Os contratos de aluguel de escravos da Anglo-Brazilian Gold Mining Company, Limited
Os contratos de aluguel de escravos da Anglo-Brazilian Gold Mining Company, Limited
Xxxxxx xx Xxxxxxx x Xxxxx – FFLCH – USP – Pós-graduando
Diante da proibição de possuir e comercializar escravos as companhias auríferas inglesas instaladas em Minas Gerais no século XIX recorreram ao aluguel destes para suprir a força de trabalho necessária aos trabalhos. Buscamos analisar as cláusulas dos contratos de aluguel de escravos firmados entre a administração da Anglo-Brazilian Gold Mining Company, Limited (ABGM) e os proprietários de escravos de Mariana na segunda metade do século XIX. Nestes contratos, escravos e escravas eram divididos em “classes” (sic) que, por sua vez, determinavam o valor do aluguel e dos jornais. Cotejando estes dados com informações coligidas em outras fontes, pretende-se esclarecer quais os critérios adotados para a classificação dos escravos de aluguel em diferentes “classes” e discutir o verdadeiro significado dos contratos.
Segue abaixo o contrato assinado entre a referida companhia e Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx, Xxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx, D. Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, e X. Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx aos 28 de Setembro de 1860 (mas, principiado a 3 de setembro deste ano), tendo como credor hipotecário dos contratantes, o inglês Xxxxxx Xxxxxx:
“Contratamos alugar para a Companhia Anglo Brazileira limitada os escravos abaixo mencionados, na forma das condições estipuladas nos artigos seguintes:
1º Os escravos que pelo presente contracto alugo a referida Companhia são
Xxxxxxxxx xxx Xxxx | 1ª | classe | 208$000 | p.r anno |
Xxxxxx x.x | 0x | | | | 208$000 | | | |
Xxxxxxx x.x | 1ª | | | | 208$000 | | | |
Germano d.o | 1ª | | | | 208$000 | | | |
Agostinho d.o | 1ª | | | | 208$000 | | | |
Domingos d.o | 2ª | | | | 170$000 | | | |
Xxxxxxx x.x | 0x | | | | 170$000 | | | |
Felício d.o | 2ª | | | | 170$000 | | | |
Xxxxxxx x.x | 1ª | | | | 96$000 | | | |
Ignês d.o | 1ª | | | | 96$000 | | | |
Mauricia d.o | 1ª | | | | 96$000 | | | |
Xxxx x.x | 1ª | | | | 96$000 | | | |
Margarida d.o | 2ª | | | | 76$000 | | | |
R.o 2:013$000 | | | |
2º. Logo que fallecer qualquer dos ditos escravos se fará aviso aos Contractantes acima mencionados declarando-se o nome do escravo fallecido, a enfermidade de que falleceo.
3º. Se acontecer que um ou mais dos ditos escravos fujão da Companhia, se fará aviso aos Contractantes acima mencionados declarando-se seos nomes e o dia em que fugirão, e durante o tempo que andarem fugidos não será a Companhia obrigada a pagar o jornal que vencerião, durante este tempo, como se estivessem trabalhando.
4º. A Companhia obriga-se a pagar os jornaes dos ditos escravos durante os Cinco annos, ainda que morrão algum delles, ou todos dos supramencionados escravos, e a única suspensão do jornal será no caso da fuga de qualquer delles como está declarado no artigo 3º.
5º. Se qualquer escrava durante este contracto ficar prenhe, neste caso se abaterá o jornal correspondente a seis mezes, ficando porem a Companhia obrigada a trata-las, e sustenta-las como se suas próprias fosse.
6º. Este contracto não poderá ser dissolvido durante o tempo estipulado senão por mutua convenção, e se por algum incidente qualquer das partes contratantes não quizer cumpri-lo, será obrigada a pagar em dinheiro o tempo que faltar para preencher o engajamento.
7º. Se por acaso um ou mais dos escravos fugirem da Companhia nos obrigamos a preencher os seus lugares ou deixar ficar os outros na Companhia até acabar o dinheiro adiantado, ou pagar no fim do Contracto qualquer somma que fique devendo.
8º. Os pagamentos são de trez em trez mezes.
9º. Este Contracto vigorará pelo tempo de cinco annos, principiando do dia 3 de Setembro de 1860.
10º. E para firmeza deste meo tracto assigno esta Contracto, com as testemunhas abaixo assignadas.
11º. Fica salvo a Companhia, quando esta queira, o direito de sublocar ou passar os referidos escravos a qualquer outro estabelecimento, com as mesmas condições do prezente contracto. Erat ut supra”.1
Xxxxxxx Xxxxx acredita que os contratos de aluguel representavam da “articulação entre o regime escravista, já em declínio, e o modo de produção capitalista, ‘importado’ do seu centro mais desenvolvido, a Inglaterra”2 e que o alugado seja o segredo do grande sucesso das companhias inglesas, pois “ao ser dotado de vários atributos do trabalhador assalariado clássico,
1 - Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 70 e 70v.
2 - XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988., p. 331.
o escravo de xxxxxxx representava, por excelência, a transição para o trabalho livre que estava se processando, especialmente após 1850”.3
Suas vantagens iam além do que os próprios trabalhadores livres podiam oferecer: “o controle do empregador sobre o escravo era absoluto, indo do trabalho ao lar”; a triagem dos alugados “obedecia estritamente às conveniências da organização produtiva”; a companhia “determinava o lugar de moradia, uma boa parte do regime alimentício”; em caso de acidentes, definia “o tratamento adequado e o tempo de recuperação necessário” e controlava um dado crucial, a assiduidade, pois “o não comparecimento ao trabalho era impensável”; caso fosse necessário, apesar das restrições contratuais, “os cativos podiam ser dispensados sem maiores complicações ou ônus para a empresa”; o contrato possibilitava ao contratante “utilizar um escravo durante seus anos mais produtivos – dos 20 aos 40 anos, por exemplo – e descartar o trabalhador desgastado depois”.
Apesar desta possibilidade, Xxxxx diz que a Saint John d’El Rey Mining Company (SJDR) preferiu “manter, quando possível, um corpo de trabalhadores treinados”. Acrescenta ainda que as articulações entre o sistema de aluguel e o mercado de trabalho local eram bastante complexas, pois um escravo de aluguel, especializado, uma vez alforriado, “teria poucas oportunidades de outro emprego. Isso, junto com as possíveis ligações familiares e de amizade com seus colegas não emancipados, fazia com que frequentemente ele se fixasse em Congonhas de Sabará após sua libertação”.4
Isto também se verificava em Passagem de Mariana. A inglesinha Xxxx anotou em seu diário em 1888-1890 que:
A empregada negra me levava ao Fundão para ver seu povo. Eu estava com meu vestido bordado branco e chapéu, meias brancas e saltos – quantos anos eu tinha? Quase 3 anos. O Fundão era a velha senzala, um depósito branco com telhado vermelho. Eram casas construídas com três lados de um quadrado: no centro do quadrado um tronco de madeira com um pedaço de metal pendurado que, tocado com um martelo, acordava os escravos para trabalharem nas minas. O povo que habitava o Fundão já era livre e ainda trabalhava na mina de ouro e usava o metal como despertador.5
O valor do contrato assinado pela ABGM encaixa-se na média daqueles encontrados por Libby para a SJDR, situados entre “90$ a 240$, conforme a classificação (determinada pelo médico da companhia) e sexo de cada cativo”.6 Em termos gerais, o contrato mostra-se vantajoso para a companhia. Primeiro, o salário pago a escravos de primeira classe equivalia ao
3 - Id., ibid., p. 330.
4 - Todas as citações foram extraídas de LIBBY, Xxxxxxx Xxxx. Op. cit., p. 330s.
5 - Aunt Xxxx Memories. Acervo do autor.
6 - XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 1998, p. 320.
valor mensal de 17$400, aos de segunda a 14$170; às escravas de primeira classe pagava-se 8$000 e às de 2ª classe 6$350 (os valores foram arredondados para cima alguns décimos).
Os contratos firmados entre a ABGM e os senhores de escravos de Mariana ao final do século XIX trazem algumas variantes que não estavam presentes naqueles assinados pela SJDR que serviram de base para as análises de Libby. Nota-se que o contrato dava à companhia mais direitos que deveres. Contudo, a única cláusula (4ª) desvantajosa era a que estabelecia sua obrigação de pagar os jornais dos escravos durante cinco anos, mesmo que falecessem. Tendo em vista as condições sanitárias e de segurança da mina isto era um risco bastante iminente. O 11º artigo dava à companhia o direito de alugá-los a terceiros e, com isso, obter lucros através da relocação da mão-de-obra. Assim, ela já não seria mera locadora, assumia o papel anteriormente ocupado pelos proprietários de poder auferir lucro com o aluguel de escravos.
Aos 28 de setembro de 1860 a ABGM alugou dos mesmos contratantes mais seis três escravos. Neste, houve a supressão dos artigos 4º e 7º do anterior e a inclusão de um novo artigo que estabelecia o seguinte: “6º. Se durante o tempo deste Contracto a Companhia se ver obrigada a descontinuar os seos trabalhos, ella se reserva o direito de dar um avizo de trez mezes parra entregar os mencionados escravos”.7 Os escravos, todos de 3ª classe, alugados foram: Xxxxxxx e Xxxx a 100$000 por ano cada um e Xxxxxx a 60$000. Neste mesmo dia a ABGM assinou novo contrato sob os termos idênticos ao primeiro alugando um escravo e uma escrava, ambos de 1ª classe: Lucindo dos Reis a 208$000 por ano e Xxxxx xx Xxxxxxxxx por apenas 96$000 por ano.8
Em 1870, após a morte do cônego Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx, Xxxxxx Xxxxxx elaborou uma lista dos escravos engajados na ABGM onde introduz o nome da escrava Xxxxx xxx Xxxx. Anotou que o engajamento de todos eles na companhia ocorreu no dia 03 de setembro de 1866 e que o contrato expiraria no dia 02 de setembro de 1871, cinco anos depois conforme estava previsto (Quadro 1).
7 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 72 e 72v.
8 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 71 e 71v.
N. | Nome | Jornaes por anno | Data em que forão engajados | Qu | ando espira Contracto | o | |||||
1 | Xxxxxxxxx xxx Xxxx | 208$000 | 3 de setembro | 2 de setembro | |||||||
2 | Miguel dos Reis | 208$000 | ‘’ 1866 | ‘’ | 1871 | ||||||
3 | Raphael dos Reis | 208$000 | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | |||||
4 | Agostinho dos Reis | 208$000 | ‘’ arrematado | ‘’ | ‘’ | ||||||
5 | Germano dos Reis | 208$000 | ‘’ arrematado | ‘’ | ‘’ | ||||||
6 | Gabriel dos Reis | 170$000 | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | |||||
7 | Felício dos Reis | 170$000 | ‘’ arrematado | ‘’ | ‘’ | ||||||
8 | Xxxxxxx dos Reis | 96$000 | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | |||||
9 | Ignez dos Reis | 96$000 | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | |||||
10 | Mauricia dos Reis | 96$000 | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | |||||
11 | Margarida dos Reis | 76$000 | ‘’ arrematada | ‘’ | ‘’ | ||||||
12 | Xxxxxxx xxx Xxxx | 100$000 | ‘’ D.a ‘’ | ‘’ | ‘’ | ||||||
13 | João dos Reis | 100$000 | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | |||||
14 | Izabel dos Reis | 60$000 | ‘’ arrematada | ‘’ | ‘’ | ||||||
2º Contracto | |||||||||||
15 | Xxxxxxx xxx Xxxx | Arrematado | 1 de Novembro 1866 | 31 de Out.o 1871 | |||||||
16 | Xxxxx xxx Xxxx | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ‘’ | ||||
Por 5 annos |
Quadro 1 – “Relação dos escravos engajados na Cia. Anglo Brazileira Pelos Snr.s Conigo Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx e Irmãos”. Fonte: AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 16.
Xxxxxx Xxxxxx remeteu esta lista junto a uma declaração dirigida ao Juiz Municipal de Órfãos no intuito de informar aos arrematantes dos escravos que eles não poderiam desligá- los da companhia antes de completado o prazo de engajamento, haja vista que Xxxxxx era credor do cônego e seus irmãos que vinham pagando suas dívidas através do aluguel destes escravos. Esta dívida atingia a cifra de 23:794$000. Diz o documento:
“Ilmo. Sr. Juiz Municipal de Orphãos Mariana, 12 de (ilegível) de 1870.
Diz o Director da Companhia Anglo Brazileira Limitada, sita no Arraial da Passagem desta Cidade, que havendo o finado Conigo (sic) Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx, e seus irmãos se constituído devedores ao Capitalista Cap.m Xxxxxx Xxxxxx de quantia que por empréstimo receberão e fizerão ao credor hipotheca de bens e penhor de escravos com a clauzula de ser estes engajados na Companhia e o producto dos jornaes aplicado ao pagamento da divida e em virtude d’esses effectivam.e forão engajados os escravos constantes da relação junta e o credor tem recebido os jornaes.
Procedendo-se a inventario nos bens do Capm. Xxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx a cujo escravo pertencem os bens de que trata e tendo de ser vendidos na forma da lei os escravos inventariados comprehendidos os que se achão engajados na Companhia por tempo determinado razão pela qual vem o Supp.e requerer que se junte esta aos autos a fim dos arrematantes saberem que os escravos engajados não podem ser desligados da Companhia se não preenchido o engajamento.
O Supp.e faz esta declaração por não saber se no inventario existem as precisas declarações a respeito.
Pede a V. As. Deferimento, juntando-se esta aos autos.
E. Re Mce.
O que se pode deduzir dos denominados escravos alugados de 1ª, 2ª e 3ª classes a partir desta documentação? Para isso, será preciso, primeiramente, discriminar as características destes escravos e escravas. O inventário do cônego supra citado e de seus irmãos traz a listagem nominal de todo o plantel da família. Embora fragmentário, pois não registra os ofícios que exerciam, dele se desprende alguns indícios que ajudam a esclarecer os critérios adotados para tal classificação (Quadro 2).
Escravos Alugados à Anglo-Brazilian | |||||
1ª Classe | |||||
Homens | |||||
N. | Nomes | Idade | Nação | Valor | Observação |
1 | Xxxxxxxxx xxx Xxxx | 26 anos | Crioulo | 1:400$000 | |
2 | Xxxxxx xxx Xxxx | 30 anos | Crioulo | 1:400$000 | |
3 | Raphael dos Reis | 60 anos | Negro da Costa | - | Morto |
4 | Agostinho dos Reis | 25 anos | Crioulo | 1:400$000 | |
5 | Germano dos Reis | NC | NC | NC | |
6 | Lucindo dos Reis | 23 anos | Crioulo | 1:400$000 | |
N. | Mulheres | ||||
1 | Xxxxxxx xxx Xxxx | 22 anos | Crioula | 1:000$000 | |
2 | Ignez dos Reis | 20 anos mais ou menos | Crioula | 1:000$000 | |
3 | Mauricia dos Reis | 20 anos | Crioula | 1:200$000 | Mãe de Xxxxx de 3 meses |
4 | Anna dos Reis | NC | NC | NC | |
5 | Xxxxx xx Xxxxxxxxx [dos Reis] | 35 anos mais ou menos | Crioula | 700$000 | |
2ª Classe | |||||
N. | Homens | ||||
1 | Xxxxxxx xxx Xxxx | 18 anos | Crioulo | 1:000$000 | Doente |
2 | Felício dos Reis | 17 anos mais ou menos | Crioulo | 1:300$000 | |
3 | Domingos dos Reis | NC | NC | NC | Fugiu em 21 de outubro de 1867 |
N. | Mulheres | ||||
1 | Margarida dos Reis | 18 anos | Crioula | 1:000$000 | |
3ª Classe | |||||
N. | Homens | ||||
1 | Joaquim dos Reis | NC | NC | NC | |
2 | João dos Reis | 70 anos mais ou menos | Negro | 250$000 |
N. | Mulheres | ||||
1 | Izabel dos Reis | 60 anos mais ou menos | Negra da Costa | 300$000 |
Quadro 2 - Plantel do Vigário Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx (1870). Fonte: AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 5ss.
O plantel era composto majoritariamente por crioulos (típico da segunda metade do XIX). Estes escravos e escravas estavam engajados na companhia desde 1866, exceto Xxxx xxx Xxxx e Xxxxxxxx xxx Xxxx. Xxxxxxx xxx Xxxx, o único homem idoso de 1ª classe, havia falecido no intervalo entre o engajamento e o inventário (feito em 1870). Portanto, é necessário reduzir em 4 anos a idade de todos para saber com quantos anos começaram a trabalhar na companhia. Apenas uma mulher com filho, Maurícia, foi alugada (por isso sua avaliação foi superior às outras em sua faixa etária). A doença de Xxxxxxx, embora tenha reduzido seu valor, não era fator limitante às funções que desempenhava na mina.
Salta aos olhos que o principal critério adotado para enquadrar homens e mulheres nas diferentes classes era a idade, pois nenhum deles exercia qualquer ofício relacionado à mineração antes de seu engajamento. A grosso modo, e deduzindo-se 4 anos, teríamos em média: 1ª classe (entre 18 e 30 anos), 2ª classe (acima de 14 anos) e 3ª classe (acima de 55 anos).
Confirma-se, portanto, a conclusão de Libby. A companhia utilizava-se dos escravos durante os anos mais produtivos, podendo descartar os mais desgastados e/ou transferi-los de setor conforme sua conveniência. Podemos acrescentar que um(a) jovem de 2ª classe podia ascender a trabalhador(a) de 1ª classe, assim como um homem ou mulher de 1ª classe podiam descer à 3ª classe à medida que a idade avançasse, caso permanecessem trabalhando na mina.
Em resumo, a mina tinha imediatamente à sua disposição durante 5 anos escravos em plena idade produtiva como os de 1ª classe pagando por eles apenas 208$000 anuais. Se, por outro lado, quisesse comprá-los, teria que desembolsar 1:400$000 por cada um. Este valor venal equivalia a, aproximadamente, 6 anos e meio de aluguel (descontados os custos de sua manutenção). O Quadro 3 aponta que alguns escravos do plantel do Vigário Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx não foram alugados à mina.
Nome | Idade | Nação | Valor | Observação | |
Júlio | 3 meses | Crioulo | NC | Filho de Xxxxxxxx Xxxxxxx | |
1 | Gesuíno | 30 e (?) | Crioulo | 1:300$000 | |
2 | Marcos | 32 anos | Crioulo | 1:450$000 | Tropeiro |
3 | Sabino | 16 anos | Crioulo | 1:400$000 | |
4 | Theodosa | 30 anos | Crioula | 900$000 | Mãe de 4 filhos |
5 | Luís | 12 anos | Crioulo | 1:200$000 | Filho de Xxxxxxxx |
6 | Jacinto | 10 anos mais ou menos | Crioulo | 1:000$000 | Filho de Xxxxxxxx |
7 | Manoella | 9 anos | Crioula | 600$000 | Filha de Theodosa |
8 | João | 1 ano | Crioulo | 300$000 | Filho de Xxxxxxxx |
9 | Xxxxxxx | 14 anos | Cabra | 1:000$000 | |
10 | Luiza | 28 anos | Crioula | 1:000$000 | |
11 | Raymundo | 8 anos | Xxxxx | 800$000 | Filho de Xxxxx |
12 | José | 1 ano e meio | Pardo | 350$000 | Filho de Xxxxx |
13 | Joanna | 25 anos | Mulata | 800$000 | |
14 | Roza | 50 anos | Negra | 300$000 | Papuda |
15 | Ritta | 2 anos | Crioula | 500$000 | |
16 | Xxxxxxxxx | 8 anos | Crioulo | 800$000 | |
17 | Gracianna | 9 anos | Crioula | 550$000 | |
18 | Bonifácio | 60 anos | Negro | 500$000 |
Quadro 3 - Escravos do plantel do Vigário Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx não alugados à ABGM (1870). Fonte: AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 5ss.
A companhia preteriu, principalmente, das crianças. Não é possível saber as razões que a levaram a não alugar escravos e escravas em plena idade produtiva, como Xxxxxxx, Xxxxxx (que era tropeiro), Xxxxx e Xxxxxx. Xxxx não foi alugada certamente por ser “papuda”. Provavelmente os herdeiros não podiam abrir mão de todos. Salvo o caso de Maurícia, as outras mães do plantel não foram alugadas. De acordo com o documento, estes escravos estavam alugados à ABGM desde 1866.
O quadro 2 mostrou que Xxxxxxxx dos Reis e mais três cativos fugiram no dia 21 de outubro de 1867. O fato foi imediatamente comunicado a Xxxxxx Xxxxxx no dia seguinte:
“Copia / Comp.a Anglo Brazileira Ilmo. Snr. Xxxxxx Xxxxxx
Passagem 22 de Octr. 1867
Communico a V. S. que ontem desapparecerão d’este estabelecimento os escravos Xxxxxxxx xxx Xxxx, Xxxxxxxxx, Xxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx.
Sou com estima
De V. Sa.
Assignado (ilegível) S. Symons”9
9 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 92.
Em cumprimento das cláusulas 3ª e 4ª do contrato, a companhia imediatamente cortou o pagamento de seus jornais. Esta informação foi dada pelo mesmo Mr. Symons em carta resposta remetida a Xxxxx Xxxxxxx do Carmo a 21 de abril de 1871: “os jornais do dito escravo forão suspensos desde o dia de sua fuga (21 de outb.o de 1867)”.10
Após sua escapada Xxxxxxxx retornou para a casa de seus senhores onde veio a falecer. Xxxx xx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, credor do tenente Xxxx Xxxxxxxxxxx xxx Xxxx e administrador dos bens do falecido Xxxxx Xxxxxxxxxx xxx Xxxx relata que: “Xxxxxxxx, o escravo que fugiu da Companhia, veio falecer no mesmo dia em casa de um herdeiro”.11 Domingos provavelmente tinha adquirido uma doença ocupacional e buscou a proteção de seus antigos donos nos últimos momentos de sua vida. Se ele fugiu da mina era porque ali não encontraria todo o cuidado que certamente teria junto aos herdeiros do cônego.
O empenho de Xxxxxx Xxxxxx para que os devedores pagassem a dívida por meio destes escravos alugados adentra o ano de 1871. Enquanto credor do espólio do finado Xxxxxxxxxx xxx Xxxx, através de carta datada de 12 de agosto de 1871, dirigida ao Xxxx xx Xxxxxx da cidade de Mariana, argumenta que:
faltando p.a completar o xxxxx.xx do Supp.e, calculado na q.tia de 4:694.664 pela ultima liquidação, e não havendo lançadores aos escravos Mauricia e seo filho Xxxxx, Xxxxxxxx, Xxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxx e Xxxxxxxxx nas differentes praças em que andarão, pretende o Supp.e, mais em beneficio do mmo. espolio, onerado de outras dividas que como o do Supp.e (ilegível) que se lhe adjudiquem aquelles escravos (ilegível) o valor dos mmos. a q.tia de 2:738.000, salvo engano.12
O Procurador-geral Rezende declarou aos 17 dias do mesmo mês e ano que: “Parece- me rasoavel que sejão adjudicados os escravos de que trata a petição pela avaliação”.13 Logo, se Xxxxxx Xxxxxx obteve a adjudicação solicitada, tornou-se, imediatamente, proprietário destes oito escravos.
Xxxxx, depois de morte de sua senhora, D. Xxxxxxxx, “tem vivido sobre si, serve, e aluga-se a quem quer”. Mas, ela e seus filhos (Xxxxxxxx e Xxxx) foram levados à praça por 2:150$000 em 5 de novembro de 1874.14 Tudo indica que após a morte de sua mãe, o menino Xxxxxxxx foi arrematado ou adjudicado a Xxxxxx Xxxxxx pois em 1875, segundo declaração do testamenteiro e inventariante Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, “Xxxxxxxx está na companhia do Capm. Xxxxxx Xxxxxx”, enquanto Xxxx estava “na de D. Xxxxxxxxx, viúva de Xxxxxxx Xxxxx
10 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 91.
11 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 137v.
12 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 110.
13 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 111-149.
14 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 144.
Xxxxx”.15 Embora não saibamos quem era o pai dos meninos, percebe-se que a família da crioula Xxxxx foi fragmentada somente após sua morte.
Este fato demonstra claramente que os ingleses recorriam a estratégias legais para possuir escravos. Reforça ainda a declaração de Xxxxxx xx Xxxxxx que ouvira do contador da SJDR dizer como os ingleses não podiam comprar negros, serviam-se de “testas-de-ferro aos quais dão dinheiro para que adquiram negros para eles, mas, feito isto, os testas-de-ferro os alugam a eles por um preço qualquer que nunca é pago, obviamente”.16
Entretanto, não se pode negar que muitos ingleses alforriavam escravos em observância às leis britânicas. Assim procedeu, por exemplo, Mr. Xxxxxx de Passagem de Xxxxxxx que, segundo o relato de sua neta Xxxx: “Quando ele estava lá, a Companhia disponibilizou-lhe muitos empregados. Ele gostava muito de um deles, o jardineiro, um senhor distinto. Como não era permitido aos ingleses ter escravos, vovô o comprou e o libertou e ele continuou como jardineiro até vovô morrer (1871)”.17
15 - AHCSM. Inventário Avulso. Códice 14, Auto 284, f. 149.
16 - XXXXXX, Xxxxxx xx, Visconde. Seis semanas nas minas de ouro do Brasil. Trad. de Xxxxx Xxxxxxxx. Estudo crítico Xxxxxxx X. Libby. Belo Horizonte: Centro de Estudos Hist. e Culturais. Fund. Xxxx Xxxxxxxx, 1997, p. 98s.
17 - Aunt Xxxx Memories. Acervo do autor.