx.
Quando o eminente Professor afirma que o aderente tem autonomia apenas no primeiro momento, corre-se o risco de reduzir o campo de aplicação na forma de contratar por adesão, o que, evidentemente, criaria uma distorção no instituto, haja vista sua análise não ocorrer dentro de um sistema.
1.5 O contrato de adesão
Com a Revolução Francesa e, posteriormente, com a Revolução Industrial, bem como o aperfeiçoamento comercial, profundas modificações ocorreram no mundo negocial, superando as formas de contratar tradicionalmente aceitas. Este novo quadro fez com que as técnicas conhecidas de oferta e contra-oferta fossem repensadas à luz de uma necessidade negocial intensa e célere.
A passagem da produção em escala artesanal para a industrial, exigida pela produção em massa, fez com que a contratação não se desse mais com o caráter livre e negociações longas.
Fatores como a universalização do mercado, empresas coletivas com dimensões em progresso, maior interdependência entre as relações de trabalho em face dos novos processos de fabricação e maior aglomeração
40 XXXXXX, Xxxxx X. Xxxxx X. Direito do Consumidor. Ed. Atlas, 2009. p. 7
urbana, desequilíbrio entre os indivíduos etc, exigiram alterações estruturais e funcionais nos mecanismos intersubjetivos de relações negociais.
Segundo Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx
É aí que começam a perder terreno as concepções voluntarísticas, iniciando-se um processo de objetivação caracterizado pela progressiva perda de relevância do elemento volitivo, da intenção real e efetiva do declarante, ganhando peso crescente o próprio
comportamento declarativo, tal como exteriormente observado. 41
Para a organização, seguindo o pensamento de Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00, a relação econômica nuclear passa a ser a que estabelece com os consumidores, pois vendo-se dotada de uma grande capacidade produtiva, propiciada pelos avanços tecnológicos e pela disponibilidade de vultuosos capitais que as formas societárias – sobretudo a sociedade por ações – reúnem, tem todo o interesse em que o processo circulatório se desenvolva com fluidez e segurança, por forma a colocar no mercado o maior número de produtos. Daí que a atividade de vendas não possa ser entravada por momentos de irracionalidade subjetiva, por pressupostos individuais de foro interno do declarante, incidentes sobre a base volitiva do negócio.
1.5.1 Natureza Jurídica
Há grande divergência sobre a natureza do contrato de adesão. Por um lado têm-se os que negam a sua natureza contratual; do outro lado, os que advogam a contratualidade como da sua essência.
Há efetivamente contratualidade. Os contratos em geral são espécies de negócios jurídicos que pressupõem a participação de duas partes. Igualmente os contratos de adesão só têm existência a partir do momento em que ocorre a aceitação em bloco das cláusulas predispostas pela outra parte, ou seja, só se efetiva quando a pessoa consente. Formam-se, como qualquer contrato, pela composição de vontades distintas.
41 XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Direito dos Contratos. Coimbra Editora, 2007. p. 15.
42 Idem p. 17
Dereux43 procura ressaltar que os efeitos jurídicos advindos do contrato de adesão emolduram a posição contratualista, não justificando tratamento especial como categoria distinta.
A questão hoje se encontra superada. O atual Código Civil ao tratar desta forma de contratar, nos arts. 423 e 424, afastou dois pontos discutidos pela doutrina: a natureza jurídica de contrato e sua nomenclatura, isto é, “contrato de adesão” e não “contrato por adesão”
Também, ressalte-se, que não se trata de espécie do gênero contratos, pois as várias espécies estão dispostas a partir do art. 481 e em leis esparsas (nominados); antecipadamente afasta-se a alegação de que o contrato de adesão estaria inserido no permissivo do art. 425 (inominados), pois esta disposição se refere ao objeto possível dos contratos e não à sua formalização.
1.5.2 Características do Contrato de Adesão
O contrato de adesão, por não haver uma emolduração legislativa específica, ainda é objeto de grande divergência doutrinária quanto às suas características.
Entretanto, há três características que encontram grande aceitação na maioria dos autores quanto àquela forma de contratar. São elas: generalidade, abstratividade e uniformidade.
A abstratividade pode ser considerada como que o ofertante não tem interesse em tratar de casos especiais nem de prover à solução de um ou de outro conflito ou ameaça. Deve procurar zelar para que a maior quantidade possível de pendências seja tratada de maneira genérica pelo texto predisposto.
43 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de Adesão: Condições Gerais dos Contratos. São Paulo. XX, 0000.
A generalidade deve ser entendida como que a oferta é dirigida a qualquer pessoa, independentemente de suas circunstâncias. A oferta procura atingir o maior número possível de compradores.
A uniformidade, extraída da racionalização da atividade econômica, pode ser considerada como disposições de conteúdo invariável, isto é, independente de quem seja o oblato as cláusulas contratuais são as mesmas.
Quando se tratar de relação consumerista, há alguns balizamento previstos no art. 54 do CDC. Nesta forma típica de contratar, o consumidor não participa com o fornecedor da elaboração das cláusulas da relação contratual de consumo, pois o âmago desse contrato encontra-se pré-estabelecido e imutável no seu conteúdo primordial:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfi gura a natureza de adesão do contrato.
§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula res olutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.
§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigido s em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direi to do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
§ 5°(Vetado).
Ademais, a eventual inserção de cláusula no formulário não vem desfigurar a natureza do contrato de adesão, bem como a admissão de cláusula resolutória é possível, cabendo a escolha ao consumidor, tendo em vista o princípio da continuidade dos contratos.
Logo, os contratos de adesão são fórmulas contratuais pré- estabelecidas, que vêm mitigar o princípio da autonomia da vontade e vêm tornando-se prática extremamente comum, especialmente nos contratos bancários, securitários e transportes.
1.6 Função econômica do contrato
A Teoria Econômica sempre ignorou o contrato, analisando as transações exclusivamente pelo sistema de preços. A partir do trabalho desenvolvido por Xxxxxx Xxxxx Xxxxx00 (economista britânico) as transações passaram também pela ótica dos contratos.
Nesta linha doutrinária surge a chamada Law and Economics, com a vertente na Análise Econômica do Direito, cuja expressão emerge intensivamente na Escola de Chicago.
Alargando fronteiras, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xx. afirma que:
Nessa nova contextualização, todavia, não se pode olvidar a imperiosidade de se examinar o direito contratual à vista dos dados econômicos, já que o contrato nada mais é do que o instrumento de jurisdicização dos comportamentos e das relações humanas no campo das atividades econômicas, isto é, das atividades de
circulação de riqueza. 45
Na esteira da obra de Coase46 acima citada (Teoria da Firma) a firma pode ser considerada um arranjo institucional, com aspectos internos e externos. Nos aspectos internos estes arranjos estão voltados para a forma como se conformam os diversos fatores entre si dentro da firma; no aspecto externo a referência está entre a firma e os diversos agentes. Afirma Xxxxx Xxxxxxxxxxxx que:
Para que os indivíduos realizem investimentos e façam surgir o pleno potencial das trocas através da especialização, faz-se necessária a redução nos custos associados a riscos futuros de ruptura das promessas. Vistas como um conjunto de contratos, as firmas representam arranjos institucionais desenhados de modo a
44 XXXXX, Xxxxxx. The Firm, the market and the Law. Chicago: Chicago University Press, p. 27
– 8, 1988. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx. Direito, Economia e Mercados.
Rio de Janeiro. Elsevier, 2005.
45 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O Contrato e a sua Função Social. 3ª ed. Editora Forense: 2008. p. 115.
46 XXXXX, Xxxxxx. The Firm, the market and the Law. Chicago: Chicago University Press, p. 27
– 8, 1988. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx. Direito, Economia e Mercados.
Rio de Janeiro. Elsevier, 2005.
coordenar (governar) as transações que concretizam as promessas definidas em conjunto pelos agentes. 47
Desta forma, consideram-se arranjos contratuais aqueles internos às firmas que definem as relações entre agentes especializados na produção, bem como os arranjos externos às firmas que regulam as transações entre firmas independentes, podendo ser estendidos para as transações entre o Estado e o setor privado (regulação).
Xxxxx Xxxxxxxxxxxx afirma que Xxxxxx define o contrato stricto sensu
como:
uma promessa salvaguardada pelo ambiente institucional, no qual é possível a aplicação uma sanção no caso de descumprimento. Ou seja, o autor considera como contrato apenas as relações suportadas pelo aparato jurídico e sujeito à coerção pública. 48
Desta forma, são três as razões apontadas por Xxxxxx, conforme Xxxxx Xxxxxxxxxxxx 49 para a existência dos contratos, a saber: “prover a alocação eficiente do risco (teoria da agência), prover incentivos eficientes (teoria dos incentivos) e economizar em custos de transação ex post (Economia dos Custos de Transação).”
Cada sociedade, considerando seus contextos e ideologias, determinam a forma que a riqueza e o poder será distribuído. Por isso o contrato desempenha um papel relevantíssimo nas relações de produção e distribuição. As empresas, associações etc desempenham um papel importante na forma de contratar.
Xxxxx, como bem diz Xxxx Xxxxx00, lastreado na doutrina de Maine, aponta que a organização econômica51, por seu lado, liga-se, estruturalmente, em larga medida (determinando-a e até, em certo sentido, identificando-lhe) com a organização social. Desta forma também, a evolução desta se reflete na evolução do contrato, transformando o seu papel e modificando o seu âmbito de incidência com a mudança da fisionomia das relações sociais.
47 ZYLBERSZTAJN, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxx. Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier: 2005.p. 54.
48 Idem.
49 Ibidem.
50 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Almedina. Coimbra. 2009.
51 vale dizer o modo de produção e troca de bens.
Desta disciplina existe, na história do pensamento jurídico institucional, uma aplicação operada pela doutrina de Xxxxx Xxxxxx Maine52. Com a lei de Maine’ – exprimi-se a ideia de que:
enquanto nas sociedades antigas as relações entre os homens
– poder-se-ia dizer o seu modo de estar em sociedade – eram determinadas, em larga medida, pela pertença de cada qual a uma certa comunidade ou categoria ou ordem ou grupo (por exemplo a família) e pela posição ocupada no respectivo
seio.53
Deriva-se daí, mecanica e passivamente, o seu status, ao invés, na sociedade moderna, tendem a ser, cada vez mais, o fruto de uma escolha livre dos próprios interessados, da sua iniciativa individual e da sua vontade autônoma, que encontra precisamente no contrato o sem símbolo e o seu instrumento de atuação. (ROPPO, 2009)
1.7 Função Social do Contrato versus Função Econômica do Contrato
A função social do contrato positivada no atual Código Civil vem levando alguns intérpretes a tirarem do contrato sua função precípua: econômica. Outros vão mais longe ainda, tornam inclusive sem efeito a autonomia da vontade, o que é de pronto rechaçado pela jurisprudência, como por exemplo, recentíssimo voto da relatoria da eminente Min. Xxxxx Xxxxxxxx afirmando que:
O exame da função social do contrato é um convite ao Poder Judiciário, para que ele construa soluções justas, rente à realidade da vida, prestigiando prestações jurisdicionais intermediárias, razoáveis, harmonizadoras e que, sendo encontradas caso a caso, não cheguem a aniquilar nenhum dos outros valores que orientam o ordenamento jurídico, como a autonomia da vontade. 54
52 Estudioso inglês do século passado, segundo o qual todo o processo de desenvolvimento das sociedades humanas pode descrever-se, sinteticamente, como um processo de transição do ‘status’ ao contrato.
53 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Almedina. Coimbra. 2009.p.26.
54 ANDRIGHI. Xxxxx - Xxxxxx extraído da ementa do REsp nº 972.436, publicado no DJ de 12.06.2009.
Ainda, conforme a Min. Xxxxx Xxxxxxxx
O fato do comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função social do contrato. A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles
derivados das condições da lavoura. 55
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xx.56, em grau máximo de lucidez, levanta a seguinte questão: “Mas, que função social maior pode ter o contrato senão aquela que justifica sua existência: servir à circulação de riquezas, proporcionando segurança ao tráfego do mercado?” Também diz que:
A função social que se atribui ao contrato não pode ignorar sua função primária e natural, que é a econômica. Não pode esta ser anulada, a pretexto de cumprir-se, por exemplo, uma atividade assistencial ou caritativa. Ao contrato cabe uma função social, mas não uma função de ‘assistência social’.57
Tratando do justo contratual, Xxxxxxxx e Xxxxx00 afirmam que na filosofia grega, Xxxxxx ou Xxxxxxxxxxx a justiça celebrada uma das quatro virtudes cardeais: a prudência, a coragem, a temperança e a justiça.
Ainda para os citados autores, a virtude, na visão dos filósofos resume a disposição permanente para cumprir e querer cumprir toda espécie de atos morais. Daí o fato de que o jus tem originalmente, sentido religioso; tal sentido alarga-se com a história para o sentido do Direito. Xxxxxxxx e Saddi59 afirmam que:
55 ANDRIGHI. Xxxxx - Xxxxxx extraído da ementa do REsp 803.481, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx.
56 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O Contrato e a sua Função Social. 3ª ed. Editora Forense:2008. p. 117.
57 Idem. p 116.
58 PINHEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro. Elsevier, 2005.
59 Idem.
Ora, a noção de troca “justa” é o que embasa o contrato. O ditado de que o “que é combinado não é caro” resume a sabedoria popular de que, numa promessa, aquilo que é justo, acordado entre cada uma das partes de uma negociação, deve ser cumprido.
Se o valor da contrapartida num contrato é acordado num instante de tempo, no outro, pode não mais ser válido, seja porque se alteraram as condições originalmente combinadas, seja porque uma das partes não quer mais cumprir o contrato, seja porque o que era justo no momento da contratação não é mais na liquidação.
o conceito de justiça e do que é justo é extremamente fluído e impreciso. Pode-se dizer que o valor justo de um contrato é aquele que as partes se empenham em cumprir? E isso é tautológico, já que se está definindo o conceito por ele mesmo.60
Evidentemente é fácil observar e entender situações limites de injustiça: uma delas, da compra da Ilha de Manhattan (vide Box acima) ou na história bíblica de quando Xxxx promete ceder seus direitos hereditários a Jacó por um prato de sopa. Mas mesmo em tais casos, para os índios, a ilha valia muito pouco, ou para Esaú, bens materiais para ele nada representavam.
Resumidamente, o que vem a ser um contrato justo? Como medir justiça contratual neste sentido? Ou como tais contratos deveriam ser preenchidos? Não são conceitos fáceis nem há um único modelo que sirva a todos os casos. Mas, como certeza, o que é justo tem alguma conotação com o que é “de direito”, mas também com o que é “eficiente”. Castelar e Saddi (2005). Apontam os referidos autores um segundo conceito importante que é o de “equilíbrio contratual” na visão de Xxxxxxx Xxxx:
Trata-se de, num contrato bilateral, a noção de “resguardar, de um lado, o valor real das prestações, que não pode ser esvaziado pela inflação, e, de outro, o equilíbrio contratual inicial que deve ser mantido durante toda a execução do acordo firmado pelas partes. Trata-se de dar ao contrato um caráter dinâmico que se justifica pela fase de instabilidade e de mudanças rápidas que o Brasil e o mundo
atravessam. 61
60 Ibidem.
61 PINHEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro. Elsevier, 2005.
Na leitura de Law & Economics vê-se que para Xxxxxxx Xxxxxx a distribuição de justiça é medida de eficiência econômica, já que o direito restabeleceria os princípios da eficiência econômica. Conforme Xxxxxxxx e Saddi62: Xxxxxx escreveu um segundo significado para a justiça da seguinte forma:
A justiça é simplesmente eficiência. Quando descrevemos injusta uma condenação sem provas, uma tomada de propriedade sem justa compensação, ou quando se falha em responsabilizar um motorista descuidado em responder à vítima pelos danos causados por sua negligência, podemos interpretar simplesmente que a conduta ou prática em questão desperdiçou recursos.
Em outras palavras, para Posner a justiça contratual está baseada em eficiência. É necessário entender que só existem contratos eficientes e justos quando houver contratos exeqüíveis, ou seja, cobrados que possam ser executados se algo “der errado”.
Xxxxxxxx e Xxxxx questionam o seguinte acerca do contrato exeqüível:
O que faz um contrato exeqüível? Se é por meio da liquidação do que está ali pactuado que qualquer contrato se realiza, com a extinção das obrigações a quem derem origem, um contrato pode “dar errado” por várias razões. Sem entrar nas várias modalidades de erro – que serão tratadas mais adiante – um contrato pode, primeiramente, dar errado, ou não ser exeqüível pela possibilidade de não ter previsto uma condição ex ante na sua elaboração. Por
isso podemos afirmar que todos os contratos são incompletos. 63
Várias são as vantagens do contrato de adesão: agilidade, possibilidade de representação à longa distância física do ofertante, possibilidade de atendimento célere de uma grande quantidade de pessoas, padronização administrativa e jurídica nas questões contratuais, baixo custo operacional e praticidade.
Nesta perspectiva econômica ressalta em importância a chamada “Teoria do Custo de Transação”.
62 Idem.
63 Ibidem.
1.8 Teoria do Custo de Transação
A Teoria dos Custos de Transação é matéria eminentemente ligada à economia. Ocorre, porém, que para sua exata compreensão necessitamos nos valer do direito, pois os custos de transação de uma empresa passam pela racionalização dos contratos.
Por esta razão, e considerando que o presente trabalho tem sua maior atenção voltada para o campo jurídico, a análise, salvo quando imprescindível, irá discorrer pontualmente sobre a Teoria, embora esta tenha amplitude imensurável no campo da economia.
Neste ponto vale-se da doutrina trazida por Xxxxxxx Xxxxxxxx e Jairo Saddi, onde afirmam que os custos de transação compreendem, os custos com a realização de cinco atividades que tendem a ser necessárias para viabilizar a concretização de uma transação. Primeiro, a atividade da busca pela informação sobre regras de distribuição de preço e qualidade das mercadorias; sobre insumos de trabalho e a busca por potenciais compradores e vendedores, assim como de informação relevante sobre o comportamento desses agentes e a circunstância em que operam. Segundo, a atividade de negociação, que será necessária para determinar as verdadeiras intenções e os limites de compradores e vendedores na hipótese de a determinação dos preços ser endógena. Terceiro, a realização e a formalização dos contratos, inclusive o registro nos órgãos competentes, de acordo com as normas legais, atividade fundamental do ponto de vista do direito privado, já que é o que reveste o ato das garantias legais. Quarto, o monitoramento dos parceiros contratuais com o intuito de verificar se aquelas formas contratuais estão sendo devidamente cumpridas e a proteção dos direitos de propriedade contra a expropriação por particulares ou o próprio setor público. Finalmente, a correta aplicação do contrato, bem como a cobrança de indenização por prejuízos às partes faltantes ou que não estiverem seguindo corretamente suas obrigações contratuais, e os esforços para recuperar o controle de direitos de propriedade que tenham sido parcial ou totalmente expropriados.
Pelo acima exposto, tem-se que o terceiro elemento compreendido nos custos de transação é a formalização dos contratos. As empresas, segundo a esta teoria, tem seu âmbito de atuação em duas frentes distintas, a saber: endógena (também chamada hierárquica) e externa (também chamada mercado).
A formalização dos contratos está inserida na frente externa, onde a empresa se relaciona com os demais agentes econômicos (fornecedores, consumidores etc).
Considerando que há um sem número de agentes envolvidos com as empresas, a racionalização dos contratos tem relevância nos custos de transação; ora, seria impensável que a cada transação ocorrida a empresa formaliza-se um negócio jurídico específico, haja vista a Teoria dos Custos de Transação considerar duas variantes, isto é, racionalidade limitada (impossibilidade de se adquirir todas informações de mercado e vislumbrar todas possibilidades de acontecimentos) e oportunismo (consideração de que cada agente econômico persegue a oportunidade que mais lhe convém).
Desta forma, a elaboração de cláusulas pré-constituídas na formalização dos diversos negócios jurídicos entabulados é condição que se impõe.
Sendo o mercado regulado pelo sistema de preços, parece óbvio que há ganho para toda a sociedade.
CAPÍTULO 2
2.1 Princípios Aplicáveis a Proteção Contratual nas relações de consumo
Em razão de a maioria das relações obrigacionais se darem na esfera consumerista, abordaremos os princípios da proteção contratual com observância do CDC.
Os princípios norteadores à aplicação do CDC estão dispostos nos arts. 4º que trata da Política Nacional das Relações de Consumo e o 6º que trata sobre os direitos básicos do consumidor.
Alguns dos instrumentos de proteção apresentados pela Lei nº 8.078, de 1990 serão aqui citados, especialmente os que se referem à proteção contratual.
O Código de Defesa do Consumidor traz expresso o princípio da boa- fé em seus artigos 4º, III e 51, IV. Contudo, o mais importante dessa positivação é a adoção, ainda que implícita, da cláusula geral de boa-fé, que mesmo não expressa deverá ser reputada como inserida e existente em todas as relações de consumo.64
Afinal, considerando os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, quais sejam harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com as necessidades de desenvolvimento tecnológico, deverão eles ser concretizados com base na boa-fé (art.4º, III, do CDC). Assim, serão reputadas como abusivas, e portanto nulas de pleno direito, as cláusulas contratuais que com a boa-fé se mostrem incompatíveis (art.51, IV, CDC). Desse modo, em todas as relações de consumo está implícita a necessidade de respeito e atendimento a esses princípios.
64GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.p. 580-581.
2.2 Pressupostos aplicáveis ao direito do Consumidor
Dentre os inúmeros direitos básicos do consumidor dispostos no artigo 6º, dois são aqui examinados, quais sejam, aqueles previstos nos incisos V e VIII.
A regra disposta no art. 6º, inciso V, do CDC, que prevê a modificação ou revisão das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou que se tornem excessivamente onerosas em virtude de fato superveniente, está diretamente relacionada à proteção do consumidor nas relações contratuais, tema que por sua importância, recebeu do legislador capítulo próprio - Capítulo VI -, a dispor sobre a Proteção Contratual.
A norma deste art. 6º, inciso V, do CDC reflete a relativização do princípio pacta sunt servanda (locução latina que significa a obrigatoriedade do cumprimento das cláusulas contratuais) e, ao mesmo tempo, a aplicação do princípio da conservação dos contratos.
Pois, diferente da ordem civil tradicional que determina a resolução dos contratos possuidores de cláusulas abusivas, o CDC garante às partes a manutenção da substância do contrato, mesmo diante de tais distorções, pois esse sistema inovador possui instrumentos por meio dos quais deve se proceder a adequação ou modificação das cláusulas contratuais que geram vantagem exagerada, ou ainda a revisão daquela que torne excessivamente oneroso o contrato para o consumidor.65
Através da norma contida no art. 6º, inciso VIII, do CDC, o legislador instituiu como direito essencial do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova em seu favor. Nessa garantia encontra-se aplicação do princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF), além é claro do princípio da igualdade, artigo 5º, LV66
65 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Efetividade da tutela do consumidor na relação contratual bancária . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 615, 15 mar. 2005. Disponível em:
<xxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx?xxx0000>. Acesso em: 26 dez 2009.
66 Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Partindo do pressuposto de vulnerabilidade do consumidor, é essencial para restabelecimento do equilíbrio entre as partes e garantia de justiça, que seu acesso à Justiça e a defesa de seus direitos sejam facilitadas, sob pena de durante o curso da ação, essa desvantagem se acentuar ainda mais.
A inversão do ônus da prova, sempre que presente e a critério do juiz, a verossimilhança das alegações do consumidor ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências, são o modo de se possibilitar o acesso do consumidor, vulnerável, seja na essência ou circunstancialmente, às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, requisitos do devido processo legal.
Também importante destacar os artigos 47, 51 e 54, do CDC.
Quanto à norma inserida no artigo 47 do CDC, que determina a interpretação dos contratos de consumo sempre de forma favorável ao consumidor, sobressai mais uma inovação nesse aspecto.67
O Código Civil de 1916, não continha disposição semelhante, e mesmo o Código Civil de 2002, que faz referência à interpretação favorável, restringe às obrigações originadas por contratos do tipo de adesão e ainda, havendo cláusulas obscuras.
Essa norma do CDC tem maior alcance e não se dirige apenas aos contratos de adesão, mas aos contratos de consumo em geral, às cláusulas ou qualquer pacto ou convenção firmado entre consumidor e fornecedor.
Esse benefício, também tradução do princípio da isonomia em razão do desequilíbrio de forças flagrantes entre as partes contratantes, encontra fundamento na valoração da função social do contrato, trazida pelo novo modelo estatal advindo da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Diretamente relacionados ao dispositivo ora analisado, estão os artigos 51 e 54 do CDC.
Trata o primeiro deles de exemplificar rol de cláusulas abusivas e por isso nulas de pleno direito, pois ferem a ordem pública da defesa do consumidor, e o segundo ao conceituar contratos de adesão determina cuidado redobrado quando da interpretação destes instrumentos.
67 Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Destaque-se, por oportuno, que as normas que tratam da nulidade em outros sistemas jurídicos, como o Civil, o Processual, entre outros, não podem ser inteiramente aplicáveis ao sistema de defesa do consumidor.
E isso se dá em virtude da variação de normas de cada sistema e de suas próprias peculiaridades. Por exemplo, com relação à preclusão, enquanto no âmbito do direito civil há tratamento diferenciado para as nulidades relativas e absolutas. O sistema consumerista só faz menção às absolutas, sendo facultado ao consumidor, desse modo, alegá-las a qualquer tempo, por ser nulidade que fere a ordem pública e pelo silêncio do legislador em fixar um prazo prescricional.
Sendo matéria de ordem pública (art. 1º, CDC), a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se, ainda, ao juiz o dever de pronunciá-las de ofício. O Código não fixou nenhum prazo para o exercício do direito de pleitear em juízo a nulidade da cláusula abusiva. Conseqüentemente, na ausência de norma nesse sentido, a ação deve ser considerada imprescritível.68
Considerando a revolução trazida ao ordenamento jurídico por criação do CDC, há de se afirmar que um dos campos em que esta se mostrou mais evidente foi justamente o das relações contratuais.
Por fim, é importante reafirmar que para a relação contratual sofrer a incidência das normas do CDC terá que apresentar partes contratantes em situação de desigualdade e, conforme analisado, inseridas nos conceitos de consumidor e fornecedor apresentados pelo código.
68 GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.p. 572.
CAPÍTULO 3
3.1 A importância do contrato de adesão para a economia
Verificar-se-á neste capítulo a importância do contrato no plano econômico, em especial do contrato de adesão.
Pedindo todas as vênias, entende-se que os juristas ao tratarem desta forma contratual incorrem, sob uma ótica mais ampliada, em certos estigmas, razão pela qual se valerão de poucos autores, inclusive economistas, haja vista a necessidade de levar o direito além de sua instrumentalidade, superando questões que se dissociadas da realidade podem perpetuar equívocos que em nada se deve em razão de se contratar por adesão.
Afirma Radbruch69 que “O jurista vê o homem individual e o caso individual, através da lente do conceito geral da lei, semelhante a um véu espesso que só permite ver os contornos mais proeminentes – exatamente a venda de Têmis.” (RADBRUCH, 2004, p. 146)
Inicia-se esta etapa do presente trabalho fazendo uma crítica àqueles que entendem que o direito por si só é o bastante, como se fosse possível que se operasse dentro de uma redoma.
Criticando àqueles que entendem que o direito por si só é o bastante, como se fosse possível que se operasse dentro de uma redoma, o direito encontra inspiração nos fatos, sejam naturais ou humanos. As diversas relações entre as pessoas ou entre estas e os bens primeiramente ocorrem na seara dos fatos, para somente depois serem juridicizadas.
Estas relações, ou interesses, envolvem as mais diversas áreas do conhecimento humano, ou seja, operam no plano econômico, no plano das idéias, no plano religioso, no plano científico etc.
Embora a interdisciplinariedade seja da essência do direito, o plano econômico é o que encontra maior proximidade. Neste diapasão, o contrato é o
69 XXXXXXXX, Xxxxxx. Filosofia do Direito. São Paulo. Martins Fontes, 2004.
ponto de aproximação entre o direito e a economia, conforme nos aponta Xxxx Xxxxx:
Contrato é um conceito jurídico: uma construção da ciência jurídica elaborada (além do mais) com o fim de dotar a linguagem jurídica de um termo capaz de resumir, designando-os de forma sintética, uma série de princípios e regras de direito, uma disciplina jurídica
complexa. 70
Ainda na visão de Xxxx Xxxxx (2009) acontece com todos os conceitos jurídicos, inclusive com o conceito de contrato, que não pode ser entendido a fundo, se se limitar a considerá-lo numa dimensão exclusivamente jurídica – como uma realidade autônoma. Os conceitos jurídicos em primeiro lugar, o de contrato – refletem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função instrumental. Para conhecer verdadeiramente este conceito torna-se necessário tomar em atenta consideração a realidade econômico-social que lhe subjaz e da qual ele representa a tradução científico-jurídica:
As situações, as relações, os interesses que constituem a substância real de qualquer contrato podem ser resumidos na idéia de operação econômica. De fato, falar de contrato significa sempre remeter – explícita ou implicitamente, direta ou mediatamente – para a ideia de
operação econômica. 71
A previsibilidade e a racionalidade nas transações de massa constituem fatores relevantes nos custos de transação, com consequente repercussão no preço final dos produtos e serviços.
Equacionando esta dimensão, o contrato de adesão tem o propósito, entre outros, de levar à maior quantidade de compradores, com o menor dispêndio possível, a formalização das relações negociais.
Atento a este propósito, Xxxxxxxx Xxxxxxxx afirma que:
70 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Almedina. Coimbra. 2009.
71 Idem. p. 8
“É pela uniformidade e rigidez das cláusulas do contrato de adesão que o empresário conhece, antecipada e pontualmente, os custos e os resultados de seu negócio e assim, consegue assentar em bases mais corretas o seu cálculo econômico, tornando mensuráveis os riscos de gastos dentro de cada categoria de negócios praticados pela empresa... não há dúvida de que o emprego difundido de contratos standard constitui produto ineliminável da moderna organização da produção e dos mercados, na exata medida em que funciona como decisivo fator de racionalização e de economicidade da atuação empresarial.”72
Os contratos de adesão têm uma utilidade clara: economizam e racionalizam em custos de transação, proporcionando relações de consumo que seriam inviáveis, ou anti-econômicas, para as partes envolvidas caso fossem negociadas caso a caso.
Questões a priori devem ser evitadas, pois conforme afirma Xxxxxx não há uma relação naturalmente jurídica, mas fatos que o legislador entende relevantes para o direito, isto é, o contrato de adesão não traz em si problemas de qualquer espécie, pois apenas em caso de descumprimento ou inexecução que as objeções aparecem.
Assim, não podemos fazer da exceção a regra, sob pena de transformar-se um instrumento apropriado para a necessária fluidez dos negócios jurídicos de massa em algo contrário ao direito, pois os casos que implicam ofensa a direitos são infinitamente menores que as muitas transações que ocorrem diuturnamente.
Para melhor compreender o papel que os contratos exercem no plano econômico, é necessário compreender a estreita vinculação entre este instrumento e a propriedade.
72 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direito do Consumidor. Rio de Janeiro. Forense, 2009. p. 57
3.2 Os contratos e a propriedade
A propriedade desde os tempos imemoriais foi objeto de alguma forma de disputa. Em Roma era atribuída à propriedade um direito absoluto, podendo seu proprietário dar-lhe o fim que bem entendesse. No Antigo Testamento a propriedade era divinizada.
Posteriormente com a Lei das Doze Tábuas, a propriedade começou a sofrer certas restrições. Na idade média sofre a divisão entre directum e utile (aproximadamente posse direta e indireta – esta equivalendo à propriedade).
Na Revolução Francesa procurou-se democratizar a propriedade. A partir daí imprimiram à propriedade sua função social.
A propriedade segundo Xxxxx xx Xxxxxx era inerente ao homem; esta relação entre o homem e a propriedade, não sem razão, sempre foi objeto de especulação e análise, pois segundo Xxxx Xxxxx constitui uma das causas de subordinação entre as pessoas.
Texto que muito se aproxima dos ensinamentos históricos da propriedade é fornecido pelo Livro de Urântia (anexo 1):
Todas as Constituições brasileiras, sem exceção, dedicaram especial atenção à propriedade; entretanto, na atual Carta Política a propriedade recebeu um tratamento diferenciado, tornando-se na ordem jurídica vigente um direito eminentemente social.
Porém, é necessário observar que a propriedade não sofreu restrição em suas características, mas ao uso indevido, conforme observado pela doutrina de Xxxxx XXXXXXXXXXXX:
As limitações ao direito de propriedade são comuns entre nós, constituindo um importante conjunto de incentivos econômicos, não necessariamente eficientes. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx já alertava para o fato de a inserção das cláusulas gerais os contratos privados poder promover a mudança filosófica do direito, em relação ao novo Código Civil, por meio de alterações formalmente diminutas. Ele exemplifica com a concepção de propriedade, de tal maneira que
‘com dois artigos apenas passou-se da propriedade individualista para a propriedade com função social’. 73
Ainda na visão de consagrado autor, por seu turno, a vocação social a que se referem alguns autores também é distinta e não poderia ameaçar o direito de propriedade. Cabe aqui uma pequena digressão sobre a ‘socialidade da propriedade’, moderna acepção de que a propriedade cumpre igualmente uma função social, e uma comparação com a função social dos contratos – tema que será objeto de discussão mais adiante.
Por exercer papel relevantíssimo no sistema capitalista, a propriedade está intimamente ligada a um princípio constitucional: segurança jurídica. No dizer de Xxxxxxx Xxxxxxxx, segundo Xxxxx XXXXXXXXXXXX:
Direitos de propriedade assinalados corretamente e, sobretudo, respeitados são fundamentais para a definição do desempenho econômico. Daí o conceito de segurança jurídica, ou seja, a ação de tornar definitiva uma decisão jurisdicional. A segurança e a justiça são valores jurídicos relacionados entre si; qualquer vinculação à instabilidade – ao estado, qualidade ou condição de uma relação ou um direito de propriedade não ser respeitado e estar ao sabor de perigos e de incertezas causados por decisões judiciais – afeta a condição de previsibilidade. E, como se sabe, a previsibilidade das decisões judiciais afeta o comportamento e a conduta no mercado.
74
A propriedade deixou de ser uma relação puramente fática para receber tratamento jurídico especial. Nesta linha, a relação jurídica entre o homem e os bens operou-se, essencialmente, por meio do contrato.
73 ZYLBERSZTAJN, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxx. Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier: 2005. p. 97.
74 Idem. p. 99.
CONCLUSÃO
O direito anda continuamente atrelado aos fatos acompanhando a natureza e as contingências da vida. A evolução dos contratos mostrou que o sistema de troca nas relações mais antigas caracterizou-se como precursor na forma de contratar e somente na fase do direito romano o contrato começa tomar forma. Já no campo da economia surgiu a Revolução industrial que trouxe trabalhadores em busca de empregos nas indústrias que se formavam.
Foi visto o contrato em suas diversas formas e espécies, contrato puramente civil, mercantil ou consumerista, tendo-se aí cada um seu valor específico. O contrato pertence à autonomia preceptiva, conforme Xxxxxxxxxx (2006).
A teoria do consentimento é a materialização escrita da vontade na relação contratual entre as partes. O consentimento do aceitante manifesta-se apenas a título de adesão em bloco ao conteúdo preestabelecido. O consentimento é um dos elementos intrínsecos constitutivos de qualquer contrato, expressando-se como o acordo de vontades manifestando a formação do negócio jurídico bilateral.
A teoria econômica inicialmente ignorou o contrato, analisando as transações pelo sistema de preços. Surge daí a importância econômica dos contratos, chegando-se a análise econômica do direito, onde a imperiosidade de se examinar o direito contratual foi vista a partir dos dados econômicos. Assim o contrato desempenha um papel relevante nas relações de produção e distribuição.
A função social atribuída ao contrato não pode ignorar a função econômica, com pretexto de cumprir-se uma atividade assistencial ou caritativa. À função social do contrato precisa ser dada uma amplitude multidisciplinar, isto é, além da dimensão estritamente jurídica que grande parte dos doutrinadores lhe empresta.
Há de se estar de acordo que o contrato não deve ser visto sob a ótica puramente individualista. Entretanto, ao se estender a funcionalidade do
contrato para o campo social, precisa-se, também, dar-lhe a sua verdadeira essência: produção e distribuição de riquezas.
Demonstra-se desta forma, que o projeto constitucional se realiza quando há uma efetiva melhora na qualidade de vida das pessoas. E isto efetivamente ocorre quando há produção de riquezas e uma justa distribuição.
Porém é necessário identificar o que vem a ser “justa distribuição de riquezas”. A palavra “justo” vem do latim xxxxxx que significa “correto”, “certo”. Constitucionalizando o termo “justo”, este encontra funcionalidade no princípio constitucional da proporcionalidade em sentido estrito, onde deve haver uma correspondência entre o fim alcançado e meio empregado. Dito na forma contratual, o ganho de cada parte contratante corresponde ao valor empregado. Considerando-se, por exemplo, o tráfego comercial de um parafuso. O fabricante faz um investimento “A” para obter a vantagem “X”; o revendedor (intermediário) investe “B” para obter a vantagem “Y”; por sua vez, o consumidor investe “C” para obter a vantagem “Z”. Por demais óbvio, não precisa demonstrar, analiticamente, que cada agente econômico desta tríade negocial investe um determinado valor e obtém o correspondente ao empregado, que certamente não serão valores iguais.
Verifica-se aí sob a ótica descrita na chamada equidade vertical, onde o tratamento é proporcional ao tamanho do agente.
Os custos de transação são a contrapartida na economia, compreendendo assim os custos com a realização da busca pela informação, a atividade de negociação, a realização e formalização dos contratos, o monitoramento dos parceiros contratuais e a correta aplicação do contrato.
Verificou-se nos princípios aplicáveis a proteção contratual que os princípios norteadores à aplicação do Código de Defesa do Consumidor estão presentes nos artigos 4º e 6º a política nacional das relações de consumo atendendo as necessidades dos consumidores e os direitos básicos do consumidor, aponta também o princípio da boa-fé. A vulnerabilidade do consumidor é importante para o restabelecimento do equilíbrio entre as partes e a garantia de justiça
Por fim, atingindo o objetivo principal deste trabalho que é a importância do contrato de adesão para a economia verificou-se que há uma visão ampliada por parte dos juristas, levando o direito além de sua instrumentalidade. O direito por si só não é o bastante, há sempre uma área que o complementa, neste caso específico a área econômica, a qual encontra uma maior proximidade no contrato de adesão. O conceito de contrato não pode ser entendido com profundidade se limitado ao aspecto jurídico, este precisa ter a consideração econômica.
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ZYLBERSZTAJN, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxx. Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier: 2005.
ANEXO 1 - Livro de Urântia
Documento 6975:
Embora a sociedade primitiva tenha sido virtualmente comunitária, o homem primitivo não aderiu às doutrinas atuais de comunismo. O comunismo desses tempos primitivos não era uma mera teoria social, nem uma doutrina social; era um ajuste automático simples e prático. Esse comunismo impediu a indigência e a miséria; a mendicância e a prostituição eram quase desconhecidas entre essas tribos antigas.
O comunismo primitivo não nivelou o homem especialmente por baixo, nem exaltou a mediocridade, mas premiou a inatividade e a ociosidade, sufocou a indústria e destruiu a ambição. O comunismo foi um patamar indispensável ao crescimento da sociedade primitiva, no entanto cedeu lugar à evolução de uma ordem social mais elevada, porque foi contrário a quatro fortes tendências humanas:
1. A família. O homem não apenas almeja acumular bens; ele deseja legar o seu capital e bens à sua progênie. Na sociedade comunitária primitiva, porém, o capital de um homem, ou era imediatamente consumido, ou distribuído ao grupo, quando da sua morte. Não havia herança de propriedade – o imposto sobre a herança era de cem por cento. Os costumes posteriores, que regeram a acumulação de capital e a herança de propriedades, foram avanços sociais distintos. E isso é verdade, não obstante os abusos grosseiros subseqüentes que acompanharam o mau emprego do capital.
2. As tendências religiosas. O homem primitivo também queria constituir uma propriedade como um núcleo para começar a vida na próxima existência. Esse motivo explica porque prevaleceu, durante tanto tempo, o costume de enterrar- se os pertences pessoais de um homem com ele. Os antigos acreditavam que apenas os ricos sobreviviam à morte com alguma dignidade e prazer imediatos. Aqueles que ensinaram a religião revelada, mais especialmente os instrutores cristãos, foram os primeiros a proclamar que os pobres poderiam ter a salvação nos mesmos termos que os ricos.
3. O desejo de liberdade e de lazer. Nos primeiros tempos da evolução social, a divisão dos ganhos individuais, com o grupo, era virtualmente uma forma de escravidão; o trabalhador tornava-se escravo do mais ocioso. Essa foi a fraqueza suicida do comunismo: os imprevidentes habitualmente vivendo dos que economizavam. Mesmo nos tempos modernos, os imprevidentes dependem do estado (os contribuintes que economizam) para cuidar deles. Aqueles que são desprovidos de capital ainda esperam que os que o têm os alimentem.
4. A necessidade de segurança e de poder. O comunismo foi finalmente destruído pelas fraudes dos indivíduos progressistas e prósperos, que
75 Livro de Urântia. Disponível em: <<xxxx://xx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/X_Xxxxx_xx_ Ur%C3%A2nt ia>> Acesso em jan. 2010.
recorreram a subterfúgios diversos no esforço de escapar da escravidão aos preguiçosos incapazes das suas tribos. No princípio, porém, todo o amealhamento era secreto; a insegurança primitiva impedia a acumulação visível de capital. E, mesmo em uma época posterior, ainda era muito perigoso acumular muita riqueza: o rei certamente forjaria alguma acusação para confiscar a propriedade de um homem de fortuna e, quando um homem rico morria, os funerais eram retardados até que a família doasse uma grande soma a uma instituição pública ou para o rei, como um imposto sobre a herança.
Nos primeiros tempos, as mulheres eram uma propriedade da comunidade, e a mãe dominava a família. Os chefes primitivos possuíam toda a terra e eram proprietários de todas as mulheres; o casamento não se realizava sem o consentimento do governante tribal. Com o desaparecimento do comunismo, as mulheres passaram a ser propriedades individuais, e o pai gradualmente assumiu o controle doméstico. Assim, o lar teve o seu início, e os costumes polígamos, que prevaleciam, foram gradualmente dando lugar à monogamia. (A poligamia é a sobrevivência do elemento de escravidão da mulher no casamento. A monogamia é o ideal, livre de escravidão, da associação incomparável entre um homem e uma mulher, no empreendimento admirável da edificação de um lar, da criação de uma progênie, do cultivo mútuo e do auto-aperfeiçoamento.)
Inicialmente, toda a propriedade, inclusive as ferramentas e as armas, eram uma posse comum da tribo. A propriedade privada inicialmente consistia de todas as coisas que eram tocadas de um modo pessoal. Se um estranho bebia em uma xícara, essa xícara pertencia-lhe, a partir desse momento. Em seguida, qualquer lugar em que o sangue fosse derramado tornava-se propriedade da pessoa ou do grupo ferido.
A propriedade privada era originalmente respeitada porque se supunha que estivesse carregada, assim, com alguma parte da personalidade do proprietário. A honestidade em relação à propriedade permanecia a salvo sob esse tipo de superstição; nenhuma polícia era necessária para guardar os pertences pessoais. Não havia furtos dentro do grupo, embora os homens não hesitassem em apropriar-se dos bens de outras tribos. As relações de propriedade não terminavam com a morte; inicialmente, os objetos pessoais eram queimados, depois, enterrados com os mortos e, posteriormente, herdados pela família sobrevivente, ou pela tribo.
Os objetos pessoais do tipo ornamental tiveram a sua origem no uso de amuletos. A vaidade e, mais, o medo dos fantasmas, levaram o homem primitivo a resistir a todas as tentativas de despojá-lo dos seus amuletos favoritos, e tal propriedade era mais valorizada do que as necessidades reais.
O espaço onde se dormia foi uma das primeiras propriedades do homem. Ulteriormente, os locais dos lares eram designados pelos chefes tribais, que detinham consigo a custódia de todos os bens imóveis em nome do grupo. Em breve, a colocação de uma lareira conferia a propriedade; e, mais tarde ainda, um poço constituía o título à terra adjacente a ele.
As nascentes e os poços estavam entre as primeiras propriedades privadas. Toda a prática do fetiche era utilizada para guardar os olhos-d’água, os poços, as árvores, a colheita e o mel. Com a perda da fé nos fetiches, as leis foram desenvolvidas para proteger os pertences privados, mas as leis da caça e o direito a caçar, em muito, precederam às leis da terra. O homem vermelho americano nunca compreendeu a propriedade privada de terras; ele não podia compreender a visão do homem branco.
A propriedade privada foi, muito cedo, marcada pelas insígnias da família, e essa é a origem longínqua da heráldica familiar. O bem imóvel podia também ser colocado sob a guarda dos espíritos. Os sacerdotes “consagrariam” um pedaço de terra, e este então ficaria sob a proteção dos tabus mágicos erigidos nele. Os proprietários dessas terras eram conhecidos como possuidores de uma “escritura sacerdotal de propriedade”. Os hebreus tinham um grande respeito por esses marcos de família: “Maldito seja aquele que retirar o marco da terra do seu vizinho”. Esses marcos de pedra tinham as iniciais do sacerdote. Mesmo as árvores, quando marcadas com as iniciais, tornavam-se propriedade privada.
Primitivamente, apenas as colheitas eram propriedade particular; e as colheitas sucessivas conferiam títulos de propriedade; a agricultura assim foi a origem da propriedade privada de terras. Era dado, inicialmente, o direito de posse apenas vital aos indivíduos; com a morte, a propriedade da terra revertia para a tribo. Os primeiríssimos títulos de propriedade de terras concedidos pelas tribos a indivíduos foram os das sepulturas – a tumba familiar. Posteriormente, as terras pertenceram àqueles que as cercavam, mas as cidades sempre reservaram algumas terras para as pastagens públicas e para o uso em caso de sitiamento; essas “terras comuns” representam a sobrevivência da forma primitiva de propriedade coletiva.
Finalmente, o estado destinava propriedades ao indivíduo, reservando-se o direito de taxação. Tendo assegurado os seus títulos, os donos de terras poderiam receber aluguéis, e a terra tornou-se uma fonte de renda – de capital. Finalmente, a terra tornou-se verdadeiramente negociável: permitindo vendas, transferências, hipotecas e execuções de hipotecas.
A propriedade privada trouxe maior liberdade e mais estabilidade; contudo, somente depois que o controle e a direção da comunidade falharam, uma posse particular da terra passou a ter a sanção social: e isso foi imediatamente seguido por uma sucessão de escravos, de servos e classes de despossuídos de terra. Contudo a maquinaria aperfeiçoada gradualmente foi libertando o homem do trabalho escravo.
O direito à propriedade não é absoluto; é puramente social. Mas do modo como são desfrutados pelos povos modernos, todo o governo, a lei, a ordem, os direitos civis, as liberdades sociais, as convenções, a paz e a felicidade têm crescido em torno da certidão de propriedade privada.
A ordem social atual não é necessariamente certa – não sendo divina, nem sagrada –; todavia, a humanidade procederá bem, caso se mobilize lentamente
para fazer modificações. Aquilo que vós tendes é muito melhor do que qualquer sistema conhecido pelos vossos ancestrais. Assegurai-vos, quando fordes fazer alterações na ordem social, de que elas sejam para melhor. Não vos deixeis persuadir a experimentar as fórmulas já descartadas pelos vossos antepassados. Ide, avançai, não retrocedais! Que a evolução prossiga! Que não seja dado um passo para trás.