Autoria: Camila Benatti Mourad, Decio Zylbersztajn
Análise dos Custos de Transação Gerados pelos Contratos com Agricultores Familiares no Sistema Agroindustrial do Biodiesel em Goiás
Autoria: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxxxx
Resumo:
Entre as diretrizes do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel estão a inclusão de agricultores familiares e diversificação de matérias primas utilizadas para a produção de biodiesel. Contudo, aspectos como a os obstáculos tecnológicos de ampliação das escalas de produção das oleaginosas que o governo busca incentivar e as atuais estruturas de mercado existentes para cada oleaginosa podem comprometer o sucesso destas políticas. Pode-se observar que apesar dos esforços governamentais, a soja continua sendo a principal matéria- prima utilizada na produção de biodiesel. O objetivo geral do artigo é identificar os custos de transação que explicam a escolha da indústria de biodiesel por uma matéria prima. O arcabouço teórico utilizado para embasar as hipóteses de trabalho é a Economia de Custos de Transação. A literatura aponta que a existência de investimentos em ativos específicos influencia na escolha da forma de governança mais adequada, pois este tipo de investimento pode levar a comportamentos oportunísticos por uma das partes. Assim, as hipóteses analisadas no estudo foram: i) o comportamento oportunístico dos agentes está associado à existência de mercados alternativos para a oleaginosa; ii) o comportamento oportunístico em transações com soja representa uma perda menor do que o comportamento oportunístico em transações com mamona e pinhão manso, tanto para a indústria como para o agricultor; iii) na ausência de incentivos do Estado, a indústria preferiria transacionar soja via mercado. Trata- se de um estudo qualitativo, cuja estratégia de pesquisa adotada foi o estudo de caso de uma indústria de biodiesel e agricultores familiares que fornecem matéria prima para essa indústria. A empresa está localizada em Goiás, uma área tradicionalmente produtora de soja da região Centro-Oeste. Foram realizadas entrevistas com a alta gerência da empresa, com a diretoria responsável pela aquisição das matérias primas e com os agrônomos que prestam assistência técnica aos agricultores familiares. No total, dezessete agricultores familiares foram entrevistados, entre eles produtores onze de soja, dois de mamona e quatro de pinhão manso. As variáveis analisadas foram agrupadas em três temas centrais: investimentos específicos, estruturas de mercado e desenvolvimento tecnológico de cada cultura. Os resultados obtidos mostraram que as hipóteses i e iii podem ser consideradas verdadeiras, enquanto a hipótese ii se mostrou parcialmente verdadeira, dentro do escopo da pesquisa. O estudo traz evidências de que: i) a presença de mercados alternativos para as oleaginosas é um fator muito importante para gerar ativos específicos e influenciar comportamentos oportunistas; ii) a necessidade de adquirir a soja via contrato e de fornecer assistência técnica para atender a legislação aumenta o custo para o sistema agroindustrial do biodiesel.
1 INTRODUÇÃO
A intensificação do processo de introdução de biocombustíveis nas matrizes energéticas de inúmeros países tem suscitado novas expectativas para a produção agrícola e para o agronegócio. A inserção do biodiesel na matriz energética brasileira se diferencia dos outros países devido aos objetivos que direcionam o Programa de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Dentre as diretrizes do PNPB, este estudo destaca as políticas de inserção da agricultura familiar e de incentivo à diversificação de matérias-primas (BRASIL, 2003).
Para viabilizar estas duas diretrizes, o Governo Federal criou alguns mecanismos e incentivos para a formação de novos sistemas agroindustriais (SAG) com a participação de agricultores familiares e utilização de matérias-primas diversificadas. Os principais mecanismos foram a criação do selo Combustível Social e a restrição da comercialização por meio de leilões promovidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Este selo certifica as indústrias de biodiesel que adquirem um percentual mínimo de sua matéria- prima proveniente da agricultura familiar (BRASIL, 2004, 2009). Como benefício, as empresas certificadas recebem incentivos tributários. Além disso, 80% do volume de biodiesel comercializado nos leilões são restritos a estas empresas.
Apesar dos esforços governamentais, estes incentivos podem não ser suficientes para garantir que novos SAGs se formem de maneira sustentável ao longo do tempoi. Existem dois aspectos que podem comprometer o sucesso da formação dos novos sistemas. O primeiro está na difícil ampliação das escalas de produção das oleaginosas que o governo busca incentivar devido a obstáculos tecnológicos. O segundo está relacionado às estruturas de mercado existentes para cada oleaginosa.
O biodiesel pode ser produzido a partir de óleos vegetais e animais. Neste artigo será dada ênfase ao estudo de três das inúmeras oleaginosas que podem compor o SAG do biodiesel: mamona, soja e pinhão manso. Durante a década de 1960 e 70 o Brasil se destacava como o maior produtor mundial de mamona. Contudo, desde o final da década de 1970, a produção brasileira de mamona entrou em declínio e pouca tecnologia foi desenvolvida para melhorar sua produtividade. Em contrapartida, a soja apresentou uma rápida expansão no Brasil e sua tecnologia encontra-se em um estágio mais avançado de desenvolvimento. A Tabela 1 apresenta dados referentes à evolução da área e da produtividade de mamona e da soja ao longo de 3 décadas.
Tabela 1:
Área plantada e produtividade da mamona e da soja no período de 1977 a 2007 no Brasil.
Área (mil hectares) Produtividade (Kg/ha)
Safra | Mamona | Soja | Xxxxxx | Xxxx |
1997/98 | 344 | 7.780 | 1.141 | 1.250 |
1987/88 | 267 | 10.706 | 678 | 1.693 |
1997/98 | 132 | 13.157 | 373 | 2.384 |
2007/08 | 162 | 21.313 | 758 | 2.816 |
Fonte: MAPA, 2009.
Os dados mostram que a área plantada e a produtividade de mamona no Brasil reduziram 52,7% e 33,5%, respectivamente, da safra 1977/78 para a safra 2007/08. A soja, por sua vez,
apresentou um crescimento de 173% na área cultivada e 125,3% na produtividade. Estes dados trazem evidências de que, ao contrário da mamona, a soja obteve avanços tecnológicos que permitiram o aumento da produtividade e incentivaram a expansão por diversas áreas do país. Assim, o caminho natural é que a soja seja a primeira opção para a produção de biodiesel, devido a sua tecnologia desenvolvida e ampla escala de produção.
A mamona está entre as oleaginosas que o governo buscou incentivar a inserção no SAG do biodiesel. Enquanto que, a oleaginosa de cultivo tradicional que tem se destacado como preferência da indústria tem sido a soja. Por outro lado, algumas indústrias passaram a desenvolver estudos e a iniciar testes com o plantio de pinhão manso como oleaginosa alternativa à soja. No Brasil, o pinhão manso nunca foi produzido com fins comerciais. O início das pesquisas de melhoramento genético foi posterior a implantação do PNPB. Portanto, não há séries históricas de área cultivada e produtividade desta cultura.
Introdução ao SAG Tecnologia do Biodiesel Agronômica | Tecnologia Industrial | Logística e Infraestrutura |
Soja Escala suficiente para Avançada | Avançada | Avançada |
Mamona Incentivo Média | Alta | Baixa |
Pinhão Iniciativa do setor Inexistente | Inexistente | Inexistente |
Assim, é possível observar a formação de arranjos baseados em três oleaginosas com estruturas de mercado distintas. As características de cada cultura estão sintetizadas na Figura 1.
atender à demanda governamental
manso privado
Figura 1: Características da soja, da mamona e do pinhão manso.
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da Embrapa (2009).
Por ser uma cultura com desenvolvimento tecnológico e estruturas de mercado avançadas, a soja apresentou uma expansão expressiva no SAG do biodiesel. De acordo com a ANP (2010a), a participação média da soja na produção de biodiesel foi de 77,9% de janeiro de 2009 a fevereiro de 2010. Dos 22,1% restantes, 16,24% do biodiesel foram produzidos com gordura animal (sebo) e apenas 2,33% com outros materiais graxos. Apesar dos esforços para se diversificar as matérias primas para fabricação de biodiesel, a soja continua sendo a principal matéria prima.
2 PROBLEMA DE PESQUISA
O PNPB pretende que a diversificação das matérias primas ocorra por meio da agricultura familiar. Para isto, a concessão do selo “Combustível Social” às indústrias depende da realização de contratos com agricultores familiares que prevêem prestação de assistência técnica custeada pela indústria. Porém alguns obstáculos podem surgir.
Uma das dificuldades de ampliação da atividade de culturas alternativas como a mamona e o pinhão-manso pode ser os investimentos específicos que as indústrias de biodiesel precisam fazer em assistência técnica para incentivar os agricultores a cultivar essas oleaginosas. Contudo, a indústria de biodiesel fica sujeita a ações oportunistas dos agricultores que podem vender a oleaginosa para um intermediário que pague um valor maior. Desta maneira, a indústria perde o investimento feito com a assistência técnica aos produtores. Além do risco
em investimentos específicos, a indústria também está sujeita a baixa produtividade dessas culturas, pois o grau de desenvolvimento tecnológico é baixo, aumentando a incerteza no fornecimento da matéria-prima.
Por outro lado, se o acesso dos agricultores aos intermediários que oferecem um preço maior por essa oleaginosa for restrito, a indústria de biodiesel pode apresentar um comportamento oportunista e ameaçar não comprar a quantidade acordada para renegociar o preço definido inicialmente. Ou seja, se o agricultor não tem acesso a mercados alternativos para essas culturas, a indústria de biodiesel pode exercer poder de barganha. As possibilidades de poder de barganha, descritas acima, estão representadas no esquema da Figura 2.
Presença de mercado alternativo
Presença de investimentos específicos
Poder de barganha do agricultor
Ausência de mercado alternativo
Presença de investimentos específicos
Poder de barganha da indústria
Figura 2: Esquema com as formas de poder de barganha que podem surgir no SAG do biodiesel.
Fonte: Elaborado pelos autores.
O investimento em assistência técnica para agricultores familiares que produzem soja pode ser menor, pois a soja é uma cultura conhecida pelos agricultores brasileiros devido à sua expansão que ocorreu na década de 1970 (LAZARRINI; NUNES, 1998). Apesar do menor grau de investimentos, as indústrias de biodiesel estão sujeitas ao comportamento oportunista dos produtores de soja, dado que a soja é caracterizada por mercados alternativos de fácil acesso. Embora o risco de quebra contratual por parte do agricultor seja alto, o risco de baixa produtividade da soja é pequeno, dado o seu desenvolvimento tecnológico mais avançado.
A existência de mercados alternativos leva um número maior de agricultores a cultivar a soja e vendê-la para o comprador que paga o melhor preço. Como existem muitos produtores de soja, mesmo que um agricultor não entregue a quantidade de soja acordada, a indústria consegue comprar de outros agricultores e suprir sua demanda por matéria-prima. Neste caso, o agricultor também está menos vulnerável ao poder de barganha da indústria, pois se a indústria quiser renegociar o preço, o agricultor tem a opção de vender para outro comprador.
Portanto, o risco de comportamento oportunista existe tanto nas transações entre a indústria e os produtores de soja como entre a indústria e os produtores de outras oleaginosas. Contudo, uma quebra contratual com um produtor de soja pode incorrer em uma perda menor para a indústria se compararmos com a perda em uma quebra contratual com um produtor de outra oleaginosa. Pois, o investimento específico realizado pela indústria foi menor e a possibilidade de encontrar outros produtores que forneçam a mesma matéria-prima no mercado é maior no caso da soja.
Do lado do agricultor, o produtor de soja parece estar mais protegido contra o poder de barganha da indústria que o produtor de outras oleaginosas, dado que a soja tem vários mercados alternativos estabelecidos. A Figura 3 ilustra as variáveis que podem influenciar as perdas tanto para a indústria como para o agricultor.
Presença de
outros fornecedores
Ausência de
outros fornecedores
Comportamento
oportunístico da indústria
Baixo nível de
investimentos específicos do agricultor
Presença de
outros compradores
Menor perda
para o agricultor
Comportamento
oportunístico da indústria
Alto nível de
investimentos específicos do agricultor
Ausência de
outros compradores
Maior perda
para o agricultor
Maior perda para a indústria
Alto nível de Investimentos da indústria
Comportamento oportunístico do agricultor
Menor perda para a indústria
Baixo nível de Investimentos da indústria
Comportamento oportunístico do agricultor
Figura 3: Esquema de como as perdas variam em função do comportamento oportunístico, do nível de investimentos específicos e da existência de um mercado.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Tanto no caso da soja como no caso de culturas alternativas, as transações com a agricultura familiar ocorrem por meio de contratos para atender uma exigência do selo Combustível Social. Quando se trata das culturas alternativas, a relação contratual parece ser a opção mais indicada por elas não apresentarem estruturas de mercado consolidadas e, assim, exigirem maior grau de coordenação. A soja, no entanto, tem um mercado estruturado e transações que poderiam ser realizadas no mercado são obrigatoriamente realizadas via contrato para atender aos critérios da certificação. Esta transferência de mercado para contratos pode representar maiores custos transacionais como ilustrado na Figura 4:
Legenda: m(k) representa o mercado, x(k) representa contrato e h(k) representa integração vertical.
Figura 4: Possíveis estruturas de governança no SAG do biodiesel.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Na Figura 4, o ponto A representa a compra de soja no mercado e o ponto B representa a compra de soja por meio de contratos. De acordo com a representação, em caso de baixos investimentos específicos para a utilização de soja, seria mais eficiente realizar compras via mercado, no entanto, a indústria faz contratos com agricultores familiares para atender a legislação, elevando seu custo. A curva x’(k) representa o custo de contratação de outras culturas. Sendo assim, o ponto C representa as transações via contrato de outras culturas. Deste modo, o ponto A seria a primeira opção da indústria por se tratar de um arranjo menos custoso.
As Figuras 2, 3 e 4 trazem uma representação das hipóteses de trabalho deste estudo que estão descritas a seguir:
I. O comportamento oportunístico dos agentes está associado à existência de mercados alternativos para a oleaginosa.
II. O comportamento oportunístico em transações com soja representa uma perda menor do que o comportamento oportunístico em transações com mamona e pinhão manso, tanto para a indústria como para o agricultor.
III. Na ausência de incentivos do Estado, a indústria preferiria transacionar soja via mercado.
2.1. Objetivos
O objetivo geral do artigo é identificar os custos de transação que explicam a escolha da indústria de biodiesel por uma matéria prima.
Os objetivos específicos são:
• Identificar a presença de investimentos específicos nas transações com soja, mamona e pinhão manso.
• Identificar as estruturas de mercado para cada oleaginosa.
• Identificar a ocorrência de comportamentos oportunísticos por parte da indústria e por parte dos agricultores.
• Analisar a adoção de contratos como forma de governança entre a indústria de biodiesel e a agricultura familiar.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
As hipóteses de trabalho apresentadas estão embasadas na Economia dos Custos de Transação (ECT). Na ECT, a unidade de análise é a transação, definida por Zylbersztajn (1995) como uma operação onde são negociados direitos de propriedade.
Para compreensão da ECT, Xxxxxxxxxx (1985) define alguns pressupostos comportamentais. O primeiro pressuposto é a racionalidade limitada, em que apesar de o agente econômico desejar a otimização dos recursos, ele não consegue alcançá-la (ZYLBERSZTAJN, 1995). O outro pressuposto tratado por Xxxxxxxxxx (1985) é o auto-interesse. O autor aponta que a forma mais forte de auto-interesse é o oportunismo, em que os agentes podem agir aeticamente antes da transação ocorrer ou durante a vigência do contrato.
Dado estes pressupostos, Xxxxxxxxxx (1985) descreve as dimensões que cada transação apresenta e como elas se relacionam com a escolha da forma de coordenação, ou governança. A primeira dimensão é a “frequência”, ou seja, o número de vezes que dois agentes realizam uma transação da mesma espécie. A frequência das transações possibilita a construção de reputação entre os agentes e dilui os custos de adoção de um mecanismo complexo por várias transações. Outra característica das transações tratada por Xxxxxxxxxx é a “incerteza”. O conceito de incerteza é aplicado às contingências não-previsíveis que podem surgir em uma transação. Na presença de incerteza, os agentes não possuem todas as informações necessárias para o desenho do contrato ex-ante, assim os contratos são incompletos.
A dimensão que tem motivado o maior número de estudos é a especificidade de ativos. O conceito de ativo específico pode ser aplicado quando um determinado ativo não consegue ser realocado em outra atividade sem que haja perda de valor. Assim, o valor do ativo depende da continuidade da transação. Quanto maior o grau de especificidade, maior a necessidade de salvaguardas para evitar o comportamento oportunístico da outra parte. Xxxxxxxxxx (1985) relaciona a escolha da forma de governança de acordo com o grau de especificidade, conforme representado na Figura 5.
Figura 5: Formas de governança e especificidade de ativos.
Fonte: XXXXXXXXXX, 1985.
Quando o ativo é pouco específico o mercado é a forma de coordenação que apresenta o menor custo. A partir do momento em que a especificidade aumenta, chegando a um nível médio, a forma híbrida (contratos) é a forma de coordenação mais indicada. No entanto, quando a especificidade do ativo é muito alta, a hierarquia, ou integração vertical, é a melhor alternativa para se evitar comportamentos oportunísticos de apropriação de renda e minimizar os custos de transação. Considerando as três formas de governança discutidas acima, a coordenação via contratos é a forma mais recorrente no mundo real.
Xxxxx; Xxxxxxxx e Xxxxxxx (1978) discutem os problemas de apropriação de renda que podem ocorrer na presença de ativos específicos. De acordo com os autores, investimentos específicos criam “quase-rendas” e tornam a possibilidade de comportamento oportunístico real. O termo quase-renda é utilizado para denominar o valor em excesso acordado em relação ao valor que o segundo melhor contratante pagaria. Ao saber do valor em excesso, o primeiro contratante pode querer se apropriar de parte deste valor, já que para o contratado ainda é mais vantajoso aceitar a renegociação que optar pelo segundo melhor contratante (XXXXX; XXXXXXXX; XXXXXXX, 1978).
A apropriação de quase-renda é denominada problema de hold up. Este problema ocorre quando uma das partes de uma relação contratual se comporta de forma oportunística diante de investimentos específicos realizados pela outra parte. Como a parte que fez o investimento específico não tem como transferir o ativo para outra finalidade sem perda de valor, a outra parte força uma renegociação em que se apropria da quase-renda da parte que realizou os investimentos.
As salvaguardas contratuais tentam minimizar este tipo de comportamento, no entanto, considerando que os contratos são incompletos, quanto mais específicos são os ativos, maior o custo de contratação, assim, os agentes tendem a migrar para a integração vertical. Apesar de a integração vertical reduzir os custos com contratação, o custo de administrar um leque muito amplo de ativos dentro da firma pode ser alto (KLEIN; CRAWFORD; ALCHIAN, 1978).
A integração vertical às vezes é utilizada para economizar custos de barganha pré-contratual. Os custos de informação e de garantir o cumprimento do acordo podem ser uma motivação para a realização de transações intrafirma em vez de interfirmas. Ativos que são fortemente dependentes um do outro tendem a serem propriedades de uma mesma parte para evitar problemas de hold up. Há formas alternativas à integração vertical para se evitar o hold up. Xxxxx, Xxxxxxxx e Xxxxxxx (1978) apontam a regulação e as salvaguardas contratuais como alternativas.
4 MÉTODO DE PESQUISA
Por se tratar de um fenômeno recente, cujos arranjos institucionais não estão consolidados, pretende-se utilizar o método indutivo, o qual permite levar a conclusões cujo conteúdo é mais amplo que as premissas nas quais se basearam (XXXXXXX e XXXXXXX, 2004).
Este estudo fará uma análise estrutural discreta comparada do SAG do biodiesel. De acordo com Xxxxxxxxxxxx (1995, p. 69), a análise comparativa baseada na ECT “busca relacionar os atributos das transações com as formas de organização mais eficientes em termos de economia de custos de transação e produção.”. O processo comparativo consiste no contraste de formas alternativas de organização, desde a governança via mercado até a governança via hierarquia. As alternativas estruturais discretas assumem fundamental importância quando se trata de uma análise institucional qualitativa.
Trata-se de um estudo qualitativo tipificado como descritivo e interpretativo, pois além de conter a descrição do fenômeno estudado, objetiva encontrar padrões nos dados e desenvolver categorias conceituais que possibilitem ilustrar, confirmar ou opor-se a suposições teóricas (GODOY, 2006). O estudo envolve pesquisa documental e bibliográfica e pesquisa de campo com coleta de dados no local do surgimento do fenômeno. A amostra é intencional e não- probabilística.
A estratégia de pesquisa é o estudo de caso único. De acordo com Xxx (2005), o estudo de caso é uma forma de pesquisa que busca investigar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. A estratégia de estudos de casos também é indicada em pesquisas que buscam responder questões do tipo “como” ou “por que” e que não exija controle sobre eventos comportamentais (YIN, 2005). Xxxxxx, Xxxxxxxxxxxx e Xxxxxxxx (1998) complementam o pensamento de Xxx, com a idéia de que questões de pesquisa do tipo “como” e “por que” são frequentemente encontrados em pesquisas de agronegócio.
A definição do número de estudos de casos a serem realizados deve levar em consideração que quanto menor a quantidade de casos, maior a oportunidade de observações mais aprofundadas. No entanto, estudos de casos únicos apresentam limitações relativas à generalização de conclusões (VOSS; TSIKRIKTSIS; XXXXXXXX, 2002). Apesar das limitações, optou-se pela profundidade das observações que o estudo único proporciona.
O caso estudado foi o da empresa Caramuru, cuja sede está situada no estado de Goiás. A escolha da empresa ocorreu por ela estar situada na região Centro-Oeste, cuja concentração da produção de biodiesel é maior; utilizar o óleo de soja na produção de biodiesel e ter implementado projetos de incentivo ao plantio de mamona e pinhão manso com os agricultores familiares da região; e pela abertura da empresa em participar do estudo.
Na empresa foram realizadas entrevistas com o vice-presidente, com o diretor de originação, com o coordenador da gerência de insumos e com os engenheiros agrônomos que prestam assistência técnica aos agricultores familiares. Também foram realizadas 11 entrevistas com agricultores familiares de soja, 2 agricultores familiares de mamona e 4 agricultores familiares de pinhão manso. O estudo de caso foi realizado em abril de 2010.
As variáveis analisadas foram assim agrupadas:
Investimentos específicos | Estrutura de mercado | Desenvolvimento tecnológico |
Assistência técnica | Existência de outros compradores para a oleaginosa | Dificuldades técnicas de cultivo da oleaginosa |
Fornecimento de insumos | Existência de outros fornecedores da oleaginosa | Motivação do agricultor diante das dificuldades de plantio |
Descumprimento de contrato | Acesso a insumos | Tempo que a cultura está inserida na região |
Perdas relacionadas ao não cumprimento do contrato | Existência de mercado para os sub-produtos | Importância da assistência técnica para obter melhor produtividade |
Figura 6: Variáveis investigadas no estudo.
Fonte: Elaborado pelos autores.
5 ESTUDO DE CASO – CARAMURU ALIMENTOS S/A
A empresa Caramuru Alimentos S/A iniciou suas atividades em 1964 e atua no setor de óleo de soja desde 1995. Em 2010, a Caramuru está posicionada como uma importante empresa de capital nacional dedicada à industrialização de grãos; à extração e refino de óleos; à exportação de soja em grãos, farelo, óleo e lecitina; e à produção de biodiesel.
A inserção do biodiesel ao portfólio de produtos da empresa ocorreu em 2007. No 17º leilão de biodieselii a Caramuru arrematou 7,2% do biodiesel comercializado, se posicionando em 5º lugar entre as 39 unidades classificadas (ANP, 2010b). De acordo com a empresa, a decisão de entrar no mercado de biodiesel ocorreu por se tratar de um uso alternativo ao óleo vegetal, de forma que o produto não se restringisse a um único mercado.
A opção pelo selo Combustível Social ocorreu por três razões: vantagens na tributação, maior acesso ao mercado (maior participação nos leilões) e fidelizar pequenos agricultores. A empresa tenta se diferenciar no mercado da soja com a compra de soja não-transgênica. Para isso, é necessária uma relação mais próxima com o agricultor. O selo é uma forma de a empresa desenvolver esta relação. Para obter o selo, houve a necessidade de contratação de uma empresa de assessoria para elaborar um plano de trabalho com a agricultura familiar entregue ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
As matérias primas que a empresa utiliza na produção de biodiesel são a soja e o sebo. Em 2006 houve tentativa de desenvolver um projeto de plantio de mamona durante duas safras (2006/07 e 200708), porém a empresa decidiu encerrar o projeto. Em 2007, a Xxxxxxxx passou a incentivar o plantio de pinhão manso. Por se tratar de uma cultura perene, a primeira
colheita ainda não ocorreu. A seguir serão descritos os investimentos específicos que foram observados na transação entre a indústria e os agricultores.
5.1. Investimentos específicos
Para iniciar o trabalho com a agricultura familiar, a Caramuru contratou uma equipe de agrônomos responsável por estimular agricultores familiares a aderirem ao programa do biodiesel e prestarem assistência técnica. Além da equipe própria, a Caramuru também contrata serviços de agrônomos terceirizados.
No caso de agricultores familiares que plantam soja para o programa de biodiesel, há um contrato escrito no qual a empresa se compromete com o fornecimento de assistência técnica, com o pagamento de um bônus de 4,5% sobre o preço de mercado da soja e um bônus de dois reais se a soja não for transgênica. No caso da mamona, a empresa fornecia assistência técnica e doava a semente aos agricultores. Para os agricultores que aceitaram plantar o pinhão manso, além da assistência, a empresa doou as mudas e, em alguns casos, financiou insumos como fertilizante e defensivo.
De acordo com a empresa, se o agricultor não entregar a produção a maior perda está no gasto com assistência técnica e com a possibilidade de não atingir o percentual mínimo obrigatório para manter o selo Combustível Social. Como a maior parte dos contratos com a agricultura familiar é com produtores de soja, a não-entrega de soja representa um dano maior que a não- entrega de mamona ou pinhão manso. Na safra 2009/10 houve casos em que alguns agricultores de soja que haviam firmado contrato com a Caramuru e, portanto, receberam assistência técnica, venderam sua produção para outra indústria de biodiesel que ofereceu um bônus de um real a mais. Nestes casos, a empresa perdeu o gasto com a assistência técnica. Com agricultores de mamona não houve quebra contratual por parte dos agricultores. Como a primeira colheita do pinhão manso se inicia em 2010, ainda não é possível saber se haverá quebra contratual.
Por parte dos agricultores, a especificidade dos investimentos depende da presença de um mercado alternativo. Os agricultores de soja já trabalham com esta cultura em média há 7 anos. Portanto, esta cultura não representa um novo investimento para os agricultores. Já no caso da mamona e do pinhão, nenhum agricultor possuía experiência prévia de plantio destas culturas. Ou seja, eles deixaram de produzir outras culturas como milho, eucalipto e pasto para plantar mamona/pinhão. Assim, se a Caramuru for a única compradora para estes produtos, o investimento realizado passa a ser específico, pois se a Caramuru não comprar, o produto perde valor. Nas duas safras de mamona, não houve casos em que a empresa não realizou a compra conforme o acordo. A presença de mercados alternativos será descrita na seção a seguir.
5.2. Estrutura de mercado
Todos os agricultores de soja afirmaram que existe comprador alternativo caso a Caramuru não compre sua produção. Quatro agricultores afirmaram que não há diferença no preço, enquanto 6 afirmaram que o preço pago pela Caramuru é um pouco maior devido aos bônus. Apenas 1 agricultor afirmou que a Caramuru paga um preço um pouco menor, porém justifica a sua opção de venda pela segurança que a empresa oferece de compra e pagamento e pela assistência técnica. Todos os entrevistados associaram a opção de vender a soja para o biodiesel aos incentivos oferecidos pela empresa (assistência e bônus).
Tanto os agricultores que plantaram a mamona como os que estão plantando pinhão manso afirmaram não possuir um comprador alternativo caso a Caramuru não compre o produto. Um dos agricultores de mamona citou a falta de outros compradores como um fator de desestímulo à produção de mamona. Por parte da indústria, a dificuldade em encontrar fornecedores está no aumento da concorrência de indústrias de biodiesel que disputam os mesmos agricultores familiares. Desta forma, a dificuldade não está atrelada à matéria prima em sim, pois há grande produtores de soja que podem suprir a demanda por matéria prima, mas sim, na dificuldade de fidelizar agricultores familiares. Esta dificuldade está mais presente na soja do que em outras culturas. Nas outras culturas há um custo de convencer o agricultor a trabalhar com um novo cultivo, porém estes tendem a serem mais fiéis a empresa, dada a inexistência de outros compradores.
Com relação ao acesso a insumos, não há diferença do acesso a insumos entre agricultores dependendo do tipo de cultura. Todos fazem uso com alta frequência, tanto para as culturas destinadas ao biodiesel como para as outras culturas. No entanto, no caso da mamona e do pinhão manso, faltam alguns defensivos específicos para a cultura. A indústria relatou dificuldade em encontrar semente de mamona de boa qualidade.
Outro ponto a ser considerado é valor dos co-produtos de cada oleaginosa. O farelo de soja possui alto valor no mercado, sendo inclusive mais valorizado que o óleo. A torta da mamona, bem como, a torta do pinhão manso podem usadas na adubação, porém são pouco valorizadas no mercado.
5.3. Desenvolvimento tecnológico
De acordo com os agrônomos que prestam assistência técnica os recursos tecnológicos existentes são suficientes para se ter uma boa produtividade no caso da soja. No entanto, no caso da mamona não há herbicidas adequados. O plantio foi mecanizado, porém a colheita teve que ser manual. Tentou-se fazer adaptação de uma colheitadeira de soja para colher a mamona, porém seria necessário um investimento muito elevado, diante da pequena produção. Além disso, a perda com a colheita mecanizada pode chegar a 30%. Outra dificuldade apontada é a necessidade de debulhar a mamona na propriedade. A empresa precisou levar a máquina de debulha em cada propriedade.
A colheita do pinhão manso também é manual. Embora os agricultores ainda não tenham colhido, há uma área dentro da Caramuru com uma plantação-teste de pinhão. Neste caso, a colheita mecanizada não é possível devido à arquitetura da planta. Como ainda não há nenhuma variedade com melhoramento genético, as plantas crescem de maneira desuniforme, com tamanhos diferentes, o que impossibilita a mecanização.
Considerando o relato dos agricultores, a principal dificuldade do cultivo da soja é a ferrugem que nas últimas safras tem aparecido com bastante frequência. Porém os recursos disponíveis são suficientes para combater. A principal dificuldade apontada no caso da mamona é a colheita manual. Esta mesma dificuldade foi apontada para o pinhão manso, além disso, o pinhão é alvo constante de pragas e exige limpeza e manutenção que são trabalhosas. As dificuldades técnicas de manejo foram apontadas como fontes de desestímulo tanto para o cultivo da mamona como para o cultivo de pinhão manso. Enquanto que para a soja, nenhum agricultor citou esta dificuldade como um fator de desestímulo.
Com relação ao retorno financeiro diante das dificuldades técnicas, os agricultores de pinhão ainda sabiam avaliar porque ainda não venderam. Um dos agricultores de mamona considera
que o retorno não compensa, enquanto o outro agricultor relatou que o retorno se compensa se houver incentivos da empresa. Por fim, a maioria dos agricultores de soja consideram que a o retorno da soja compensa o trabalho quando comparado com o retorno que outras culturas proporcionam. No entanto, na última safra o preço de mercado havia sofrido uma queda acentuada, o que levou alguns agricultores a considerarem que a soja não compensa, embora em anos anteriores o retorno tenha sido satisfatório.
Embora a experiência média de cultivo de soja dos agricultores entrevistado tenham sido de 7 anos e os agricultores de mamona e pinhão entrevistados não tivessem experiência nestes cultivos, a assistência técnica é considerada por todos eles como importante para assegurar bons níveis de produtividade.
6 ANÁLISE DAS HIPÓTESES DE TRABALHO
6.1. Hipótese I: O comportamento oportunístico dos agentes está associado à existência de mercados alternativos para a oleaginosa
Os investimentos realizados pela empresa em assistência técnica aos agricultores familiares de fato se configura como um ativo específico, pois se a transação não se completar ocorre perda de valor para a empresa. As culturas novas (mamona e pinhão manso) demandam mais visitas e dedicação dos agrônomos que a soja. Do lado do agricultor, não há especificidade de ativos quando a cultura produzida é a soja, pois há outros compradores no mercado regional e os preços são similares. Entretanto, ao se tratar de mamona e pinhão, o agricultor deixa de plantar outra cultura e investe sua mão-de-obra nestas culturas. Como não há compradores alternativos para os produtos, a interrupção da transação implica em perda de valor para o agricultor.
Pode-se, assim, afirmar que a presença de mercado alternativo para soja e a presença de investimentos em ativos específicos somente por uma das partes (indústria) cria possibilidade de comportamento oportunístico pela parte que não realizou tais investimentos (agricultor). Porém, a ausência de mercado alternativo na mamona e no pinhão manso não implica necessariamente em comportamento oportunístico da indústria, pois ela também realizou um investimento específico. Portanto, quando os investimentos em ativos específicos são realizados pelas duas partes, as possibilidades de comportamento oportunísticos são reduzidas. Contudo, a minimização de comportamentos oportunistas só ocorre enquanto não houver mercado alternativo para o agricultor. Se outros compradores surgirem, o investimento do agricultor deixa de ser específico e as chances de comportamento oportunistas aumentam. A Figura 7 sintetiza esta análise.
Minimização de comportamentos oportunistas
Presença de investimentos específicos de ambas as partes
Ausência de mercado alternativo para mamona e pinhão manso
Possibilidade de comportamento oportunista do agricultor
Presença de investimentos específicos somente da indústria
Presença de mercado alternativo para soja
Figura 7: Análise da hipótese I
Fonte: Elaborado pelos autores.
Portanto, pode-se considerar que o comportamento oportunístico dos agentes está relacionado à presença de mercados alternativos para as oleaginosas. Entretanto, este não é o único fator. A presença de investimentos em ativos específicos também está relacionada ao oportunismo.
6.2. Hipótese II: O comportamento oportunístico em transações com soja representa uma perda menor do que o comportamento oportunístico em transações com mamona e pinhão manso, tanto para a indústria como para o agricultor
Para o caso estudado, esta hipótese não pode ser confirmada. Pois, os projetos em culturas alternativas à soja ainda são insipientes. O que de fato confere a aptidão da empresa em ter o selo são os contratos com agricultores familiares de soja. Portanto o comportamento oportunístico de agricultores de soja tem um impacto maior sobre a empresa devido ao volume. Por outro lado, considerando a ocorrência de um comportamento oportunístico pela indústria, o agricultor de soja sofre uma perda menor (ou não sofre perda) do que um agricultor de mamona ou de pinhão manso. A análise da hipótese II está sintetizada na Figura 8.
Comportamento oportunístico do agricultor de soja
Investimentos da indústria em ativos específicos
Alta dependência da soja
Maior perda para a indústria
Comportamento oportunístico da indústria
Ausência de investimentos específicos do agricultor (soja)
Presença de outros compradores
Menor perda para o agricultor
Comportamento oportunístico da indústria
Presença de investimentos específicos do agricultor (mamona e pinhão manso)
Ausência de outros compradores
Maior perda para o agricultor
Figura 8: Análise da hipótese II
Fonte: Elaborado pelos autores.
6.3. Hipótese III: Na ausência de incentivos do Estado, a indústria preferiria transacionar soja via mercado
A preferência da indústria em transacionar soja é evidenciada inicialmente pelos dados de percentuais de matérias primas utilizadas na produção de biodiesel. Contudo, a aquisição da soja da agricultura familiar é mais custosa para a empresa que a aquisição de soja via mercado, independente do tipo e do tamanho do produtor. A empresa estudada possui um interesse particular em trabalhar com a agricultura familiar, para fidelizar estes agricultores e estimular a produção de soja não transgênica. Com isso, o biodiesel é uma forma de viabilizar uma estratégia da empresa.
A soja é regida pelo preço de mercado internacional e para assegurar que os agricultores de soja cumpram os contratos, a empresa precisa oferecer bônus. Ou seja, além do custo com assistência técnica, o produto precisa ser adquirido a um preço mais elevado que o preço de mercado para estar de acordo com a legislação e manter a certificação. O aumento da concorrência entre as indústrias de biodiesel pelos mesmos agricultores implica em uma elevação ainda maior dos preços. Desta maneira, a indústria poderia operar com custos menores comprando a soja do mercado, porém seus custos são elevados para atender as regulamentações.
Além disso, pode-se afirmar que o custo de contratação de mamona e de pinhão manso são maiores que os custos de contratação de soja. Pois, além de demandarem uma assistência técnica mais intensiva, a empresa investe em fornecimento de sementes e insumos. Portanto, temos que:
Custo de contratação mamona/pinhão > Custo de contratação soja > Custo soja mercado
Figura 9: Custos associados ao tipo de matéria prima e à forma de governança
Fonte: Elaborado pelos autores.
Na presença de investimentos em ativos específicos por ambas as partes, como ocorre com as transações entre agricultores de mamona/pinhão manso e a indústria de biodiesel, a forma de governança mais adequada seria uma forma híbrida que se aproximasse da integração. Já no caso da soja, é possível realizar as transações via mercado, sem a presença de investimentos específicos. Portanto, realizar contratos seja com soja seja com outras culturas aumenta o custo para a indústria. Desta maneira, é natural que a indústria prefira adquirir a soja via mercado.
7 CONCLUSÕES
O estudo contribuiu com evidências de que a preferência da indústria de biodiesel pelo uso da soja está associada à sua escala de produção, ao seu desenvolvimento tecnológico avançado e à existência de um mercado consolidado. Por parte dos agricultores, foi possível perceber a preferência pelo plantio da soja por questões técnicas, como plantio e colheita mecanizada, por razões históricas da região por ser uma região tradicional de produção de soja e pela existência de vários compradores.
A presença de compradores alternativos na região se mostrou como um fator muito importante para gerar ativos específicos e influenciar comportamentos oportunistas. Pode-se
concluir que no caso estudado, a necessidade de adquirir a soja via contrato e de fornecer assistência técnica para atender a legislação aumenta o custo para o SAG e deixa a indústria sujeita a comportamentos oportunistas por parte dos agricultores. É importante ressaltar que não cabe a este estudo discutir os benefícios sociais que a contratação da agricultura familiar pode proporcionar. A discussão, aqui, fica restrita aos custos que as políticas de inclusão da agricultura familiar e diversificação de matérias primas geram para o SAG do biodiesel.
Outro ponto a ser considerado é a limitação de generalizar conclusões obtidas em um estudo de caso único. A empresa estudada está em uma região em que soja já estava presente, ao contrário da mamona e do pinhão manso. Desta forma, é natural que a soja tenha mercados alternativos enquanto as outras oleaginosas não tenham. Portanto, as possibilidades de comportamento oportunístico analisadas se restringem a este caso. Porém a preferência da indústria pela soja via mercado é evidenciada tanto pelo estudo aqui apresentado como pelas estatísticas de uso da soja na produção de biodiesel como na concentração das indústrias em regiões produtores de soja em que o percentual mínimo obrigatório da agricultura familiar é menor.
REFERÊNCIAS
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i Neste caso o termo sustentável se refere à sobrevivência do arranjo ao longo do tempo e não se relaciona ao conceito de sustentabilidade que envolvem os aspectos econômicos, sociais e ambientais.
ii Último leilão antecessor ao estudo de caso.