CONTRATAÇÃO DE COOPERATIVAS DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS PELO PODER PÚBLICO: ESTUDO EM TRÊS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONTRATAÇÃO DE COOPERATIVAS DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS PELO PODER PÚBLICO: ESTUDO EM TRÊS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
São Carlos, SP 2018
CONTRATAÇÃO DE COOPERATIVAS DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS PELO PODER PÚBLICO: ESTUDO EM TRÊS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade, do Centro de Educação e Ciências Humanas, da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade.
Orientadora: Profa. Dra. Xxxxx Xxxxx
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx São Carlos
2018
Dedico este trabalho aos catadores de materiais recicláveis, guerreiros incansáveis, que inspiraram cada passo na realização deste trabalho.
Desabafo de um catador
Conheço minha cidade como a palma da mão E amo de coração, pois nela moro e trabalho
E o que tenho e valho vou construindo aos pouquinhos Puxando um simples carrinho de catador, minha sina com suor e muito espinho.
Madrugo com a cidade, com suas ruas e avenidas Nas lançantes e subidas vou puxando meu carrinho E andando, devagarzinho vou catando pelo lixo
O meu trabalho, a capricho recolher aqui e ali
Lutando pra conseguir chegar primeiro que os bichos. Meu trabalho é muito digno, pois eu trabalho de fato Não é brinquedo ou aparato
Alguém puxando carrinho, abrindo o próprio caminho No corre – corre da cidade é trabalho de necessidade Braçal e tão cansativo que não há nenhum motivo
Pra faltar com a verdade.
Quantas vezes fui xingado por alguns ‘motoristinhas’ Carimbadas figurinhas que se adonam da cidade
E em qualquer velocidade, não respeitam o sinal E de um modo geral, não respeitam quase nada Muito menos a jornada de um catador profissional
Sou o catador de lixo, trabalhador, papeleiro Meu trabalho é pioneiro, na limpeza da cidade Digo isso com vaidade, pois foram os rejeitados Que iniciaram, organizados a reciclagem do lixo Separando com capricho para ser reaproveitado.
É do lixo que tiramos a comida e o sustento Enfrentando chuva e vento, sol que arde e tempo frio É um eterno desafio, todo dia sempre a pé
Realidade injusta até, de catador, do papeleiro Daqueles que são lixeiros, tratados como a ralé.
Somos humanos também, temos família, temos filhos Embora o pouco brilho do carrinho que puxamos Sorrimos, nos alegramos, temos fé e perseverança
São lindas nossas crianças, pois toda a criança é xxxxx Xxxx nos dão força e ainda, nos enchem de esperança.
Quantas vezes pelas ruas carregando meu carrinho Sigo em frente, sozinho na jornada papeleira
A cidade é uma clareira de vitrine e manequins Muitos olham para mim e me vêem como espantalho Debocham do meu trabalho e nele querem dar um fim.
Unidos e organizados, papeleiro ou catador Bravo! Irmão trabalhador!
Brava! Irmã trabalhadora!
A luta é duradoura
Pela vida, pela paz, e ninguém é mais capaz Que os bravos catadores.
Nós somos os precursores de um mundo que se refaz. No trabalho que fazemos, é possível perceber
Que o importante é viver sem ganância e desperdício Sem injustiça e sem vício.
Quem não vê a desigualdade que se estampa na cidade Pelas grandes diferenças e por eternas desavenças Que matam a fraternidade?
Às vezes, o desânimo, tristeza, falta de apoio Somos trigo e não joio, no mercado desigual
E o selvagem capital sempre explora nosso cisco E jamais somos bem vistos…
Já afirmamos com clareza
Catadores e lixeiros, nós queremos ser parceiros De um mundo solidário, onde o rico e o operário Respeitem os seres vivos e se tornem mais ativos Na luta pela justiça: no lixo toda injustiça.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, primeiramente, às catadoras e catadores incríveis, guerreiros, que me inspiram e me ensinam tanto, desde muito antes que este trabalho fosse iniciado: Xxxx, Xxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxx, dona Xxxxxxxxx, Xxxx (Coopervida), Xxxxx, Xxxxxx (Xxxxxx), Xxxxx, Xx (Reciclador Solidário), xxxx Xxxxx e dona Xxxx (Cooperviva), dona Iracy (Xxxx Xxxxx), Xxxxxxx (Xxxxxxxx), Xxxxxxxx (Cooperlol).
Obrigada a tantos outros catadores e catadoras que tanto inspiram com sua luta diária por seus próprios direitos e reconhecimento: que o presente trabalho lhes possa servir de algo.
Agradeço com muito carinho à Xxxxx Xxxxx, orientadora, companheira de luta e amiga sempre presente e imprescindível à realização deste trabalho.
Obrigada ao papai e à mamãe; sem o apoio deles nada teria sido possível.
Obrigada às companheiras e companheiros que apoiam a Rede Xxxxxxxxx e seguem diariamente na luta por seu contínuo fortalecimento: Xxxx Xxxxxx, Xxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx, Xxx, Pâmela.
Agradeço à toda a equipe do NuMI-EcoSol, companheiros e amigos queridos com os quais aprendi o sentido e potencial da Economia Solidária, com um carinho especial pra equipe da LACat: Xxxxxxxx, Xxxxx, Xxxxx, Xxxxxxxxxxx, Xxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx, Xxxxxxx.
Agradeço ao Fórum Comunitário de Resíduos Sólidos de São Carlos, pelos aprendizados e pela atuação incansável desde 2015 por um projeto municipal de coleta seletiva com inclusão social.
Obrigada à Dra. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, ao Dr. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx-Xxxxxx e aos demais companheiros do México, que me acompanharam e tanto me ensinaram durante o período em que estive sobre terras mexicanas.
Agradeço a todos os queridos amigos são-carlenses que me acompanharam e apoiaram em diferentes etapas da realização deste trabalho: Xxxx, Xxxxx, Xxxx, Xxxx, Xxxxxxxx, Xxxx, Xxxxx, Xx, Jé, Xxx, Xxxx, Xxxxx, Tots, Xxxxx, Xxxxxx, Pri, Xxxxxxx, MP.
Obrigada ao Shimbo, que me abriu tantas portas no universo da Economia Solidária, e aos demais membros de nosso grupo de pesquisa (Xxxxxx, Xxxxxx, Nath, Callil).
Agradeço aos professores, funcionários e colegas do PPGCTS, que de diversas maneiras auxiliaram no desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço à CAPES e ao PROEXT pelo financiamento.
Obrigada ao Guará, que me acompanhou fielmente com suas quatro patas durante toda a realização deste trabalho.
RESUMO
Os catadores(as) de materiais recicláveis são trabalhadores(as) que atuam como elemento fundamental na manutenção da cadeia produtiva da reciclagem, mas representam seu elo mais frágil, por conta da elevada precariedade característica da atividade que desenvolvem, além de sua histórica condição de invisibilidade social. A partir do final da década de 1990, o processo de organização destes catadores em cooperativas, assim como a criação do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, se tornaram elementos fundamentais na luta destes trabalhadores por reconhecimento e melhores condições de vida e trabalho. Do mesmo modo, o movimento de Economia Solidária, que recebeu destaque no país a partir do final da década de 1990, também exerceu protagonismo no apoio à organização de catadores e formação de suas cooperativas como empreendimentos solidários. Este processo esteve associado à elaboração e sanção de leis e políticas públicas, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2010, que trazem instrumentos favoráveis ao reconhecimento e incorporação formal dos catadores nesta cadeia produtiva, como a possibilidade de contratação destas cooperativas como prestadoras de serviços pelo poder público municipal. Os estudos no campo Ciência, Tecnologia e Sociedade se inserem neste cenário a partir do papel fundamentalmente exercido pela ciência no campo de desigualdades sociais em que se mostra presente a atividade de catação de recicláveis, e, em especial, pela ciência reguladora, que visa a produção de conhecimento para a elaboração de políticas públicas. Neste contexto, a presente pesquisa tem como objetivo explorar analiticamente as condições favorecedoras e dificuldades no papel que vem sendo desempenhado por contratos entre cooperativas de catadores e poder público municipal, a três cooperativas, como ferramenta para efetivamente representar um avanço neste processo de inclusão formal destes trabalhadores. O método para realização da pesquisa foi o estudo exploratório com coleta de dados realizada com observação participante da Rede Anastácia de cooperativas de catadores de materiais recicláveis, localizada no interior do estado de São Paulo. O objeto empírico focalizado no estudo foram três cooperativas membros desta Rede que mantiveram contratos com o poder público municipal no período de realização da pesquisa. Os resultados mostraram que o conteúdo dos contratos difere de um município para outro, assim como o nível de cumprimento das respectivas cláusulas e as respectivas secretarias responsáveis pela gestão dos contratos na estrutura administrativa municipal. Também mostraram que, em um dos casos, houve descontinuidades na gestão dos contratos por troca de gestão municipal, e a iniciativa para o estabelecimento das contratações foi da prefeitura municipal em dois dos casos analisados, e da cooperativa em um dos casos. Concluiu-se que os processos de contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal ainda estão associados a diversas limitações quando se considera seu potencial de atribuir melhores condições de trabalho aos catadores, o que, por sua vez, se relaciona à manutenção de atores políticos favoráveis nas respectivas prefeituras municipais, à elevada complexidade nos processos de implementação de políticas públicas, e ao modelo de federalismo altamente descentralizado do Brasil.
Palavras-chave: Catadores de materiais recicláveis, cooperativas, políticas públicas, contratação, cadeia produtiva da reciclagem.
ABSTRACT
Solid waste pickers work as a fundamental element in the recycling chain, even though they represent its weakest bond, due to the precariousness in their activities as well as their historical condition as socially invisible actors. From the end of the 1990s, the process of organizing these waste pickers into cooperatives, as well as the creation of the National Movement of Recyclable Waste Pickers, has become fundamental elements in the struggle of these workers for recognition and better conditions in their work and their lives. Likewise, the Solidarity Economy movement, which has achieved higher levels of organization in the country from the end of the 1990s, has also played a leading role in supporting the organization of waste pickers. This process was associated with the elaboration and sanctioning of laws and public policies, such as the National Solid Waste Policy in 2010, which provide instruments favorable to the recognition and formal incorporation of waste pickers into the recycling chain, such as the possibility of hiring their cooperatives as service providers to municipalities. The studies in the CTS field integrate this scenario, based on the role fundamentally exercised by science in the field of social inequalities, in which the activity of collecting recyclables is shown, and, in particular, by the regulatory science, which aims to produce knowledge in order to subsidize the process of elaboration of public policies. In this context, the present research has as its objective to explore analytically the favorable conditions and difficulties in the role that has been played by contracts between cooperatives and municipalities, to three cooperatives, as a tool to effectively represent a step forward in this process of formal inclusion of these workers. The method for conducting the research is the exploratory study with data collection performed with participant observation of the Anastacia Network of cooperatives of recyclable waste pickers, located in the interior of the state of São Paulo. The empirical object focused by the present study are three cooperatives members of this Network which maintained contracts with their municipalities during the period of the research. The results show that the content of the contracts differs considerably from one municipality to another, as well as the level of compliance with the respective clauses and the responsible secretaries for the management of the contracts in the administrative sphere of municipalities. It was also shown that, in one of the cases, the contracts’ management has been discontinued because of changes in municipal public management, and the initiative to establish the contracts has been from the municipality in two cases and from the cooperative in one case. Therefore, it can be concluded that the processes of contracting waste pickers' cooperatives by the municipal public authorities are still associated with several limitations when considering their potential to assign better working conditions to the waste pickers, which, in turn, is related to the maintenance of favorable political actors in the respective municipalities, to the high complexity in the processes of implementation of public policies, and to the highly decentralized model of federalism currently held in Brazil.
Keywords: Recyclable waste pickers, cooperatives, public policies, hiring, recycling chain.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Percentuais de ocorrência de serviço de coleta seletiva por região geográfica do Brasil 36
Figura 2: População atendida pelo serviço de coleta seletiva no Brasil 36
Figura 3: Cadeia de reciclagem pós-consumo 38
Figura 4: Abordagem dos múltiplos fluxos de Kingdon 42
Figura 5: Rito de contratação de cooperativas e associações de catadores 69
Figura 6: Barracão sede da Coopervida. 82
Figura 7: Usina de triagem, sede da Acácia 84
Figura 8: Barracão sede da Mãos Dadas. 85
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Dissertações publicadas no PPGCTS na temática de catadores 18
Quadro 2: Características da ciência acadêmica e da ciência reguladora 24
Quadro 3: Estimativa dos benefícios econômicos e ambientais associados à reciclagem 34
Quadro 4: Mudanças na coleta seletiva com a PNRS 50
Quadro 5: Sistematização de leis pertinentes aos catadores 55
Quadro 6: Informações coletadas a partir da análise das teses e dissertações selecionadas 58
Quadro 7: Procedimentos para avaliação das categorias de análise estabelecidas e respectivas fontes de evidências 76
Quadro 8: Cooperativas membros da Rede Anastácia e respectivos municípios com informações referentes a população, renda, economia e resíduos sólidos pelo titular dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos 78
Quadro 9: Resumo dos principais assuntos discutidos e encaminhados em reuniões da Rede Anastácia entre 2015 e 2016. 79
Quadro 10: Dados referentes à coleta seletiva nos três municípios 86
Quadro 11: Comparação de aspectos referentes aos contratos entre cooperativas e respectivos contratantes do poder público municipal 87
Quadro 12: Responsabilidades atribuídas à contratante (prefeitura municipal) no âmbito do contrato vigente em São Carlos-SP durante a realização da pesquisa 91
Quadro 13: Responsabilidades atribuídas à contratada (Coopervida) no âmbito do contrato vigente em São Carlos-SP durante a realização da pesquisa 93
Quadro 14: Responsabilidades atribuídas ao contratante (DAAE) no âmbito do contrato vigente em Araraquara-SP durante a realização da pesquisa 95
Quadro 15: Responsabilidades atribuídas à contratada (Acácia) no âmbito do contrato vigente em Araraquara-SP durante a realização da pesquisa 96
Quadro 16: Situação das responsabilidades no contrato entre cooperativa e prefeitura em Ribeirão Preto durante a realização da pesquisa 97
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABIHPEC – Associação Brasileira da Indústria da Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente DAAE – Departamento Autônomo de Água e Esgotos DAES – Departamento de Apoio à Economia Solidária EES – Empreendimento econômico solidário
FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas LLCA – Lei de Licitações e Contratos Administrativos MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
MNCR – Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis MPSP – Ministério Público do Estado de São Paulo
NuMI-EcoSol – Núcleo Multidisciplinar Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária
OAF – Organização de Xxxxxxx Xxxxxxxx
PMGIRS – Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos
PNSB – Pesquisa Nacional de Saneamento Básico
PPGCTS – Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade SAIP - Secretaria de Articulação para Inclusão Produtiva
SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
SUMÁRIO
2.1. Introdução ao campo CTS 22
2.3. Cooperativas de catadores(as) de materiais recicláveis 28
2.4. Resíduos Sólidos Recicláveis, Coleta Seletiva e Reciclagem 33
2.7. Contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal 64
3.1. Etapas de realização da pesquisa 73
3.2. Determinação da pergunta de pesquisa e hipótese central de pesquisa 75
4.1. Caracterização da Rede Anastácia 77
4.2. Cooperativas da Rede Xxxxxxxxx contratadas pelo poder público municipal 80
4.3. Avaliação das categorias de análise 86
4.4. Discussão geral 100
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES 109
REFERÊNCIAS 113
1. INTRODUÇÃO
A catação de materiais diversos é uma atividade econômica antiga, historicamente associada à pobreza e subsistência (BOSI, 2016); neste contexto, os catadores e catadoras de materiais recicláveis1 atuam como atores sociais na cadeia produtiva da reciclagem, no Brasil pelo menos desde a década de 1950 [MNCR, 2016]. Sua atuação é fundamental para a reinserção dos resíduos pós-consumo na cadeia produtiva da reciclagem, o que reduz a quantidade de resíduos sólidos a serem dispostos em locais nem sempre adequados. Além disso, dentre os benefícios da reciclagem, podem ser citados impactos positivos ambientais (associados à redução de uso de água, energia, matéria prima e emissão de gases de efeito estufa) e econômicos (associados a menores gastos financeiros para obtenção de produtos finais semelhantes) (IPEA, 2010).
No entanto, para que esta cadeia produtiva se sustente economicamente, o catador, que representa sua base, tem sido sujeitado a condições precárias de vida e de trabalho, na esfera da informalidade e associado a condições exploratórias, geralmente não dispondo da infraestrutura necessária que garanta condições mínimas de ergonomia no trabalho, caracterizado ainda pela baixa remuneração (PEREIRA, XXXXX, XXXXXXXX, 2014). Além destes prejuízos concretamente perceptíveis, há o preconceito em relação à natureza da atividade, que se manifesta por meio da invisibilidade social a que são historicamente submetidos estes trabalhadores (IPEA, 2013).
Uma das respostas a este cenário de intensa exploração é a organização destes trabalhadores no sentido de formalizar cooperativas de catadores, processo fomentado pelo movimento de economia solidária no Brasil, em especial a partir dos anos 2000. A economia solidária visa promover oportunidades para geração de emprego e renda que estejam associadas à valorização do trabalho do ser humano para além de um contexto exploratório reduzido à sua capacidade de trabalho, como definem Xxxxxx e Schuch (2006). Uma vez que uma das principais estratégias para tal é a organização de trabalhadores em cooperativas e associações, considera-se que a formação de cooperativas de catadores tem o potencial de oferecer a estes trabalhadores melhores condições de renda e representatividade. Além disso, esta é considerada estratégia para lhes proporcionar maior visibilidade e, a partir daí, reforçar sua imagem perante o poder público; afinal, considerando que o poder público municipal é
1 Nesta dissertação, o termo “catadores e catadoras de materiais recicláveis” será referenciado como “catadores”.
responsável pela gestão integrada de resíduos sólidos (BRASIL, 2010a), o impacto positivo do trabalho dos catadores neste contexto permite que sejam caracterizados como agentes ambientais (IPEA, 2010).
A partir desta atuação, e considerando a trajetória política dos catadores que vêm se organizando e se articulando desde a década de 1990 (com destaque para a criação do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), em 1999, com o 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel [MNCR, 2016]), não tardou para que a demanda destes trabalhadores para o reconhecimento do trabalho que desenvolvem ocupasse a esfera das políticas públicas, o que se verificou com a elaboração de leis como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada em 2010 e que favorece a inclusão formal destes profissionais na cadeia produtiva da reciclagem (BRASIL, 2010a), resposta da reivindicação destes trabalhadores por vários anos. Esta lei, juntamente ao Decreto 7.404 que a regulamenta (BRASIL, 2010b) e à Lei de Diretrizes para o Saneamento Básico, que institui a dispensa de licitação na contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal (BRASIL, 2007b), abrem o caminho para que o reconhecimento e inclusão formal de catadores como prestadores de um serviço de utilidade pública aos municípios se dê através da contratação destas cooperativas pelo poder público nos municípios. Tal procedimento é defendido pelo MNCR (MNCR, 2012) e já praticado em alguns dos municípios do país. No entanto, considerando que tais processos de contratação são recentes e ainda restritos a poucos municípios do país, ainda não é possível avaliar sua eficiência, assim como também não há formatos padronizados para estes contratos (BESEN, 2012).
Em relação à relevância científica desta pesquisa, o estudo acadêmico das contratações de catadores pelo poder público municipal representa uma lacuna no contexto de produção acadêmica no país – de acordo com levantamento realizado pela autora em 2016, já haviam sido publicadas oito teses e dissertações, disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), com centralidade na temática de catadores e a PNRS; no entanto, o foco na contratação ainda representa uma lacuna na produção de conhecimento acadêmico. Do mesmo modo, em relação ao Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS/UFSCar), de acordo com o Repositório Institucional da UFSCar, em junho de 2017 o PPGCTS contava com a publicação de seis dissertações na temática de cooperativas de catadores, conforme o Quadro 1.
Quadro 1: Dissertações publicadas no PPGCTS na temática de catadores
Título da dissertação | Ano de defesa |
e sociedade” | 2011 |
“Empreendimentos econômicos solidários de catadores: cadeias produtivas de resíduos, processos tecnológicos e parcerias” | 2011 |
“Cooperativas de catadores e parcerias com gestores públicos: aspectos promotores de autonomia” | 2012 |
“Economia solidária e dinâmica familiar de catadores de materiais recicláveis: um estudo no campo ciência, tecnologia e sociedade” | 2014 |
“Trajetórias de líderes do movimento social de catadores de materiais recicláveis: aspectos formadores de sua identidade” | 2016 |
FONTE: Elaborado pela autora.
O Quadro 1 demonstra, portanto, que a temática da presente pesquisa está presente no Programa de Pós Graduação em que se insere. Além disso, as pesquisas já realizadas no âmbito do programa abarcam diversas centralidades temáticas referentes a catadores (tecnologias, autonomia, dinâmica familiar, movimento social, de acordo com o Quadro 1), ainda sem destaque para o aspecto de políticas públicas e contratações, o que caracteriza a lacuna que motiva a presente pesquisa.
Do mesmo modo, as variáveis existentes por trás desta questão envolvem questões em diversos campos temáticos, como, por exemplo, nas esferas:
• Econômica: a situação dos catadores é diretamente influenciada pelo mercado da reciclagem;
• Social: a situação de precariedade na vida e no trabalho, vivenciada por catadores, possui relações diretas com o cenário de desigualdade social do país;
• Política: a organização de catadores pode ser considerada estratégia política fundamental para seu fortalecimento, que influenciou inclusive no processo de elaboração de políticas públicas que favorecessem sua inserção formal na cadeia produtiva da reciclagem;
• Ambiental: o trabalho desempenhado pelos catadores está diretamente associado a um impacto ambiental positivo no contexto da gestão de resíduos sólidos.
Portanto, entende-se que a temática da presente pesquisa é caracterizada pela interdisciplinaridade, o que faz com que um programa de pós-graduação interdisciplinar como o PPGCTS/UFSCar represente o ambiente ideal para desenvolver uma pesquisa segundo esta abordagem. Outro elemento fundamental para sustentar essa relação seria o papel que a ciência desempenha em sociedade; de acordo com Xxxxx (2005), a neutralidade da ciência é um mito e, dessa maneira, processos sociais podem sofrer interferências de resultados obtidos na esfera científica. Assim, é de suma importância trazer problemáticas sociais reais para o espaço científico, de modo que estas possam ser analisadas sob a ótica do saber científico e, dessa maneira, possivelmente encontrem soluções.
Em relação à relevância social, considera-se que a manutenção de desigualdades sociais é fator intrínseco à manutenção das precárias condições de vida e trabalho dos catadores, o que caracteriza um cenário de alta relevância. A precariedade socioeconômica a que são submetidos os catadores é sustentada pelo cenário de elevada pobreza e desigualdade social, o qual encontra possíveis respostas no contexto de políticas públicas, dentre estas, as que favorecem a inclusão formal de catadores na cadeia produtiva da reciclagem. Tal demanda implica em reflexões acerca de todo este processo, considerando a complexidade do processo de implementação de políticas públicas. De fato,
“(...) quando a lei é aprovada, ela ingressa em um mundo de representações próprio (chamamos de ordenamento jurídico) e passa a ser interpretada e analisada, predominantemente, por uma categoria de técnicos que falam outra linguagem e, com frequência, são pouco sensíveis a essa disputa” (SEVERI, 2014, p. 160).
Assim, é de fundamental importância o estudo do processo de implementação destas políticas, considerando as lacunas que frequentemente podem ser observadas entre sua proposta inicial e seu processo de consolidação. É importante destacar que o campo CTS também possui potencial para contribuir nesta discussão, ao aproximar a ciência como possível campo de análise dos processos de implementação de políticas públicas.
Além disso, de acordo com pesquisa realizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), em 2009, com 59% das cooperativas de catadores apoiadas pelo banco, foram identificados “avanços significativos na qualidade de vida dos cooperados e
suas famílias, bem como aumento da eficiência nas atividades“ (BESEN, 2012, p. 394). No âmbito da gestão operacional, foi notado incremento do material coletado (20,6%) e processado (25,5%), enquanto no âmbito de qualidade de vida a pesquisa revelou melhorias no relacionamento familiar (82%), nas condições de higiene (79,6%), na alimentação (78,85%) e no conforto das moradias (69,3%). Portanto, tais dados mostram que iniciativas para ampliar investimentos, possivelmente fomentadas por políticas públicas de apoio, têm o potencial de impactar positivamente no trabalho realizado por estes profissionais, além de estarem associados a melhor qualidade de vida (BESEN, 2012).
Outro elemento que sustenta a escolha do tema da presente pesquisa é a trajetória pessoal da autora, que é membro do Núcleo Multidisciplinar Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária (NuMI-EcoSol/UFSCar) desde 2015. Por conta do interesse em temáticas associadas à gestão de resíduos sólidos, despertado durante a graduação em Engenharia Ambiental, se aproximou de equipe do NuMI-EcoSol que atua com cooperativas de catadores no âmbito da economia solidária; nesta atuação, foi estabelecida proximidade da Coopervida – Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis de São Carlos – SP, da Rede Anastácia – Rede de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis das regiões Central e Alta Mogiana do estado de São Paulo, e também do Fórum Comunitário de Resíduos Sólidos de São Carlos, do qual a autora faz parte desde sua criação, em outubro de 2015. Esta vivência foi, portanto, elemento motivador para estabelecer a relação entre este contexto e o campo acadêmico, e pode-se dizer que tal dinâmica está alinhada com conceitos enunciados por Xxxxx (2005), em relação à importância de aproximação entre o campo acadêmico e problemáticas sociais.
Neste contexto, a pergunta de pesquisa que motivou o trabalho foi a seguinte: considerando os aspectos da PNRS favorecedores à atuação de cooperativas de catadores (como a integração destes trabalhadores na cadeia da reciclagem como um dos objetivos da lei), quais as condições favorecedoras e dificuldades no processo de contratação dessas cooperativas pelo poder público municipal, como estratégia para viabilizar sua inserção formal na cadeia produtiva da reciclagem? Tal pergunta levou à elaboração da seguinte hipótese central de pesquisa: mesmo que no Brasil o âmbito federal disponha de marco legal favorável à contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal, iniciativa defendida pelo MNCR e que é do interesse desses atores na luta pelo reconhecimento de seu trabalho na cadeia produtiva da reciclagem, na prática esses contratos encontram diversas dificuldades em seu processo de consolidação, o que os caracteriza como condição
favorecedora, mas não suficiente, ao processo de inserção formal de cooperativas de catadores na cadeia produtiva da reciclagem.
O objetivo geral da presente dissertação é: explorar analiticamente as condições favorecedoras e dificuldades no papel que vem sendo desempenhado por contratos entre cooperativas de catadores e poder público municipal, a três cooperativas em municípios do interior do estado de São Paulo.
Os objetivos específicos são:
a) Identificar marco legal favorável à inclusão formal de catadores na cadeia produtiva da reciclagem por meio da contratação destas pelo poder público municipal;
b) Identificar aspectos nos procedimentos operacionais acerca do processo de estabelecimento e manutenção destes contratos, nas três cooperativas escolhidas;
c) Comparar as diretrizes enunciadas pelo marco legal com as práticas associadas às mesmas, no âmbito de contratações e em contexto brasileiro.
A apresentação deste trabalho foi elaborada em quatro capítulos, além desta Introdução. No segundo capítulo, será apresentada a fundamentação teórica, referente às temáticas que se posicionaram como pertinentes ao desenvolvimento do trabalho. O capítulo seguinte apresentará o método e as estratégias utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa, bem como a hipótese central de pesquisa. Por fim, os resultados serão apresentados no quarto capítulo, dedicado à apresentação da pesquisa de campo e à discussão, e serão seguidos pelo quinto e último capítulo, de Considerações Finais e Conclusões.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo, será apresentada a revisão bibliográfica que embasa a presente pesquisa, nos seguintes itens: introdução ao campo CTS, economia solidária, cooperativas de catadores de materiais recicláveis, resíduos sólidos recicláveis, coleta seletiva e reciclagem, políticas públicas, PNRS e contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal.
2.1. Introdução ao campo CTS
De acordo com Xxxxx, Xxxxxxxxx e Xxxxxxx (2003), “ciência” é derivada do latim “scientia”, substantivo que equivale etimologicamente a “conhecimento”. Tradicionalmente, a ciência era concebida como atividade autônoma e neutra, o que condiz com as teorias de Xxxxxx Xxxxxx e da Escola de Columbia, em meio a um contexto funcionalista (FERNANDEZ-ESQUINAS; TORRES-ALBERO, 2009). Segundo Xxxxxx, o trabalho de cientistas era guiado pelo “ethos” científico, de caráter imperativo e obrigatório no exercício da ciência, caracterizado por quatro princípios: universalismo, comunismo, desinteresse e ceticismo organizado. No entanto, esta abordagem passou a ser bastante criticada em especial a partir da década de 1970, por teorias influenciadas pelo construtivismo. Tais autores (dentre eles, Xxxxxx, Xxxxxxxxx e Xxxxxxx) reconheciam a ciência não da maneira idealista como Xxxxxx, mas caracterizada como esfera não autônoma e não neutra; de fato, segundo estes autores, eram perceptíveis relações entre atividades científicas e a esfera político-econômica (XXXXXXXXX-ESQUINAS; TORRES-ALBERO, 2009). Outro autor fundamental para esta mudança na forma de se caracterizar a ciência foi Xxxx, cuja obra permitiu destacar a importância da dimensão social e do enraizamento histórico da ciência e, ao mesmo tempo, “inaugura um estilo interdisciplinar que tende a dissolver as fronteiras clássicas entre especialidades acadêmicas, preparando o terreno para os estudos sociais da ciência” (BAZZO et al., 2003, p. 22). De fato, este consistiu em um momento histórico com importantes publicações para o movimento CTS: tanto o livro “Silent Spring” (Primavera Silenciosa), de Xxxxxx Xxxxxx, como “A estrutura das revoluções científicas”, de Xxxxxx Xxxx, ambos publicados em 1962, teriam sido marcantes para a reflexão no âmbito da sociologia da ciência. Enquanto o primeiro traz a crítica ao uso de inseticidas químicos e, assim, fortalece iniciativas de movimentos sociais ambientalistas em nível global, o segundo ergue novos paradigmas acerca da construção da ciência (VON XXXXXXXXX, 2008). Segundo o mesmo autor, “a partir da obra de Xxxx a filosofia toma consciência da importância da dimensão
social e das raízes históricas da ciência, ao mesmo tempo em que inaugura um estilo interdisciplinar que tende a diluir as fronteiras clássicas entre as especialidades acadêmicas” (VON LINSINGEN, 2008, p. 5). De maneira geral, considera-se que o impulso aos estudos no campo CTS a partir da década de 1960 deve ser compreendido como uma resposta aos desafios sociais e intelectuais evidenciados a partir da segunda metade do século XX (JOVER, 1999). A interdisciplinaridade no campo CTS também foi destacada por Xxxxx (1999), que afirma que há uma extraordinária heterogeneidade teórica, metodológica e ideológica associada ao campo.
Neste contexto, surgem também outras abordagens associadas à ciência, dentre estas a ciência reguladora, que pode ser definida como a atividade científica destinada a contribuir com conhecimentos para assessorar o processo de elaboração de políticas públicas (BAZZO et al., 2003). De acordo com Xxxxxxxx (1995), as reivindicações científicas são em grande parte socialmente construídas; além disso, para construir e implementar programas na esfera de políticas públicas, como na temática de controle ambiental, os especialistas devem se munir de estudos advindos da esfera do conhecimento científico (JASANOFF, 1995). A mesma autora destaca as diferenças existentes entre a ciência reguladora (que disponibiliza conhecimentos para embasar a ação política) e a ciência acadêmica (que possui maior restrição em relação à participação do público em geral e sem implicações políticas) (XXXXXXXX, 1995). Uma comparação entre características da ciência acadêmica e ciência reguladora pode ser observada no Quadro 2.
Quadro 2: Características da ciência acadêmica e da ciência reguladora
Aspectos | Ciência acadêmica | Ciência reguladora |
Metas | “Verdades” originais e significativas | “Verdades” relevantes para a formulação de políticas |
Instituições | Universidades, organismos públicos de investigação | Agências governamentais, indústrias |
Produtos | Artigos científicos | Relatórios e análise de dados |
Incentivos | Reconhecimento profissional | Conformidade com os requisitos legais |
Prazos | Flexibilidade | Prazos regulamentados, pressões institucionais |
Opções | Aceitar a evidência; rechaçar a evidência; esperar por mais dados | Aceitar a evidência; rechaçar a evidência |
Instituições de controle | Pares profissionais | Instituições legisladoras, tribunais, meios de comunicação |
Procedimentos | Revisão por pares, formal ou informal | Auditorias, revisão reguladora profissional, revisão judicial, vigilância legislativa |
Padrões | Ausência de fraude e falsidade, conformidade com os métodos aceitos pelos pares, significado estatístico | Ausência de fraude e falsidade, conformidade com os protocolos aprovados e com as diretrizes da agência institucional, provas legais de suficiência |
FONTE: BAZZO; XXXXXXXXX; PEREIRA, 2003.
Do mesmo modo, Xxxxx (2005) defende que deve haver uma relação entre teoria científica e prática, de modo a permitir o surgimento de objetos, instrumentos e utensílios, além de aplicações direcionadas à resolução de problemas para os seres humanos.
O contexto de mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas, a partir da década de 1960, também esteve associado ao esgotamento da sociedade industrial, o que abre espaço para a consolidação da sociedade informacional (FLECHA; XXXXX; PUIGVERT; 2001). Segundo os autores, este momento possui como elemento chave a seleção e processamento da informação, de modo que esta passa a ser a principal fonte de êxito ou fracasso de pessoas, grupos e instituições. No contexto da economia informacional, a fonte de produtividade e
crescimento é a geração de conhecimento mediante o processamento da informação. No entanto, o elemento central neste momento não seria o acúmulo de informações, mas a seleção das informações mais relevantes para cada momento. Mesmo que a informação esteja, de fato, mais acessível de maneira geral, e não como privilégio das classes sociais superiores (como na sociedade industrial), a utilização de novas tecnologias de informação, assim como os conhecimentos específicos para seleção, favorecem a manutenção de exclusões, uma vez que estes não são acessíveis. Ao considerar, também, que a sociedade informacional possui como elementos centrais os recursos humanos (ao contrário dos recursos materiais como na sociedade industrial), tem-se como consequência, por exemplo, o aumento da importância de profissões com alta qualificação, e a diminuição de emprego para mão de obra não qualificada; este fato associa-se à manutenção de cenários de exploração no trabalho, como na sociedade industrial. É este o contexto precário de atuação dos catadores.
A partir das características da sociedade da informação, pode-se verificar que as transformações sociais ocorridas em contexto capitalista sugerem que as relações entre ciência, tecnologia e sociedade tornam-se cada vez mais presentes na sociedade contemporânea, o que se atribui em grande parte aos avanços das tecnologias da informação (XXXXXXXXXXXX, 2011). Portanto, as tecnologias da informação como elemento diretamente relacionado à manutenção de cenários de desigualdade social e precariedade no trabalho, assim como o debate conceitual sobre ciência reguladora, estabelecem as principais pontes entre o campo CTS e a presente pesquisa de mestrado.
Do mesmo modo, ao se considerar tais elementos de desigualdade social e precariedade no trabalho, é importante o reconhecimento da atuação no contexto da Economia Solidária como proposta alternativa a estas diretrizes exploratórias, em especial pois este movimento manteve proximidade com o processo de organização e fortalecimento de catadores em nível nacional.
2.2.Economia Solidária
As bases teóricas para a Economia Solidária, desenvolvidas no início dos anos 1980, a caracterizam como uma possível alternativa ao pensamento capitalista neoliberal, visando um caminho para minimizar a desigualdade social (FRANÇA FILHO, 2002). De acordo com Xxxxxx (2002a), o contexto capitalista naturalizou uma vivência socioeconômica intensamente competitiva e hierárquica; além disso, tais princípios também sustentam uma estrutura de acúmulo de perdas e ganhos (em que aqueles já beneficiados pelo sistema tendem a serem
valorizados e, assim, acumularem novos benefícios, enquanto que os socialmente excluídos tendem a permanecer nesta situação). Assim, estruturas hierárquicas seriam diretamente relacionadas à existência e manutenção de desigualdades sociais, o que deveria ser superado enquanto uma estrutura social mais igualitária é desejada. Singer (2002a) defende, a partir desta discussão, a importância de se questionar a competição, e não simplesmente aceita-la ou reproduzi-la nas mais variadas relações sociais.
A partir desta análise, a Economia Solidária propõe um novo modelo de relações socioeconômicas, com uma maior interação entre economia, política e sociedade (FRANÇA FILHO, 2002). Neste contexto, o trabalho do ser humano é valorizado para além de um contexto exploratório reduzido à sua capacidade de trabalho (ARROYO; SCHUCH, 2006). Um importante sustentáculo da Economia Solidária, relacionado a processos de empoderamento em ambientes com relações de poder horizontalizadas, é o princípio da autogestão.
Além disso, Xxxxxx Xxxxx (2002) defende que a economia solidária seja articulada a partir da hibridação de economias, ou seja, a possibilidade de combinação das economias mercantil, não-mercantil e não-monetária, as quais frequentemente coexistem dentre iniciativas solidárias (FRANÇA FILHO, 2002). A respeito da valorização das trocas em suas mais variadas formas, no contexto de economia solidária, em detrimento das relações monetárias, é defendido que os humanos carregam uma tendência natural para estabelecimento de trocas uns com os outros, o que é concretizado desde os tempos da revolução Neolítica, e também se associa a uma tendência de reconhecimento do valor na produção uns dos outros (DURÁN, 2007).
Aplicando concretamente estes princípios, tem-se que as organizações solidárias pertencem a seus trabalhadores ou membros, e, diferentemente de empresas capitalistas, em que aos investidores é concedido grande parte do poder sobre a companhia, além de grande parte do lucro obtido, em coletivos solidários a ação de trabalhar está diretamente relacionada à manutenção de poder coletivo sobre a organização, juntamente aos demais trabalhadores, os quais desfrutam de direitos iguais (SINGER, 2002b). Decisões são tomadas coletivamente em assembleias, em que cada membro tem direito a voto e à fala (HOLZMANN, 2000). De fato, a abertura de um espaço público para partilha não garante uma estrutura de poder horizontal, já que a dinâmica capitalista também reprime manifestações individuais em público – a ideia, portanto, seria desenvolver um processo de empoderamento, até que todos os membros se
sintam à vontade e pertencentes ao espaço de manifestação pública proporcionado pela assembleia (HOLZMANN, 2000).
Conforme a organização solidária se expande e aumenta seu número de membros, naturalmente sua gestão é dificultada, o que pode exigir a migração para um modelo organizacional interno de divisão de tarefas. Diferentemente de empresas inseridas no modelo capitalista, no entanto, este modelo deve ser articulado de maneira representativa e com base no compromisso de aqueles a quem são direcionadas tarefas específicas as desempenharem de maneira representativa de acordo com os interesses coletivos, ou serão substituídos (SINGER, 2008).
Organizações solidárias, caracterizadas pelos elementos e valores contextualizados, funcionam como cooperativas, as quais, de acordo com a Lei Federal nº 5.764 (BRASIL, 1971) são definidas pela adesão voluntária, divisão igualitária de poder, neutralidade política, fuga de qualquer manifestação de preconceito (racial, social, religioso) e o princípio não- lucrativo. No entanto, de acordo com Xxxxxx (2008), existem inúmeras organizações que existem legalmente como cooperativas, mas não reproduzem na prática os princípios ideológicos de igualdade e autogestão (“cooperfraudes”). Isso é relacionado à atual condição legal de membros de cooperativas, considerados trabalhadores independentes e, portanto, sem garantias de direitos trabalhistas (férias, 13º salário, dentre outros), o que é visto como vantajoso por presidentes ou diretores de empresas legalmente registradas como cooperativas.
De acordo com Xxxxxx (2002b), no Brasil, o movimento de Economia Solidária surgiu a partir da crise econômica na década de 1980, quando inúmeras empresas passaram por processos de falência, e, consequentemente, seus trabalhadores, então desempregados, encontraram-se sem alternativas para sustento financeiro. Tomados pelo sentimento de necessidade, se organizaram para retomada de algumas destas empresas e reorganização das mesmas como cooperativas.
Mais recentemente, em 2003, foi criada a SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária), associada ao Ministério do Trabalho e Emprego, na III Plenária de Economia Solidária. Seu processo de criação foi viabilizado por resultados obtidos no I Fórum Social Mundial em Porto Alegre (2002), e também pela eleição de Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxx para a presidência do país. Seu objetivo principal é fomentar iniciativas no campo de Economia Solidária, nos âmbitos nacional e local, e vem se consolidando como variável fundamental ao
desenvolvimento de projetos, através do apoio ao Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES (que se organiza localmente em municípios ao redor do país), e também do fornecimento de verba à realização de projetos (desde sua criação, SENAES apoiou e forneceu verba a 435 projetos de economia solidária do país (SCHIOCHET, 2012)). Dentre estas iniciativas, se encontra o apoio a cooperativas de catadores, as quais são contextualizadas e caracterizadas no item 3.3 do presente trabalho.
2.3.Cooperativas de catadores(as) de materiais recicláveis
As cooperativas de catadores se encontram alinhadas a princípios da Economia Solidária (ES), em busca de “[...] outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual” (SINGER, 2002a, p. 10). São consideradas empreendimentos econômicos solidários (EES) criados para formalizar o trabalho no contexto de gestão de resíduos sólidos, que engloba os serviços de coleta seletiva, triagem, beneficiamento e comercialização (GUTIERREZ; ZANIN, 2013). Pode-se dizer que o trabalho realizado por estes profissionais é o de “ressignificação do lixo em mercadoria”, com a reinserção dos resíduos recicláveis na cadeia produtiva da reciclagem (IPEA, 2013). De acordo com Xxxxxx (2002a, p. 89),
A cooperativa possibilita compras em comum a preços menores e vendas em comum a preços maiores. Sendo entidade econômica e política, a cooperativa representa os catadores perante o poder público e dele reivindica espaço protegido para armazenar e separar o material recolhido e financiamento para processar parte do material separado, agregando-lhe valor. A cooperativa é uma oportunidade de resgate da dignidade humana do catador e desenvolvimento da auto-ajuda e ajuda mútua, que permite constituir a comunidade dos catadores.
A primeira associação de catadores formada no Brasil data de 1985, com a formação da Associação de Carroceiros no município de Canoas-RS (RIBEIRO; BESEN, 2011), e a primeira cooperativa de catadores no Brasil, a Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (COOPAMARE-SP), foi inicialmente criada como a Associação dos Catadores de Papel com o apoio da Organização de Auxílio Fraterno (OAF), e em 1989 se formalizou como cooperativa, no município de São Paulo. Neste mesmo ano, durante a gestão Xxxxx Xxxxxxxx (1989-1992), foi implantado o primeiro programa de coleta seletiva na cidade, o qual sofreu descontinuidades nas gestões seguintes (XXXXXXX; TEIXEIRA, 2011). Também em 1986, foi criada em Porto Alegre (RS) a Associação dos
Catadores de Material de Porto Alegre, com o apoio do trabalho eclesial de base da Igreja Católica, e em 1990 foi implantado programa de coleta seletiva no município durante a gestão petista de Olívio Dutra (1989-1992). De maneira similar, em Belo Horizonte, foi constituída em 1990 a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (ASMARE), com o apoio da Pastoral de Rua, o que precedeu a criação de programa de coleta seletiva no município, em 1993, na gestão de Xxxxxx Xxxxxxx (1993-1996). Tais experiências revelam alguns pontos em comum: não apenas o apoio de organizações oriundas da Igreja Católica foi fundamental a estas três iniciativas, como também a implementação de tais programas de coleta seletiva se deram durante gestões do Partido dos Trabalhadores (PT) (XXXXXXX; XXXXXXXX, 2011).
O contexto de surgimento no Brasil tanto da economia solidária quanto do trabalho de catação possui origens similares no que tange o mundo do trabalho: ambas iniciativas surgiram em momentos de crises econômicas e reestruturação produtiva, associados a mudanças nas relações de trabalho. Este cenário de ascensão do desemprego foi o palco para o surgimento da atividade de catação como atividade de geração de renda, de maneira informal (CARNEIRO; CORRÊA, 2008). A formação de cooperativas de catadores é, portanto, estratégia para fortalecer estes trabalhadores frente às exigências do mercado da reciclagem, possibilitando negociação de preços com o aumento da oferta de recicláveis e, frequentemente, sua prensagem (o que favorece o transporte) (MEDEIROS, 2006).
Há dificuldades em indicar o número de catadores em atividade no Brasil: apesar do reconhecimento dos catadores no Cadastro Brasileiro de Ocupações datar de 2002, apenas em 2013 a atividade de catação passou a ser contabilizada no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico), no qual em 2015 constavam 49.181 pessoas declaradas com essa ocupação; dessas, 31.078 eram beneficiárias de programas sociais (aproximadamente 63%) (IPEA, 2012b). Ao mesmo tempo, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008 aponta cerca de 70 mil habitantes com esta ocupação (em área urbana) (BRASIL, 2008), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) cerca de 600 mil (IPEA, 2012a), e o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) até 1 milhão de pessoas (IPEA, 2013). Com base nesses números, estima-se a existência entre 400 mil e 600 mil pessoas com a ocupação de catador, sendo que mais de 100 mil compõem a base do MNCR (IPEA, 2012a). Já em relação às cooperativas ou associações, estima-se a existência de 1.175, xxxxxxxxxxxx xxxxx 000 xxx 0.000 xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxx (XXXXXX, 2008), representando em torno de
30.390 catadores organizados (IPEA, 2012a). Tais inconsistências nas informações repassadas
dificultam a inclusão desta categoria na cadeia produtiva da reciclagem e em políticas públicas para a consolidação de melhorias em seu trabalho, o que reforça a demanda para o desenvolvimento de pesquisas científicas nesta temática.
De acordo com o MNCR [2016], os catadores estão em atividade pelo menos desde os anos 50; de acordo com Birkbeck (1978) os catadores podem ser considerados “proletários autônomos” pois a autonomia se torna uma ilusão quando se considera que, na verdade, vendem sua força de trabalho à indústria da reciclagem, sem contudo usufruírem da seguridade social do mundo do trabalho formal. Bortoli (2013) caracteriza a participação das populações de rua nas atividades de catação associadas à baixa escolaridade, desestruturação de vínculos e precariedade no trabalho, em especial nas décadas de 1980 e 1990 (BURSZTYN, 2000). Estes trabalhadores participam da cadeia produtiva da reciclagem como principal ator responsável pela reinserção dos materiais nesta cadeia, mas de maneira subordinada apenas em sua fase inicial, o que limita o acesso a recursos suficientes para uma vida digna (CATAFORTE, 2014). Mesmo que responsáveis pela coleta de aproximadamente 90% de tudo o que é reciclado, a média nacional de sua renda mensal varia de R$ 136,00 a R$ 318,00 (MNCR, 2012). Além disso, estima-se que, dos 16 mil moradores de xxx xx xxxxxx xx Xxx Xxxxx-XX, 30% sobrevivem exclusivamente da coleta de materiais recicláveis (MNCR, 2012). Ao mesmo tempo em que esta atividade encontra-se na informalidade, o aumento da atividade de catação coincide com o crescimento da indústria dos recicláveis, pela alta taxa de geração de resíduos sólidos, e que vem aumentando nos últimos anos como resultado do crescimento populacional e incentivo ao consumo, decorrentes do modelo econômico vigente (BRASIL, 2004). Tanto é que o aproveitamento dos resíduos sólidos urbanos é colocado como uma das alternativas de superação das altas taxas de desemprego, já que sua destinação adequada possibilitaria a inclusão social de catadores, a geração de renda e a consideração conjunta de aspectos ambientais, sociais e econômicos (XXXXXXXXX, 2004). O catador acaba sendo então um elo fundamental com a cadeia dos resíduos recicláveis e para a solução de problemas relacionados a um consumo exagerado instigado por um mercado que precisa ser alimentado para garantir os seus lucros. De acordo com IPEA (2013), o serviço realizado pelos catadores é de utilidade pública, e contribui, dentre tantos aspectos, para minimizar a quantidade de resíduos sólidos encaminhada para aterros sanitários, como elemento fundamental ao processo de gestão de resíduos sólidos nos municípios.
Uma característica do trabalho desenvolvido por catadores é a sazonalidade nas atividades, representada por mudanças nos preços dos materiais recicláveis, na oferta de
resíduos, e considerando também os períodos de férias escolares (IPEA, 2013). Considerando que, atualmente, os materiais recicláveis são comercializados como commodities (matérias- primas sujeitas à variação de preços cotados em dólar praticados globalmente), momentos de crise econômica, que representam a queda no valor de commodities, estão intimamente relacionados à diminuição dos preços pagos por materiais recicláveis (em 2009, por exemplo, foi observada uma redução de até 70% nos preços destes materiais) (MNCR, 2012). Outra característica é o alto grau de informalidade, o que impede o acesso de catadores a direitos trabalhistas, além da dificuldade de seu reconhecimento por parte de centros de pesquisa e da administração pública (fator associado também à grande divergência nos dados existentes sobre catadores e as atividades que realizam). Esse elemento se torna ainda mais preocupante quando são considerados os riscos associados a seu trabalho, relacionados à exposição ao calor, os ruídos, a chuva, o risco de quedas, os atropelamentos, os cortes e a mordedura de animais, o contato com ratos e moscas, o mau cheiro dos gases e a fumaça que exalam dos resíduos sólidos acumulados, a sobrecarga de trabalho e levantamento de peso, as contaminações por materiais biológicos ou químicos, dentre outros (IPEA, 2013). Além disso, a submissão destes trabalhadores a longas e exaustivas jornadas de trabalho, nas quais carregam grandes quantidades de materiais muitas vezes sem equipamentos adequados, sujeitos a acidentes e adversidades climáticas, caracterizam a precariedade e exploração associadas a este trabalho. Somadas a estes fatores, a venda dos materiais recicláveis coletados nestas condições frequentemente é destinada aos chamados “atravessadores”, “sucateiros” ou “intermediários”, que pagam valores inferiores aos materiais recicláveis e possuem recursos e meios de produção para seu beneficiamento e armazenamento, para, posteriormente, vende-los a melhores preços diretamente para indústrias (PEREIRA, SECCO, CARVALHO, 2014).
Magera (2003, p. 34) descreve da seguinte maneira a rotina de trabalho dos catadores independentes:
Muitas vezes, ultrapassa doze horas ininterruptas; um trabalho exaustivo, visto as condições a que estes indivíduos se submetem, com seus carrinhos puxados pela tração humana, carregando por dia mais de 200 quilos de lixo (cerca de 4 toneladas por mês), e percorrendo mais de vinte quilômetros por dia, sendo, no final, muitas vezes explorados pelos donos dos depósitos de lixo (sucateiros) que, num gesto de paternalismo, trocam os resíduos coletados do dia por bebida alcoólica ou pagam-lhe um valor simbólico insuficiente para sua própria reprodução como catador de lixo (p.34).
Além disso, há ainda a questão dos preconceitos relacionados à natureza da atividade, relacionado ao trabalho com o que ainda é chamado de “lixo”, e associada ao fato de estes trabalhadores frequentemente comporem classes sociais menos favorecidas. Todo esse quadro cria uma situação de “invisibilidade” histórica destes atores, por parte do poder público e da sociedade, o que resulta no isolamento destes indivíduos muitas vezes em bolsões de pobreza, com acesso restrito a serviços públicos de qualidade (IPEA, 2013). De acordo com Xxxxxxx e Xxxxxxxx (2011), os catadores foram e muitas vezes ainda são vistos pela sociedade como “delinquentes” ou “mendigos” associados à sujeira, o que motiva a manutenção de políticas higienistas por parte do poder público de diversos municípios brasileiros, atuação que vai contra o papel de inclusão social efetiva que deveria estar associado ao Estado. Considera-se, no entanto, que tais aspectos são produtos de uma generalização das atuais condições dos catadores no país, e que, de fato, há considerável heterogeneidade associada em suas relações com a catação e com a organização de seu trabalho.
Em junho de 2001, foi formalizado, no 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que é considerado atualmente o maior movimento de recicladores do mundo (MEDINA, 2007). Sua criação se deu em meados de 1999 durante o 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel, realizado em Belo Horizonte, que contou com cerca de 1700 participantes, entre catadores, técnicos e assistentes sociais de 17 estados brasileiros, e mais 3000 participantes da Marcha Nacional da População de Rua (PEREIRA; TEIXEIRA, 2011). Neste evento, foi elaborada a “Carta de Brasília”, cujo conteúdo aponta reivindicações e propostas à sociedade e ao poder público, como a implantação em nível nacional de uma política de coleta seletiva a partir da gestão integrada de resíduos sólidos e a erradicação dos lixões com o apoio às famílias que ali vivem e trabalham (XXXXXXX; XXXXXXXX, 2011). Dezesseis anos depois, durante a Expocatadores 2017 realizada em Brasília, no mês de dezembro, foi lançada a Segunda Carta de Brasília, na qual o MNCR reconhece avanços obtidos nestes anos, como a elaboração de leis favoráveis ao reconhecimento e à atuação do catador organizado, além do crescimento e fortalecimento do MNCR. No entanto, neste documento reconhece também que, apesar destes avanços, ainda vivenciam a desvalorização de seu trabalho e exploração por organizações públicas e privadas, e que as estratégias para superação de tais aspectos desfavoráveis é ampliar a capacidade militante do movimento, com foco na aproximação de catadores das ruas e de lixões, para que seja garantida a Reciclagem
Popular e o controle da cadeia produtiva da reciclagem pelo viés da Economia Solidária (MNCR, 2017).
O MNCR elegeu a construção de políticas públicas de gestão integrada de resíduos sólidos com inclusão social de catadores como um de seus objetivos prioritários, e suas ações foram fundamentais ao processo de elaboração da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada em 2010 (MNCR, 2012). Dentre as ações articuladas por este coletivo, está o apoio às contratações de cooperativas de catadores pelo poder público municipal, como prestadores de serviço no âmbito da gestão integrada de resíduos sólidos [MNCR, 2016].
2.4.Resíduos Sólidos Recicláveis, Coleta Seletiva e Reciclagem
O padrão de consumo no Brasil é associado à alta taxa de geração de resíduos sólidos, a qual vem aumentando nos últimos anos como resultado do aumento populacional e incentivo ao consumo, e é decorrente do modelo econômico vigente (BRASIL, 2004). A gestão de resíduos sólidos no país não tem acompanhado de maneira adequada essa crescente demanda, por não ter recebido do poder público a sua merecida atenção. Consequentemente, essa desatenção proporciona o potencial comprometimento da qualidade dos recursos naturais e da saúde da população, o que coloca o poder público como ator fundamental na proposição de soluções e alternativas para essa questão urbana sistêmica (BRASIL, 2001). Mesmo a destinação considerada adequada para os resíduos sólidos urbanos, que seriam os aterros sanitários, também causam impactos ao meio ambiente e à saúde, além de serem alternativas problemáticas em áreas de alta urbanização, por ocuparem grandes extensões de terra (XXXXXX; XXXXXXXX, 1998). Considerando tais condições, se faz necessário questionar não apenas a gestão destes resíduos, mas também possíveis estratégias para minimizar sua geração quando possível. Neste contexto, se destaca a Política ou Pedagogia dos 3R’s, referentes às ideias de reduzir, reutilizar e reciclar os resíduos sólidos, necessariamente nesta ordem (LAYRARGUES, 2002). Tais princípios também constam como um dos objetivos da PNRS, precedidos pela não geração de resíduos sólidos, e seguidos do tratamento e disposição final ambientalmente adequada destes resíduos (BRASIL, 2010a).
Outro elemento característico à dinâmica de aumento na geração de resíduos é o modelo linear de “extração – fabricação – uso – descarte”, nesta lógica ampliada pelo modelo fordista, segundo o qual há grande perda de materiais na forma de resíduos (XXXXXXX; XXXXXXXXXXXX, 2014). Neste contexto, surge também a proposta da “economia circular”, cujo foco reside em se distanciar desta lógica linear e fomentar o uso mais racional dos
recursos naturais, seja através da redução do consumo ou de sua recuperação (por meio de estratégias alinhadas aos 3R’s, por exemplo). Mesmo que este conceito tenha sido desenvolvido em contexto europeu e ainda pouco utilizado no Brasil, ele traz a importância de políticas públicas como estratégia para favorecer a implementação de ações e metas que favoreçam, inclusive, a reinserção de resíduos na cadeia produtiva da reciclagem (XXXXXXX; XXXXXXXXXXXX, 2014).
Em 2010, foi realizado pelo IPEA um estudo para estimar os benefícios econômicos e ambientais, atuais e potenciais, advindos da reciclagem, em comparação à utilização de matéria prima virgem, de modo que tais benefícios foram definidos como a diferença entre os custos da produção a partir de matéria prima virgem e os custos de produção dos mesmos bens a partir de material reciclável. Foi estimado que, se todo o resíduo reciclável atualmente encaminhado para aterros e lixões em nas cidades brasileiras fosse reciclado, os benefícios econômicos seriam da ordem de R$ 8 bilhões anuais (IPEA, 2010). O Quadro 3 traz os dados referentes a alguns dos materiais estudados.
Quadro 3: Estimativa dos benefícios econômicos e ambientais associados à reciclagem
Materiais | Benefícios relacionados ao processo produtivo (R$/t) | |
Benefícios econômicos | Benefícios ambientais | |
Aço | 127 | 74 |
Alumínio | 2.715 | 339 |
Celulose | 330 | 24 |
Plástico | 1.164 | 56 |
Vidro | 120 | 11 |
FONTE: IPEA, 2010.
Dentre os benefícios ambientais da reciclagem, destaca-se, de acordo com IPEA (2010), a redução do consumo de energia e de água, redução na geração de gases de efeituo estufa, proteção de biodiversidade e redução no uso de recursos não madeireiros. Além disso, o mesmo estudo aponta que o custo médio de aterramento de resíduos sólidos em sua disposição final é de R$ 22,64 por tonelada, valor assumido como benefício gerado pela reciclagem, uma vez que resíduos reinseridos nesta cadeia produtiva deixam de demandar este custo.
De acordo com o Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (BRASIL, 2015), o país gerava diariamente em 2015 uma média per capita de 1,0 kg/kab./dia de resíduos sólidos domiciliares. Os dados referentes à coleta seletiva (que, de acordo com a PNRS, pode ser definida como “coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição” (BRASIL, 2010a)), também apresenta divergências em relação à sua difusão dentre os municípios brasileiros. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB (BRASIL, 2008), havia então, no país, 653 municípios que possuem ações de coleta seletiva com participação de catadores (aproximadamente 12% dos municípios). As primeiras iniciativas de coleta seletiva de resíduos sólidos em municípios brasileiros foram relatadas pela PNSB 1989, quando foram identificados 58 programas no país. A PNSB 2000 mostrou um aumento desse número para 451 programas, e para 994, de acordo com a PNSB 2008 (BRASIL, 2008).
Enquanto isso, a pesquisa Ciclosoft 2016 aponta 1055 municípios com coleta seletiva em 2016 (aproximadamente 18% dos municípios brasileiros, e acessados por aproximadamente 15% da população do país), de modo que 81% destes se encontram nas regiões Sul e Sudeste do país (CEMPRE, 2016). Dentre estas iniciativas, 44% são executadas por cooperativas de catadores. A respeito do custo de oferecimento destes serviços de coleta seletiva, a pesquisa também aponta que este vem diminuindo em relação ao custo da coleta regular – em 1994, o custo da coleta seletiva era dez vezes superior ao da coleta regular, diferença que caiu para pouco mais que quatro vezes maior em 2016 (CEMPRE, 2016). A Figura 1 quantifica os percentuais da ocorrência do serviço de coleta seletiva domiciliar, por região geográfica, de acordo com o Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (BRASIL, 2015), enquanto a Figura 2 aponta a população atendida pelo serviço de coleta seletiva no Brasil, que, em 2014, representava apenas cerca de 13% da população do país (CEMPRE, 2014).
Figura 1: Xxxxxxxxxxx xx xxxxxxxxxx xx xxxxxxx xx xxxxxx xxxxxxxx xxx xxxxxx xxxxxxxxxx xx Xxxxxx (XXXXXX, 2015).
Figura 2: População atendida pelo serviço de coleta seletiva no Brasil (CEMPRE, 2014).
A divergência que se nota dentre os dados disponíveis sugerem que ainda não há um conceito fechado do que pode ser considerado um programa de coleta seletiva (de acordo com ABRELPE (2008), de fato, é frequente que as iniciativas disponibilizadas pelos municípios sejam resumidas na simples disponibilização de pontos para entrega voluntária, por exemplo), o que dificulta a elaboração e implementação de políticas públicas adequadas para o fomento da coleta seletiva em nível nacional. Além disso, estes dados (que indicam um percentual
bastante baixo de municípios brasileiros com programas de coleta seletiva), ao serem confrontados com dados que indicam que o Brasil possui altos índices de reciclagem, em especial de alumínio e PET (GAMA, 2016), sugerem que a reciclagem está, em grande parte, associada à presença do trabalho informal de catadores como elo fundamental na reinserção de resíduos nesta cadeia produtiva. De qualquer maneira, observa-se que o país ainda tem muito a avançar no sentido de elaborar e implementar programas de coleta seletiva em seus municípios.
Em relação à viabilização econômica da coleta seletiva, Besen (2012) argumenta que depende da integração dos reais custos dos serviços prestados na taxa de limpeza urbana, de modo que a Lei de Saneamento Básico (lei 11.445/07) dispõe sobre o sistema de cálculo dos custos da prestação de serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, além de sua forma de cobrança (BESEN, 2012). Em comparação com a coleta convencional, considera-se que a coleta seletiva pode ser cerca de cinco vezes mais cara, o que acarreta um problema uma vez que as prefeituras municipais tendem a destinar valores semelhantes a ambas iniciativas, baseados nos custos da coleta convencional (MNCR, 2012).
Em relação à cadeia produtiva da reciclagem, esta abrange todo o processo de gerenciamento de resíduos sólidos: o descarte pós-consumo, a coleta, a triagem, o enfardamento, a comercialização do material, a logística de transporte, o beneficiamento pela indústria e o desenvolvimento do mercado para o novo produto (SANTOS et al., 2010). De acordo com Xxxxxx (2003), esta se divide em cinco etapas sequenciais:
• Segregação dos resíduos (normalmente realizada no local em que foram gerados);
• Coleta seletiva (resíduos são coletados, total ou parcialmente separados e enviados às operações de triagem ou beneficiamento);
• Triagem e classificação (limpeza, separação, enfardamento);
• Beneficiamento dos resíduos já separados (procedimentos específicos são aplicados a cada tipo de resíduo);
• Reciclagem.
Conforme estas considerações, a atividade dos catadores é fundamental à continuidade da reciclagem, considerando que estes atores são os principais responsáveis pelas atividades de coleta seletiva, triagem e classificação, e algumas vezes também de beneficiamento de materiais. De acordo com a Figura 3, que indica os atores envolvidos na cadeia produtiva da
reciclagem, os catadores se encontram na parcela que favorece maior exploração no trabalho e vulnerabilidade.
Figura 3: Cadeia de reciclagem pós-consumo (DEMAJOROVIC, J. et al., 2014)
De acordo com o autor, “esta forma de estruturação da cadeia produtiva contribui para os problemas de distribuição desigual do valor gerado na atividade, impactando especialmente os catadores e as cooperativas, e, ao mesmo tempo, viabiliza financeiramente a cadeia de reciclagem” (DEMAJOROVIC, et al., 2014, p. 5). Assim, segundo os mesmos autores, os catadores se mantém na posição de receber a menor parcela do que é gerado do valor na cadeia, apesar de contribuir com a maior parcela do que é coletado. Ao mesmo tempo, considerando este cenário, os intermediários conseguem obter uma margem de até 100% entre seu preço de venda e o que paga para o catador (XXXXXXXX, et al., 2004).
2.5.Políticas Públicas
Embora o processo de tomada de decisão por parte das estruturas do Estado não seja novidade, a crescente complexidade das sociedades modernas exige atualmente que os tomadores de decisão considerem um maior número de variáveis, as quais são mais complexas nos dias atuais. Tal demanda implica em reflexões acerca de todo este processo, de modo que a teoria de políticas públicas foi desenvolvida como possibilidade de resposta (XXXXXXX et al, 2006). Além disso, desde as últimas décadas do século XX, a área de
políticas públicas conquistou maior visibilidade, devido a três fatores principais: a adoção de políticas restritivas de gasto (que passaram a dominar as agendas de diversos países, em especial os em desenvolvimento), restrições no intervencionismo estatal na economia (em meio a um cenário pós-guerra de substituição de políticas keynesianas por princípios do liberalismo), e a inexistência de coalizões políticas em países em desenvolvimento capazes de elaborar políticas que conciliassem o desenvolvimento econômico à inclusão social (XXXXX, 2006).
Segundo Xxxxxxx et al (2006), em relação às demais áreas de estudo nas ciências políticas, o estudo de políticas públicas acaba se distinguindo, devido a três principais fatores: sua elevada multidisciplinaridade em abordagens teóricas e práticas, a grande especificidade de cada contexto de aplicação (o que dificulta a elaboração de uma teoria geral de políticas públicas) e a alta intersecção com esferas referentes a valores, pessoais ou coletivos (considerando que problemas e questões sociais tendem a tangenciar dimensões de valores e ética).
De acordo com Xxxxx (2006), as políticas públicas possuem as seguintes características:
• A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz;
• A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes;
• A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras;
• A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados;
• A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo.
Uma abordagem histórica da teoria de políticas públicas e sua introdução como estratégia de governança nas sociedades atuais revela sua origem em território norte americano, para, posteriormente, ser adotada em países europeus (com destaque para experiências britânicas e holandesas) (FISCHER et al, 2006). De acordo com Xxxxx (2006), a área de políticas públicas possui quatro “pais” fundadores, ao longo do século XX: Laswell (1936), Easton (1965), Xxxxx (1967) e Lindblom (1981). Xxxxxxx (1936) introduz a expressão “policy analisis” (análise de política pública) de modo a impulsionar o diálogo entre a esfera da ciência e dos governos; Xxxxxx (1965) definiu a política pública como um sistema, ou seja,
como uma relação entre elaboração, resultados e ambiente; e Xxxxx (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos tomadores de decisões públicas (“policy makers”). Este último conceito foi construído a partir da premissa de que o sistema econômico é dinâmico e, portanto, a capacidade de se prever eventos futuros se torna limitada, uma vez que não apenas as ações dos agentes econômicos mudam com o passar do tempo, mas também o ambiente em que atuam (SIMON, 1967). Dessa maneira, e considerando a elevada complexidade característica não apenas do sistema econômico como também do processo de formulação de políticas públicas, se torna difícil o planejamento e análise de políticas públicas a partir de resultados previamente delineados. Xxxxxxxxx (1981), por sua vez, questiona a racionalidade excessiva no modelo de Xxxxx, e propõe a incorporação de outras variáveis ao processo de análise de políticas públicas, como as relações de poder, o papel das eleições e de grupos de interesse.
Em relação aos estudos de políticas públicas em contexto brasileiro, segundo Xxxx (1999) estes não foram evidentes até o final da década de 1990, ainda que esporádicos, e com ênfase na análise das estruturas e instituições ou na caracterização dos processos de negociação de políticas setoriais específicas. O mesmo autor, a respeito do processo de análise de políticas públicas em países em desenvolvimento, destaca que “é preciso levar em consideração o fato de que o instrumento analítico-conceitual (deficitário) foi elaborado nos países industrializados e, portanto, é ajustado às particularidades das democracias mais consolidadas do Ocidente” (XXXX, 1999, p. 3). Dessa maneira, seria necessária uma ressignificação de princípios vindos destes países industrializados às realidades sociais, econômicas, políticas e ambientais de países em desenvolvimento, de modo a considerar estas especificidades.
Em relação à inclusão de pautas na formulação da agenda no contexto de políticas públicas, e como teoria utilizada para explicar o porquê de determinadas pautas conquistarem maior atenção dos tomadores de decisão (e, assim, adentram a agenda de políticas públicas com maior facilidade do que outras), pode ser aqui citada a abordagem de Xxxxxxxxx Xxxxxx, de Xxxx Xxxxxxx (1995). Segundo esta, há três tipos de agenda: sistêmica (referente a problemas evidentes, mas que ainda não receberam a atenção do governo), governamental (referente a temas que recebem atenção do governo em um dado momento) e decisória (referente aos temas encaminhados para deliberação pelo governo).
Além disso, o processo de formação de agenda, por sua vez, é baseado em três fluxos: problemas, políticas e propostas de políticas públicas (KINGDON, 1995). O primeiro destes, dos problemas, diz respeito aos meios pelos quais os atores políticos tomam conhecimento de determinados problemas, o que pode ocorrer através de indicadores (os quais caracterizam determinada situação e podem, assim, chamar a atenção de autoridades), eventos-foco (situações de caráter mais pontual, como desastres e acontecimentos marcantes) e feedback (uma vez que há feedback em relação a programas e projetos já em andamento, é possível que surjam novas questões a partir daí).
O segundo fluxo se refere à política, e engloba elementos como eleições e mudanças nas representações políticas. Possui importância fundamental na determinação da agenda, pois as mudanças de governo, e consequentes mudanças nas configurações partidárias e ideológicas, frequentemente determinam a prioridade para entrada na agenda de temáticas diversas. Dentre estes representantes, Xxxxxxx (1995) os divide em “visíveis” (assessores de alto escalão, que recebem atenção da mídia e do público) e “invisíveis” (acadêmicos, funcionários de carreira).
Por fim, o terceiro fluxo é a dinâmica das políticas públicas, em que alternativas são levantadas, analisadas e escolhidas mediante critérios pré-estabelecidos (XXXXXXX, 1995).
De acordo com o mesmo autor, a dinâmica destes fluxos é independente, mas em determinados momentos, estes podem se unir, e dificilmente possibilitam uma lógica organizada por etapas. Além disso, frequentemente, no cenário de elaboração de políticas públicas, se parte não de problemáticas, mas de soluções prontas em busca de problemas, o que caracteriza o modelo da lata do lixo, ou “Garbage Can” ( XXXXX; MARCH; XXXXX, 1972).
A Figura 4 sistematiza a abordagem dos múltiplos fluxos de Kingdon.
Figura 4: Abordagem dos múltiplos fluxos de Xxxxxxx (XXXXXXX, 1995; XXXXXXX; XXXXXXXX, 2011). Elaborado pela autora.
No entanto, de acordo com Xxxxxxx x Xxxxxxxx (2011), a abordagem de Xxxxxxx (1995) concede pouca importância à influência da sociedade civil e de atores extrainstitucionais na determinação da agenda de políticas públicas, e caracteriza um modelo “de cima para baixo” que nem sempre corresponde à realidade de países como o Brasil (“os papéis dos vários participantes na formulação de agendas podem ser definidos com bastante precisão por meio de um modelo claro que funciona “de cima para baixo”, com os políticos eleitos situados no topo” (XXXXXXX, 1995, p. 199))..
Também em relação à formação das agendas, Xxxxxxxx (1981) afirma que este processo depende de diversas variáveis. Em relação ao atendimento de demandas da população, considera-se que o descontentamento de cidadãos politicamente inativos não resulta na inclusão de suas pautas na agenda política, o que poderia ocorrer se algum grupo ativista levasse determinados problemas à atenção de autoridades políticas. Ao mesmo tempo, alguns indivíduos e grupos possuem maior facilidade de acesso às pessoas que tomam decisões políticas, o que não ocorre com todos. Além disso, o autor defende que “a ciência política formula proposições elucidativas só a respeito de uns poucos aspectos da “preparação da agenda”” (XXXXXXXX, 1981, p. 9), e constata que o aprendizado social e a doutrinação fomentam opiniões que acabam por manter diversos temas fora da agenda, em especial os que desafiam os princípios fundamentais do próprio sistema político-econômico (LINDBLOM, 1981).
Em relação ao cumprimento de diretrizes de políticas públicas, Xxxxxxxx (1981) também enuncia que este processo é de elevada complexidade, e frequentemente determinadas autoridades ou órgãos específicos são caracterizados erroneamente como responsáveis pelo não cumprimento de determinada política pública, sem que seja considerada a multiplicidade de influências atuantes sobre a política, ou seja, a compreensão da atividade política no seu conjunto. Além disso, o mesmo autor caracteriza o jogo político (ou “jogo do poder”) como um meio dotado de regras específicas, que formam um sistema de regras que indicam os diferentes papéis a serem desempenhados (os quais, de acordo com as próprias regras, resultam no fato de os tomadores de decisões políticas corresponderem em grande parte a uma elite branca, em boa parte dos países do mundo), além de elementos como a obediência, o controle e a autoridade (LINDBLOM, 1981).
Outro elemento de fundamental análise a este autor no processo de representatividade das demandas de cidadãos é o papel das eleições; uma vez que se considera que as decisões políticas se encontram nas mãos de um número reduzido de pessoas, em relação às massas que representam, e que a participação direta da população em cada uma dessas decisões se torna inviável por conta da grande quantidade de decisões que cabe aos representantes de governo, é criada uma lacuna entre as demandas da população e a representatividade das políticas elaboradas pelos representantes eleitos (mesmo que existam alguns tímidos exemplos de redução dessa lacuna, como países e estados em que os cidadãos podem votar certas leis) (LINDBLOM, 1981).
Foram caracterizados e explorados neste processo alguns diferentes conceitos: as políticas públicas (“policies”) se referem ao conteúdo concreto das políticas, enquanto o sistema ou jogo político (“politics”) se refere às dimensões processuais e processos políticos, e a sociedade política (“polity”) se refere à estrutura institucional do sistema político- administrativo (FREY, 1999). Xxxxx (2006) considera, ainda, uma quarta dimensão, das instituições em que as políticas públicas são desenhadas e implementadas.
A partir destas definições, são formuladas duas possíveis abordagens: uma delas considera que as políticas públicas (“policies”) determinam a política (abordagem das arenas), também sustentada por Xxxx (1972) e reconhecida como “abordagem das arenas”. Por outro lado, a abordagem sistêmica, sustentada pela ciência política tradicional, compreende que a política (“politics”) determina as políticas públicas (“policies”), e tem Xxxxxx (0000; 1970) como um de seus principais formuladores. Esta última reconhece que existem “inputs”
(demandas ou apoio provenientes da sociedade e que adentram o sistema político), “withinputs” (demandas ou apoio provenientes do sistema político) e “outputs” (produtos e resultados provenientes de “inputs” e “withinputs”) no processo de elaboração e implementação de políticas públicas. No entanto, no contexto da política ambiental, percebe- se que ambas dimensões (do jogo político e da política pública) acabam se influenciando reciprocamente, em um contexto de alta complexidade; os atores envolvidos, as condições de interesse em cada situação e os conflitos de poder sofreram modificações significativas na medida em que se agravaram os problemas ambientais a nível global e, consequentemente, se intensificou a consciência ambiental e a atuação de movimentos ambientalistas (FREY, 1999).
Há diversas tipologias acerca de políticas públicas; de acordo com Xxxxxx (2010), uma tipologia é “um esquema de interpretação e análise de um fenômeno baseado em variáveis e categorias analíticas” (SECCHI, 2010, p. 24). No presente trabalho, será descrita a tipologia de Lowi, que, dentro da abordagem das arenas (que parte do pressuposto de que “as reações e expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito antecipativo para o processo político de decisão e de implementação” (FREY, 1999, p. 8)), considera que as políticas públicas podem assumir quatro formatos: políticas distributivas, regulatórias, redistributivas e constitutivas (LOWI, 1964, 1972):
• Distributivas: geram benefícios concentrados para alguns grupos de atores e custos difusos para todos os contribuintes (exemplo: incentivos ou renúncias fiscais, etc);
• Regulatórias: estabelecem padrões de comportamento, serviço ou produto para atores públicos ou privados (exemplo: regras para a segurança alimentar, códigos de trânsito, etc);
• Redistributivas: concedem benefícios concentrados a algumas categorias de atores e implicam custos concentrados sobre outras categorias de atores (exemplo: programas de reforma agrária, cotas raciais para universidades, etc). Tendem a ser conflituosas;
• Constitutivas: definem as competências, jurisdições, regras da disputa política e da elaboração de políticas públicas (exemplo: regras do sistema eleitoral, etc) (SECCHI, 2010).
Em relação à implementação de políticas públicas no âmbito dos municípios brasileiros, Frey (1999) argumenta que até os anos 90 havia relativamente poucos estudos científicos
sobre esta temática. De modo geral, é uma questão complexa por conta da autonomia municipal abrangente, garantida pela elaboração da Lei Orgânica (que funciona como uma “Constituição local”) por parte de cada município (poder concedido pela Constituição de 1988); dessa maneira, a ampla autonomia organizacional dos municípios tem como consequência grande variedade de arranjos institucionais em cada município, o que, muitas vezes, dificulta a implementação e acompanhamento de leis, decretos e diretrizes federais e estaduais (FREY, 1999). De fato, de acordo com Xxxxxxxx (2004, p. 17), “a Constituição Federal de 1988 instituiu um sistema legal de repartição de receitas que limita a capacidade de gasto do governo federal e, por conseqüência, sua capacidade de coordenação de políticas”. Além disso, a elevada autonomia concedida aos municípios pelo modelo de federalismo brasileiro limita a autoridade que o governo federal possui sobre os municípios no sentido de induzir que decisões municipais coincidam com prioridades ou políticas públicas federais. Um fator que favoreceria este alinhamento seria se o governo federal mantivesse sua base de apoio no âmbito dos municípios através de prefeitos membros do mesmo partido; no entanto, considerando que o sistema partidário brasileiro passou de bipartidário para altamente fragmentado a partir de 1988, a tendência é que o governo federal disponha de limitada parcela de governos municipais de mesmo partido (o sistema de coalizões partidárias tende a aumentar esta porcentagem; mesmo assim, esta tende a ser limitada) (ARRETCHE, 2004).
2.6.A PNRS e os catadores
Neste item, será contextualizado o histórico por trás do processo de elaboração, aprovação e implementação da PNRS, assim como o levantamento de outras políticas públicas no âmbito federal que trazem elementos relacionados à atuação de catadores.
De modo geral, considera-se que fragilidades nas condições econômicas, sociais e ambientais verificadas em países em desenvolvimento criam nestas localidades condições favoráveis para a atuação de catadores; dessa maneira, países como Índia, Egito, Filipinas, Tailândia, Indonésia, além dos países latino-americanos, se tornaram nações em que catadores atuam na cadeia produtiva da reciclagem (MEDINA, 2000). De acordo com o mesmo autor , a gestão de resíduos sólidos em municípios destes países partilha, de maneira geral, de características similares, como o fato de não incorporarem as realidades locais, de se utilizarem de tecnologia frequentemente importada de outros países, e de atuarem apenas na esfera da formalidade e sem considerar as possibilidades muitas vezes já existentes no setor informal. Desta maneira, o autor também afirma que, por conta de diferentes padrões de
renda, de consumo e de disponibilidade de capital, as alternativas convencionais utilizadas na esfera de gestão de resíduos em países desenvolvidos tendem a falhar em países em desenvolvimento. Seria, portanto, fundamental que a elaboração de estratégias para gestão de resíduos sólidos nestes países considerasse tais especificidades, em especial a potencial contribuição do trabalho realizado na informalidade (MEDINA, 2000).
Em relação a políticas públicas e cooperativas de catadores nos países em desenvolvimento, Medina (2007b) as caracteriza a partir das seguintes iniciativas:
• Repressão (fomenta iniciativas hostis e punições sobre catadores, como também a ilegalidade em que é enquadrada sua atuação, o que se associa a visões preconceituosas em relação à atividade da catação e sua evidente relação com cenários de pobreza – ocorre em cidades na Colômbia, Índia e Filipinas);
• Negligência (catadores são ignorados e tratados com indiferença – ocorre em cidades de países na África);
• Xxxxxxx (são estabelecidas relações de clientelismo político entre representantes do governo e líderes de catadores – ocorre na Cidade do México);
• Fomento (legalização da atividade de catação, estímulo à formação de cooperativas – ocorre em cidades na Indonésia, Colômbia e Brasil).
A partir desta abordagem, considera-se que há grande potencial econômico, ambiental e social associado à manutenção de políticas de fomento à atuação de catadores, em oposição às políticas de repressão, negligência e conluio (MEDINA, 2007b).
No Brasil, a promulgação da Constituição Federal, em 1988, concedeu autonomia federativa aos municípios, o que sugeriu a compreensão de que o município seria, portanto, detentor da titularidade dos serviços de gestão e manejo de resíduos sólidos, desde a coleta até a sua destinação final. No entanto, embora existam normas que abordam a temática dos resíduos sólidos (com destaque para resoluções do CONAMA), ainda não havia um instrumento legal que estabelecesse diretrizes gerais aplicáveis aos resíduos sólidos para orientar os Estados e os Municípios na adequada gestão desses resíduos [BRASIL, 2017a].
Para este fim, uma possível estratégia seria a elaboração e implementação de política pública destinada à gestão de resíduos sólidos. Tal iniciativa ocorreu por iniciativa do Senado Federal, com o protocolo do projeto de lei do Senado – XX 000/00 (XXXX, 2011). Em 1991, foi protocolado projeto de lei na Câmara dos Deputados o XX 000/00, também referente a uma
política de resíduos. Em 2001, foi criada a Comissão Especial da Política Nacional de Resíduos pela Câmara dos Deputados para análise dos projetos de lei apensados ao XX 000/00 e formar, assim, uma proposta substitutiva global; no mesmo ano, foi realizado em Brasília o 1º Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, com presença de catadores, técnicos e agentes sociais de 17 estados brasileiros [BRASIL, 2017a].
A PNRS incorpora conceitos modernos à legislação ambiental brasileira, como a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, definida como:
“conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos” (BRASIL, 2010a).
Dentre os demais instrumentos introduzidos pela Política, há os acordos setoriais (“ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores,
distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada” (BRASIL, 2010a)), a logística reversa (“conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento (...) ou outra destinação final ambientalmente adequada” (BRASIL, 2010a)). Além disso, a Lei 12.305/2010 institui os princípios poluidor-pagador e protetor- recebedor, e, como diretriz, a seguinte ordem de prioridade na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Além disso, a dimensão social no contexto de gestão de resíduos sólidos é contemplada pela PNRS, o que se pode constatar pelo Princípio III da referida lei (“a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública), assim como pelo Princípio VIII (“o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania”), ambos contidos no Art. 6º. (BRASIL, 2010a).
Compreendendo a atenção aos catadores como principal elemento da esfera social no contexto de gestão de resíduos sólidos, a PNRS pauta especificamente a inserção de cooperativas de catadores no cenário de gestão de resíduos recicláveis e na cadeia produtiva da reciclagem, como pode ser observado nos seguintes artigos:
• 7º (a integração dos catadores nas ações de responsabilidade compartilhada é um dos objetivos da Política);
• 8º (o incentivo à criação e desenvolvimento de cooperativas ou associações de catadores é um dos instrumentos da Política);
• 15º e 17º (os Planos Nacional e Estaduais de Resíduos Sólidos devem conter metas para eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão econômica de catadores);
• 18º, §1o (os municípios que implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou associações de catadores formadas por pessoas físicas de baixa renda terão prioridade no acesso a recursos da União);
• 36º, §1o (há prioridade de cooperativas de catadores no exercício da responsabilidade compartilhada);
• 42º (o poder público poderá instituir medidas indutoras e financiamento para implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas de catadores);
• 44º (poderão ser concedidos incentivos fiscais a projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas de catadores) (BRASIL, 2010a).
Tem-se, portanto, que
“A Política Nacional de Resíduos Sólidos definiu, por meio do Decreto 7.404, que os sistemas de coleta seletiva e de logística reversa, priorizarão a participação dos catadores de materiais recicláveis, da mesma forma que os planos municipais deverão definir programas e ações para sua inclusão nos processos” (BRASIL, 2011a).
De acordo com Xxxxxx (2014), a PNRS assegurou a integração dos catadores na cadeia produtiva da reciclagem por meio de três tipos de mecanismos jurídicos: de inclusão social, de emancipação econômica e de garantia de representatividade da categoria nos espaços de participação e controle social previstos na lei. Além disso, segundo Lima (2013), a coleta seletiva municipal adequada aos princípios enunciados pela PNRS deve garantir, em relação às cooperativas de catadores: espaço físico adequado, equipamentos que possibilitem a valorização do trabalho desenvolvido pelo catador, segurança do trabalhador, melhora da autoestima do indivíduo, gestão eficiente, capacitação do indivíduo, assembleias regulares e cumprimento das normas internas.
No que tange a PNRS,
“são duas as obrigações cabíveis ao Poder Público Municipal: a) promoção da organização dos catadores em formato de cooperativas ou associações de catadores; b) fomento à sua emancipação econômica por meio da sua contratação para realização da coleta seletiva” (SEVERI, 2014, p. 166).
A mesma autora também argumenta que o estímulo à organização dos catadores em cooperativas ou associações se deve, principalmente, à sua valorização como agente formal na gestão de resíduos sólidos, à melhoria da qualidade da matéria prima reciclada, à redução de riscos da saúde destes trabalhadores, à ampliação de sua renda, e ao fortalecimento de sua representatividade política em espaços de tomada de decisão (SEVERI, 2014).
No mesmo sentido, de acordo com Lima (2017), a PNRS, de fato, ajudou que catadores saíssem da situação de invisibilidade, e auxiliou na ampliação da atividade que estes realizam. Segundo a mesma fonte, atualmente a população em geral se encontra mais preparada para apoiar a atuação de catadores, mas o mesmo não se pode dizer do poder público. Além disso, os benefícios da lei se restringem aos catadores organizados, ou seja, não representativos em relação à maior parte da categoria, que são os catadores informais (ou seja, os que não compõem cooperativas ou associações) (LIMA, 2017).
O Quadro 4 caracteriza um panorama a respeito das alterações na coleta seletiva induzidas pela PNRS.
Quadro 4: Mudanças na coleta seletiva com a PNRS
Agente | Coleta seletiva | Antes da PNRS | Depois da PNRS | |
Consumidor | Coleta seletiva | Voluntária | Obrigatória quando existe a coleta seletiva ou a logística reversa. Separação em resíduos secos e úmidos. | |
Poder público | Municipal | Coleta seletiva | Voluntária, existente em menos de 10% dos municípios do país | Obrigatória para acessar recursos da União, prioriza a contratação de organizações de catadores |
Acordos setoriais e Termos de compromisso com o setor privado | Inexistentes | Voluntários | ||
Estadual | Coleta seletiva | Voluntária, obrigatória em alguns órgãos públicos | Obrigatória, com apoio a organizações de catadores e metas para a coleta seletiva e eliminação de lixões | |
Federal | Coleta seletiva | Obrigatória em órgãos públicos | Obrigatória, planos federais, estaduais e |
municipais | ||||
Acordos setoriais e Termos de compromisso com o setor privado | Inexistentes | Obrigatórios | ||
Organizações de catadores | Relação com poder público municipal | Parcerias, convênios | Contratação de serviço | |
Relação com setor privado | Parcerias | Contratação de serviço | ||
Setor privado | Coleta seletiva | Voluntária | Obrigatória | |
Acordos setoriais e Termos de compromisso com o setor privado | Legislação Conama para alguns materiais | Obrigatória inicialmente para alguns setores |
FONTE: BESEN, 2012.
De acordo com o Quadro 4, portanto, tem-se que, em relação à atuação de catadores nas ações de coleta seletiva, a PNRS instituiu a obrigatoriedade de implementação de iniciativas de coleta seletiva por parte dos municípios (o que antes era uma iniciativa voluntária), para que estes acessem recursos da União, com a priorização da contratação de organizações de catadores para prestação deste serviço. Além disso, a relação de organizações de catadores com o poder público municipal, que anteriormente poderia se dar por meio de parcerias e convênios, no contexto pós-PNRS surge com a perspectiva de contratação por prestação de serviço; o mesmo ocorre em sua relação com o setor privado, que anteriormente poderia se dar por meio de parcerias.
De acordo com a versão preliminar do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2011b), as diretrizes gerais para a inserção de questões referentes aos catadores no escopo da PNRS seriam:
• Promover o fortalecimento das cooperativas e associações de catadores, buscando elevá-las ao nível mais alto de eficiência.
• Promover a criação de novas cooperativas e associações e regularização daquelas já existentes, com vistas a reforçar os vínculos de trabalho, incluir socialmente e formalizar os catadores que atuam de forma isolada.
• Promover a articulação em rede das cooperativas e associações de catadores.
• Criar mecanismos de identificação e certificação de cooperativas, para que não haja falsas cooperativas de catadores beneficiadas com recursos públicos.
• Fortalecer iniciativas de integração e articulação de políticas e ações federais direcionadas para o catador, tais como o programa pró-catador e a proposta de pagamentos por serviços ambientais urbanos.
• Estipular metas para a inclusão social de catadores e garantir que as políticas públicas forneçam alternativas de emprego e renda aos catadores que não puderem exercer sua atividade após a extinção dos lixões, prevista para 2014.
• Estipular metas com o objetivo de inclusão social e garantia de emprego digno para até 600 mil catadores, até o ano de 2014.
• As metas focadas na garantia de emprego devem estabelecer o piso de um salário mínimo para a remuneração do catador. O piso de remuneração também deve levar em conta as diretrizes do Plano Brasil Sem Miséria, que prevê renda per capita mínima de 70 reais por membro da família.
• Estimular a participação de catadores nas ações de educação ambiental e sensibilização porta-a-porta para a separação de resíduos na fonte geradora, mediante a sua adequada capacitação e remuneração.
• Demandar dos municípios a atualização de sistemas de informação sobre a situação dos resíduos municipais e gestão compartilhada dos resíduos.
• Estabelecer metas e critérios para que os municípios incluam os catadores na gestão municipal de resíduos sólidos.
• Garantir o acesso dos catadores aos resíduos sólidos urbanos coletados seletivamente.
• Promover a integração dos catadores de materiais recicláveis aos sistemas de logística reversa.
De acordo com o mesmo documento, uma de suas diretrizes é o fortalecimento para organização socioeconômica de, pelo menos, 600.000 catadores no país, por meio de estratégias como a criação de linhas de financiamento, a instituição de tratamento tributário diferenciado de modo a fomentar iniciativas de reciclagem, a promoção de articulação em rede de cooperativas de catadores, realização de estudos para análise da viabilidade de implementação de preço mínimo regionalizado para materiais recicláveis, dentre outras propostas (BRASIL, 2011b).
Em relação aos desdobramentos pós-sanção da PNRS, tem-se a instalação do Comitê Interministerial para Acompanhamento da PNRS, em março de 2011. O objetivo de sua criação é realizar as articulações necessárias para possibilitar o cumprimento das metas previstas na lei 12.305/2010, e, como estratégia de funcionamento, criou cinco grupos de trabalho [BRASIL, 2017a]:
• GT 1 - Implementação e acompanhamento dos Planos de Resíduos Sólidos e elaboração do SINIR – Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos;
• GT 2 – Recuperação Energética dos Resíduos Sólidos Urbanos;
• GT 3 - Linhas de financiamento, creditícias e desoneração tributária de produtos recicláveis e reutilizáveis;
• GT 4 – Resíduos Perigosos - Plano de Gerenciamento de Resíduos Perigosos e descontaminação de Áreas Órfãs;
• GT 5 – Educação Ambiental.
Além disso, em 2013, foi realizada a IV Conferência Nacional do Meio Ambiente, com a temática de Resíduos Sólidos, cujo objetivo foi a implementação da PNRS, com foco em quatro eixos temáticos: produção e consumo sustentáveis, redução dos impactos ambientais, geração de emprego e renda e educação ambiental. A temática de cooperativas de catadores foi especialmente abordada pelo eixo de geração de emprego e renda, o qual, de acordo com a Carta de Responsabilidades da Conferência, defendeu o trabalho decente, a destinação de recursos e investimentos a cooperativas de materiais recicláveis e à desoneração tributária das cooperativas [BRASIL, 2017b].
No que tange a mobilização do MNCR, se reconhece como imprescindível sua organização e atuação para garantir a entrada de questões referentes ao trabalho de catadores na agenda de políticas públicas federais (PEREIRA; TEIXEIRA, 2011). Neste sentido, se reconhece uma fragilidade na utilização da abordagem dos Múltiplos Fluxos de Xxxx Xxxxxxx para explicar a entrada destas questões na agenda de políticas públicas federal no Brasil, pois “o modelo não concebe um processo de formação de agenda de “baixo para cima” e também não aborda a influência de atores extrainstitucionais na agenda, como organizações da sociedade civil” (XXXXXXX; XXXXXXXX, 2011, p. 910). No entanto, os mesmos autores
reconhecem também que a entrada destas questões na agenda pública federal esbarrou em outros aspectos favorecedores, como a presença de atores favoráveis a estas pautas na estrutura institucional do Estado durante o governo Xxxx (como o ministro do MDS de 2004 a 2010, Xxxxxx Xxxxxxx, e a secretária da Secretaria de Articulação para Inclusão Produtiva (SAIP), Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, que demonstraram motivação em lidar com essas questões) – este aspecto, portanto, poderia ser explicado pelo segundo fluxo de Xxxxxxx, dos atores políticos e a importância de sua atuação para que determinadas questões entrem na agenda política (XXXXXXX; XXXXXXXX, 2011).
Em relação à atuação do MNCR no processo de implementação da PNRS, foi proposto um Programa Nacional de Investimentos na Reciclagem Popular (PRONAREP), o qual insere, a partir de 2014, o conceito de “reciclagem popular” como estratégia para a inserção do catador segundo a PNRS, cujo objetivo seria “combater a desigualdade nesta cadeia, fazendo com que as organizações autogestionárias ocupem todos os elos do ciclo produtivo, desde a coleta até a industrialização do material reciclável, garantindo a gestão integrada dos resíduos” (MNCR, 2014a). Na abertura do Encontro Nacional Conhecimento e Tecnologia, em Brasília (outubro de 2014), representantes do Movimento entregaram uma carta ao então Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Sr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, com proposta que corresponderia ao PRONAREP (considera-se que a temática do evento em que foi realizada tal intervenção pelos catadores reforça ainda mais as conexões existentes entre o campo CTS e o trabalho dos catadores). O documento apontava exigências às prefeituras municipais, como a cessão de infraestrutura para cooperativas e formalização de contrato de prestação de serviços, dentre outras exigências (MNCR, 2014b).
No entanto, os prazos estipulados pela PNRS não vêm sendo cumpridos; venceram em 2014 os prazos inicialmente estipulados de adequação para destinação final de resíduos sólidos (a partir desse momento, lixões e aterros controlados não mais seriam utilizados) e para elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS), e tais metas não foram cumpridas pelos municípios (CNM, 2015). Atualmente, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP 14/2015), que modifica os artigos 54 e 55 da PNRS, e altera para 2 de agosto de 2020 o prazo de elaboração do PMGIRS pelos municípios, e para 2 de agosto de 2024 o prazo aplicação plena destes planos, assim como para a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos sob responsabilidade do poder público municipal (BRASIL, 2015).
De fato, em relação ao processo de interpretação de leis sancionadas,
(...) quando a lei é aprovada, ela ingressa em um mundo de representações próprio (chamamos de ordenamento jurídico) e passa a ser interpretada e analisada, predominantemente, por uma categoria de técnicos que falam outra linguagem e, com frequência, são pouco sensíveis a essa disputa. Como o ato de interpretar a lei é um exercício de redução dos significados, a tendência é que, aos poucos, sejam empregados os significados disponíveis no repertório geral das práticas jurídicas, que pouco refletem as tensões presentes no momento de construção do texto da lei (SEVERI, 2014, p. 160).
Além da PNRS, na esfera do marco legal favorável à atuação de catadores em âmbito federal, outras leis e decretos reforçam este panorama; a iniciativa pioneira neste cenário foi a criação, por Decreto Federal em 2003, do Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo (CIISC), o qual foi alterado pelo Decreto 7.405/2010. O Quadro 5 descreve outras leis e decretos no contexto do marco legal federal favorável ao trabalho de catadores.
Quadro 5: Sistematização de leis pertinentes aos catadores
Lei / Decreto | Objeto |
Decreto Federal nº 5.940/2006 (BRASIL, 2006) | Institui a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores, e dá outras providências. |
Lei Federal nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007b) | Dispensa de licitação na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos comercializáveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuadas por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública. |
Decreto Federal nº 7.404/2010 (BRASIL, 2010b) | Regulamenta a Lei 12.305/2010, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências. |
Decreto Federal nº 7.405/2010 (BRASIL, | Institui o Programa Pró-Catador, denomina Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis o Comitê Interministerial de Inclusão Social de Catadores de |
2010c) | Lixo criado pelo decreto de 11 de setembro de 2003, dispõe sobre sua organização e funcionamento, e dá outras providências. |
Lei Federal nº 12.375/2010 (BRASIL, 2010d) | Os estabelecimentos industriais farão jus, até 31 de dezembro de 2018, a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de resíduos sólidos utilizados como matérias-primas ou produtos intermediários na fabricação de seus produtos, somente se os resíduos sólidos forem adquiridos diretamente de cooperativa de catadores. |
Decreto Federal nº 7.217/2010 (BRASIL, 2010e) | Regulamenta a Lei 11.445/2007, considera as cooperativas de catadores como prestadores de serviço público de manejo de resíduos sólidos. |
FONTE: Elaborado pela autora.
Além do marco legal, outras iniciativas em termos de ações públicas de inclusão social e produtiva da categoria foram tomadas dentro da estrutura institucional do Estado (mais especificamente, no âmbito do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), integrante do CIISC, e durante o governo Lula (2003-2010)), de modo a favorecer o trabalho de catadores: o convênio (2004-2007) firmado entre a Cáritas Brasileira e o MDS, para a implantação da Coleta Seletiva Solidária na Esplanada; convênio com a Organização de Auxílio Fraterno (OAF) para capacitação de lideranças, fortalecimento do MNCR e estudo do custo do posto de trabalho do catador; pesquisa para quantificação e caracterização da população em situação de rua das capitais e principais cidades brasileiras; edital da UNESCO para projetos de apoio à organização dos catadores e à população de rua, visando ao fortalecimento institucional dos catadores, propiciando encontros nacionais, articulações estaduais e capacitações, dentre outras ações (XXXXXXX; XXXXXXXX, 2011).
Em relação ao significado destas iniciativas para mudanças nas relações entre setor público e catadores, Xxxxxxx e Xxxxxxxx (2011, p. 896) trazem a seguinte abordagem:
Em Belo Horizonte, por exemplo, quando vistos como “vagabundos” e “delinquentes”, os catadores foram alvo de “políticas higienistas”. Já quando vistos como trabalhadores em condições degradantes de sobrevivência, a resposta governamental foi buscar inseri-los em um programa de coleta seletiva, oferecendo todo o apoio necessário. Esta última forma foi construída por meio de mobilizações sociais e protestos articulados de organizações de catadores e outras organizações da sociedade civil que apoiam esse grupo.
Em relação à produção de conhecimento acadêmico a respeito de catadores e a PNRS, a autora realizou levantamento de dissertações e teses disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que possuem os termos “catadores” e “Política Nacional de Resíduos Sólidos” ou “lei 12.305/2010” no respectivo título. Como resultado, foram encontradas oito pesquisas, as quais foram analisadas em especial no que tange o levantamento das seguintes informações: ano, universidade de origem, área, título, objetivo geral e resultados e conclusões. O Quadro 6 descreve os resultados dessa busca.
Quadro 6: Informações coletadas a partir da análise das teses e dissertações selecionadas
Autor/ Ano/ Universidade/ Área | Título | Objetivo Geral | Resultados e conclusões |
Xxxxxxxx, X. X., 2013. Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana | Perspectivas e limites das políticas públicas voltadas à Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos: análise a partir da PNRS e de gestores de cooperativas de catadores de materiais recicláveis no município do Rio de Janeiro | Analisar as perspectivas e limites das políticas públicas voltadas à coleta seletiva no que toca as cooperativas de catadores e sua eficácia socioeconômica, apontando oportunidades, dificuldades e possibilidades de mudanças. | Considera-se que as políticas são condições necessárias, mas não suficientes, para a resolução de problemas públicos, como a questão da reciclagem, e devem incluir os atores envolvidos em seu processo de negociação, o que não aconteceu de maneira ampla com a PNRS em relação aos catadores no país. Do mesmo modo, a PNRS traz instrumentos não percebidos em sua totalidade pelos atores envolvidos, o que implica na sua não pactuação e, como consequência, na não utilização plena das vantagens que viabiliza. Também se observa discrepância entre a teoria e a prática, e que a burocracia associada à sua implementação se torna bastante problemática. As cooperativas estudadas, no Rio de Janeiro, se encontram em situação de desamparo estrutural, enquanto a coleta seletiva no município é caracterizada como ineficiente e pouco aproveitada. A questão logística, com foco na posse de um caminhão para coleta, se mostra como a principal dificuldade das cooperativas. |
Xxxxx, X., 2014. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Administração | O Programa Pró- Catador e a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma análise da Associação de Coletores de Materiais Recicláveis | Analisar como tem sido implementadas as políticas públicas de inclusão social de catadores de material reciclável em Florianópolis desde 2003, considerando- se, especialmente, a atuação da ACMR, e, complementarmente, | Foi constatado que considerável parcela dos catadores consultados não conhecem o Programa Pró-Catador, ou se mostram indiferentes em relação ao mesmo. Também se percebe um distanciamento entre os mesmos e o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR e uma falta de envolvimento com questões políticas no geral, além da ausência de parcerias da cooperativa estudada com outras instituições. Há no país uma lacuna entre as políticas públicas para inclusão de |
iniciativas de outras organizações que se destacam nesse sentido, como a COMCAP, o Movimento Nacional dos Catadores, o Ministério Público, entre outros. | catadores e a apropriação destes instrumentos pelos próprios catadores, para seu próprio benefício. Também foi percebida como bastante incisiva a alienação do catador em relação ao trabalho que desempenha, como um certo grau de aceitação em relação a sua histórica condição de miséria. | ||
Xxxxxxxx, X. X. X., 2015. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós- Graduação em Estudos Urbanos e Regionais | Inclusão Social de Catadores de Materiais Recicláveis: Estudo da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da Efetivação do Trabalho Decente em Natal/RN | Investigar o processo de efetivação das diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos no município de Natal, a partir da análise da inserção socioprodutiva dos catadores de materiais recicláveis. | As ações para a inclusão social de catadores ocorrem sem planejamento instrumentalizado, de forma que o arcabouço institucional administrativo existente se limita à atuação da Urbana, empresa responsável pela gestão dos resíduos da cidade, e aos objetivos e metas do plano de gestão integrada dos resíduos sólidos municipais. Esse arcabouço carece de um programa de coleta seletiva que preveja expressamente a forma de inclusão da categoria. Além disso, as ações municipais destinadas à inclusão do catador ainda se detém ao pagamento pela prestação do serviço de coleta seletiva e cessão dos galpões de triagem. Portanto, embora há em Natal iniciativas que representem um avanço passível de reconhecimento, estas necessitam vir atreladas a um conjunto de ações de cunho social a fim de garantir a melhoria das condições de trabalho e novas alternativas ao catador, que proporcionem a concretização de seu desenvolvimento individual de forma realmente inclusiva. |
Xxxxx, X. X., 2013. Universidade de Brasília - UnB, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Economia | Catadores de Resíduos Sólidos Autônomos e Cooperativados: dimensões de ganhos potenciais de renda em Goiânia e consequências para a Política Nacional de | Analisar as dimensões de ganhos potenciais de renda dos catadores de resíduos sólidos autônomos e cooperativados em Goiânia e as consequências para a | A PNRS incentiva a aproximação de catadores autônomos para cooperativas, mesmo que haja bastante resistência por parte deles neste processo. A lei também favorece que as cooperativas sejam apoiadas por atores diversos, como as prefeituras municipais e empresas privadas. A Política estimula, ainda, o pagamento por serviço ambiental urbano às cooperativas, baseado no serviço ambiental gerado pela catação e triagem de resíduos sólidos urbanos recicláveis. |
Resíduos Sólidos | Política Nacional de Resíduos Sólidos. | Constata-se que a Política incentiva a organização das cooperativas, garantindo o recebimento de suprimento permanente de resíduo a ser reciclado sem ônus referente à aquisição dos materiais que separam. | |
Xxxxxxx, B. B., | Educação Ambiental e | Identificar e discutir | Os catadores reconhecem seu trabalho como propulsor da |
2015. Universidade | Profissionalização dos | possibilidades e | efetividade do que estabelece a PNRS. Entretanto, esse |
Federal do Rio | Catadores na Política | potencialidades nos âmbitos | entendimento ocorre de maneira ainda muito intuitiva, visto |
Grande do Sul - | Nacional de Resíduos | educativos de formação para | que não há um conhecimento aprofundado da Lei por parte |
UFRGS, | Sólidos: uma | o trabalho e da constituição | dos entrevistados, os quais também não se sentem |
Dissertação de | Sociologia das | das dimensões política, | valorizados pela lei. Além disso, a PNRS não cumpriu o |
Mestrado, Programa | Ausências? | crítica e da legitimidade da | prazo inicialmente proposto para que os Estados e |
de Pós-Graduação | profissão de catador a partir | Municípios elaborassem seus Planos de Resíduos Sólidos e | |
em Educação | das experiências da | organizassem a disposição final e ambientalmente adequada | |
Cooperativa dos | dos rejeitos. Por fim, a educação dos catadores e | ||
Recicladores de Dois | recicladores merece um lugar de destaque nas formulações | ||
(CRDI), através do diálogo | de ações voltadas para o cumprimento da lei, tarefa que | ||
com a Política Nacional de | compromete o poder público e a sociedade civil, | ||
Resíduos Sólidos (PNRS) e | considerando que uma grande parcela da implementação da | ||
da potencialidade deste | referida lei depende do trabalho de catadores e recicladores. | ||
diálogo para ajudar a | Além disso, ainda existe um distanciamento entre a | ||
construir a dimensão | proposição e a efetividade da ação no processo de | ||
educativa desta política. | implementação da PNRS. | ||
Xxxxx, X. X., 2016. | Movimento de | Compreender se a | Para tornar as medidas da PNRS efetivas, o pacto geral |
Universidade | Catadores e a Política | contratação de cooperativas | expresso pela lei precisa ser transformado em ação pela |
Estadual de | Nacional de Resíduos | e associações de catadores | política municipal, o que exige que o MNCR interfira no |
Campinas - | Sólidos: | de materiais recicláveis | processo de implementação dessa política pública nas |
UNICAMP. Tese de | a experiência do Rio | (defendida pelo Movimento | cidades, através de sua inserção em redes locais, ocupação |
doutorado | Grande do Sul | Nacional de Catadores - | de instâncias de participação dessa política pública e |
apresentada ao | MNCR no contexto de | consolidação da capacidade operacional de suas | |
Instituto de | implementação da PNRS) | cooperativas e associações. Na medida em que apenas | |
Filosofia e Ciências | contribui para combater a | associações e cooperativas são reconhecidas pela legislação | |
Humanas | condição de precariedade na | e que as políticas públicas para ampará-las são focais, |
qual esse trabalho é desenvolvido. | ocorre um afastamento entre os catadores associados e aqueles ainda não organizados, o que cria o desafio de se pensar em maneiras de manutenção desse vínculo de solidariedade entre todos os catadores, responsável pela identidade coletiva que o movimento representa. Além disso, esta pesquisa identificou a oposição entre dois projetos: o da Reciclagem Popular (que defende que a PNRS seja implementada com distribuição de riqueza, poder e conhecimento relativos aos resíduos sólidos), e as propostas oriundas do setor privado, que visam assegurar o monopólio das empresas na execução dos serviços públicos de limpeza urbana. Em relação à contratação de cooperativas, percebe-se que, no Rio Grande do Sul, ainda são escassas – foram encontradas 63 cidades com cooperativas e associações de catadores na realização do serviço de coleta, a maioria ainda sem contratação, o que fragiliza o apoio público às cooperativas. O estudo também apontou o formato da coleta convencional promovido pelas empresas privadas como importante obstáculo para o avanço da coleta seletiva solidária nos municípios. Foi possível identificar ações contraditórias por parte do poder público, que de um lado implementa um programa de coleta seletiva que inclui e remunera a cooperativa de catadores, mas de outro adota medidas que prejudicam a reciclagem e beneficiam a empresa privada de coleta de lixo. | ||
Xxxx, X. X., 2014. Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Tese de doutorado | Política Nacional de Resíduos Sólidos: efeito nas condições e ambiente de trabalho das cooperativas de catadores conveniadas | Avaliar efeitos causados pela PNRS, nas condições e no ambiente de trabalho das cooperativas, as mudanças ocorridas nas relações com as empresas e sociedade | Concluiu-se que a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/10, ainda não cumpriu seu papel plenamente e que pouco tem avançado junto às cooperativas de catadores conveniadas com a prefeitura do município de São Paulo. A PNRS se configura como modeladora de novos paradigmas sociais, dentre os quais se destacam os princípios de |
apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Engenharia Civil | com a prefeitura do município de São Paulo | quanto ao volume e qualidade dos resíduos recebidos, e com os órgãos municipais. | responsabilidade social compartilhada e que as mudanças comportamentais pretendidas pelo documento legal não deverão ser obtidas de forma rápida, mas sim de forma gradual em avanços sucessivos. A aceleração deste processo somente será dada com o incremento da fiscalização e do apoio do poder público à questão da reciclagem, o que garantirá a efetividade da lei. |
Xxxxx, X. X. X. X., 2015. Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito | A Política Nacional de Resíduos Sólidos como instrumento de reconhecimento dos catadores de material reciclável como novos atores sociais para a proteção do meio ambiente | Analisar a PNRS a partir de seus princípios basilares, podendo esta ser considerada como instrumento de legitimação de novos atores sociais para a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. | A Política Nacional de Resíduos Sólidos representa um avanço na proteção e preservação do meio ambiente na medida em que põe em evidência a revisão dos padrões de produção e consumo da atualidade, assim como a necessidade de repensar e planejar o manejo e o gerenciamento adequados dos resíduos em todo o país, com a modificação do modus operandi até então arraigados na cultura omissiva e permissiva da sociedade. Ao considerar uma multiplicidade de atores sociais nesse processo, inclusive, e particularmente, aqueles excluídos do sistema social vigente, esquecidos historicamente – os catadores de material reciclável e suas organizações emergentes, em formas de associações e cooperativas, esta Lei, além de albergar os aspectos econômico e social, no qual exerce o papel de transformadora de uma realidade social, identifica e reconhece o catador de material reciclável como um novo ator social para a proteção do meio ambiente, na medida em que, através da atividade que desenvolve, ajuda a mitigar os efeitos da crise socioambiental vivenciada pela modernidade, contribuindo efetivamente para a garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. |
FONTE: Elaborado pela autora.
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A partir destes resultados, observa-se, inicialmente, que os oito trabalhos identificados e analisados segundo o método proposto provêm de diferentes áreas do conhecimento (Engenharia Civil, Filosofia e Ciências Humanas, entre outras), o que caracteriza a abordagem das possíveis relações entre catadores e a PNRS como multidisciplinar, podendo ser observada e analisada a partir de diferentes perspectivas. Também pode ser observado que as universidades de origem dos trabalhos analisados estão localizadas em quatro das cinco regiões do país (quatro no Sudeste, duas no Sul, uma no Centro-oeste e uma no Nordeste). Mesmo que haja, portanto, uma maior concentração na realização desses estudos em universidades da região Sudeste, observa-se que existe potencial para realizar esta análise na região Norte e nas outras regiões do país com menor número de estudos. Além disso, tais publicações analisadas que são datadas de 2011 a 2016 podem ser consideradas bastante recentes em relação ao presente trabalho, por conta, também, da sanção da PNRS datar de agosto de 2010. Chama a atenção uma primeira dissertação datada de 2011, logo no ano seguinte da Xxx. As demais foram publicadas em 2015 (duas), 2014 (uma) e 2013 (duas). O primeiro doutorado foi datado em 2014 e em 2016 outro.
Em relação aos resultados destas teses e dissertações, observa-se que os trabalhos se encontram bastante alinhados em relação às conclusões apontadas. De modo geral, considera- se que a sanção de políticas públicas direcionadas à inserção de catadores na cadeia produtiva da reciclagem de fato é considerada um avanço, resultado da luta organizada dos mesmos atores sociais. Considera-se que tal política tem o potencial de incentivar a organização de catadores em cooperativas e associações, assim como de dinamizar o apoio de demais atores sociais a tais cooperativas e associações. No entanto, seu processo de implementação ainda carece de inúmeros avanços. Mesmo que a referida política apresente ferramentas importantes ao processo de inserção dos catadores na cadeia produtiva da reciclagem, assim como o Programa Pró-Catador, ambos ainda não se encontram sob ciência de considerável parcela dos catadores do país (mesmo que o MNCR tenha sido importante ator responsável pela sanção desta lei), o que exigiria programas de formação e conscientização dos catadores. Além disso, tais diretrizes, enunciadas por estas políticas públicas, frequentemente se consolidam como processos bastante burocráticos e demorados.
Também foi relatado o distanciamento de catadores em relação ao MNCR, e caracterizada sua realidade como ainda pautada em grande medida por exclusão social e analfabetismo, enquanto ainda persistem péssimas condições de trabalho, manutenção de
baixas retiradas, pautadas transversalmente pela alienação do trabalho, o que é reforçado, ainda, por um sentimento de aceitação em relação à própria condição miserável.
Em relação à esfera de gestão pública municipal, foi apontada precariedade em estabelecer e cumprir contratos com as cooperativas de catadores, além da ineficiência de programas de coleta seletiva municipais, quando existentes. No âmbito municipal, também foi identificado que sobre as empresas de limpeza pública acaba recaindo a responsabilidade pela coleta e gestão de resíduos domiciliares, o que esvazia o papel da coleta seletiva, mesmo com um grande potencial para a segregação e posterior reciclagem de resíduos desta origem.
Em relação às temáticas abordadas nas fundamentações teóricas, não foram encontradas referências à economia solidária como centralidade nos trabalhos; em relação à temática de políticas públicas, este recebe destaque em um dos trabalhos, cuja principal referência é Secchi (2010). Além disso, não se identificou nenhuma pesquisa nessa temática com foco na contratação destas cooperativas pelo poder público municipal.
2.7. Contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal
Mesmo considerando as portas que se abriram na esfera do marco legal de políticas públicas para favorecer a inserção de catadores na cadeia produtiva da reciclagem, os desafios neste processo são muitos. A remuneração pelos serviços urbanos e ambientais é uma das condições para que essa atividade se torne mais eficiente tanto da perspectiva ambiental (reciclagem e limpeza da cidade, por exemplo) como da social (melhoria das condições de trabalho, aumento de renda dos cooperados, entre outros fatores), considerando que há muito tempo os catadores realizam um serviço não remunerado para as cidades (LIMA, 2013). A partir deste raciocínio, e considerando que a inserção de cooperativas e associações de catadores no contexto de gestão de RSU já é prevista na PNRS, é importante definir como se dará tal inserção.
Outra abordagem teórica que sustenta a remuneração de catadores pelo serviço prestado é o Pagamento por Serviços Ambientais Urbanos (PSAU); de acordo com IPEA (2010), serviços ambientais urbanos podem ser definidos como:
(...) atividades realizadas no meio urbano que gerem externalidades ambientais positivas, ou minimizem externalidades ambientais negativas, sob o ponto de vista da gestão dos recursos naturais, da redução de riscos ou da potencialização de serviços ecossistêmicos, e
assim corrijam, mesmo que parcialmente, falhas do mercado relacionadas ao meio ambiente (IPEA, 2010, p. 9).
Nessa perspectiva, as atividades de catação e triagem de materiais recicláveis podem ser reconhecidas como um serviço que cabe nessa abordagem, e, portanto, estariam associadas ao pagamento pela prestação do serviço (IPEA, 2010).
Neste ponto, é fundamental explicitar que o que se deseja é a reafirmação do serviço de limpeza urbana como público, pois nos casos de privatizações e parcerias público-privada (PPPs) é evidente que o interesse das empresas recai sobre a manutenção de seus lucros em detrimento das questões socioambientais envolvidas, considerando que os lucros passam a ser seu principal objetivo (WIRTH, 2016).
De acordo com Lima (2013),
(...) por meio do mercado, não é possível oferecer um serviço de qualidade, segundo critérios de universalidade. Por isso, as bases solidárias que orientam a organização da coleta seletiva feita pelos catadores oferecem um caminho alternativo que permite conciliar qualidade, eficiência e economia de recursos. Para isso, o interesse público deve predominar sobre a contabilidade econômica estrita e de curto prazo que se viabiliza por lucros imediatos, incluindo na contabilidade ganhos socioambientais em horizontes mais amplos, como a economia de recursos naturais para gerações futuras (p. 14).
De fato, a principal finalidade de prestação de serviços por cooperativas e associações de catadores não é o lucro, mas a provisão de ações à sociedade e ao meio ambiente (MNCR, 2012). Em relação à privatização dos serviços de limpeza urbana e o papel do catador, de acordo com Xxxxx (2016),
na gestão dos resíduos sólidos orientada pelo sentido privatista, a figura da empresa como instituição protagonista e principal determinadora da solução tecnológica é fortalecida, e o controle social e as soluções aportadas pelas cooperativas de catadores como coleta seletiva e a reciclagem são prejudicadas (p. 123).
A autora também afirma que, nos municípios em que iniciativas privatistas são dominantes, os catadores tendem a continuar invisibilizados, sobrevivendo em lixões ou limitados à condição de triadores. De fato, a capacidade competitiva destas empresas está associada à externalização dos custos da produção, representado pela precarização do trabalho e ineficácia da mobilização da população, o que cria ineficiências que aumentam o custo social do trabalho e afetam negativamente sua qualidade (LIMA, 2013).
Em relação às cooperativas e associações de catadores, Lima (2013) também afirma que o mito de sua suposta ineficiência é responsável pela baixa abertura dada por gestores públicos à inserção formal de catadores como prestadores de serviços aos municípios. No entanto, argumenta-se que, uma vez que são concedidas as condições necessárias, em termos de infraestrutura adequada e capacitação técnica, nada impede que os catadores consigam desenvolver os serviços com qualidade, além de somar novas competências à experiência já acumulada, o que consiste em um ingrediente fundamental para implantar sistemas de coleta seletiva mais eficientes (considerando, também, que estas cooperativas e associações se encontram em diversos estágios de organização interna, e há um processo até que as desejadas situações de estabilidade sejam atingidas) (LIMA, 2013).
Portanto, no contexto de gestão pública de RSU, o princípio de remuneração pelo serviço prestado pelos catadores aos municípios exige a precificação do serviço e um contrato de prestação de serviços com o município para formalização jurídica, que contemple os custos envolvidos nas atividades relacionadas à coleta seletiva (LIMA, 2013). A contratação de cooperativas ou associações de catadores se sustenta, portanto, no reconhecimento do trabalho destes atores como igualmente dignos do recebimento de tal remuneração, tal como ocorre nas contratações de empresas privadas para a prestação de serviços públicos (JODAS, 2013). A existência de contrato administrativo de prefeituras municipais com organizações de recicladores consolida a integração destes trabalhadores ao sistema municipal de resíduos sólidos (BESEN, 2012) e concede garantias a estes grupos, como uma maior estabilidade financeira na renda dos trabalhadores e a prevenção de riscos financeiros oriundos das instabilidades do mercado de recicláveis. Também se somam aos benefícios a promoção de assistência e inclusão social, maior valorização e envolvimento da população ao trabalho desenvolvido pelos catadores, maior sensibilidade na percepção ambiental da realidade pelos catadores na perspectiva de construção de modelo complexo de gerenciamento de resíduos sólidos (JODAS, 2013). O MNCR também defende a contratação de cooperativas e associações, e argumenta que, sem essa formalização, a coleta seletiva corre riscos de não se concretizar como ação sustentável (MNCR, 2016).
O estabelecimento deste modelo possui precedente na Colômbia, no município de Bogotá, onde houve um caso de disputa judicial no âmbito de uma licitação em 2002. Nesta ocasião, cooperativas de catadores foram excluídas de processo licitatório, pois não dispunham de equipamentos necessários para o processamento dos materiais a serem coletados. No entanto, o processo revelou que as empresas participantes da licitação se encontravam em situação similar. O caso foi tratado pela Corte Constitucional da Colômbia,
que invalidou a licitação. A partir deste embate judicial, foi alterada a legislação nacional, que passou a determinar a contratação de pelo menos 5% do serviço de coleta por cooperativas (ABRALATAS, 2012).
Existem também outras modalidades de formalização de acordos firmados entre prefeituras e cooperativas ou associações de catadores, como as parcerias ou convênios, os quais podem prever subsídios materiais e infraestrutura (equipamentos, galpões de triagem, pagamentos de despesas de água e energia elétrica, caminhões, entre outros). De acordo com Xxxxxxx e Xxxxx (2011), as parcerias das prefeituras com organizações de catadores iniciam-se em 1990, caracterizadas geralmente pela cessão de galpões de triagem, equipamentos e veículos de coleta, além de apoio em campanhas de divulgação.
Mesmo que toda iniciativa do poder público que caracterize alguma forma de apoio aos catadores seja válida, os contratos administrativos constituem um maior nível de solidificação na relação entre cooperativas e poder público municipal, e podem assegurar remuneração específica pelo trabalho de coleta e comercialização dos resíduos recicláveis e reutilizáveis (JODAS, 2013). Além disso, há uma tendência de que tais iniciativas não sejam suficientes para assegurar a devida sustentabilidade financeira que corresponda ao oferecimento de um serviço de qualidade (LIMA, 2013).
O estabelecimento de contratos administrativos entre prefeituras municipais e cooperativas e associações de catadores formadas por pessoas de baixa renda encontra subsídios na Política Nacional de Saneamento - lei 11.445/07 (BRASIL, 2007b), que dispõe sobre diretrizes nacionais de saneamento básico, a qual, em seu artigo 57, altera a lei 8.666/93 (lei de licitações e contratos administrativos - LLCA), ao inserir o inciso XXVII em seu artigo 24:
Art. 24. É dispensável a licitação: [...]
XXVII - na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública. (BRASIL, 1993).
Os processos licitatórios, segundo os quais o poder público federal, estadual e municipal selecionam terceiros para fornecimento de obras, serviços, compras e alienações, têm o objetivo de assegurar a igualdade de condições de participação de todos os interessados, assim como estabelecer regras gerais para manutenção do equilíbrio econômico e financeiro dos
contratos, além de garantir que os licitantes possuem de fato condições para executar o objeto licitado (LIMA, 2013). No entanto, estes processos são também altamente burocráticos; portanto, a dispensa de licitação na contratação de cooperativas ou associações formalizadas de catadores configurou abertura plena à participação da população de baixa renda aos sistemas públicos de coleta seletiva. Tal iniciativa, associada a diretrizes enunciadas pela PNRS, “não dá apenas segurança jurídica para a contratação formal das organizações de catadores pelos municípios, mas, também, confere um novo patamar para a atuação destas organizações” (LIMA, 2013, p. 17).
Além disso, o Decreto nº 7.404/10, que regulamenta a PNRS, aponta que a contratação dessas cooperativas é um dos mecanismos jurídicos presentes nos sistemas de logística reversa, previstos na PNRS, com o objetivo de inclusão social e emancipação econômica (SEVERI, 2014). No art. 23 do referido decreto, tem-se que:
Art. 23. Os acordos setoriais visando a implementação da logística reversa deverão conter, no mínimo, os seguintes requisitos: (...)
IV-possibilidade de contratação de entidades, cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais recicláveis ou reutilizáveis, para execução das ações propostas no sistema a ser implantado (BRASIL, 2010b).
Além disso, em seu art. 44, consta que contratos, convênios ou outros instrumentos de colaboração com pessoas jurídicas de direito público ou privado podem ser celebrados como forma de melhorar as condições de trabalho dos catadores e estimular sua capacitação e o fortalecimento institucional de suas cooperativas (BRASIL, 2010b).
Esta contratação está associada à abertura de um processo administrativo caracterizado por etapas previamente estabelecidas na LLCA para contratação do objeto pretendido, conforme ilustra a Figura 5.
Figura 5: Rito de contratação de cooperativas e associações de catadores (LIMA, 2013).
Em relação ao conteúdo, o artigo 55 da LLCA estabelece o conteúdo mínimo para contratos administrativos de prestação de serviços:
“Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
I - o objeto e seus elementos característicos;
II - o regime de execução ou a forma de fornecimento;
III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
IV - os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso; V - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;
VI - as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas;
VII - os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas;
VIII - os casos de rescisão;
IX - o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei;
X - as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;
XI - a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;
XII - a legislação aplicável à execução do contrato e, especialmente, aos casos omissos;
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.
O processo de contratação deve contar, também, com a elaboração de um Termo de Referência ou Plano de Trabalho, documento fundamental para o planejamento do sistema de coleta seletiva, dimensionamento de recursos necessários e procedimentos necessários em sua gestão.
O MNCR encabeçou uma campanha nacional pela contratação de cooperativas de catadores pelas prefeituras municipais, como estratégia para aumentar a estabilidade desses empreendimentos e melhorar a situação dos catadores (MNCR, 2012). No entanto, considerando que tais processos de contratação são recentes, em municípios como Ourinhos, Araraquara e Orlândia (SP), ainda não é possível avaliar sua eficiência, assim como também não há formatos padronizados para estes contratos (BESEN, 2012). Demajorovic et al. (2014) também enfatiza que a remuneração pelo serviço prestado pelos catadores ainda é uma realidade de poucos municípios do país.
Os principais obstáculos à contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal possuem três diferentes naturezas: política, técnica e jurídica, o que exige, portanto, que as cooperativas atuem no diálogo junto ao corpo técnico do poder público dos municípios no sentido de comprovar sua capacidade de oferecer serviços de coleta seletiva aos municípios como forma de viabilizar as contratações; da mesma maneira, os acordos no âmbito jurídico tendem a ser exaustivos e repletos de detalhes, o que exige que as cooperativas se apropriem de aspectos referentes aos processos de contratação para não saírem em desvantagem frente ao corpo jurídico das prefeituras (informação verbal) 2. Da mesma maneira, estabelecer contratos de prestação de serviço com o poder público municipal não é garantia que se terá a gestão dos mesmos contratos (informação verbal)3.
Mesmo que ainda bastante restritas, o país já dispõe de experiências de contratação de cooperativas de catadores como prestadoras de serviços pelo poder público municipal no país, como no município de Diadema (SP), um dos pioneiros em pagar os catadores pelo serviço de coleta seletiva, que oferecia remuneração por tonelada de resíduos recuperados de valor
2 Informação fornecida por Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx em palestra no “7º Encontro Regional da Coleta Seletiva Solidária”, realizado em 26 de outubro de 2017 em Araraquara-SP.
3 Informação fornecida por Xxxx Xxxxxx em palestra no “7º Encontro Regional da Coleta Seletiva Solidária”, realizado em 26 de outubro de 2017 em Araraquara-SP.
similar ao oferecido à empresa de coleta comum. Após Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com o Ministério Público, a Prefeitura Municipal se comprometeu a realizar atividades de inclusão social: criou o Programa Vida Limpa e, a partir de 2004, passou a remunerar os catadores. Nesta época, a cidade precisou elaborar uma série de aparatos legais para repassar o pagamento diretamente aos catadores, o que foi solucionado com a dispensa de licitação prevista na Política Nacional de Saneamento (MNCR, 2012).
3. MÉTODO
O presente trabalho foi realizado a partir de estudo exploratório, com construção e verificação de hipóteses. A coleta de dados foi realizada a partir de observação participante, com a imersão no contexto do objeto de estudo por todo o período de realização da pesquisa, complementadas com a realização de entrevistas semiestruturadas, direcionadas ao objeto de estudo, que consistiu em três cooperativas de catadores do estado de São Paulo, contratadas pelo poder público municipal dos respectivos municípios.
Em relação às pesquisas exploratórias, segundo Xxx, “são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (XXX, 1999, p. 27). Estas têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, a partir da formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores (XXX, 1999).
De acordo com Xxxxxxx e Marconi (2010), a observação participante como técnica de pesquisa:
Consiste na participação real do pesquisador com a comunidade ou grupo. Ele se incorpora ao grupo, confunde-se com ele. Fica tão próximo quanto um membro do grupo que está estudando e participa das atividades normais deste (LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 194).
O objetivo deste procedimento seria conquistar a confiança do grupo, sem que seu objetivo seja ocultado. Em geral, a observação participante pode ser natural (quando o observador pertence ao mesmo grupo que investiga) ou artificial (quando o observador integra-se ao grupo com a finalidade de obter informações) (LAKATOS; MARCONI, 2010). A observação participante na presente pesquisa entende-se, portanto, como artificial.
Dentre as vantagens da utilização deste método, de acordo com Xxx (1999), são: o rápido acesso a dados sobre situações habituais vivenciadas pelos membros das comunidades, o acesso a dados considerados privados pela comunidade; por outro lado, dentre as desvantagens, estão as restrições determinadas pela assunção de papéis pelo pesquisador, de modo que sua observação pode ser restrita a um retrato da população pesquisada (GIL, 1999).
Em relação à elaboração de hipóteses, mesmo que há inúmeras definições propostas para o termo “hipótese”, este pode ser definido como uma proposição que pode ser colocada à prova, para determinar sua validade (XXX, 1999). Segundo o mesmo autor, seria uma possível
resposta proposta ao problema central de pesquisa, e que, uma vez que esta é testada, será, por fim, aceita ou rejeitada (GIL, 1999). Uma vez que a hipótese não supera os testes que lhe são aplicados, estará falseada, e exige nova formulação do problema e da hipótese. Por outro lado, se a mesma superar tais testes, estará corroborada e provisoriamente confirmada (XXXXXXX; XXXXXXX, 2010).
3.1.Etapas de realização da pesquisa
A estratégia para realização da pesquisa envolveu seguintes etapas, não necessariamente sequenciais:
I. Revisão bibliográfica
Foi realizada revisão bibliográfica nas temáticas de economia solidária, catadores, resíduos sólidos, políticas públicas, PNRS e contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal, como etapa fundamental para caracterizar o problema e hipótese centrais da pesquisa.
II. Definição do objeto empírico
O objeto empírico inicialmente delimitado para o presente estudo foram três das cooperativas membros da Rede Anastácia de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis das regiões Central e Alta Mogiana do Estado de São Paulo. Estas cooperativas são:
• Coopervida - Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis de São Carlos-SP;
• Cooperativa Acácia de Catadores, Coleta, Triagem e Beneficiamento de Materiais Recicláveis de Araraquara-SP;
• Cooperativa de Agentes Ambientais Mãos Dadas (Ribeirão Preto-SP).
III. Determinação da metodologia para coleta de dados
Para a coleta de dados, optou-se pela observação participante com utilização de diário de campo, com complementação por realização de entrevistas semiestruturadas, de modo que a pesquisadora se inseriu no Núcleo Multidisciplinar Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária (NuMI-EcoSol/UFSCar), desde o início do mestrado, por
conta da proximidade do referido Núcleo com a Rede Xxxxxxxxx e suas cooperativas, em uma relação caracterizada pelo apoio e assessoria contínuos à Rede. A partir daí, puderam ser vivenciadas as realidades das cooperativas, etapa fundamental para a subsequente determinação de pergunta e hipótese de pesquisa, assim como fonte de dados para a verificação da referida hipótese. As entrevistas foram realizadas com as presidentes das três cooperativas estudadas, e as perguntas orientadoras das entrevistas semiestruturadas foram as seguintes:
• Como foi o processo de estabelecimento dos contratos?
• De quem foi a iniciativa para a contratação?
• Quem esteve envolvido no processo de estabelecimento dos contratos? Estes eram representantes de que organizações?
• Quantas renovações de contrato já foram realizadas?
• Houve troca dos grupos políticos na gestão do município? A cooperativa foi afetada por isso? Se sim, de que maneira?
• Quem são os responsáveis pelas ações referentes à manutenção da cooperativa, previstas no contrato, por parte do poder público municipal?
IV. Determinação da pergunta de pesquisa e hipótese central
O processo para determinação da pergunta de pesquisa se deu a partir da revisão bibliográfica e do contato com o objeto empírico por meio da observação participante.
A hipótese central da pesquisa foi formulada por meio de revisões contínuas e alterações a partir dos acúmulos advindos da revisão bibliográfica e das vivências em cooperativas de catadores características do trabalho de campo.
V. Sistematização e análise dos dados
Após a realização das entrevistas semiestruturadas nas cooperativas, os dados coletados foram sistematizados, de modo a possibilitar a verificação da hipótese central por meio de seis categorias de análise:
A. Conteúdo dos contratos entre cooperativas e poder público municipal;
B. Características do processo de estabelecimento dos contratos;
C. Características dos processos de renovação dos contratos;
D. Características referentes ao cumprimento dos contratos;
E. Características de momentos de trocas de gestão no âmbito municipal;
F. Características referentes às responsabilidades pela gestão dos contratos.
Estas informações coletadas foram organizadas em quadros comparativos de aspectos das cooperativas, além de texto corrido com relatos.
VI. Redação e divulgação da pesquisa.
3.2.Determinação da pergunta de pesquisa e hipótese central de pesquisa
A partir da dinâmica apresentada na etapa IV, a pergunta de pesquisa central ao presente trabalho foi a seguinte:
Considerando os aspectos da PNRS favorecedores à atuação de cooperativas de catadores (como a integração destes trabalhadores na cadeia da reciclagem como um dos objetivos da lei), quais as condições
favorecedoras e dificuldades no processo de contratação dessas cooperativas pelo poder público municipal, como estratégia para viabilizar sua inserção formal na cadeia produtiva da reciclagem?
A partir deste questionamento, se elabora a seguinte hipótese central para a pesquisa:
Mesmo que no Brasil o âmbito federal disponha de marco legal favorável à contratação de cooperativas de catadores pelo poder público municipal, iniciativa defendida pelo MNCR e que é do interesse desses atores na luta pelo reconhecimento de seu trabalho na cadeia produtiva da reciclagem, na prática esses contratos encontram diversas dificuldades em seu processo de consolidação, o que os caracteriza como condição favorecedora, mas não suficiente, ao processo de inserção formal de cooperativas de catadores na cadeia produtiva da reciclagem.
O Quadro 7 detalha os procedimentos a serem realizados para a análise das categorias de análise propostas para verificação da hipótese central, assim como as respectivas fontes de evidências.
Quadro 7: Procedimentos para avaliação das categorias de análise estabelecidas e respectivas fontes de evidências
Categoria de análise | Procedimentos para análise | Fonte de evidências |
A | Elaboração de quadro comparativo dos aspectos dos contratos de prestação de serviços entre cooperativas e poder público municipal dos respectivos municípios, de acordo com variáveis pré-estabelecidas. | Contratos das cooperativas com o poder público municipal. |
B | Descrição de procedimentos necessários à elaboração do contrato de prestação de serviços entre poder público municipal e cooperativas. | Observação participante (diário de campo), com complementação por entrevista semiestruturada com os presidentes das cooperativas. |
C | Reconhecimento dos elementos necessários ao estabelecimento e manutenção de contratos entre cooperativas e poder público municipal. | Observação participante (diário de campo), com complementação por entrevista semiestruturada com os presidentes das cooperativas. |
D | Levantamento das exigências presentes em cada contrato, com foco nas responsabilidades de contratante (poder público municipal) e contratada (cooperativa), em cada município. | Observação participante (diário de campo), com complementação por entrevista semiestruturada com os presidentes das cooperativas. |
E | Observação sobre a maneira que se mantiveram as relações entre cooperativas e poder público municipal, em especial nos municípios em que houve troca de gestão municipal entre os anos 2016 e 2017. | Observação participante (diário de campo), com complementação por entrevista semiestruturada com os presidentes das cooperativas. |
F | Reconhecimento dos responsáveis pelos assuntos abordados pelos contratos. | Observação participante (diário de campo), com complementação por entrevista semiestruturada com os presidentes das cooperativas. |
FONTE: Elaborado pela autora.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este capítulo será apresentado em quatro itens: caracterização da Rede Xxxxxxxxx, cooperativas da Rede Xxxxxxxxx contratadas pelo poder público municipal, avaliação das categorias de análise e discussão.
4.1. Caracterização da Rede Anastácia
A Rede Anastácia de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis é fruto da articulação do Comitê Anastácia, base orgânica do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). A primeira articulação regional se deu em 2009, em um encontro cujo objetivo era o fortalecimento dos empreendimentos e troca de informações, com a presença de cooperativas dos municípios de Orlândia, Araraquara, São Carlos, Rio Claro, Morro Agudo, Batatais, Jaboticabal, Restinga, Américo Brasiliense, Ribeirão Preto, Franca, Matão e Borborema (SAVIO; TEIXEIRA, 2016). Nos anos seguintes, o comitê participou de conferências municipais, regionais, estaduais e nacionais de meio ambiente e na Cúpula dos Povos na Rio +20, na defesa de políticas públicas em favor dos catadores [REDE ANASTÁCIA, 2017].
A rede submeteu proposta ao Edital de Seleção Pública 001/2013 da Secretaria Geral da Presidência da República, por meio do CATAFORTE – Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias, a qual foi aprovada em dezembro/2013. As ações do CATAFORTE visam favorecer o acesso de redes solidárias a contratos junto ao poder público e a indústrias, visando a prestação de serviços de coleta seletiva e logística reversa (ZANIN; XXXXXXXX, 2015).
A Rede é formalizada desde maio de 2016, e possui atualmente oito cooperativas como membros formais, as quais se localizam em municípios das regiões Central e Alta Mogiana do estado de São Paulo, e são indicadas no Quadro 8, juntamente de dados para caracterização geral dos respectivos municípios.
Quadro 8: Cooperativas membros da Rede Anastácia e respectivos municípios com informações referentes a população, renda, economia e resíduos sólidos pelo titular dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos
Renda | Principais setores | Relação com poder público municipal | |||||
População | Per | econômicos – 2013 | |||||
Cooperativas | Municípios | (hab.) - | Capita | ||||
2014 | (R$) - 2013 | 1º | 2º | ||||
ACÁCIA | Araraquara | 224.304 | 30.000 40.000 | - | Serviços | Indústria | Contratada |
COOPEMAR | Morro Agudo | 31.310 | 30.000 40.000 | - | Serviços | Indústria | Contratada |
COOPERLOL | Orlândia | 42.354 | 30.000 40.000 | - | Serviços | Indústria | Contratada |
COOPERVIDA | São Carlos | 238.958 | 30.000 40.000 | - | Serviços | Indústria | Contratada |
COOPERVIVA | Rio Claro | 198.413 | 30.000 40.000 | - | Serviços | Indústria | Convênio |
MÃOS DADAS | Ribeirão Preto | 658.059 | 30.000 40.000 | - | Serviços | Indústria | Contratada |
RECICLADOR SOLIDÁRIO | Piracicaba | 388.412 | 50.000 60.000 | - | Serviços | Indústria | Convênio |
Sem | |||||||
RECICLALEME | Leme | 98.460 | 20.000 30.000 | - | Serviços | Indústria | contrato e sem |
convênio |
FONTE: SAVIO; XXXXXXXX, 2016. Elaborado pela autora.
Desde janeiro de 2014, estas cooperativas se encontram periodicamente, para consolidação de estratégias políticas e de comercialização, além da consolidação do projeto CATAFORTE (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). Xxxxx e Xxxxxxxx (2016) sistematizaram os principais assuntos discutidos nas reuniões da Rede, entre maio de 2015 e julho de 2016, de acordo com o Quadro 9.
Quadro 9: Resumo dos principais assuntos discutidos e encaminhados em reuniões da Rede Anastácia entre 2015 e 2016.
Data | Número de cooperativas participantes | Principais assuntos discutidos e encaminhados |
13/05/2015 | 11 | Validação do Conselho Gestor da rede; checagem de documentação para Projeto Cataforte III. |
17/06/2015 | 10 | Discussão sobre o 6º Encontro Regional da Coleta Seletiva Solidária organizada e realizada pela Rede Anastácia; esclarecimento sobre as etapas do Projeto Cataforte III. |
15/07/2015 | 8 | Elaboração de uma Moção de Apoio da rede para encaminhar à Prefeitura de São Carlos, devido às dificuldades que a Coopervida estava enfrentando; apresentação de uma cooperada sobre algumas reflexões sobre a rede (identidade da rede, estrutura organizativa, comunicação entre os empreendimentos, mobilização dos cooperado, relação política interna e externa e como será o monitoramento e avaliação das ações da rede) |
09/09/2015 | 9 | Apresentação da criação de um site para rede, feito por uma das cooperadas; últimos acertos sobre a realização do 6º Encontro Regional da Coleta Seletiva Solidária e mobilização para a participação das catadoras no 1º Encontro Das Mulheres Catadoras do Estado de São Paulo em Osasco nos dias 25 e 26/09/2015. |
17/02/2016 | 7 | Apresentação do contador da rede sobre a elaboração do Plano Contábil; aprovação de parte dos itens propostos para o Estatuto Social da Rede Xxxxxxxxx. |
09/03/2016 | 6 | Finalização da aprovação dos itens do Estatuto Social, onde o documento era lido em voz alta e os cooperados iriam esclarecendo dúvidas e sugerindo alterações. |
14/04/2016 | 8 | Discussão sobre o andamento do Cataforte III, o qual naquele momento não havia nenhuma movimentação em relação ao projeto e liberação de verba para as Redes. Com isso, elaboraram uma carta solicitando esclarecimentos para encaminhar aos responsáveis pela gestão do projeto. |
13/05/2016 | 15 | Aprovação em Assembleia Direta da constituição e formalização em cartório da Rede Anastácia; neste dia, 8 cooperativas se filiaram a rede e posteriormente foi realizada a eleição do |
Conselho Administrativo e Fiscal da rede. | ||
15/06/2016 | 9 | Debate sobre o Plano de Negócios da Rede e as possibilidades de comercialização conjunta entre as cooperativas, assim como a prestação de serviços relacionados a logística reversa. |
29/06/2016 | 8 | Discussão sobre o Plano Contábil que está sendo realizado pela rede e seus objetivos no Cataforte; debate sobre as questões contábeis e tributárias das cooperativas e como adequá-las às legislações vigentes. |
28/07/2016 | 8 | Discussão de alguns problemas que estão ocorrendo com as cooperativas, como falta de local para as atividades e contrato com as prefeituras pela coleta seletiva. Com isso, foi debatido formas de mobilização da rede para apoiar estas cooperativas e uma delas foi elaborar uma “carta de compromisso” para ser entregue aos candidatos às prefeituras dos municípios, para que eles garantam que tomarão providencias a estes problemas assim que assumirem o cargo de prefeitos em 2017. |
FONTE: SAVIO; XXXXXXXX, 2016.
O Quadro 9 descreve os assuntos tratados pela Rede, os quais se mostraram bastante diversos no período considerado, com uma tendência a atender demandas oriundas do edital Cataforte III, assim como da dedicação a dificuldades vivenciadas pelas cooperativas membros. No que tange a temática das contratações pelo poder público municipal, nas reuniões de 15/07/2015, 15/06/2016 e 28/07/2016 houve pautas específicas para se tratar deste tema, de modo que, em todos os casos, a inserção da pauta se deu devido a dificuldades vivenciadas no âmbito das contratações.
Atualmente, a Rede adota tecnologias de informação (TIs), como um grupo de e-mails e grupo no Whatsapp para comunicação interna, além de site próprio e página no Facebook [REDE ANASTÁCIA, 2017].
4.2.Cooperativas da Rede Xxxxxxxxx contratadas pelo poder público municipal
Neste item, são apresentadas as três cooperativas escolhidas como objeto empírico e contratadas pelo poder público municipal durante o período de realização da presente pesquisa, com um breve histórico e caracterização geral das atividades que desenvolvem.
a. Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis de São Carlos-SP - Coopervida
A Coopervida foi criada a partir de catadores atuantes no lixão “Fazenda Guaporé” de São Carlos, assim como duas outras cooperativas no município (Ecoativa e Cooletiva) (MARTINS; SORBILLE, 2011). A Coopervida foi formalizada em 2004 e, em 2005, foi assinado convênio da Prefeitura Municipal com as três cooperativas, no âmbito do Programa Municipal de Coleta Seletiva, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, Ciência e Tecnologia. O convênio garantia às cooperativas a disponibilização de barracões, caminhões, maquinário e equipamentos de proteção, assim como assessoria contábil, financeira e jurídica.
Em 2010, fragilidades apontadas no panorama geral do programa de coleta seletiva municipal apontaram para a unificação das cooperativas como estratégia para a ampliação e fortalecimento de suas diretrizes; portanto, um processo de unificação destas três cooperativas fomentado pelo Departamento de Apoio à Economia Solidária (DAES), da Prefeitura Municipal, em parceria com o NuMI-EcoSol, então Incubadora Regional de Cooperativas Populares (INCOOP/UFSCar), resultou na Coopervida como única cooperativa existente no município, contratada no mesmo ano pela Prefeitura Municipal (MARTINS; SORBILLE, 2011).
Em 2017, a cooperativa possuía cerca de 40 cooperados; em relação a equipamentos próprios, possui duas prensas, cedidas em 2015 pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) e dois caminhões, frutos de recursos oriundos da Fundação Banco do Brasil e da ABIHPEC. A prefeitura contribui com o aluguel do barracão e aluguel de dois caminhões com motoristas. Parte da renda dos cooperados e cooperadas provém do pagamento mensal da prefeitura municipal referente à prestação do serviço (e proporcional à quantidade de resíduos coletados), e o restante provém da venda do material coletado. Dentre os parceiros, atua com o apoio do NuMI-EcoSol, do Fórum Comunitário de Resíduos Sólidos de São Carlos-SP (criado em 2015 a partir da mobilização de membros da sociedade civil organizada frente ao cenário de fragilidade em que então se encontrava a cooperativa) e da ABIHPEC.
A Figura 6 ilustra o local de trabalho desta cooperativa.
Figura 6: Barracão sede da Coopervida; fev/2017. Foto da autora.
A grande quantidade de resíduos disposta no exterior do barracão, ao ar livre (de modo a oferecer potencial para acúmulo de água da chuva e, portanto, favorecer a reprodução de mosquitos), sugere que não há suficiente espaço no interior do barracão para armazenar e triar os resíduos sólidos coletados no município.
b. Cooperativa Acácia de Catadores, Coleta, Triagem e Beneficiamento de Materiais Recicláveis de Araraquara-SP
A cooperativa Acácia surgiu a partir de catadores do lixão de Araraquara, que exerciam a atividade de catação em meio a condições insalubres e exploratórias de trabalho. Com a inserção da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, através da Coordenadoria de Meio Ambiente, foi organizado, a partir de outubro de 2001, um grupo com 35 catadores independentes, que criou inicialmente a Associação Acácia dos Trabalhadores de Materiais Reaproveitáveis de Araraquara, juridicamente constituída em 2002. Este passo foi fundamental para o processo de conquista e garantia de condições dignas de vida e trabalho, dos catadores para os catadores [REDE ANASTÁCIA, 2017].
Em 2005, a Acácia passou juridicamente para a categoria de Cooperativa Acácia de Catadores, Coleta, Triagem e Beneficiamento de Materiais Recicláveis de Araraquara, constituída juridicamente em 2006, em momento próximo ao lançamento do Programa de Coleta Seletiva de Araraquara, o qual ocorreu numa parceria entre a Prefeitura Municipal de Araraquara, o DAAE (Departamento Autônomo de Água e Esgotos) e a Cooperativa, após a aprovação da Lei Municipal no. 6496, a qual autorizava a celebração de convênio entre Prefeitura Municipal e cooperativa de catadores. A relação entre cooperativa e poder público municipal evoluiu de convênio para contratação em 2008, quando foi contratada pelo DAAE, com dispensa de licitação, para a execução de serviço de coleta porta a porta de resíduos sólidos recicláveis em toda a área do município de Araraquara, além de sua triagem.
No segundo semestre de 2017, a cooperativa possuía cerca de 160 cooperados e cooperadas, de modo que 80% eram mulheres economicamente responsáveis por suas famílias. A maioria dos cooperados possuía baixas escolaridade e qualificação profissional. Mensalmente, é realizado o rateio proporcional à presença no trabalho coletivo, de modo que o cooperado que não possui faltas recebe, no mínimo, uma retirada equivalente a um salário mínimo. Além disso, a cooperativa realiza o recolhimento do INSS de todos os cooperados e cooperadas sem descontá-lo da retirada. As retiradas, por sua vez, são compostas pelo pagamento mensal do DAAE pelo serviço prestado e também pela venda dos materiais recicláveis. Todo final de ano, é realizada uma Assembleia Geral de prestação de contas, em que há a distribuição equitativa das sobras (valor financeiro que se pôde poupar ao longo do ano) entre todos os membros da cooperativa. Há descansos semanais e anuais, conforme previsto em lei, além de flexibilidade de horários para as mães e para participação em cursos de aprimoramento, entre outras atividades. Para a efetuação do pagamento mensal pela prestação de serviço, por parte do DAAE, a cooperativa deve apresentar, todo primeiro dia útil do mês, uma detalhada prestação de contas, que deve ser aprovada tanto pelo Departamento como pelo Conselho Fiscal da cooperativa (QUANTO, 2017).
A cooperativa possui a cessão de uso do espaço onde se localiza a Usina de Triagem, no aterro sanitário de Araraquara. Trabalha com cinco caminhões disponibilizados pelo DAAE, e possui mais dois caminhões próprios, adquiridos com recursos do BNDES e do fundo da cooperativa. O DAAE também se responsabiliza pelo pagamento das contas de água e energia elétrica do barracão.
Dentre outras parcerias, a cooperativa mantém um convênio com a Universidade de Araraquara (UNIARA), para o desenvolvimento de projetos no contexto de educação ambiental, com destaque para a coleta de óleo usado [REDE ANASTÁCIA, 2017].
A Figura 7 ilustra o local de trabalho desta cooperativa.
Figura 7: Usina de triagem, sede da Acácia, mar/2017. Foto da autora.
Em relação ao barracão da Coopervida, a usina de triagem da Acácia é mais ampla e também concentra grande volume de resíduos sólidos armazenados.
c. Cooperativa de Agentes Ambientais Mãos Dadas (Ribeirão Preto-SP)
A cooperativa Mãos Dadas surgiu a partir de articulação iniciada em 2005, por iniciativa de profissionais e catadores que trabalhavam no aterro sanitário de Ribeirão Preto, e foi formalizada em 2008 (SAVIO, 2017). No ano seguinte à formalização, passou a realizar a coleta de materiais recicláveis com caminhão próprio em Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) em Ribeirão Preto. Já foi integrada por cerca de 100 agentes ambientais, e atualmente seus cooperados coletam resíduos recicláveis no município com recursos próprios, além de receber também material do Programa de Coleta Seletiva da Prefeitura Municipal para a
xxxxxxx (XXXXXXX et al., 2015). Atualmente conta com apoiadores do setor público e também do setor privado.
Para o estabelecimento do contrato com a prefeitura municipal, foram realizadas diversas solicitações por parte da cooperativa, inclusive um Ato Pacífico com a presença de diversas entidades civis, movimentos sociais, estudantes, professores, entre outros. Após a atuação do Ministério Público Estadual e Federal, e com o apoio do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto (NAJURP), a prefeitura passou a responder as solicitações da cooperativa. Foram apresentadas oito versões de contrato, até que a versão final foi assinada em outubro de 2013, a qual prevê o fornecimento do aluguel do galpão de triagem dos materiais recicláveis, 50 L/mês de combustível para o caminhão da coleta, lanche nos períodos da manhã e da tarde, produtos de limpeza, e uma parcela dos EPIs necessários ao trabalho. A cooperativa atua na triagem, prensagem/enfardamento e comercialização de materiais recicláveis, e coleta em média 95 t/mês de materiais recicláveis. Em dezembro de 2016, contava com 42 cooperados, em sua maioria mulheres (SAVIO, 2017). Em relação às entradas financeiras, estas são compostas pelo pagamento da prefeitura municipal pelo serviço prestado, e também pela venda do material, da mesma maneira que as duas outras cooperativas estudadas.
A Figura 8 ilustra o local de trabalho desta cooperativa.
Figura 8: Barracão sede da Mãos Dadas; jun/2017. Foto da autora.
O barracão, da mesma maneira que os anteriores, também concentra grande volume de resíduos sólidos triados, os quais ocupam considerável área da parte coberta.
O Quadro 10 descreve dados quantitativos referentes à cobertura da coleta seletiva nestes três municípios (Araraquara, Ribeirão Preto e São Carlos).
Quadro 10: Dados referentes à coleta seletiva nos três municípios
Taxa de cobertura da coleta seletiva porta a porta em relação à população urbana (%) | |
Araraquara | 94,97 |
Ribeirão Preto | 9,78 |
São Carlos | 43,16 |
FONTE: Controladoria DAAE Araraquara. Apresentado por Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx no 7º Encontro Regional da Coleta Seletiva Solidária, realizado em 26/10/2017 em Araraquara-SP.
Havia em 2017, portanto, uma maior cobertura da coleta seletiva porta a porta no município de Araraquara (próximo a 100% da área urbana), seguido por São Carlos (aproximadamente metade da área urbana), e, por fim, por Ribeirão Preto (apenas cerca de 10% da área urbana).
4.3. Avaliação das categorias de análise
Cada uma das seis categorias de análise estabelecidas no âmbito metodológico da presente dissertação foi avaliada, a partir de evidências empíricas de campo coletadas nas três cooperativas estudadas no processo como observadora participante e a partir das entrevistas semiestruturadas realizadas.
I. Avaliação da categoria de análise A (conteúdo dos contratos entre cooperativas e poder público municipal)
O Quadro 11 contém os resultados identificados a partir da análise dos contratos de cada uma das três cooperativas, mantidos com o poder público municipal. Os aspectos elencados para avaliação, escolhidos a partir do conteúdo dos contratos, foram: data de assinatura do contrato analisado, período de vigência, contratante, objeto do contrato, conteúdo geral, metas estipuladas para a coleta, fiscalização, valor do contrato, e valor pago por tonelada de resíduos coletados.
Quadro 11: Comparação de aspectos referentes aos contratos entre cooperativas e respectivos contratantes do poder público municipal
Aspectos | Coopervida | Acácia | Mãos Dadas |
Data de assinatura do contrato analisado | Fevereiro/2015 | Janeiro/2017 | Julho/2013 |
Período de vigência do contrato e possibilidade de prorrogação deste prazo | Um ano; pode ser prorrogado nas hipóteses legais. | Um ano; pode ser prorrogado por iguais e sucessivos períodos, nos limites legais. | Um ano, podendo ser prorrogado nos termos da legislação vigente. |
Contratante | Prefeitura Municipal de São Carlos | DAAE | Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto |
Objeto do contrato analisado | Execução dos serviços de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas predeterminadas pelo contratante. | Execução de coleta de materiais recicláveis porta a porta na área urbana do município de Araraquara- SP e execução de triagem do material coletado e sua preparação para comercialização. | Serviços de triagem, seleção e acondicionamento de resíduos reutilizáveis e recicláveis. |
Contratada desde | 2010 | 2008 | 2013 |
Conteúdo geral do contrato | Detalha responsabilidades de contratante e contratada | Detalha responsabilidades de contratante e contratada, e inclui anexos com detalhamento de rotas, relação de equipamentos de propriedade da contratante com plano de manutenção preventiva dos mesmos | Não detalha responsabilidades de contratante e contratada |
Metas estipuladas para a coleta | Mínimo de 100 toneladas/mês coletadas | Não estabelece em termos de peso | Mínimo de 40 toneladas/mês coletadas |
Fiscalização | Responsabilidade da Secretaria Municipal de Serviços Púbicos, Secretaria Municipal do Trabalho, Emprego e Renda, e do Conselho | Responsabilidade de representantes da Gerência de Resíduos Sólidos | Responsabilidade da Coordenadoria de Limpeza Urbana da Secretaria Municipal da Administração e Secretaria Municipal de Assistência Social |
Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA) | |||
Valor do contrato | R$ 359.740,80 | R$ 1.440.000,00 | R$ 728.820,00 |
Valor pago por tonelada de resíduos coletados | R$ 153,00, sem limite máximo | Estabelece valor fixo mensal (R$ 110.000,00), e não por tonelada de resíduos | R$ 607,35, limitando- se à quantidade máxima de 100 toneladas/mês |
FONTE: Elaborado pela autora.
Um aspecto similar dentre os casos analisados é o período de vigência (equivalente a um ano em todos os casos); no entanto, há diferenças em todos os outros aspectos, inclusive do contratante (que, no caso da cooperativa Acácia, de Araraquara, é o DAAE, e não a Prefeitura Municipal, como nos demais casos estudados). Além disso, o objeto dos contratos analisados também difere (no caso da cooperativa Mãos Dadas, de Ribeirão Preto, o serviço prestado não inclui a coleta de resíduos, por exemplo). Dentre outras diferenças perceptíveis, está o valor pago por tonelada de resíduos coletados (que vai de R$100,00 até R$607,35 por tonelada), e o ano de contratação (que vai de 2008 – antes mesmo da sanção da PNRS, mas após a instituição da dispensa de licitação - a 2013 para estas três cooperativas).
II. Avaliação da categoria de análise B (características do processo de estabelecimento dos contratos)
• Coopervida (São Carlos)
O contrato entre a Prefeitura Municipal de São Carlos e a Coopervida foi estabelecido após processo de unificação de três cooperativas existentes no município, o qual contou com o apoio intensivo do Departamento de Apoio à Economia Solidária (DAES), como representante da Prefeitura Municipal, e o NuMI-EcoSol (MARTINS; SORBILLE, 2011). Neste processo, foi realizado o planejamento estratégico participativo do empreendimento, assim como as etapas exigidas para a formalização e posterior contratação do empreendimento pela prefeitura. Foi apresentada em 2009, na etapa anterior ao planejamento estratégico, uma minuta de proposta de contrato aos cooperados, a qual foi integralmente lida coletivamente, e foi aberto espaço para contribuição dos cooperados, de modo que o contrato foi assinado em 2010 (XXXXXXX; SORBILLE, 2011).
Em relação às renovações de contrato que se sucederam após 2010, não houve significativas mudanças de conteúdo (informação verificada pela comparação de versões anteriores dos contratos).
• Acácia (Araraquara)
O contrato foi assinado entre o DAAE e a cooperativa por iniciativa da prefeitura municipal, em 2008, como uma evolução do convênio já existente entre estas partes. Nesta época, a cooperativa coletava materiais recicláveis em 25% do município, e o interesse do município em ampliar suas atividades no âmbito da coleta seletiva foi elemento fundamental à assinatura do contrato. Foi, portanto, construído um plano de trabalho, com a participação de representantes da cooperativa, que possibilitasse a ampliação das atividades da cooperativa para 100% do município, de modo que o DAAE arcaria inicialmente com 80% do custo da prestação do serviço, e os 20% restantes seriam cobertos pela venda dos materiais recicláveis (informações obtidas em diário de campo da pesquisadora e por entrevista com a presidente da respectiva cooperativa).
• Mãos Dadas (Ribeirão Preto)
O contrato entre cooperativa e Prefeitura Municipal foi assinado em 2013, após um longo processo de quatro anos em que a cooperativa continuamente solicitou a contratação à prefeitura. Durante este período, foram oferecidos outros benefícios aos cooperados (como cestas básicas e marmitas), mas estes seguiram firmes na solicitação da assinatura de contrato de prestação de serviços. Como estratégias, a cooperativa se utilizou da mídia local para divulgar a situação à população, como também do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), no processo que culminou na contratação em 2013 (informações obtidas por entrevista com a presidente da respectiva cooperativa).
III. Avaliação da categoria de análise C (características dos processos de renovação dos contratos)
• Coopervida (São Carlos)
O contrato estabelecido em 2010 era, desde então, aditado a cada seis meses; no entanto, a partir de 2013, o cenário se tornou bastante problemático, o que coincidiu com a fragilidade
estrutural em que passou a se encontrar o DAES (já sem corpo técnico para manter a proximidade da cooperativa) e com a extinção da Coordenadoria de Meio Ambiente, de modo que a responsabilidade sobre os assuntos referentes à Coopervida recaiu sobre a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável, Ciência e Tecnologia (informações provenientes de diário de campo da pesquisadora). A partir deste momento, a prefeitura deixou de monitorar os assuntos referentes à cooperativa (o que pode ser compreendido por uma prioridade menor destas questões à gestão municipal que assumiu em 2013, como também à sobrecarga desta secretaria); desta maneira, com o vencimento dos contratos, a assinatura dos respectivos aditamentos apenas se consolidava mediante articulação intensiva da cooperativa e seus apoiadores sobre a Prefeitura Municipal, o que resultou em diversos meses entre 2013 e 2015 que a cooperativa permaneceu prestando seus serviços sem que houvesse o contrato como garantia de sua remuneração (conforme entrevista com a presidente da respectiva cooperativa).
De maneira análoga, em 2017 a cooperativa se mobilizou desde março do mesmo ano para garantir a renovação do contrato, cuja data de vencimento era 19/05/2017. Foram realizadas reuniões prévias com representantes da prefeitura municipal, que garantiram que os trâmites burocráticos estavam sendo realizados para tal (foi, inclusive, protocolada na prefeitura uma proposta de aditamento do contrato por iniciativa da cooperativa, em 26/04/2017); no entanto, por questões atribuídas à falta de comunicação interna à prefeitura, assim como à baixa importância desta iniciativa para as ações prioritárias desta gestão, os trâmites de fato não foram realizados, o que, novamente, resultou que a cooperativa seguisse realizando suas atividades desamparada de contratação, e, portanto, do pagamento pela prestação do serviço (o que fragiliza intensamente sua atuação no município). Por fim, o contrato foi renovado em agosto de 2017, por 12 meses, conforme informação da presidente da cooperativa.
• Acácia (Araraquara)
O contrato de prestação de serviços em Araraquara é válido pelo período de um ano a partir de sua celebração, e pode ser aditado por cinco anos, de modo que estes procedimentos sempre foram realizados desde 2008 sem grandes problemas.
No início de 2017 (que coincidiu com a data de elaboração de novo contrato), e considerando que houve troca de gestão municipal, houve uma lacuna entre o contrato anteriormente vigente (cuja data de vencimento era no final de 2016 e não foi renovado pela gestão anterior) e o novo contrato, o qual não foi assinado de imediato pela nova gestão;
assim, houve um período de 10 dias nos quais a cooperativa realizou seus serviços sem estar coberta por um contrato. Neste caso, o pagamento pelo serviço prestado neste período foi realizado com atraso, e a ocorrência foi atribuída pela cooperativa (conforme entrevista realizada com a respectiva presidente) aos processos de troca de gestão, e não à menor priorização da atuação da cooperativa no município pela nova gestão.
• Mãos Dadas (Ribeirão Preto)
Os processos de renovação dos contratos na cooperativa Mãos Dadas não relataram problemas, e sucederam sem maiores empecilhos desde a assinatura do contrato em 2013 (conforme entrevista realizada com a presidente).
IV. Avaliação da categoria de análise D (características referentes ao cumprimento dos contratos)
• Coopervida (São Carlos)
Foram descritos os aspectos referentes às cooperativas, no que tange esta categoria de análise, a partir das responsabilidades atribuídas a contratante e contratada nos contratos. Os Quadros 12 e 13 relacionam tais responsabilidades e como tais questões foram observadas na prática, a partir do diário de campo da pesquisadora com complementação por entrevista com a presidente da cooperativa.
Quadro 12: Responsabilidades atribuídas à contratante (prefeitura municipal) no âmbito do contrato vigente em São Carlos-SP durante a realização da pesquisa
Responsabilidades atribuídas à contratante (Prefeitura Municipal) em São Carlos-SP | Situação verificada destas responsabilidades |
Pagamento das notas fiscais no prazo estipulado | Ação não realizada; todos os meses, é necessário que a cooperativa pressione as diversas secretarias envolvidas nos trâmites associados ao pagamento, e frequentemente são enfrentadas dificuldades de magnitude superior, como recursos não empenhados ou utilizados para outras finalidades. |
Disponibilização de espaço físico para a Central de Triagem, bem como o fornecimento de até cinco caminhões em | Em relação ao espaço físico, a prefeitura municipal arca com o aluguel de barracão para a cooperativa. No entanto, os dois |
boas condições de uso com segurança para os cooperados | últimos barracões, escolhidos pela prefeitura, encontravam-se fora de área designada para a realização desta atividade, de acordo com o Plano Diretor do município; consequentemente, a cooperativa não pôde obter sua certidão de uso e ocupação do solo e, assim, não pôde participar de editais públicos para captação de recursos. Do mesmo modo, nenhum destes barracões possuía estrutura que atendesse as exigências dos bombeiros para emissão do alvará de funcionamento, o que também interferiu na participação da cooperativa em editais. Em relação aos caminhões, a prefeitura atualmente arca com o aluguel de dois caminhões para a coleta, e não faz o acompanhamento dos prazos de vencimento da licitação para sua contratação (de modo que a cooperativa permaneceu por períodos sem caminhões, como de dezembro de 2012 a maio de 2013 e setembro a outubro de 2013). |
Disponibilização de prensas e equipamentos para transporte de fardos na central de triagem | Não são concedidas prensas ou equipamentos para o transporte de fardos dentro da Central de Triagem; a cooperativa dispõe de duas prensas, adquiridas via recurso da ABIHPEC. |
Elaboração de procedimentos de segurança juntamente a setor da prefeitura municipal responsável pela segurança no trabalho | Ação não realizada. |
Fornecimento de material para divulgação do Programa Municipal de Redução e Controle de Resíduos | Ação não realizada. |
Definição da rota de coleta | A prefeitura municipal não se envolveu com a definição da rota de coleta. |
Controle dos padrões dos serviços prestados e do cumprimento das responsabilidades da cooperativa | Ação não realizada. |
Controle e fiscalização de reclamações, e repasse das mesmas à cooperativa | A prefeitura não controla ou repassa para a cooperativa as reclamações da população. |
Determinação da ampliação da área de coleta | Ação não realizada. |
Promoção de educação ambiental | Ação não realizada. |
Disponibilização de Pontos de Entrega Voluntária (ecopontos) em pontos estratégicos da cidade | Ação realizada. |
Indicação de dois coordenadores que garantirão o bom funcionamento da | A cooperativa não dispõe de coordenadores indicados pela prefeitura |
cooperativa | municipal. |
Treinamento e orientação de membros para a gestão dos ecopontos (PEVs) | Não houve o treinamento e orientação de membros da cooperativa para adequado gerenciamento dos ecopontos. |
Retirada periódica dos rejeitos, materiais não recicláveis ou sem valor comercial, com frequência adequada para não gerar no ecoponto (PEV) problemas de ordem sanitária | Ação não realizada; frequentemente os ecopontos se encontram indisponíveis para receber novos resíduos pois a prefeitura não efetua a retirada dos resíduos já armazenados. |
FONTE: Elaborado pela autora.
Quadro 13: Responsabilidades atribuídas à contratada (Coopervida) no âmbito do contrato vigente em São Carlos-SP durante a realização da pesquisa
Responsabilidades atribuídas à contratada (Coopervida) em São Carlos-SP | Situação verificada destas responsabilidades |
Realização de coleta porta a porta no município, que deverá iniciar todos os dias às 07h30min | Ação realizada; no entanto, houve períodos em que a cooperativa não pôde contar com os caminhões de coleta que deveriam ser disponibilizados pela prefeitura (por conta de atrasos na renovação da licitação para contratação), o que inviabilizou temporariamente a coleta porta a porta. |
Realização da pesagem dos caminhões após a coleta em balanças indicadas pelo contratante | Ação realizada; atualmente, a balança utilizada para a pesagem se localiza na empresa São Carlos S/A, que emite uma nota que é posteriormente utilizada no pagamento da cooperativa |
Estocagem dos materiais triados em recipientes adequados até a pesagem, e fornecer à contratante o peso coletado e peso dos materiais vendidos em formulário padrão, fornecido pela contratante | Ação realizada. |
Realização de serviço de coleta porta a porta pelo período de oito horas diárias, perfazendo um total de 40 horas semanais | Ação não realizada; atualmente, o barracão em que se localiza a cooperativa não comporta os resíduos coletados por 40 horas semanais, portanto a cooperativa realiza a coleta porta a porta de segunda a quarta feira. |
Utilização de Equipamentos Pessoais de Segurança (EPIs), calçados fechados e uniformes com identificação do empreendimento | Ação não realizada por todos os cooperados. |
Coleta de 100 toneladas de resíduos recicláveis por mês | Ação não realizada; desde 2016, é coletada uma média de 60 toneladas/mês |
Coleta de todos os resíduos recicláveis | Ação realizada. |
secos, não tóxicos e com potencial de comercialização | |
Separação manual dos materiais recicláveis segundo características de sua composição, de modo a atender as condições do mercado comprador | Ação realizada; a triagem dos materiais é realizada no barracão, em mesas, e os materiais triados são dispostos em “bags” |
Preparação do material já selecionado, através de prensagem, enfardamento e outros processos associados às exigências de mercado | Ação realizada; no entanto, desde a metade de 2016, o barracão da cooperativa se encontra sem energia elétrica devido a roubo de fiação, o que impediu a utilização das duas prensas atualmente disponíveis e, consequentemente, queda no preço de venda dos materiais e perda de compradores. |
Descarga do material da coleta trazido pelos caminhões na Central de Triagem | Ação realizada. |
Manter atenção para o armazenamento de materiais que possam acumular água | Ação realizada; no entanto, diversos materiais seguem armazenados em áreas descobertas, por falta de espaço internamente ao barracão. |
Prestar esclarecimentos sobre o Programa Municipal de Redução e Controle de Resíduos – Futuro Limpo aos munícipes, através da distribuição de impressos | Ação não realizada; o programa não se encontra ativo. |
Cumprimento rígido das normas de destinação de resíduos sólidos recicláveis estabelecidas pelo Programa Municipal de Redução e Controle de Resíduos – Futuro Limpo | Ação não realizada; o programa não se encontra ativo. |
Cumprimento das obrigações previstas na Instrução Normativa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) | Ação realizada. |
Reposição de equipamentos e outros utensílios em caso de furto ou roubo | Ação realizada; no entanto, a cooperativa não possui condições financeiras para arcar com todos os itens |
Responsabilização por despesas com manutenção dos equipamentos e eventuais insumos | Ação realizada. |
Disponibilização de um cooperado por ecoponto que perfaça um total de 40 horas semanais | Ação realizada. |
Manutenção dos ecopontos abertos para recepção de resíduos de resíduos de construção civil | Ação realizada. |
Realização de triagem de resíduos da construção civil nos ecopontos de acordo com a separação por classes, segundo orientações da Resolução CONAMA 307/2002 | Ação não realizada. |
Manter auxílio ao contratante na divulgação dos ecopontos e na educação ambiental da comunidade local | Ação não realizada |
FONTE: Elaborado pela autora.
Como pôde ser observado a partir dos dados dos Quadros 12 e 13, a situação real é bastante distante do cumprimento na íntegra das cláusulas presentes no contrato. Como exemplos, pode-se citar a concessão de prensas, materiais de divulgação, definição da rota de coleta e fornecimento de caminhões para a coleta, que representam responsabilidades contratuais da Prefeitura Municipal para com a cooperativa que não são cumpridas. Do mesmo modo, ressalta-se que a cooperativa atualmente não cumpre a meta de coletar 100 toneladas/mês estipulada no contrato, assim como de atuar na divulgação dos ecopontos junto do contratante.
• Acácia (Araraquara)
Os Quadros 14 e 15 descrevem tais responsabilidades e como tais questões foram observadas na prática, a partir do diário de campo da pesquisadora e de entrevista realizada com a presidente da cooperativa.
Quadro 14: Responsabilidades atribuídas ao contratante (DAAE) no âmbito do contrato vigente em Araraquara-SP durante a realização da pesquisa
Responsabilidades atribuídas ao contratante (DAAE) em Araraquara-SP | Situação verificada destas responsabilidades |
Fiscalizar os serviços da contratada | Ação realizada. |
Providenciar o pagamento das notas fiscais no prazo estabelecido | Ação realizada. |
Disponibilizar à contratada o espaço e edificações onde se encontra instalada a usina de triagem | Ação realizada. |
Disponibilizar à contratada quatro caminhões tipo baú e um caminhão semi-compactador para a coleta porta a porta, com os respectivos motoristas | Ação realizada. |
Fornecer material de divulgação do Programa de Coleta Seletiva Solidária | Ação realizada. |
Definir as áreas de coleta e, quando necessário, sua ampliação | Ação realizada. |
Controlar e fiscalizar os níveis de reclamações de moradores e encaminhá-las para que sejam solucionadas pela contratada | Ação realizada. |
Disponibilizar locais de entrega voluntária pela cidade, para recebimento de materiais recicláveis | Ação realizada. |
FONTE: Elaborado pela autora.
Quadro 15: Responsabilidades atribuídas à contratada (Acácia) no âmbito do contrato vigente em Araraquara-SP durante a realização da pesquisa
Responsabilidades atribuídas à contratada (Acácia) em Araraquara-SP | Situação verificada destas responsabilidades |
Cumprimento das obrigações previstas na Instrução Normativa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) | Ação realizada. |
Arcar com as despesas de contratação de pessoal, acolhimento de novos cooperados, fornecimento de EPI’s | Ação realizada. |
Assumir responsabilidade penal, civil, administrativa e trabalhista por ações decorrentes da execução do objeto do contrato | Ação realizada. |
Fornecer, quando solicitado, todos os dados e elementos referentes ao serviço prestado | Ação realizada. |
Manter pessoal suficiente para o funcionamento de todas as atividades previstas | Ação realizada. |
Arcar com as despesas de contratação de um gestor de projetos | Ação realizada. |
Arcar com as despesas de contratação de contador e manutenção de escritório de contabilidade capacitado | Ação realizada. |
Apresentar mensalmente ao contratante relatório mensal das atividades realizadas | Ação realizada. |
Arcar com despesas de manutenção, conservação e conserto dos equipamentos cedidos | Ação realizada. |
Coletar materiais recicláveis dispostos nos locais de entrega voluntários | Ação realizada. |
FONTE: Elaborado pela autora.
Como pôde ser observado nos dados dos Quadros 14 e 15, no quesito de cumprimento das responsabilidades explicitadas no contrato, a cooperativa Acácia se encontra no cenário ideal, de modo que as ações previstas são realizadas na prática, com o comprometimento de ambas as partes (contratante e contratada).
• Mãos Dadas (Ribeirão Preto)
O contrato entre a cooperativa Mãos Dadas e a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto é simplificado em relação aos dois outros contratos aqui analisados, e não detalha atribuições de responsabilidades a contratante e contratada. Foram, portanto, destacados elementos do contrato que permitissem avaliar o cumprimento de seu conteúdo. O Quadro 16 traz os elementos utilizados nesta análise, a partir de entrevista com a presidente da cooperativa.
Quadro 16: Situação das responsabilidades no contrato entre cooperativa e prefeitura em Ribeirão Preto durante a realização da pesquisa
Responsabilidades presentes no contrato | Situação verificada destas responsabilidades |
Pagamento à cooperativa de R$ 605,37 por tonelada de resíduos triados e acondicionados | Ação realizada. |
A cooperativa deve triar e acondicionar inicialmente 40 toneladas/mês de resíduos, ampliando o serviço até 100 toneladas/mês | Ação realizada. |
A Secretaria Municipal de Assistência Social deve disponibilizar EPIs (avental, bota e óculos de segurança) aos cooperados | Ação realizada. |
FONTE: Elaborado pela autora.
Mesmo com um contrato cuja estrutura e conteúdo diferem bastante dos contratos em vigência nos municípios de São Carlos e Araraquara, as ações pretendidas no contrato são todas cumpridas, como pode ser observado nos dados do Quadro 16, o que também caracteriza um cenário ideal em relação ao seu cumprimento.
V. Avaliação da categoria de análise E (características de momentos de trocas de gestão no âmbito municipal)
• Coopervida (São Carlos)
O município de São Carlos passou por momentos de troca de gestão entre 2012 e 2013 e novamente entre 2016 e 2017.
O diálogo entre cooperativa e prefeitura municipal foi bastante dificultado a partir de 2013, o que se refletiu na precarização da cooperativa por meio do elevado grau de
dificuldade para que o contrato e consolidação de eventuais responsabilidades (como a cessão de caminhões para a coleta) fossem cumpridas. As tentativas de diálogo da cooperativa para com a prefeitura se encontram registradas nos Ofícios 02/13, 01/14, 06/14, 07/14, 09/14 e 16/14, assim como no Relato ao Ministério Público Federal datado de 14 de janeiro de 2015, todos estes anexados ao Inquérito Civil 51/99, do Ministério Público Estadual (MPSP).
Em 2017, o discurso da prefeitura pareceu inicialmente favorável à cooperativa (de acordo com sua presidente); já nas primeiras semanas de janeiro de 2017, membros do Fórum Comunitário de Resíduos Sólidos de São Carlos-SP buscaram informalmente representantes da prefeitura (dentre estes, o diretor da Secretaria Municipal de Serviços Públicos a quem foi inicialmente redirecionada a responsabilidade sobre a Coopervida, como também o secretário da Secretaria Municipal de Trabalho, Emprego e Renda) para mapear o grau de envolvimento que os novos dirigentes municipais pretendiam manter em relação à cooperativa (considerando que, a partir de experiências anteriores, esta é uma variável fundamental para garantir o bom funcionamento da cooperativa). No entanto, na prática, o que se verificou nos primeiros meses de 2017 é que as ações referentes à manutenção da Coopervida como principal e fundamental agente na disponibilização de coleta seletiva municipal não foram consolidadas, devido a fragilidades na renovação do contrato e do desinteresse que os gestores públicos manifestam pelas questões referentes à manutenção da cooperativa, além de falhas organizacionais e falta de comunicação internas à estrutura da prefeitura.
Na perspectiva da cooperativa, em entrevista com a respectiva presidente, os momentos de troca de gestão são determinantes, pois, dependendo de quem ocupa os cargos na prefeitura que possuem relação com a atuação da cooperativa, pode haver um interesse maior ou menor em se apoiar a cooperativa e manter os contratos referentes à sua atuação (dinâmica independente das leis vigentes, seja no âmbito federal ou municipal).
• Acácia (Araraquara)
Conforme relatado no item anterior, houve uma tensão gerada pela descontinuidade do contrato em momento de troca de gestão, no início de 2017. No entanto, de modo geral, as responsabilidades referentes à cooperativa recaem sobre o gerente de resíduos sólidos do DAAE, que atualmente é um funcionário concursado que se encontra nesta função desde o estabelecimento do contrato e, portanto, já mantém familiaridade com as responsabilidades referentes à manutenção da cooperativa (informação proveniente de entrevista com a presidente).
• Mãos Dadas (Ribeirão Preto)
Nesta cooperativa, que, desde a assinatura do contrato, passou por apenas um momento de troca de gestão municipal (entre 2016 e 2017), não foram relatados problemas nesta transição (com exceção do atraso no pagamento de notas fiscais dos meses finais de 2016, o que se regularizou no início de 2017 – fato atribuído pela cooperativa aos trâmites administrativos referentes à troca de gestão, e não à uma menor prioridade atribuída às atividades da cooperativa) (informações provenientes de entrevista com a presidente).
VI. Avaliação da categoria de análise F (características referentes às responsabilidades pela gestão dos contratos)
• Coopervida (São Carlos)
Na prefeitura, desde 2013 até a data de realização da presente pesquisa, a responsabilidade sobre a gestão deste contrato recai sobre a Secretaria Municipal de Serviços Públicos; no entanto, as questões referentes à cooperativa (em especial o aluguel de barracão para triagem e aluguel de caminhões para a coleta, ambos previstos no contrato) permanecem diluídas entre o secretário e outros três funcionários, de modo que, considerando a elevada burocracia de processos no âmbito do setor público, é comum que a falta de comunicação entre estes afete as principais questões referentes à cooperativa. De acordo com a presidente da cooperativa, é preciso monitorar continuamente todos os prazos, pois, quando isto não ocorre, a prefeitura não toma providências no que tange as suas responsabilidades em relação à cooperativa, determinadas pelo contrato de prestação de serviços (inclusive o pagamento mensal a ser efetuado para a cooperativa pela prestação do serviço, que apenas é realizado mediante pressão da cooperativa). Além disso, membros da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável, Ciência e Tecnologia também se envolveram com questões referentes à cooperativa, frente à indisponibilidade dos responsáveis da Secretaria Municipal de Serviços Públicos em conduzir as questões necessárias à manutenção desta, mas sem que fosse estabelecido diálogo entre estes atores, o que esteve associado a falhas de comunicação e consequentes retrocessos na manutenção da cooperativa no ano de 2016 (como meses em que não houve o pagamento pela prestação do serviço ou o atraso na renovação do contrato, de acordo com a presidente da cooperativa).