Ricardo Marcondes Martins
Parecer
Prorrogações excepcionais do Contrato Administrativo
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx
Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Professor de Direito Administrativo da PUC-SP. Membro do Instituto de Direito Administrativo (IDAP). Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/SP. Membro fundador e presidente do Conselho Superior do Instituto Brasileiro de Estudos da Função Pública. Líder do projeto de pesquisa “Ponderação no Direito Administrativo e contrafações administrativas”, certificado no CNPQ. Procurador do Município de São Paulo. Advogado consultor em São Paulo.
Sumário: Consulta – 1 Projeto pedagógico e preço contratual – 2 PNLD e economicidade – 3 Validade das prorrogações – 3.1 Conflito entre os incisos II e IV do art. 57 da Lei nº 8.666/93 – 3.2 Prorrogações sucessivas e por prazos desiguais – 3.3 Prorrogação excepcional do §4º do art. 57 da Lei nº 8.666/93 – 4 Revisão da decisão do Tribunal de Contas – Conclusões
Consulta
A Empresa “X”, por intermédio de seu advogado, expõe-nos os fatos abaixo relatados, acosta documentos e à vista deles formula a seguinte consulta.
O Município “Y” abriu certame licitatório, na modalidade de concorrência, de número WW/WWW/2007, referente ao processo de n. ZZZ/ZZZ/2007, para contrata- ção de implantação de projetos nas áreas pedagógica e administrativa na Secretaria Municipal de Educação, que, nos termos da cláusula 7 do Edital ZZ/ZZZ/2007, compreendeu, dentre outras, as seguintes atividades: a) fornecimento de softwares educacionais; b) implantação de projetos pedagógicos interdisciplinares e gestão do ambiente de aprendizagem; c) consultoria e suporte técnico pedagógico; d) acesso à internet; e) implantação do sistema de ensino de inglês; f) implantação e execução de programa de formação continuada para os professores da rede municipal; e) portal educacional.
A consulente, vencedora do certame, celebrou o Contrato, pelo prazo de ses- senta meses, de 03.03.08 a 02.03.13. Em 27.02.13, firmou o Termo de Aditamento
n. 01, objetivando a prorrogação do contrato para 12.07.13. Após, firmou Termo de Aditamento n. 2, objetivando a prorrogação do contrato para 31.12.13. Finalmente, celebrou o Termo de Aditamento n. 3, objetivando a prorrogação para 03.03.14.
O contrato foi julgado regular pelo Tribunal de Contas, em sessão de 08.11.11, acórdão TC-XXX/XXX/08. Quando da análise do 1º. Termo Aditivo, o Ministério Pú- blico de Contas requereu a demonstração de que o ajuste foi a opção mais vantajosa
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
à Administração. Deferido o requerimento, a Prefeitura de “Y” manifestou-se às fls. 1526-1534. O Ministério Público, então, propôs a suspensão do feito até a apresentação dos relatórios da fiscalização, referentes aos três Termos de Adita- mento. Apresentados os relatórios, o Ministério Público manifestou-se pela irregu- laridade de todas as prorrogações. Além de questões formais, considerou que o ajuste não respeita a economicidade e isso em decorrência do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que, de forma não onerosa, distribui livros didáticos de todas as matérias da grade curricular comum.
À vista desses fatos, em especial das conclusões da Sra. Procuradora do Ministério Público de Contas no parecer de fls. 1613-1616 do TC-XXX/XXX/08, apre- senta as seguintes questões:
1. A variação do número de alunos na Rede Municipal de Ensino de “Y” repercute proporcionalmente no preço do contrato firmado com a consulente? É possível afirmar, ictu oculi, que o valor contratual é excessivo?
2. Do fato de o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) distribuir livros didáticos de todas as matérias da grade curricular implica a falta de economicidade do contrato em questão?
3. Considerando o contrato regular, nos termos já assentados pelo Tribunal de Contas, é possível concluir pela invalidade do primeiro, segundo e terceiro termos aditivos?
4. É possível, na análise dos termos aditivos contratuais, rever o julgamento proferido em 08.11.11 e considerar o contrato irregular?
Às indagações, respondo nos termos que seguem.
1 Projeto pedagógico e preço contratual
Na teoria do contrato administrativo é, praticamente, pacífica a diferenciação entre as cláusulas regulamentares e as cláusulas econômicas: as primeiras são es- tabelecidas unilateralmente pela Administração, as últimas são bilaterais, exigem acordo entre os “contratantes”; só as primeiras podem ser alteradas sem prévio consentimento do administrado.1 A cláusula econômica por excelência é a que esta- belece o “valor da proposta”, ou seja, a que fixa o quanto o contratado exige receber para a execução das obrigações assumidas.
Quem formula a proposta na licitação é o particular; há, aí, um verdadeiro “en- contro de decisões” – a decisão do particular que formula a proposta e a decisão da Administração que a aceita. Esse é, enfatiza-se, o aspecto verdadeiramente
1 Por todos: ARAÚJO, Xxxxx Xxxx de. Contrato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 57; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Concepção dos contratos administrativos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 132.
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
“bilateral” do contrato administrativo, praticamente todo o resto é unilateral. Se no direito estrangeiro, essa lição é fixada pela doutrina ou pela jurisprudência, no direito brasileiro trata-se de regra constitucional expressa. De fato: assegura o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal a manutenção das “condições efetivas da propos- ta”. Dessarte: a manutenção do valor real da proposta e do equilíbrio financeiro do contrato é, no direito brasileiro, garantia constitucional do contratado.
Esse ponto de partida é importante para o caso ora submetido a análise. Para cumprir todas as obrigações estabelecidas na cláusula 7 do Edital ZZ/ZZZ/2007, a Consulente exigiu, em agosto de 2007, receber R$437.708,06, valor esse estabe- lecido na cláusula terceira do Contrato por ela firmado com a Prefeitura de “Y”. O rol de obrigações assumidas é deveras extenso. Conforme a proposta apresentada pela Consulente, as obrigações assumidas foram divididas em quatro grupos: 1) gestão de ambientes de aprendizagem nas escolas municipais mediante a implantação de projetos pedagógicos interdisciplinares; 2) implantação e gestão de metodologia de ensino do idioma inglês; 3) implantação e gestão de metodologia de ensino de mate- mática; 4) permissão de acesso ao portal educacional. Pelo que se extrai do edital, esses quatro grupos envolveram uma ampla gama de atividades: a) fornecimento de metodologia de ensino desenvolvida pela contratada; b) fornecimento de softwares referentes a essa metodologia; c) treinamento dos professores da rede municipal;
d) implantação da metodologia em toda rede municipal; e) manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos e suporte técnico; f) desenvolvimento e manutenção de um portal na internet.
A proposta, como bem adverte Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx em pioneira monografia, deve ser viável, vale dizer, séria, firme, concreta e formulada em estrita conformidade com o edital.2 Para tanto, a proposta, por um lado, não deve ser superior aos preços praticados no mercado e, por outro, não deve ser inexequível, sob pena de ser des- classificada (Lei nº 8.666/93, artigo 48). O primeiro aspecto dá-se em proteção ao erário. Sobre o último aspecto, Adverte Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx:
Duas são as preocupações que gravitam em torno de preços muito reduzidos e completamente destoantes dos valores de mercado pra- ticados pelos outros licitantes: (i) o risco de o contratado não executar o objeto contratual de forma satisfatória, já que a apresentação de valores irrisórios pode inviabilizar o cumprimento de sua prestação; e
(ii) a utilização desse mecanismo para frustrar o valor da livre concorrência, maculando a premissa da justa competição que deve nortear toda e qualquer licitação.3
2 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Aspectos jurídicos da licitação. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 151-152.
3 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Licitações e contratos administrativos: casos e polêmicas. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 263-364.
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
Por essas razões, o interesse público exige a desclassificação tanto de propostas exorbitantes como de propostas inexequíveis. Ainda por força do segundo aspecto, pode-se afirmar que toda proposta, numa licitação, deve abranger: a) todos os custos; b) um lucro razoável. Na feliz síntese de Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx: “o menor pre- ço é não o numericamente inferior, mas o que, sendo-o, ao mesmo tempo apresenta-
-se como justo, porque compatível com o do mercado, e exequível, por permitir a fiel e integral execução do objeto contratado”.4 A exorbitância da proposta é apurada pela pesquisa de preços. Bem mais difícil é a apuração da inexequibilidade. Diante dessa dificuldade, fixou-se o entendimento de que não cabe à Administração desclassificar, de plano, a proposta que aparentemente seja inexequível: deve, quando entender ser o caso, inverter o ônus da prova e possibilitar ao licitante a demonstração da exequibilidade.5
Ante o exposto até aqui, a proposta, no contrato administrativo, é o valor exigido pelo administrado (X) para cumprir as exigências impostas pela Administração (Y). A manutenção dessa proporção (X/Y) é assegurada constitucionalmente (art. 37, XXI). Ela deve ser justa, quer dizer, não pode ser superior ao que se exige no mercado, nem inexequível. Deve, portanto, abranger todos os custos necessários para o cum- primento das exigências impostas, com um lucro razoável. Em outra oportunidade, manifestei-me sobre esse direito constitucional à manutenção da proposta. Xxxx vênia para transcrever parte de minha explicação:
É perfeitamente compreensível, e até aceito pelo Direito, que o particular contratante assuma uma situação muito vantajosa num ajuste celebrado com outro contratante; ele está buscando a realização máxima de seus interesses pessoais, e xxxxx busca não tem dever de atentar para os interesses do outro. Assim, até certo limite, admite-se que o particular ganhe à custa do prejuízo de outro particular, admite-se que o particular se beneficie de uma situação de desvantagem de outrem. Com a Admi- nistração, porém, tudo é diferente: ela deve concretizar o interesse públi- co e este consiste na concretização da vontade objetiva do ordenamento jurídico, ou seja, da aplicação do conjunto normativo. A Administração deve considerar as normas favoráveis à esfera jurídica da própria Admi- nistração, mas por dever, por definição, deve também considerar as nor- mas favoráveis à esfera jurídica do particular. [...]
Diante disso, a Administração, ao contratar um particular para que este execute determinada atividade, tem interesse jurídico (rectius, é seu dever) em garantir a vantagem do administrado. Não lhe interessa be- neficiar-se de uma situação de desvantagem, não lhe interessa obter a execução da atividade “de graça” ou à custa de prejuízo alheio. Por
4 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 150.
5 Por todos, afirma Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx: “antes de desclassificar proposta aparentemente inexequível, a Administração deve conferir a oportunidade para que o licitante comprove a viabilidade dela” (XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx. Licitação pública e contrato administrativo. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 488).
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
isso, o regime dos contratos administrativos garante, de forma ampla e irrestrita, a vantagem fixada na proposta do administrado e aceita pela Administração, por ter sido a proposta vencedora de processo licitatório ou por ter sido escolhida em procedimento de contratação direta.6
No caso sub examine, é fácil intuir que a atribuição de valores aos serviços pactuados não é tarefa simples. Perceba-se: quanto custa desenvolver e implantar uma metodologia pedagógica? Quanto custa desenvolver os softwares de ensino de inglês e de matemática? Quanto custa efetuar o treinamento dos professores da rede municipal? Quanto custa prestar suporte técnico ao sistema computacional referen- te à metodologia desenvolvida? Quanto custa desenvolver um portal e mantê-lo em funcionamento?
Dentre todos esses serviços, a quantificação mais complexa é sem dúvida ne- nhuma a elaboração dos softwares educativos. A eles aplica-se a Lei dos Softwares (Lei nº 9.609/98) e, subsidiariamente, a Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98). A primeira, seguindo a orientação da boa doutrina, equipara juridicamente o software à obra literária.7 Essa equiparação foi, antes da edição da lei, defendida com afinco pela doutrina pátria. Destaca-se, por todos, o escólio de Xxxxxxx Xxxxx:
Entendo que o software é uma expressão criativa do trabalho intelectual e pessoal de quem o prepara. Essa criação da inteligência, materializan- do-se num corpus mechanicum que torna comunicável sua expressão, adquire individualidade definitiva, tal como se fosse um romance, um filme cinematográfico ou uma composição musical. Para ser protegido como tal basta a criatividade subjetiva, entendida como trabalho pessoal do programador.8
Cabe ao autor do software decidir quanto cobra pela licença de seu uso. Nesse sentido, doutrinam, por todos, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xx. e Xxxxxxx xx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxx:
No Brasil, a produção e a comercialização de softwares constituem ati- vidades econômicas stricto sensu e, como tais, são organizadas pelo regime de livre-iniciativa e livre mercado. A legislação autoral e de pro- priedade intelectual reconhece o software como objeto de direito de au- tor, com regime específico dado pela Lei do Software (Lei nº 9.609/98),
6 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Estudos de direito administrativo neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 410.
7 Xxxx o art. 2º da Lei nº 6.609/98: “O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei”.
8 XXXXX, Xxxxxxx. A proteção dos programas de computador. In: XXXXX, Xxxxxxx et al. A proteção jurídica do ‘software’. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 15.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 213
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
subsidiada, naquilo que for omissa pela Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98), Assim, cabe ao titular do direito autoral a definição da for- ma como disporá desse direito, se em regime proprietário, ou em regime livre. Essa decisão, certamente, situa-se fora do âmbito da atuação do Estado.9
Há, basicamente, dois regimes de uso de softwares: o regime livre, em que é possibilitado ao licenciado o acesso ao código fonte, de modo a possibilitar-lhe estudar, copiar, distribuir e desenvolver o programa, e o regime proprietário, em que o titular autoriza apenas a execução do programa. Ainda que exista uma incipiente política nacional de software livre, ela ainda se restringe aos tipos de programas para os quais já estão disponíveis softwares livres eficientes e de amplo uso.10 Não é ve- dado à Administração Municipal, por óbvio, adquirir software proprietário, ainda mais quando inexistam em relação a eles eficientes softwares livres.
A produção de um software envolve altos custos. Há várias propostas para aferir o custo da produção: a contagem das linhas de código (SLOC), a análise de pontos por produção (APF). Os sistemas são apresentados, dentre outros, por Xxxxx
S. Pressman.11 Apesar de não existirem regras exatas sobre o tema, duas diretrizes podem ser fixadas. Primeira: o custo do suporte físico é praticamente irrelevante, comparado com o custo do desenvolvimento do software. O valor do CD e a reprodu- ção dele, evidentemente, são ínfimos em relação aos custos do desenvolvimento do conteúdo. Segunda: há uma economia de escala a ser considerada. O consumidor de um software não paga sozinho todos os custos da produção, pois esses custos são diluídos na venda de cada unidade.
Pois bem, no caso ora examinado, a pesquisa de preços demonstrou que o pre- ço ofertado pela Consulente é compatível com o preço ofertado pelas demais empre- sas consultadas. Por outro lado, não há elementos indicadores de inexequibilidade. Sem embargo, a formulação do preço, nos termos da Cláusula oitava, é passível de crítica, os preços foram cotados de forma global sem uma adequada individualização dos custos. Deve ser exigido do licitante a pormenorização dos custos, em orçamento detalhado (Lei nº 8.666/93, art. 7º, II).
O edital não exigiu essa pormenorização. É praticamente pacífico na doutrina que a indicação dos custos unitários é necessária em todas as modalidades de execução indireta: seja por preço global, seja por preço unitário, seja por empreita- da integral. Conforme bem esclarece, por todos, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
9 XXXXXX XX., Xxxxxx Xxxxxxx; MARANHÃO, Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx. Software livre: a Administração Pública e a comunhão do conhecimento informático. In: XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX XX., Xxxxxx Xxxxxxx (coord.). Direito do software livre e Administração Pública. Rio de Janeiro: Xxxxx Xxxxx, 0000, p. 119.
10 Idem, p. 120.
11 XXXXXXXX, Xxxxx X. Engenharia de softwares. 7. ed. Porto Alegre: Mcgraw Hill-Artmed, 2011.
214
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
“a previsão de um preço total não significa que inexista especificação de preços unitários, os quais servirão de referência para os reajustes e incrementos de valor oriundos de acréscimos ou supressões, dentro dos limites legais”.12
Tal fato foi observado pelo Tribunal de Contas, no julgamento do Contrato ora examinado (TC-XXX/XXX/08). Constou do acórdão: “Com relação ao apontamento sobre o não detalhamento da composição dos preços apresentados pelas empresas na pesquisa da Prefeitura de [“Y”], esta questão não é suficiente para levar à repro- vação deste contrato, vez que pode ser objeto de recomendação”. Concluiu, então, pela regularidade da concorrência e do contrato, mas recomendou, para os contratos futuros, à Prefeitura que “dê um maior detalhamento na composição dos preços obtidos em pesquisa junto a fornecedores”.
Feita essa ressalva, passo a enfrentar a primeira questão proposta. De pla- no, observo: faz-se necessário examinar com a máxima cautela a cláusula oitava do edital. Ela parece indicar como critério mensurador dos preços o número de alunos atendidos. Ao fazê-lo, certamente a Administração buscou facilitar a indicação das propostas e, pois, seu julgamento. Contudo, não é possível supor que a referida cláusula elegeu esse critério como o parâmetro mensurador do equilíbrio econômico-
-financeiro do contrato. Isso porque não é admissível nem à Administração Pública nem aos órgãos de controle atentar contra a natureza das coisas e violar, ainda que por via transversa, a garantia constitucional do direito de manutenção efetiva da proposta. Adotada interpretação diversa, haveria uma evidente deslealdade com o contratado e um óbvio enriquecimento sem causa.
Por evidente, boa parte das atividades contratadas não está diretamente vincu- lada ao número de alunos. O custo da elaboração de um portal e de sua manutenção nada tem a ver com o número de alunos atendidos. Idem, em relação ao custo da elaboração dos softwares. Da mesma forma, a instalação da metodologia nas esco- las municipais também não está atrelada ao número de alunos. O mesmo se diga em relação ao treinamento dos professores. Desnecessário o exame individualizado de todas as atividades arroladas no edital para constatar esta obviedade: o número de alunos, em relação à maioria das atividades, é praticamente irrelevante para o custo dos serviços contratados. Em alguns casos, o número de alunos é relevante, mas não é diretamente proporcional aos custos.
Num contrato de fornecimento de canetas, o valor unitário da unidade é o me- canismo apto à regulação do equilíbrio (cem canetas – “X” – a um real cada = cem reais – “Y”), de modo que se a Administração exige mais unidades (“X” + 10), deve aumentar proporcionalmente o valor a ser pago (“Y” + 10) e se exige menos unidades
12 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 720-721.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 215
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
(“X” - 10), deve diminuir o valor a ser pago (“Y” - 10). No contrato ora examinado, contudo, o valor unitário proposto não é mecanismo apto à regulação do equilíbrio, pois a variação do número de alunos não gera proporcional impacto no preço. Ainda que se associe “Y” ao número “n” de alunos, o aumento ou a diminuição do número “n” não acarretará idêntico aumento ou diminuição de “Y”. E isso pela simples razão de que, conforme já enfatizado, o número de alunos ou é irrelevante ou é parcial- mente relevante para prestação dos serviços discriminados no edital. Insisto: não há vinculação direta entre os serviços e o número de alunos e, portanto, esse número não é adequado para regulação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Pretender que o número de alunos seja mais do que um mero parâmetro facili- tador da indicação das propostas econômicas é atentar contra a natureza das coisas, pois na realidade, ontologicamente, os custos das atividades contratadas não são diretamente proporcionais ao número de alunos. Se os custos pouco têm a ver com o número de alunos, este não pode ser, artificialmente, considerado o critério definidor do equilíbrio econômico financeiro do contrato. Assim, o edital, ao quantificar todos os custos pela previsão do número de alunos e ao utilizar esse número para quanti- ficar o valor das propostas, não estabeleceu uma relação diretamente proporcional entre o preço e o número de alunos. E não o fez, pois do contrário estabeleceria uma falsa relação e por meio dela uma direta afronta à natureza das coisas e, por conse- guinte, à proibição do enriquecimento sem causa e ao direito constitucional à manu- tenção efetiva da proposta. Logo, a única exegese possível é supor que o número de alunos foi utilizado apenas como um elemento indicativo, facilitador da estimativa dos preços e do julgamento das propostas.
A variação do número de alunos na rede municipal de ensino não repercute,
portanto, diretamente no valor pactuado. Resta a segunda parte da primeira questão: num primeiro golpe de vista, é possível afirmar que o valor contratual é excessivo? Não, por diversas razões. Primeiro: ele é adequado à pesquisa de preços realizada e inexiste qualquer indício de que a pesquisa seja viciada. Segundo: a quantificação da série de serviços exigida no contrato ora examinado é bastante complexa. É bem provável que muitos dos custos tenham sido renunciados.13 Conforme explicado, o
13 A Lei nº 8.666/93 no §3º do art. 44, na redação determinada pela Lei nº 8.883/94, expressamente admite essa renúncia: “Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração”. (Grifo nosso). Nesse sentido já se pronunciou a jurisprudência: “Inexistência de ilegalidade no processo licitatório – Materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais renunciou a parcela ou totalidade da remuneração – Exceção prevista no art. 44, §3º, da Lei nº 8.666/93 – Renúncia não equivale à oferta de vantagem não prevista no edital. A empresa vencedora da licitação, por ser a atual prestadora dos serviços licitados, já possuía os materiais necessários à prestação dos serviços de vigilância e, por essa razão, renunciou à remuneração referente à aquisição ou instalação desses materiais.
216
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
particular não cobra todo o custo da produção de um software do adquirente porque esse custo será diluído em todas as alienações. Teoricamente é fácil dizer que há um dever de explicitar, em planilhas, todos os custos. Na prática, no caso ora exami- nado, o cumprimento dessa exigência é bastante problemático. Bem provavelmente, sensível a essa dificuldade, o Tribunal de Contas não considerou o contrato irregular pela violação do inciso II do artigo 7º. da Lei nº 8.666/93. Limitou-se a fazer mera recomendação para os casos futuros. Terceira: a própria decisão da Corte de Xxxxxx já indica inexistir qualquer indício de que o valor pactuado seja desproporcional.
Finalmente, na prorrogação do contrato, a contratada deu um desconto de 10% sobre o valor inicialmente pactuado. Observou a Prefeitura que a correção monetária prevista na Cláusula 3.1 do ajuste não foi aplicada, gerando um “ganho adicional” de 8,44%. Se o valor inicialmente pactuado foi considerado razoável pela Corte de Contas, é de se supor que o valor pactuado nos Termos Aditivos, tendo em vista as reduções efetuadas, também o seja.
2 PNLD e economicidade
Mesmo sem qualquer indício de que o valor cobrado seja excessivo, o Ministério Público opinou por considerar afrontada a economicidade em decorrência do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Transcreve-se o argumento da Xxx. Promotora:
Noutro plano, apreciando-se detidamente a relação de vantajosidade do objeto contratado pela Administração – à vista dos princípios da economi- cidade e efetividade – cabe ressaltar a existência do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD que distribui, de forma não onerosa, mediante assinatura de termo de adesão, livros didáticos de todas as matérias da grade curricular comum, são distribuídas também versões acessíveis (áudio, Braille e MecDaisy) dos livros aprovados e escolhidos no âmbito do PNLD.
Com todo respeito, não há como concordar. Poderia haver violação da econo- micidade se: a) a Prefeitura de “Y” adquirisse, onerosamente, os livros didáticos que são distribuídos gratuitamente pelo PNLD; b) ou, então, adquirisse, onerosa- mente, outros livros, mas bastante equivalentes aos distribuídos gratuitamente. Adotada essa tese, o princípio da economicidade obriga o cadastramento de todas as entidades federativas e, pois, a necessária adesão ao programa, proibindo-as de
Exceção para a admissão de preços irrisórios prevista em lei. Art. 44, §3º, da Lei nº 8.666/93. Inexistência de ilegalidade”. (TJ-PE, 6ª. Câm. Cível, Agravo de Instrumento n. 001200800041281, Relator Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 26.08.2008, v.u.). O acórdão é citado por XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Lei de licitações e contratos da Administração Pública comentada. São Paulo: Verbatim, 2010, p. 250.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 217
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
adquirir onerosamente os livros fornecidos no Programa ou livros similares. Essa tese é bastante controversa, pois a União, em respeito à autonomia federativa, não obriga o cadastramento. Sem embargo, a tese encontra firme apoio na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Com efeito: firmou-se, na Corte Federal, o entendimento de que se configura “prática de ato flagrantemente antieconômico” a aquisição de material pela Prefeitura quando o referido material é distribuído gratuitamente pelo MEC.14 Constou do acórdão:
Não tendo sido apontada nenhuma vantagem objetiva na aquisição de livros didáticos diretamente pelo Município, resta injustificado o elevado investimento da Prefeitura, uma vez que o MEC, por meio do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, seleciona e distribui, gratuitamente, entre as escolas públicas de todo o País, parcela considerável do mate- rial necessário ao ensino de 1ª. a 8ª. séries.
Ocorre que a tese do Parquet no caso ora examinado é outra. Não se discute, neste caso, a aquisição de livros idênticos ou similares aos fornecidos pelo PNLD. Discute-se, sim, a aquisição de uma metodologia educacional estruturada em softwa- res que nada têm a ver com os livros distribuídos no PNLD. De fato, o que o Município de “Y” adquiriu foi uma “metodologia educacional” assentada em “softwares educa- tivos”. O PNLD obsta as entidades federativas de adquirir “softwares educacionais”? Parece-me que não. Se a tese do Ministério Público do Tribunal de Contas estivesse correta, a União estaria habilitada a impor como o serviço municipal de educação deve ser prestado pelos Municípios, em todas as suas minúcias.
Um Município não poderia optar por um programa metodológico específico, nem pela utilização de determinados softwares. Teria, necessariamente, que se ater aos utensílios pedagógicos constantes do Programa instituído pela União. Inexistiria dis- cricionariedade do prestador do serviço. O princípio da economicidade não tem, a meu ver, o condão de reduzir a zero a discricionariedade do Administrador Municipal ou do Administrador Estadual em relação à forma como executará o serviço público educacional.
Para afastar o óbice imposto pelo princípio da economicidade, segundo a in- terpretação do TCU, basta que os gastos sejam justificados de forma razoável. No presente caso há mais do que justificativas razoáveis. Trata-se de uma metodologia educacional desenvolvida pela contratada, assentada no uso de softwares desen- volvidos por ela. Há indiscutível discricionariedade na metodologia a ser adotada.
14 TCU, Xxxxxxx 029/01, 1ª. Câmara, AC-0029-03/01, DOU de 15.02.01. Sobre o tema: BUGARIN, Xxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da economicidade na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 165.
218
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
A questão já foi apreciada tanto pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo como pelo Superior Tribunal de Justiça. O Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx negou provimento ao Agravo de Despacho Denegatório de Recurso Especial nº 533.224, em 02.10.14, re- curso esse interposto em face da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que deu provimento ao apelo para julgar improcedentes ações de improbi- dade e popular, propostas em face da aquisição direta de livros didáticos. Consta do parecer do Ministério Púbico Federal, transcrito pelo Sr. Ministro:
Ao dar provimento aos recursos, para julgar improcedentes as ações reunidas, entendeu o Tribunal a quo que não há ilegalidade na aquisição direta de livros didáticos de empresa que detém a exclusividade na co- mercialização/distribuição e os respectivos direitos autorais das obras adquiridas pelo Município de Imaruí, porquanto inviável a competição, em se tratando de obras não idênticas, mas semelhantes. Considerou, ademais, que a escolha decorreu de ação discricionária do administra- dor público. Compulsando-se os autos, verifica-se, pois, que o acórdão recorrido, com base no acervo fático-probatório dos autos, entendeu não existente ilegalidade nos atos impugnados, nem tampouco cometimento de ato de improbidade administrativa pelos recorridos. (Grifo nosso)
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por outro lado, considerou perfeitamente válida a aquisição direta de softwares similares aos que são obje- to do contrato ora examinado. É o que se extrai da Apelação Cível nº 0002166- 14.2006.8.26.0319, julgada em 24.11.14 pela 5ª. Câmara de Direito Público, Rel. Des. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, assim emendada:
AÇÃO POPULAR Contratação de empresa para prestação de serviços téc- nicos de informática educacional. Inexigibilidade de licitação. Pretensão de reconhecimento da nulidade da contratação e de ressarcimento dos valores gastos por não preenchimento dos requisitos legais do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93. Notória especialização da contratada e natureza singular do serviço, à época dos fatos, demonstrada por prova pericial. Legalidade do procedimento de contratação por inexigibilidade de licitação. [...] Sentença de improcedência mantida. Reexame neces- sário improvido.
Do acórdão, é mister destacar:
Também não se pode falar que houve ilicitude pelo simples fato de a Municipalidade, no âmbito de sua discricionariedade administrativa, ter copiado o modelo de educação informatizada adotado por outros entes e que se mostrou bem sucedido. (Grifo nosso)
O Judiciário, portanto, já reconheceu diversas vezes a existência de discriciona- riedade administrativa na opção por aquisição de livros ou softwares diferentes dos
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 219
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
fornecidos pelo PNLD. A tese do Ministério Público, data máxima vênia, não encontra mínimo arrimo na jurisprudência pátria. A prestação do serviço público de educação envolve indiscutível competência discricionária. A autoridade municipal ou estadual competente pode entender de adotar uma metodologia educacional diversa da apre- sentada pelo PNLD. No caso ora examinado, a metodologia e os materiais dela de- correntes não guardam mínima semelhança com os materiais fornecidos pela União. Outrossim, não houve apenas a aquisição dos softwares, mas de todo um con- junto de serviços: desenvolvimento de um portal acadêmico, instalação, manutenção e suporte dos equipamentos de informática referentes à metodologia empregada, treinamento dos professores. Afirmar que essa aquisição é ilícita porque há forneci- mento gratuito de livros didáticos pelo PNLD é desconsiderar não apenas a discricio- nariedade do gestor, como também o fato de que o conjunto de serviços adquiridos
xxxx tem a ver com os livros didáticos fornecidos pelo programa.
3 Validade das prorrogações
O contrato ora examinado diz respeito a serviços técnicos continuados. Logo, sua duração rege-se pelo inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93. Foi, por isso, ce- lebrado por sessenta meses. O Tribunal de Contas, nos termos já antecipados, consi- derou a contratação regular. O contrato terminaria em 02.03.13. Após o julgamento, porém, foram assinados três termos aditivos: o primeiro prorrogando o contrato até 12.07.2013 (cerca de quatro meses); o segundo prorrogando-o até 31.12.2013 (mais cinco meses); e o terceiro prorrogando-o até 03.03.14 (cerca de três meses). Foram, assim, assinados três termos aditivos, que, no conjunto, prorrogaram o con- trato por um ano. Indaga a Consulente se, considerado o contrato regular, as três prorrogações foram válidas.
O §4º do artigo 57 da Lei nº 8.666/93 admite, “em caráter excepcional, devi- damente justificado e mediante autorização da autoridade superior”, a prorrogação do contrato de prestação de serviços continuados por mais doze meses, além dos sessenta meses autorizados no inciso II do mesmo dispositivo. A lei exige duas formalidades: a) motivação específica; b) autoridade superior. A Unidade Regional do TC, ao examinar os termos aditivos, não apontou a falta desses dois requisitos. Disso, parece-me que três questões se apresentam: 1) a aplicabilidade do §4º do artigo 57, tendo em vista tratar-se de serviços de informática; 2) a possibilidade de mais de uma prorrogação em prazos desiguais; 3) a justificativa para a prorrogação.
3.1 Conflito entre os incisos II e IV do art. 57 da Lei nº 8.666/93
A primeira questão decorre da regra estabelecida no inciso IV do artigo 57 da Lei
nº 8.666/93: o aluguel de equipamentos e a utilização de programas de informática
220
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
podem estender-se por até quarenta e oito meses após o início de sua vigência. Logo, há uma regra para a prestação de serviços a serem executados de forma contínua (inciso II – duração de até sessenta meses, admitida, nos termos do §4º., excepcio- nal prorrogação por mais 12 meses) e uma regra para o aluguel de equipamentos de informática e utilização de programas de informática (inciso IV – duração de até quarenta e oito meses). Perceba-se: o §4º do artigo 57 só se aplica ao inciso II, não ao inciso IV. Nos termos já expostos, o contrato objeto desta consulta abrange o for- necimento de “programas de informática”. Daí a questão: aplica-se a ele o inciso II – e, assim, o §4º – ou o inciso IV do art. 57 da Lei nº 8.666/93?
É certo que o referido contrato não se restringe à utilização de programas de informática. Ele é bem mais abrangente: inclui implantação de uma metodologia educacional, desenvolvimento de portal, treinamento de professores, manutenção e suporte da metodologia educacional. Abrange, portanto, diversos serviços a serem executados de forma contínua. Daí o problema teórico: quando o contrato tem um objeto subsumido no inciso II e outro subsumido no inciso IV do artigo 57, aplica-se o regime do inciso II ou o regime do inciso IV, ou ambos os regimes?
A aplicação do regime do inciso IV é uma solução descabida, pois impediria a prorrogação em relação a todos os serviços continuados que são objeto do con- trato. Nada justifica privar referidos serviços da incidência do regime legalmente estabelecido.
Pretender a separação dos objetos contratuais e, pois, a incidência de ambos os regimes – o regime do inciso II à parte do contrato e o regime do inciso IV à outra parte – também é obviamente descabido. Não seria possível licitar a parte referente ao uso dos softwares enquanto a outra parte do contrato está sendo executada. Só resta a terceira possibilidade: quando o contrato tem dois objetos, um subsumido ao inciso II e outro subsumido ao inciso IV, aplica-se a todo contrato o regime do inciso II. Aliás, foi essa a orientação adotada pelo Tribunal de Contas, que já se manifes-
tou pela regularidade do contrato celebrado por sessenta meses. Deveras: o contrato foi inicialmente pactuado por sessenta meses (e não por quarenta e oito) e, portanto, sob o fundamento do inciso II (e não do inciso IV) do artigo 57 e a Corte de Contas considerou-o regular, sem qualquer ressalva sobre esse aspecto. Logo, submetido ao inciso II, é possível a invocação do §4º do artigo 57.
3.2 Prorrogações sucessivas e por prazos desiguais
Dito isso, passo à segunda questão. O §4º admite várias prorrogações com prazos diferenciados, desde que observado o prazo máximo de 72 meses? A boa doutrina vem se posicionamento afirmativamente sobre o tema. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, em trabalho que se tornou referência no assunto, expressamente admitiu “prorroga- ções sucessivas”:
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 221
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
Ademais, essa constatação não é razão bastante para entender-se que os contratos celebrados pela Administração Pública não podem ser prorrogados por mais de uma vez. A única hipótese em que a prorrogação está expressamente vedada é a estampada no inc. IV do art. 24 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, que torna dispensável a licitação nos casos de emergência ou calamidade pública.15
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx admite que a prorrogação se dê por prazos diferentes, desde que não se ultrapasse o prazo máximo:
Com base em todas as premissas e conceitos antes esposados – mes- mo porque o texto legal manteve-se irretocável quanto o tal período de prorrogação – mantemos nosso entendimento de que, além da regra do caput (duração adstrita à vigência do crédito orçamentário), podem os contratos continuados (ou seja, que, por interesse público, não podem ser interrompidos, sob pena de sério dano à coletividade) manterem-se vivos, através de prorrogações sucessivas, até o limite de 60 meses, excepcionada a faculdade de prorrogação de mais 12 meses, atendi- das condições especiais (autorização de autoridade superior fulcrada em justificativa plausível). Entendendo-se, refrisa-se, que a prorrogação, para ter sentido e lógica, quando autorizada por “períodos iguais” visa alcançar todo o novo exercício (e não o lapso de tempo idêntico ao do contrato inicial), inexistindo qualquer óbice quanto a prorrogação por pe- ríodos inferiores a este lapso de tempo, pois seria absurdo querer impor ao agente público uma prorrogação superior as reais necessidades que possam existir apenas por capricho de satisfazer uma interpretação lite- ral do texto legal.16
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, em obra recentemente publicada, adota o mesmo entendimento:
A expressão “iguais e sucessivos períodos”, prevista no art. 57, II, da Lei nº 8.666/93, não significa que o legislador tenha vedado prorrogações com prazo menor do que o inicialmente ajustado. [...]
Por isso que se admite como viável uma prorrogação por prazo inferior ao que foi acordado, nunca superior. Esta teria sido a finalidade da in- clusão do vocábulo “iguais” na referida norma, que funcionaria como um limitador para o exercício de uma competência discricionária no momento de decidir pela prorrogação do contrato ou realização de nova licitação.17
15 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Prazo e prorrogação do contrato de serviço continuado. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 2, n. 13, jan. 2003. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ bid/ PDI0006.aspx?pdiCntd=7672>. Acesso em: 10 set. 2016.
16 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. A questão da duração do contrato administrativo. Fórum de Contratação e Gestão Pública (FCGP), Belo Horizonte, ano 2, n. 14, fev. 2003. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ bid/ PDI0006.aspx?pdiCntd=7749>. Acesso em: 10 set. 2016.
17 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Licitações e contratos administrativos, op. cit., p. 425.
222
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
Particularmente, considero a melhor exegese do inciso II do referido artigo 57 a que sustenta a necessidade de que o contrato seja inicialmente previsto com o prazo da vigência dos respectivos créditos orçamentários e, posteriormente, no dia
01.01 do exercício seguinte, possa ser prorrogado por mais doze meses, até o final da vigência dos respectivos créditos, ou seja, até o final do exercício. Daí o sentido da expressão “iguais e sucessivos períodos”: o Legislador previu várias prorrogações em 01.01, por doze meses. Mesmo quem adota essa exegese, porém, não nega a possibilidade de prorrogações por prazo menor.18 Não foi essa a orientação adotada pela Administração de “Y” aceita pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Respaldado em parte da doutrina, celebrou-se, de início, o contrato por 60 meses.19 Admitida a celebração do contrato pelo prazo de 60 meses, tal como admiti-
do pelo Tribunal de Contas, que o considerou regular, é praticamente indiscutível a admissibilidade de, excepcionalmente, ocorrer várias prorrogações por prazos di- ferenciados, desde que: a) todas não ultrapassem o prazo de 12 meses; b) haja justificativa para cada uma delas.
3.3 Prorrogação excepcional do §4º do art. 57 da Lei nº 8.666/93
A última exigência leva ao enfrentamento da terceira questão decorrente do ter- ceiro quesito: havia justificativa para cada uma das três prorrogações excepcionais? A literalidade do §4º. do artigo 57 da Lei nº 8.666/93 indica a necessidade de um “motivo excepcional” para a prorrogação nele prevista. O Tribunal de Contas da União vem se posicionando de forma restritiva sobre o tema. No Acórdão nº 429/2010, da 2ª Câmara do TCU, em julgamento de 09.02.2010, propôs-se o seguinte enunciado:
A prorrogação contratual por até mais doze meses aplicável a ser- viços contínuos, além do limite de sessenta meses previsto, so- mente é pertinente em situações excepcionais ou imprevistas, diante de fato estranho à vontade das partes, não sendo cabível sua adoção justificável apenas pela vantajosidade de preços à Administração.
O entendimento da Corte Federal é bastante polêmico. O enunciado pratica- mente rompe os limites do texto normativo. Isso porque, em nenhum momento, o artigo 57, §4º, proíbe a prorrogação excepcional pela “mera vantajosidade”. E se a
18 Por todos: XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx. Licitação pública e contrato administrativo, op. cit., p. 766.
19 A Admissibilidade, nas hipóteses dos incisos do artigo 57 da Lei nº 8.666/93, de celebração do contrato por prazo superior ao previsto no caput do artigo 57 é admitida, dentre tantos, por XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Prazo e prorrogação do contrato de serviço continuado, op. cit., item III.7.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 223
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
vantajosidade for excepcional? Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx reconhece expressamente uma parcela de “discricionariedade” na definição das justificativas que autorizam a prorro- gação: “a situação deve ser excepcional (matéria de índole discricionária do adminis- trador, sujeita aos parâmetros de controle de razoabilidade) e devidamente justificada (motivada) além da indispensável autorização da autoridade superior”.20
No caso ora examinado ao que tudo indica houve vantajosidade. A empresa deu um desconto de 10% sobre o valor da proposta e não exigiu a aplicação da correção monetária. Porém, parece-me claro que, nesse caso, a questão não se restringe ao aspecto econômico. Trata-se da adoção de uma “metodologia educacional”, com uso de softwares desenvolvidos pela contratada. Trata-se também da utilização de equipamentos e de um portal desenvolvido por ela. Ora, suponha-se que a execução do contrato se deu adequadamente e as finalidades perseguidas foram plenamente atingidas. Se for esse o caso, a não prorrogação importaria na cessação dessas ativi- dades, vale dizer, na paralisação da metodologia empregada. As crianças não teriam mais acesso aos softwares, ao portal desenvolvido etc.
Evidentemente, a Rede Municipal de Ensino de “Y” não pode contratar eter- namente a Consulente. Deve, pois, planejar a realização de nova licitação. Não foi apresentada com a consulta elementos que demonstrem se foi ou não efetuado o planejamento. Este é importante para evitar responsabilizações administrativas. Sem embargo, a existência ou inexistência de planejamento é questão diversa da vali- dade ou invalidade da prorrogação. Dependendo das circunstâncias, sequer haverá discricionariedade na prorrogação contratual. Com efeito: se o Município não tiver condições de substituir, sem grave prejuízo ao serviço de educação, o Direito impõe – e não faculta – a prorrogação.
Poder-se-ia argumentar: é sempre possível, ainda que com certo prejuízo ao ser- viço, a cessação do emprego da metodologia. Vale dizer: as aulas continuarão sendo ministradas, mesmo sem os softwares, mesmo sem o portal etc. Esse raciocínio, po- rém, não me parece adequado. A prorrogação contratual é uma hipótese de dispensa de licitação. Como bem afirma o Prof. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, “a licitação não é um fim em si mesmo”.21 Xxxxxxxx: ela é um meio para realização do interesse público. Se a metodologia educacional empregada está surtindo ótimos efeitos, se os alunos estão aprendendo matemática e inglês com muito mais facilidade e eficiência, se o serviço educacional obteve sensível otimização com os serviços prestados, uma vez autorizada a prorrogação contratual pelo Legislador, ainda que excepcionalmente, é muito difícil negar, na situação concreta, a possibilidade da prorrogação.
20 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Licitações e contratos administrativos, op. cit., p. 425-426.
21 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 556.
224
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
Explico a dispensa de licitação, por meio da teoria da ponderação. Há valores que são concretizados pela realização do certame licitatório – igualdade, busca da melhor proposta etc. —, valores esses, para facilitar o exame, que representarei por “P1”. Há valores contrariados pela realização do certame: não realização do interesse público no tempo exigido pela licitação, custos da licitação —, valores esses que representarei por “P2”. Três situações podem ocorrer:
a) quando, no plano abstrato, “P1” > “P2”, a licitação é exigível;
b) Quando, no plano abstrato, “P2” > “P1” a licitação é inexigível, pois proibida pelo Direito;
c) quando, no plano abstrato, “P1””P2”, regra geral, a licitação é exigível.
O Direito brasileiro, contudo, possibilita, no último caso a não realização do certame quando essa equivalência se mantém no plano concreto e há uma expressa autorização do Legislador (CF, artigo 37, XXI): são as hipóteses de dispensa. Em relação a elas, a licitação tanto pode ser realizada como pode não ser realizada, vale dizer, configura-se uma discricionariedade administrativa em realizá-las ou não.22
A teoria também explica a diferença dogmática entre a prorrogação admitida pelo inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93 e a admitida pelo §4º do artigo 57. Em ambas, “P1””P2”. Em ambas, há uma autorização legislativa para não realização do certame. Em ambas, há uma discricionariedade administrativa em realizá-lo ou não. Mas o Legislador enfraquece a autorização legislativa na segunda hipótese, ao exigir razões adicionais. Quer dizer: há uma razão prima facie contrária à dispensa no §4º que não existe no inciso II. Perceba-se a diferença: em ambas as hipóteses, no plano abstrato, há uma equivalência de pesos. Se não houver, inexiste dispensa: há ine- xigibilidade, se “P2” > “P1”, ou exigibilidade, se “P1” > “P2”. Porém, a prorrogação fundamentada no inciso II exige uma menor justificativa do que a fundamentada no
§4º. Noutras palavras, o peso de “P2” na prorrogação do inciso II pode ser menor do que o peso de “P2” na prorrogação do §4º.
No presente caso, são possíveis duas situações:
1) A cessação do contrato importaria em grave prejuízo ao serviço de educação. Nesse caso, parece-me que “P2” > “P1”. A interrupção do contrato seria proibida pelo Direito. Quer dizer: a prorrogação não decorreria de uma dispensa de licitação, mas, em rigor, de uma inexigibilidade de licitação.
2) A cessação do contrato não importaria em grave prejuízo, mas num indiscutível prejuízo. Seria possível a prestação do serviço, sem paralisação. Mas sem os softwares, sem o portal, sem os benefícios gerados pelo contrato, haveria um prejuízo indiscutível aos resultados educacionais. Nesse caso, é difícil
22 Foi o que expliquei em meu Estudos de direito administrativo neoconstitucional, op. cit., p. 352 et seq.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 225
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
sustentar que, existindo no plano abstrato uma equivalência entre “P1” e “P2” (“P1””P2”), o peso de “P2” não seria suficiente para autorizar a prorrogação mesmo na hipótese do §4º do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.
Há, na segunda hipótese, a configuração, no plano concreto, de uma discri- cionariedade administrativa em prorrogar ou não o contrato, autorizada pelo §4º do artigo 57. Com efeito: não me parece possível, sem afronta à discricionariedade assegurada ao Administrador Público, sem desconsiderar as particularidades do caso concreto, negar a excepcionalidade justificadora da prorrogação.
4 Revisão da decisão do Tribunal de Contas
A prorrogação só é válida, porém, se o ajuste inicial foi válido. Ocorre que o Tribunal de Contas já se pronunciou sobre a regularidade do ajuste. Daí o quarto quesito: a Corte pode, ao apreciar a prorrogação, rever sua decisão sobre o ajuste inicial? Trata-se, sem dúvida alguma, em relação aos quatro quesitos apresentados, da questão mais fácil de ser respondida.
Seria discutível a possibilidade de o Tribunal de Contas surpreender outras entidades federativas e contrariar uma decisão que ele adotou em caso pretérito. Conforme já sustentei em outra oportunidade, a segurança jurídica veda à Corte sur- preender os entes federativos com novos entendimentos, de modo que estes, regra geral, só podem ser adotados para os casos futuros.23 A questão aqui discutida, contudo, é outra e bem mais simples. É praticamente indiscutível que o Tribunal de Contas não pode alterar suas próprias decisões. Só pode fazê-lo: a) quando examinar um recurso, se interposto no prazo estabelecido; b) quando examinar um pedido de revisão.
De fato, transitada em julgado a decisão da Corte, esta não pode alterá-la. Ocorre aí autêntica coisa julgada administrativa. O próprio Regimento da Corte, no
§2º do art. 97, assegura esse entendimento, in verbis: “proclamado o resultado do julgamento, não poderá ser reaberta a discussão, quando se tratar de decisão defini- tiva sobre o mérito, possibilitada a reabertura na hipótese de decisão interlocutória”. Conforme já afirmei em obra de doutrina, o qualificativo desqualifica a coisa julgada administrativa, pois a coisa julgada “administrativa” não obsta o administrado de questionar o ato em juízo e, consequentemente, não impede o Poder Judiciário de corrigi-lo.24
23 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Motivação dos atos administrativos: conteúdo da motivação e consequências da motivação insuficiente – justificativa do preço na contratação direta; retroatividade da jurisprudência do Tribunal de Contas. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 4, n. 7, p. 227-257, jan./jun. 2015. Parecer, p. 252-254.
24 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 351.
226
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
Coisa julgada administrativa significa coisa julgada no âmbito administrativo: por força dela é vedado à Administração alterar uma decisão anteriormente proferida. É o que ocorreu aqui: houve, para o Tribunal de Contas, coisa julgada administrativa. Ele próprio não pode alterar sua decisão anterior.
Na mesma obra, sustentei a possibilidade excepcional de afastamento da coisa julgada administrativa. Para tanto seria necessário: 1) a instauração de um novo processo administrativo, assegurando-se, nele, plenamente o contraditório a ampla defesa dos prejudicados; 2) a existência de um elemento novo, que justifique essa instauração, não examinado e não conhecido pela Administração.25 Sem embargo, reconheço: minha teoria – da possibilidade excepcional de revisão administrativa – foi formulada tendo-se em vista a correção dos atos administrativos em geral. Em rela- ção aos processos administrativos de controle do Tribunal de Contas, é muitíssimo difícil aceitar uma revisão da coisa julgada administrativa, ainda que em processo au- tônomo, ainda que baseada em elemento novo. A revisão, nos processos de controle da Corte de Contas, só é admissível numa hipótese: na revisão de eventual punição administrativa, tendo em vista um elemento novo que justifique afastar ou minimizar a punição. O próprio regimento prevê a revisão nesse caso. E mesmo se não previs- se, nessa hipótese, sustento a admissibilidade da revisão.26
Noutras palavras: “transitada em julgado” para o Tribunal de Contas, uma de- cisão de mérito por ele proferida, só em um caso ele pode alterá-la: quando im- pôs uma condenação e surgiram elementos novos justificadores do afastamento ou abrandamento dessa condenação. Por óbvio, o caso ora examinado não se refere a essa hipótese. O Tribunal de Contas considerou regular o contrato administrativo inicialmente pactuado. Não pode, por evidente, considerá-lo, quando do exame da prorrogação, irregular.
Uma última observação: conforme já exposto, a Corte fez uma recomendação. Determinou à Prefeitura de “Y” que, nos casos futuros, especifique melhor os preços. Conforme examinado, o Edital que deu ensejo à contratação não exigiu uma especi- ficação adequada dos preços. A pergunta que se pode fazer é: a recomendação da Corte impedia a prorrogação do contrato? Parece-me evidente que não.
A recomendação impediria a prorrogação se o preço pactuado fosse excessivo. Contudo, nesse caso, não haveria como considerar regular o contrato celebrado. A única conclusão possível é que a Corte não considerou o preço excessivo e, por isso, não considerou o contrato irregular. Quer dizer, apesar de não especificados os preços adequadamente, eles, no entender da Corte, não são excessivos. A irregularidade não
25 Idem, p. 359-362.
26 Em decorrência do que chamo de princípio constitucional da condenação revisível. Cf. meu Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 472.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 227
XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX
macula o contrato; logo, não impede sua prorrogação. A ressalva da Corte, portanto, aplica-se a novas contratações e não às prorrogações do contrato.
Conclusões
Posto isso, retomo as conclusões apresentadas e respondo às questões formu- ladas nestes termos:
1. Considerando que o custo da maioria dos serviços contratados nada tem a ver com número de alunos na Rede Municipal de Ensino de “Y”, a variação desse número não pode repercutir proporcionalmente no preço do contrato firmado com a consulente, sob pena de afronta à proibição do enriquecimento sem causa e ao direito constitucional à manutenção efetiva da proposta. Não é possível afirmar, ictu oculi, que o valor contratado é excessivo, pois: a) ele é adequado à pesquisa de preços realizada; b) a quantificação da série de serviços exigida no contrato é bastante complexa e sugere que houve renúncia de parte dos custos; c) o Tribunal de Contas não poderia concluir pela irregularidade do contrato se houvesse indícios de que o valor pactuado é excessivo.
2. Da possibilidade de aquisição gratuita de livros didáticos não decorre a falta de economicidade do contrato ora examinado. Há inequívoca discricionariedade administrativa do gestor municipal em optar por uma metodologia diferente da vinculada ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Os softwares adquiridos não são fornecidos nem são similares aos fornecidos no referido programa. Outrossim, o contrato não se restringe à aquisição dos softwares, mas a todo um conjunto de serviços, como desenvolvimento de um portal, o treinamento dos professores, a manutenção e o suporte dos equipamentos. A tese do Ministério Público do Tribunal de Contas desconsidera não apenas a discricionariedade do gestor, como também o fato de que o conjunto de serviços adquiridos nada tem a ver com os livros didáticos fornecidos no PNLD.
3. É teoricamente possível a incidência do §4º do artigo 57 da Lei nº 8.666/93 ao contrato examinado. Quando parte do contrato subsume-se ao inciso IV do art. 57 e parte subsume-se ao inciso II, prevalece o regime do inciso II. Outrossim, como foi atribuída ao contrato, de início, a vigência de 60 meses, e não de 48, e a Corte considerou-o regular, sem ressalva quanto a esse aspecto, conclui-se que a própria Corte aceitou a submissão do contrato ao inciso II do artigo 57. Logo, possível aplicar a ele, em tese, o §4º do mesmo dispositivo legal.
4. Admitida a incidência do §4º do artigo 57, é praticamente pacífica a possibilidade de várias prorrogações sucessivas com prazos diferenciados,
228
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016
PARECER – PRORROGAÇõES EXCEPCIONAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO
desde que: a) não ultrapassem o prazo de doze meses; b) haja justificativa excepcional para todas elas.
5. Consideradas as especificidades do caso – tratar-se da adoção de uma metodologia de educação, com uso de softwares desenvolvidos pela contratada —, e supondo-se que o contrato esteja cumprindo suas finalidades, é possível intuir que a não prorrogação ocasionaria prejuízo ao serviço de educação. Nesse caso, é muito difícil negar a discricionariedade do administrador municipal em prorrogar o contrato por doze meses, nos termos autorizados, ainda que excepcionalmente, pelo §4º do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.
6. Por óbvio, as prorrogações só são válidas se o contrato for válido. Ocorre que o Tribunal de Contas já reconheceu, em decisão transitada em julgado para a Corte, a regularidade do Contrato. Há, aí, autêntica coisa julgada administrativa, que só poderia ser revista para afastar ou abrandar eventual punição.
7. A ressalva feita pelo Tribunal, sobre a necessidade de melhor explicitação dos custos, aplica-se aos novos contratos e não às prorrogações. Ela só impediria a prorrogação se houvesse indícios de que o preço era excessivo, mas nesse caso o contrato não poderia ter sido considerado regular. Se a Corte considerou o contrato regular, concluiu que a não explicitação dos custos não foi suficiente para macular o contrato; logo, não é suficiente também para evitar sua prorrogação.
É o meu parecer.
São Paulo, 11 de setembro de 2016.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Parecer. Prorrogações excepcionais do Contrato Administrativo. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 5, n. 10, p. 209-229, jul./dez. 2016 229