A ANÁLISE PERICIAL NO ESTUDO DO BALANCEAMENTO DO BINÔMIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NO REEQUILÍBRIO DE CONTRATOS DE EMPREITADA
A ANÁLISE PERICIAL NO ESTUDO DO BALANCEAMENTO DO BINÔMIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NO REEQUILÍBRIO DE CONTRATOS DE EMPREITADA
RESUMO
A determinação de eventual desequilíbrio econômico-financeiro ocorrido na execução de contratos de obras por empreitada é realizada buscando-se descobrir se, no decorrer da execução do objeto, houve alteração nas condições que serviram de premissa e base à elaboração da proposta técnico-comercial e o subsequente contrato. Ocorre que há casos em que a análise deste estudo voltado para a detecção do desequilíbrio pode conduzir a uma solução não balanceada da questão apresentada. Tal se dá quando é menosprezada a condição “financeira” – integrante do binômio “econômico-financeiro” – no equilíbrio estudado, com realce notadamente em ocasiões de dilação do prazo de obra. Neste trabalho procura-se demonstrar que, além da condição econômica, a reivindicação, de qualquer uma das partes envolvidas, precisa incluir efetivamente a condição financeira alterada no transcorrer da execução do contrato. Conclui-se que é necessário proceder à correção da situação de modo a se repor a parcela de lucro – tanto a margem de ganho esperada, o seu montante, quanto a sua taxa interna de retorno – prevista, direta ou indiretamente, na situação original. E realizar um acerto de contas entre as posições das partes, em razão da identificação das responsabilidades envolvidas nas alterações do cenário inicial, base do acordo entre as partes.
Palavras-chave: Equilíbrio econômico-financeiro; Taxa de retorno.
ABSTRACT
The determination of any economic-financial imbalance that occurred in the execution of constructions contracts, is conducted by seeking to discover if, during the execution of the object there was a change in the conditions that served as the premise and basis for the preparation of the technical-commercial proposal and the subsequent contract. It happens that there are cases in which the analysis of this study aimed at detecting the disequilibrium can lead to an unbalanced solution of the question presented. This happens when the “financial” condition – part of the “economic-financial” binomial – is disregarded in the balance studied, with emphasis notably on occasions of extension of the work term. This paper seeks to demonstrate that, in addition to the economic condition, the claim, from any of the parties involved, must effectively include the financial condition changed during the execution of the contract. Therefore, it is necessary to correct the situation found to restore the profit share – both the expected profit margin, its amount, and its internal rate of return – predicted, directly or indirectly, in the original situation. And, eventually, conduct a reckoning between the positions of the parties, due to the identification of the responsibilities involved in the alterations of the initial scenario, the basis of the agreement between the parties.
Keywords: Economic-financial balance; Rate of return.
1. INTRODUÇÃO
A determinação de eventual desequilíbrio econômico-financeiro ocorrido na execução de contratos de empreitada, como se sabe, requer uma investigação para se descobrir se houve alteração nas condições que serviram de premissa e base à elaboração da proposta técnico-comercial e subsequente contrato.
Para tanto, é necessário que se elabore a “anamnese do caso, apresentada cronologicamente, identificando as datas de ocorrência dos eventos” [NÓR FILHO, 2008, p.112), de modo a:
(i) Identificar a condição inicial, expressa na proposta e no contrato;
(ii) Levantar e constatar a condição efetivamente realizada; e
(iii) Compará-las, proceder a uma análise e apresentar uma solução para a correção do desequilíbrio encontrado.
Ocorre que há casos em que apenas este estudo para a detecção do desequilíbrio pode não conduzir a uma solução balanceada da questão financeira. Tal se dá quando se menospreza a consideração sobre a condição “financeira” – integrante do binômio “econômico-financeiro” – no equilíbrio estudado, com realce notadamente em ocasiões de dilação do prazo de obra.
Determinação das condições balizadoras do preço contratado – 1º passo
As condições balizadoras do preço acordado são aquelas expressas no contrato; pelas informações fornecidas, ou coletadas, que nortearam a elaboração da proposta técnico-comercial do Contratado – o Objeto do contrato, o Projeto fornecido, a Minuta do futuro contrato, o Local da obra, etc. –; e àquele momento.
Para tanto é necessário entender-se como se dá a formulação de uma proposta técnica.
O empreiteiro para poder elaborar a sua proposta deve estudar, basicamente, o quê se espera que seja executado, para quando e como fazê-lo; a estes dados deve somar aqueles oriundos das obrigações do contratante e as condições de recebimento do preço [Xxxxxx, 1987; Xxxxxxxx Xxxxx, 1990; Xxxxxxxx et al., 2021].
O quê deve ser executado deve ser compreendido através do estudo do Projeto fornecido. Este estudo possibilitará identificar como dividir a execução da obra em etapas e, por sua vez, estas etapas em atividades. De modo a poder se chegar à identificação das equipes de produção necessárias para cada serviço específico.
O quando deve ser executado é função do atendimento da data de término esperada e de eventuais datas intermediárias, normalmente apontada pelo Contratante. Ao se programar as execuções dos diversos serviços para o atendimento a estas datas – final e intermediárias – será possível visualizar as diversas datas de término, e de início, de cada uma destas atividades e montar uma rede de precedência – o que deve ser executado antes do que – e obter o seu correspondente cronograma.
O como deve ser executado é determinado pelo Projeto – quando assim o exprimir – ou pelo empreiteiro ao buscar as melhores técnicas e recursos visando ao atendimento do que lhe está sendo solicitado.
Na verdade, o quando e o como andam juntos, é um par. Pois, para atender uma determinada data, ou duração, deve-se executar o serviço deste jeito, ou, ao contrário, se se fizer desta maneira, levar-se-á tanto tempo para a correspondente execução.
As obrigações do contratante normalmente englobam as providências de sua responsabilidade, tais como fornecimento do projeto, expedição de ordem de início dos serviços, liberação de frente de trabalho, contato com esferas administrativas de governo ou com outros contratados que estejam ou venham a estar ligados à obra em questão, etc.
As condições do recebimento do preço – os pagamentos ao empreiteiro – também são consideradas, sendo que usualmente estão expressas na minuta do futuro contrato e normalmente englobam os procedimentos e trâmites necessários ao pagamento dos serviços realizados, tais como medições dos serviços, cálculo de eventuais cauções, prazo para recebimento, etc.
Após esta etapa, do estudo do quê, do quando, do como fazer e das condições envolvidas, passa-se a estudar o quanto. Ou seja, por quanto ficaria executar esta obra (este conjunto de atividades), neste prazo, desta maneira e nestas condições.
Neste ponto, a obra já está representada pela somatória de atividades que devem ser executadas para se atingir sua conclusão. E, muito importante,
também são identificados os recursos necessários para cada uma destas atividades.
Na construção civil – particularmente, mas na execução de qualquer “projeto” no geral – utiliza-se da montagem de composições de custo para poder se chegar aos recursos necessários, culminando num valor monetário relacionado a determinada unidade do que se está a executar.
Por exemplo: imaginemos que a atividade em apreciação seja a execução de alvenaria numa edificação. Muito bem, de que se compõe esta alvenaria? Blocos de concreto, de cerâmica, ou de tijolos? Assentados com argamassa? Qual, de que tipo? Informações estas que devem estar especificadas no projeto. Qual a quantidade de alvenaria que deve ser executada? Quantos metros quadrados? Qual o prazo que se tem para executá-la? Vamos supor que a alvenaria seja de blocos de concreto. E que se está a montar equipes compostas com pedreiros e serventes. Então, precisa-se de equipe formada por pedreiros e serventes (mão de obra) e de blocos de concreto e argamassa (materiais). Levantados estes custos, eles são apresentados por unidade representativa daquele serviço (no exemplo, quantos reais custaria executar 1 metro quadrado de alvenaria) – o seu custo unitário.
No entanto, para a execução desta atividade estes operários precisam que os materiais estejam à disposição ao lado do local. Portanto, haverá o deslocamento (horizontal e vertical, se for o caso) dos insumos até o local, serviço este que poderá estar traduzido em outras atividades (que poderão ensejar o uso de betoneiras e de gruas, guindastes ou elevadores de carga – equipamentos). Além, é claro, das ferramentas necessárias ao serviço – colher de pedreiro, nível, prumo, etc. E, precisamos lembrar, que estes operários estarão sob supervisão de encarregados, mestre de obra e engenheiro, cujos custos não estão alocados nesta composição, mas estão alocados no custo do canteiro de obras, pois eles atendem à necessidade de supervisão de várias atividades, não somente à de execução de alvenaria. Também precisa-se lembrar que há participação, por exemplo, do almoxarife, que controla o estoque e a guarda dos materiais, e do comprador destes materiais (esteja este funcionário no canteiro de obras, se o porte da obra assim o exigir, ou lá na sede da empresa, no setor de suprimentos). Outros fatores pertinentes são o consumo de água para a confecção da argamassa e o de energia para o transporte necessário, sendo que os valores correspondentes a água e energia, na verdade, são considerados como de uso geral do canteiro, servindo ou abastecendo todas as necessidades. Estes funcionários e estes custos adicionais não estão identificados diretamente com a execução de alvenaria (o pedreiro, o servente, o bloco e a argamassa, sim), mas também são custos dela.
Se estes custos estão presentes no canteiro de obras (água, luz, mestre de obra, engenheiro, almoxarife, etc.) são alocados como custos indiretos do canteiro de obras; e se estão na sede da empresa (comprador, telefone, despesas pertinentes ao processo de compra e pagamento dos materiais, dos funcionários, do aluguel de equipamentos, da administração geral, etc.) são alocados como despesas indiretas. Também é perceptível que estes dispêndios, em sua grande maioria, são “fixos” (não dependem do que ou quanto está a se executar num determinado momento – eles estarão presentes de qualquer maneira) e são mensais (então, o seu total depende, portanto, da duração da obra). Tal diferenciação será importante mais à frente no texto.
Com estes dados é possível determinar o orçamento da obra.
Após estas identificações, quantificações e valorizações, deve-se proceder a um estudo econômico-financeiro.
Com o cronograma físico de atividades e a expectativa de custo de cada uma delas consegue-se montar o que se conhece como cronograma físico- financeiro e visualizar o fluxo de caixa esperado.
Por sua vez, com este fluxo de caixa é possível identificar os períodos, usualmente meses, em que serão necessários fazer aportes de recursos à obra; os meses em que a entrada de recursos (correspondentes às medições de serviços prestados em mês anterior ou a cumprimento de datas-marco) auxilia nos desembolsos; e os meses em que as entradas já os suplantam. Usualmente os meses iniciais da obra necessitam de aportes consideráveis; os meses intermediários mostram um certo equilíbrio entre entradas e saídas de recursos; e os meses finais começam a apresentar saldo positivo.
Com esta expectativa de fluxo de caixa consegue-se analisar se a empresa detém recursos para fazer frente aos desembolsos necessários ou se terá que buscar recursos externos para tal (o que acarretará um novo tipo de despesa: a financeira). E, assim, verificar se a margem esperada de ganho é satisfatória (soma das entradas versus soma dos desembolsos). Este montante, que é calculado em função deste estudo, é identificado e, então, seu valor é usualmente apresentado como um percentual do preço ofertado ou, ainda, como um percentual do total dos custos operados no canteiro de obras – e nominado como “Benefício” ou como “Lucro”.
Neste momento ocorre um dos passos mais importantes no planejamento: a oportunidade de se realizar simulações sobre todos estes dados lançados. Seja sobre variações de custo de materiais, de pessoal, condições de
pagamentos e até mesmo sobre as condições de recebimento – entradas de recursos.
Pode-se analisar os histogramas dos principais recursos – mão de obra, materiais, monetários, etc. – e variar sua alocação em busca de melhor desempenho e, até mesmo, ajustar, quando possível, o início de atividades não- críticas visando uma condição melhor com vistas a evitar picos altos de suas utilizações.
Deve-se então, após chegar a uma distribuição aceitável dos recursos, proceder à montagem do fluxo de investimento e de retorno esperado. Este fluxo, que relaciona a necessidade de aportes de um lado (investimento) com a existência de recursos no caixa da obra que não mais são necessários para a sua execução (retorno), é que apontará a taxa interna de retorno projetada (ou esperada) para esta operação (a empreitada). Esta taxa é que permitirá fazer comparações com outras operações – sejam elas financeiras ou de produção –, hierarquizá-las e ponderar se esta obra, este contrato, é, ou não, atraente. Trata- se de um indicador poderoso e de excelente qualidade.
Com todos estes dados – orçamento base; custos operados no canteiro de obras (diretos e indiretos); cronogramas; despesas com a administração central; planilha de custos; despesas financeiras; cálculos de impostos, de seguros e de garantias; condições do recebimento do preço; fluxos de caixa e de investimento/retorno, etc. – o preço a ser ofertado pode ser apresentado.
Agora sim o proponente, após trilhar este caminho, está em condições de assinar a proposta técnico-comercial.
Uma vez assinada e entregue, são aquelas condições que basearam a proposta – seja proveniente da solicitação do Contratante, seja das informações nela contidas – que caracterizam o que se conhece como cenário inicial (previsto). Também nominado como Primeiro Cenário na ‘Norma IBAPE-003’ [IBAPE, 2014].
Neste momento de apresentação da proposta técnica, ou mesmo no da assinatura do contrato, está-se a utilizar, em suas redações, os verbos no tempo futuro: o que, como e quando serão executados os serviços, quanto custará e de que forma ocorrerá a entrada do preço. Isso se dá em razão de que tudo está no campo das previsões, tudo é o esperado, o previsto.
Determinação do ocorrido na execução do contrato – 2º passo
Como o objetivo é a verificação da ocorrência de eventual desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de empreitada, há a necessidade de se constatar como transcorreu a obra para poder ser procedida a comparação com o inicialmente previsto. Pois, quer por falhas no planejamento, na execução dos serviços, ou até por fatos outros, estranhos ao contrato, os prazos ou os custos previstos podem não se concretizar, desequilibrando parte ou até mesmo toda a previsão contratual.
Para isso, deve-se proceder a uma investigação, muitas vezes exaustiva, valendo-se de instrumentos e documentos originados tanto na produção do objeto contratado quanto na administração desta produção.
Basicamente, deve-se buscar informações em:
(i) Relatórios de Progresso de Obra;
(ii) Relatórios Fotográficos;
(iii) Diário de Obra;
(iv) Atas de Reunião;
(v) Revisões de Cronograma;
(vi) Atualizações do Projeto e Projeto Como Construído (as-built);
(vii) Comunicações entre as partes (correspondência, e-mail, mensagem, notificação, etc.);
(viii) Medições de Serviços; e
(ix) Aditivos Contratuais.
Trata-se da investigação do acontecido e da identificação do quê e quando foi efetivamente executada a obra, por quanto e, na medida do possível, da verificação do como foi executada – quais as técnicas e equipes empregadas.
Tal constatação é que caracteriza o que se conhece como cenário ocorrido (realizado). Também nominado como Segundo Cenário na ‘Norma IBAPE-003’ [IBAPE, 2014].
Neste momento em que atividades, etapas, ou mesmo a obra já está concluída, nota-se que se está a utilizar, agora, os verbos no tempo passado: o que, como e quando foram executados os serviços, quanto custou, e de que forma o preço foi recebido. Isso se dá em razão de que tudo está no campo da realidade, tudo é o acontecido, o já realizado.
Determinação do desequilíbrio econômico-financeiro – 3º passo
Agora é preciso comparar os dois cenários – o inicial (previsto) e o ocorrido (executado).
Verificar se há diferenças entre eles e, caso existam, proceder a uma análise do porquê – quais as causas que as originaram. Ou seja, estudar se houve alterações naqueles aspectos abordados no planejamento inicial. Tanto no contexto físico: o quê foi executado, como foi executado e quando foi executado; quanto no contexto econômico-financeiro: o que ocorreu com o quanto e com o fluxo de desembolsos e de entradas? Quantificar essa influência e calcular os valores que devam ser considerados para se levar a situação detectada no cenário ocorrido (segundo cenário na ‘Norma IBAPE-003’) às condições do cenário inicial (primeiro cenário na ‘Norma IBAPE-003’). Com vistas a se proceder, assim, ao reequilíbrio da equação econômico-financeira. Também conhecido como Terceiro Cenário na ‘Norma IBAPE-003’ [IBAPE, 2014].
2. DISCUSSÃO
A questão aqui colocada – o estudo para a detecção do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de empreitada está apresentando uma solução balanceada, tanto econômica quanto financeira? – exige entender-se como se dá, além da sua concepção, como exposto acima, a forma de apresentação do preço ofertado.
O contrato expressa um acordo de vontades entre as partes e torna-se verdadeira lei entre eles. Um caso específico, e que merece destaque e atenção, é o de obras públicas onde a liberdade é mais restrita. O conhecimento adquirido neste tipo de contrato, administrativo, permite ao estudioso percorrer caminho mais abrangente e, assim, estar apto a encarar qualquer situação no âmbito de análise de recomposição do equilíbrio contratual, seja num contrato privado ou público. Isto se dá em razão do interessado na busca do contrato com a Administração Pública dever apreciar a legislação pertinente, especialmente o disposto no Artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal [BRASIL, 1988] e o que menciona o Decreto 7.983/2013 [BRASIL, 2013] (atualizado pelo Decreto nº
10.132/2019 [BRASIL, 2019]), ao estabelecer regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União:
- Artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal:
“- Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
- Artigo 9º, Decreto 7.983/2013:
“- O preço global de referência será o resultante do custo global de referência acrescido do valor correspondente ao BDI, que deverá evidenciar em sua composição, no mínimo:
I - taxa de rateio da administração central;
II - percentuais de tributos incidentes sobre o preço do serviço, excluídos aqueles de natureza direta e personalística que oneram o contratado;
III - taxa de risco, seguro e garantia do empreendimento; e IV - taxa de lucro.”
Também é interessante se conhecer a posição do TCU – Tribunal de Contas da União, órgão responsável pelo controle de despesas da Administração Pública.
Essas preocupações devem estar presentes, pois, além dos aspectos ligados à engenharia, a equipe que elabora proposta técnica deve ter composição multidisciplinar e estar atenta a todos aspectos que norteiam ou influenciam o ambiente onde se transcorrerá a obra.
Em seu Acórdão TCU 2.622/2013 [TCU, 2013], onde se aborda os percentuais aceitáveis de BDI – Benefício e Despesas Indiretas, o TCU orienta que se discrimine os custos de Administração Local, de Canteiro de Obras e de Mobilização e Desmobilização diretamente na planilha orçamentária de custos diretos. E, considera que as parcelas correspondentes a Administração Central, Seguro e Garantia, Risco, Despesa Financeira e a de Lucro devam fazer parte do BDI.
Este mesmo Xxxxxxx reconhece que cada caso concreto deve ser analisado com suas peculiaridades e que o estudo em questão deve ser utilizado como referência:
“146. Cumpre destacar que a literatura especializada e a jurisprudência desta Corte de Contas apontam vários fatores que tendem a influenciar as taxas de BDI, tais como: o porte da empresa, sua natureza específica, sua localização geográfica, seu prazo de execução, a facilidade de encontrar fornecedores no local da obra, os riscos envolvidos nas contratações, a situação econômica e financeira da empresa e do país, dentre diversos outros fatores.
147. Portanto, não é razoável admitir apenas um valor médio de referência para o BDI de cada tipo de obra sem levar em conta uma margem ou faixa que possibilite contemplar todas essas variações que na realidade são observadas na formação do valor do BDI.” (negritos acrescidos pelos autores)
Como se viu mais acima, ao se descrever como se elabora uma proposta técnica, a formulação do preço de uma obra empreitada compõe-se:
- Dos Custos Diretos ou Orçamento de Obra:
- Custos diretos operados no canteiro de obras: provenientes dos recursos estritamente ligados à execução das diversas atividades (no exemplo acima citado: o pedreiro, o servente, o bloco de concreto e a argamassa necessários para erguer a alvenaria e os custos a eles ligados, como leis sociais, etc.), caracterizando-se como despesas de valor variável em função da produção efetiva – dependem das durações de cada atividade;
- Custos indiretos operados no canteiro de obras: provenientes dos recursos que dão suporte às equipes produtivas (no exemplo acima citado: o encarregado de obra, o mestre de obra, o engenheiro, o almoxarife, o pessoal administrativo do canteiro, de segurança do trabalho, consumo de água, de energia, refeições, manutenção do canteiro, guindaste ou elevador de carga, ferramentas, etc.) caracterizando-se como despesas fixas, pois independem do que está sendo executado – são desembolsos mensais – dependem, em sua grande maioria, da duração da obra;
- Do BDI – Benefício e Despesas Indiretas:
- Benefício: parcela representativa da margem de ganho esperada pela prestação do serviço. Também conhecida como bonificação ou como lucro (conforme o autor ou a referência).
- Despesas Indiretas: despesas ou custos externos ao canteiro de obras. Basicamente têm sua origem na sede da empresa. São gastos específicos àquela unidade de custeio (obra) ou gerais que necessitam de cálculo para ser distribuídos, rateados, às diversas unidades – têm as mesmas características dos custos indiretos do canteiro de obras: independem do que está sendo produzido, são despesas fixas, com frequência mensal e alocadas durante o prazo de obra. Tais como: Administração Central; Despesas financeiras; Risco; e Seguros e Garantias.
Esta descrição das parcelas do preço são as aceitas no setor da construção civil e, também, as definidas em leis, decretos e acórdãos. São exemplos: a Lei 8.666/1993 [BRASIL, 1993], a Lei 14.133/2021 [BRASIL,2021], Decreto 7.983/2013 [XXXXXX, 0000], Xxxxxxx TCU 2.622/2013 [TCU, 2013].
O Acórdão TCU 2.622/2013 expressa o preço de venda (preço ofertado, contratado) da seguinte forma: PV = CD (1 + %BDI); onde PV = Preço de Venda; CD = Custos Diretos; e BDI = Benefício e Despesas Indiretas.
E o Decreto 7.983/2013 – que estabelece regras e critérios para a elaboração de orçamentos de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos da União – define BDI como: “valor percentual que incide sobre o custo global de referência para realização da obra
ou serviço de engenharia”; e, por sua vez, Preço Global de Referência como: “valor do custo global de referência acrescido do percentual correspondente ao BDI”.
Destaca-se – independentemente de ser a obra pública ou privada – que, apesar das parcelas do BDI serem calculadas individual e detalhadamente pelo formulador do preço, para a obtenção do seu valor, elas são usualmente apresentadas não por este valor encontrado e sim em formato percentual em relação ao Custo Operado no Canteiro de Obra (Orçamento de Obra ou Custos Diretos, ou, ainda, Custo Global de Referência, conforme a fonte). Isto se dá tanto por ser assim que o setor se comunica a respeito quanto por imposição do regramento oficial (leis, decretos, acórdãos, etc.). Ou seja, é comum expressar estas parcelas relacionadas com o percentual delas em função do orçamento de obra e não pelos seus valores nominais (que são efetivamente calculados para aquela obra e naquelas condições).
As alterações no escopo dos serviços contratados ou o acréscimo de novos serviços ao longo da execução do contrato demanda estudos específicos a estas alterações. São exemplos:
- a realidade do solo encontrado é diverso daquele que o Projeto Básico informava, acarretando alteração nos trabalhos relacionados;
- acréscimo de novos serviços, não previstos inicialmente, como eventual necessidade de troca de solo;
- o detalhamento das fundações expresso no Projeto Executivo acaba por apresentar características diferentes daquelas informadas no Projeto Básico;
- apresentação de alteração no layout na distribuição interna das alvenarias ou das instalações hidráulicas e elétricas.
Estas alterações, de escopo previsto ou de acréscimo de novos serviços, implicam na análise dos novos recursos necessários, sua identificação, sua quantificação e a uma reprogramação dos serviços – tanto nas equipes quanto no cronograma.
Para facilitar a demonstração pretendida aqui, neste espaço, limitaremos a abordagem a uma situação muito comum: a dilação do prazo de obra.
Alterações de escopo ou aditamento de novos serviços, quando ocorridos, devem ser considerados e suas implicações acrescidas.
Das parcelas de preço, acima descritas, percebe-se que, ao se alterar o escopo, ou acrescer serviços novos, estas modificações também afetam os serviços de Administração Central e Local – atividades de apoio – e, mais ainda, até mesmo quando se mantém o escopo dos serviços, mas se altera o prazo de execução, as parcelas que sofrem direta e nitidamente alteração com a dilação do prazo de obra são: Administração Central (na sede da empresa) e Administração Local (no canteiro de obras). E, com estas alterações, indiretamente afeta-se a parcela de lucro – tanto a margem de ganho quanto a taxa interna de retorno.
Em razão de abordagens diferentes, melhor separar-se o estudo delas.
Parcela sobre “Administração Central”
Despesas com Administração Central, como se depreende do nome, são aquelas que tem origem na sede central da empresa.
Tanto aquelas referentes a suporte, facilmente identificáveis com a obra em questão, mas de difícil quantificação (por exemplo: a utilização do setor de suprimentos da empresa ao realizar compra de material ou aluguel de equipamentos, ou do setor de pessoal ao alocar e gerenciar a folha de pagamentos), como aquelas pertinentes à empresa como um ente maior (por exemplo: diretoria, centro de processamento de dados, funcionários administrativos, departamento de pessoal, departamento de transportes para apoio a obras, assessoria externa, contribuições sindicais, etc.).
De uma maneira geral são aquelas que não puderam, através de critérios objetivos, ser diretamente vinculadas com o processo produtivo existente no canteiro de obras, ou ainda por constituírem serviços similares prestados simultaneamente para várias obras e pela mesma equipe administrativa. São despesas relacionadas à obra que se consegue identificar e até quantificar, mas no seu todo, e valendo-se da utilização de critérios de distribuição possibilitar a atribuição do quantum delas deverá ser alocado a cada obra, inclusive àquela obra específica estudada.
Ou seja, cada centro de custo administrativo (Pessoal, Contabilidade, Engenharia, Segurança Patrimonial, Despesas Fixas da Sede – água, energia, telefone, etc. – Gerências, Diretoria, etc.) deve ter o seu total de despesas conhecido, somado e, então, relacionado com a obra em questão. Um
procedimento muito utilizado é verificar-se as despesas de 1 (um) ano, dividir este total por 12 (doze), e encontrar o valor mensal correspondente às Despesas com Administração Central. Este valor, por sua vez, deve seguir um critério objetivo escolhido – não há no setor nem na academia consenso sobre qual deva ser, cada empresa termina por fazê-lo segundo suas características – objetivando rateá-lo pelas obras em execução.
Portanto, este valor mensal encontrado referente às despesas com Administração Central é rateado criteriosamente entre as obras e serviços, que a empresa está a executar, para se encontrar, por sua vez, o valor mensal que a obra deve contribuir. Este valor multiplicado pelo número de meses correspondente à duração da obra é o total procurado a título de Despesas com Administração Central atribuído àquela obra, tornando-se componente do seu BDI.
Ou seja, o setor assim trabalha: faz o levantamento das despesas da empresa, calcula a sua média mensal, distribui o quantum dela será de competência da obra em questão e aplica esta média mensal rateada, pela duração da obra, na formação do seu preço. Usualmente, repete-se, apesar das despesas terem sido encontradas com a sua identificação e quantificação, esta aplicação se dá na forma de percentual do Custo Direto da Obra.
Pelo acima exposto fica claro que as despesas com Administração Central são calculadas em função do prazo de duração da obra. Quanto maior o prazo, maior o volume dos serviços despendidos pela equipe administrativa e maior seu custo para a construtora.
A doutrina, a legislação e os normativos também consideram como sendo este o tratamento a ser aplicado.
Tanto assim é que o próprio TCU no Acórdão 2.622/2013 [TCU, 2013] aponta:
“57. Segundo Xxxxxx (2006, p. 208/209), a administração central corresponde à matriz e filiais onde se encontra a estrutura necessária para execução das atividades de direção da empresa, incluindo as áreas administrativa, financeira, contábil, de suprimento, recursos humanos, etc. Conforme é demonstrado pelo autor no quadro a seguir, são inúmeros e variados os gastos que definem a taxa de rateio da administração central:
Quadro 2 – Descrição dos gastos da administração central
58. De um modo geral, observa-se que os gastos associados à administração central concentram-se: (i) nas atividades de supervisão geral, incluindo planejamento, consultoria, controle de qualidade e suporte aos contratos de construção, como os setores de engenharia e arquitetura, logística, compras, dentre outros, servindo de apoio à execução de diversas obras, visto que não podem ser facilmente identificados a qualquer contrato de obra específico; e (ii) nos serviços necessários à manutenção e ao funcionamento da estrutura administrativa da empresa, que atendem a vários setores e áreas comuns, como: vigilância, segurança, contas telefônicas, conservação, limpeza de edifícios, etc.
(...)
60. Além dos fatores relacionados às características próprias do empreendimento, como o montante dos custos diretos, prazo de execução e a localização da obra, fatores intrínsecos da empresa também influenciam a taxa de administração central no BDI das obras. Dentre eles, destaca-se a eficiência de sua estrutura administrativa, que pode variar de empresa para empresa, de acordo com sua estratégia de gestão de negócio e capacidade de operação. Geralmente, empresas com estrutura bem planejada e funcionando de forma eficiente nas principais áreas administrativas (planejamento, produção, logística, suprimentos, recursos
humanos, financeira, etc.) alcançam uma maior eficiência empresarial, o que proporciona uma estrutura interna mais competitiva, maiores oportunidades de negócios e, consequentemente, melhores resultados para a organização.” [TCU, 2013]. (negritos acrescidos pelos autores)
Isto no tocante às despesas, quanto ao seu rateio tem-se:
“61. Os gastos com administração central são aqueles que não podem ser apurados pelo critério de imputação direta e que não participam de forma clara e objetiva na execução de uma obra em particular, de forma que somente podem ser alocadas entre as obras por meio de critérios indiretos, chegando a valores aproximados. Assim, havendo um gasto comum em uma empresa que executa várias obras, é necessário fazer com que cada obra absorva uma parte desse custo comum.
62. No entanto, a determinação de qual parcela desses gastos da empresa contribuiu com esta ou aquela obra é, por si só, um grande problema na determinação dos gastos das obras. Uma forma de resolver o problema é recorrer a algum critério razoável de proporcionalidade que distribua os gastos compartilhados da empresa entre as diversas obras em execução. Essa proporção se traduz em uma base de rateio que torne consistente a alocação desses gastos entre as obras, com o cuidado de evitar que cada obra assuma uma parcela proporcional a sua efetiva utilização, pois, quando diferente das demais, pode haver uma taxa de rateio em excesso ou insuficiente.
63. Para Xxxxx (2005, p. 51), o rateio da administração central para uma nova obra pode ser feito da seguinte forma: (a) calcula-se o orçamento anual da sede; (b) estima-se o custo direto para executar todas as obras previstas para os próximos doze meses;
(c) calcula-se a proporção entre orçamento central e o custo direto anual; e (d) aplica-se um coeficiente de acréscimo sobre o custo direto da obra a ser orçada. Uma expressão matemática para o cálculo da taxa de rateio da administração é apresentada por Xxxxxx (2011, p. 98); e outra é sugerida Hubaide (2012, p 90), em estudo recente sobre o tema, conforme demonstrado no quadro a seguir:
Quadro 3 – Métodos de cálculo da taxa de rateio da administração central
64. No presente estudo, considera-se que os modelos acima sugeridos são destinados principalmente às construtoras com o objetivo de se calcular a taxa de administração central, levando em conta o conjunto de contratos em andamento e a partir de informações gerenciais sobre a sua gestão operacional. Em função disso, cabe a cada empresa avaliar o emprego da melhor forma de rateio que julgar mais adequada para incorporar aos preços das obras, desde que não seja baseado em critérios arbitrários, mas sim em bases sistemáticas e racionais.” [TCU, 2013]. (negritos acrescidos pelos autores)
Temos, portanto, o próprio TCU [2013] avalizando o conceito e até mesmo a relação de despesas a serem consideradas na atribuição de valor à parcela “Administração Central”. E, também, que admite que estas despesas gerais devam ser calculadas, somadas e rateadas entre os contratos em andamento. Portanto, já é perceptível que se estas despesas forem majoradas, em razão do aumento da duração da obra, deve-se refazer os cálculos, a soma e o rateio.
Verifica-se facilmente que o prazo de obra não somente é relevante na determinação do valor atribuído à “Administração Central” como ainda é um dos componentes nas fórmulas de seu cálculo.
É notável que o TCU identifica, nos 2 (dois) exemplos apresentados no seu Acórdão, no quadro 3 [TCU, 2013], o “prazo ou duração da obra” (simbolizada por “N” no exemplo de Xxxxxx [XXXXXX, 0000, p.98] e por “x” xx xxxxxxx xx Xxxxxxx [XXXXXXX, 0000, p.90]) como uma variável. Portanto, fica
claro que ao ser alterada a duração da obra o cálculo da taxa de rateio e da contribuição mensal precisa ser reavaliado.
Assim, conclui-se que quanto maior for o prazo de obra maior será a despesa com Administração Central. Fato este até intuitivamente nítido, pois os recursos da empresa estão à disposição da obra durante todo o tempo em que ela está sendo executada – todos aqueles setores elencados na lista de despesas continuarão trabalhando em prol daquela obra. Se a obra se delongou, aquele funcionário do setor de suprimentos, por exemplo, ainda está lá atendendo a obra – a empresa está pagando o seu salário pelo tempo inicialmente previsto para a execução da obra e, também, pelo tempo estendido dela. A empresa continua dando o mesmo suporte, mas agora numa duração maior que aquela inicialmente prevista. Deve a obra – um centro de custo –, portanto, contribuir durante todo o período de execução do contrato de empreitada e pelo valor médio mensal que estava previsto. Caso contrário, toda aquela estrutura que estava, e que continuou a estar, repete-se, à disposição não receberá a correta remuneração por este serviço no prazo adicional.
Deve-se chamar a atenção ainda para o fato de que não é uma taxa de rateio – porventura adotada ou informada – que define todas essas despesas. Ao contrário, é conhecendo-se as despesas do escritório, somando-as e, depois, fazendo o rateio por um critério escolhido, é que se calcula a taxa.
Além disso, se esta obra vier a contribuir menos, mensalmente, do que inicialmente previsto, e as outras obras continuarem a contribuir o mesmo valor (nem poderia ser diferente, pois do contrário estar-se-ia carregando o problema desta para as outras e alterando-se o resultado delas) significa que naqueles meses a empresa não estaria recebendo daquela obra a contribuição suficiente para bancar suas despesas normais de funcionamento. Evidente que algo estaria errado, pois os sócios teriam que fazer aportes para suportar a situação, ou desaplicar recursos, ou, pior, tomar financiamento para compensar a ausência daquela contribuição que esta obra deveria estar a fazer. Ou seja, e novamente, a obra deve contribuir por todo o novo período de execução. Um caminho natural é adotar a média mensal que ela contribuiria – se tudo ocorresse como o previsto no contrato – e estendê-la pelo novo período. O que é facilmente perceptível, pois esta é a própria definição de parcela de “Administração Central”: quanto determinada obra precisa contribuir, mensalmente, para cotizar-se com as despesas mensais da empresa.
Deve-se, portanto, em síntese, considerar o valor total de “Administração Central”, em reais, atribuído a esta obra, dividi-lo pelo número de meses inicialmente previsto para sua duração (para se encontrar o valor médio mensal
de contribuição da obra) e multiplicá-lo pelo novo número de meses pelo qual a obra se estendeu (seu prazo final de duração), e encontrar assim o novo valor correspondente à parcela de “Administração Central” para a nova situação. Vale ressaltar que caso este valor não esteja formalmente discriminado na proposta ou contrato, é possível que seja identificado por estimativa, principalmente em caso de litígio, pela perícia.
Parcela sobre “Administração Local”
Um raciocínio parecido com o realizado com a Administração Central pode ser feito com a Administração Local.
Uma grande diferença, como já descrito anteriormente, é que os recursos e insumos envolvidos são alocados direta e exclusivamente àquela obra, àquele canteiro – ao contrário daqueles presentes na Administração Central que atendem as necessidades de várias obras e da empresa.
São custos identificados à execução daquela obra específica, mas difusos em atendimento à execução de várias de suas atividades (mestre de obra, encarregados, almoxarife, refeições, água, energia elétrica, guinchos, caminhão, manutenção do canteiro, etc.). Não são apontados diretamente para esta ou aquela atividade em execução, mas atendem a várias delas. Daí sua classificação como custo indireto no canteiro de obra.
Necessário ressaltar sua dependência com o prazo da obra e não com os prazos das diversas atividades. Um encanador, por exemplo, estará alocado àquela obra enquanto seus serviços forem necessários à execução do serviço relevante à sua especialidade (vinculado à duração da atividade em que exerce seu ofício), já o engenheiro, estará alocado atendendo às necessidades de muitas atividades (vinculado ao prazo de obra).
Estes custos usualmente, em obra pública obrigatoriamente, são descritos na planilha de quantitativos. Estão discriminados, em linha específica, por seus valores ao longo dos meses, estando presentes em toda duração da obra.
Se a permanência destes insumos se prolongar, em razão da dilação do prazo de obra, deve haver a correspondente compensação.
Parcela de “Lucro”
A parcela de bonificação – o B em BDI – deve ser calculada como já visto mais acima, após conhecer-se:
(i) Cronograma Físico-financeiro;
(ii) Cronograma de Entradas do Preço;
(iii) Fluxo de Caixa; e
(iv) Fluxo de Investimento e Retorno.
Com o Cronograma Físico-financeiro tem-se a expectativa dos desembolsos que serão necessários para a execução dos serviços, seus montantes e suas datas.
Com o Cronograma Físico-financeiro também é possível desenhar o Cronograma de Entradas do Preço, pois conhece-se os procedimentos de medição e de pagamento.
Com estes dois cronogramas monta-se o Fluxo de Xxxxx esperado para a obra e se obtém os meses em que serão necessários aportes e o montante dos seus valores, bem como os meses em que haverá sobra de caixa.
Com o conhecimento do Fluxo de Caixa esperado, procede-se a uma análise econômico-financeira. Desenha-se o Fluxo de Investimento e Retorno e calcula-se a taxa interna de retorno (como qualquer operação financeira) desta obra.
Do fluxo de caixa obtém-se o total de recursos que sobrariam no caixa ao final da obra. Deste montante abate-se os recursos que a empresa alocou à obra
– aportes ou investimentos – e encontra-se a margem esperada de ganho, o Benefício, ou Bonificação, ou Lucro. Registre-se que este é o lucro bruto, o calculado na formação do preço, ainda é possível obter uma análise contábil- tributária a respeito de lucro líquido, bonificação antes dos impostos, etc.
Portanto, a parcela “Lucro” é um valor calculado e a sua totalidade é função do fluxo de caixa daquela obra. Não é um número mágico e universal, que se possa afirmar que uma empresa adote para qualquer obra, e para qualquer que seja a sua duração. Não é possível, com boas práticas de gestão e de engenharia imaginar tal situação. Se assim fosse, por absurdo, qualquer obra com “x” % de lucro seria vantajosa? Ora, em algumas este valor será alto – e a empresa provavelmente não conquistaria a obra – e em outras poderá ser baixo e corre-se o risco deste valor acabar se mostrando não atrativo ou, pior, prejudicial. Uma variável importante é justamente o prazo da obra. Explica-se:
ganhar “x” % num prazo curto pode ser atraente, mas ganhar os mesmos “x” % em um prazo longo pode já não ser.
São, portanto, 3 (três) os pontos a serem bem considerados na análise da parcela “Lucro”:
Primeiro, quanto ao montante dos aportes necessários, deve-se perguntar: tem-se condições de bancá-lo? Dispõe-se de financiamento, caso não se tenha? As despesas financeiras são aceitáveis? Trata-se da análise da capacidade que o interessado na obra, empreiteiro, terá à sua disposição para enfrentar a sua execução.
Segundo, o saldo final é interessante? Este montante de recursos que “sobrará” ao final da obra e que retornará à empresa neste prazo – duração da obra – é significativo? Esta margem esperada é atrativa? Trata-se do estudo da situação econômica desta operação – a empreitada.
Terceiro, quanto à taxa de retorno [XXXXXXXXX, 1973]: ela é promissora? Destaca-se de alternativas existentes tanto no mercado da construção civil quanto no mercado financeiro? Trata- se da análise das condições financeiras do futuro contrato.
Se a análise destes pontos for positiva uma proposta técnico-comercial deve ser entregue. Admitindo-se um planejamento adequado, este é o caminho que o interessado trilha na busca do contrato de empreitada.
Registre-se que o saldo final encontrado e a parcela “Lucro” são calculados com os serviços executados conforme o cronograma inicial. É esperado que o montante final retorne naquele prazo, e que fique disponível para novas obras.
É notável que, se a duração da obra se estender, aquelas parcelas de pagamento do preço não “entrarão” conforme o previsto no caixa da empresa e, assim, ao não receber naquele prazo acordado, tanto a parcela de lucro – Benefício – quanto a taxa interna de retorno serão afetadas. Aliás, quanto mais se prolongar a obra mais cairá a taxa de retorno. E, a taxa interna de retorno foi uma das variáveis consideradas pelo interessado quando formou o seu preço. Ela foi utilizada como parâmetro para hierarquizar e escolher entre outros possíveis contratos, ou até mesmo para decidir – caso não fosse atraente – não participar, não construir.
A taxa interna de retorno é resultado das condições iniciais da proposta, obtida pelo fluxo de caixa esperado, oriundo do planejamento expresso no cronograma de obra. É uma taxa de caráter financeiro.
A base para a comparação pode perfeitamente ser obtida percorrendo-se o caminho acima descrito:
- Montar o fluxo de caixa inicial (com as informações da proposta técnica e do contrato, expressos no cronograma físico-financeiro e nas condições de recebimento do preço) para se obter a margem esperada e a taxa interna de retorno prevista;
- Montar o fluxo efetivamente realizado (através das medições e pagamentos ocorridos) para se obter a margem encontrada e a taxa interna de retorno real;
- Calcular o valor que seria necessário para se trazer os valores da margem e da taxa de retorno reais encontradas aos valores da margem e da taxa interna de retorno previstas. Ou seja, para reequilibrar a equação econômico-financeira do contrato.
É notável que apenas ao se descrever o que ocorre com a dilação do prazo de obra e se adiar as entradas do preço fica cristalino que a parcela “Lucro”, por evidente, foi prejudicada.
2.1. Exemplo da aplicação
Visando uma melhor compreensão, seguem quadros abordando uma hipotética execução de obras de drenagem para um loteamento com prazo previsto de 10 meses de duração e orçamento básico de R$ 8.000.000,00 (com 7,5% de custos indiretos no canteiro de obra) e 24,0% de BDI (com 5,0% de parcela de Administração Central).
A situação inicial, conforme o fluxo abaixo, apresenta lucro de 8,0% e taxa interna de retorno de 5,19%/mês; com pagamentos através de medições mensais com retenção de 5% a título de caução (Tabela 1).
A situação real, ocorrida, apresenta-se com dilação no prazo de obra de mais 2 meses. Mesmos serviços, mas executados numa velocidade menor por questões alheias à vontade do empreiteiro – demora ocasionada na entrega de projetos e na liberação de áreas.
Este novo prazo acarreta aumentos nos custos indiretos no canteiro (acréscimo de R$ 120.000,00) e na parcela de administração central, componente do BDI (acréscimo de R$ 80.000,00). Verifica-se que nesta situação a margem decai para 5,42% e a taxa de retorno para 3,44%/mês (Tabela 2).
Para se repor a margem esperada de ganho – indicador econômico – de 8,0% sobre o orçamento básico, torna-se necessária uma compensação de R$ 209.600,00 (Tabela 3). Mas, mesmo assim, isto ainda não é suficiente para trazer a taxa de retorno – indicador financeiro – ao nível previsto na situação inicial de 5,19%/mês. Para tanto é requerida a quantia adicional de R$ 81.500,00 (Tabela 4). Isto é necessário para que a parte prejudicada possa ser compensada – não só pelos dispêndios extras que teve que enfrentar – mas, também, pela entrada de recursos em período mais extenso do que aquele inicialmente previsto, combinado.
Não se considerou, para simplificação, efeitos oriundos da influência de custos de oportunidade, taxa de atratividade, aplicações de saldo de caixa, e alterações nas parcelas de risco, seguros, garantias, despesas financeiras e impostos. Tais variáveis podem e devem ser apreciadas quando da análise de casos concretos e se sob a ótica do contratante ou do contratado na empreitada. Discutindo-se e avançando nos conceitos de taxa interna de retorno, taxa de retorno restrita e taxa de retorno de menor risco.
Tabela 1 – Cenário Previsto
Tabela 2 – Cenário Ocorrido (R$ mil)
Fonte: Elaborada pelos autores
Tabela 3 – Reequilíbrio da Parcela “Lucro” (R$ mil)
Tabela 4 – Reequilíbrio da Taxa de Retorno (R$ mil)
Fonte: Elaborada pelos autores
Verifica-se, portanto, que apenas uma alteração na variável prazo já foi suficiente para acarretar distorções na margem esperada de ganho (condição econômica) e na taxa interna de retorno (condição financeira).
Para os casos em que se apresentam alterações no escopo dos serviços deve-se avaliar estas novas condições e introduzir estes fatores no procedimento acima adotado. Cada caso é um caso. Para o objetivo aqui pretendido – analisar a parcela “financeira” no reequilíbrio do binômio “econômico-financeiro” do contrato – já foi suficiente e esclarecedor.
No exemplo apreciou-se uma situação sob o ponto de vista da empreiteira, uma vez que ela não era a responsável pelo atraso.
Nos casos concretos, o mesmo raciocínio deve ser procedido com a outra parte – o contratante. Há de se analisar o ocorrido e verificar as responsabilidades. A contratação da empreitada é uma das fases do empreendimento. O contratante ao acordar uma construção está desenvolvendo uma etapa do seu projeto, seja ele qual for – um empreendimento industrial, comercial, obra pública, etc. – que é um elemento no seu planejamento e na sua programação. Tem um início, um fim e um valor combinado.
A dilação do prazo de obra, mesmo mantido o seu escopo inicial, também lhe é prejudicial. A conclusão e entrega da obra é um marco importantíssimo em qualquer empreendimento, pois é uma meta a ser alcançada. Seja para entrar em operação (planta industrial, centro comercial, etc.), seja para possibilitar o atendimento a compromissos (entrega de unidades habitacionais, liberação de área para execução de etapa subsequente, etc.), ou até mesmo para a sua fruição (equipamento público, estrada, usina, etc.).
Já quanto a situação envolvendo as duas partes, um estudo precisaria considerar a realização de eventual acerto de contas, inclusive identificando e quantificando quanto do atraso seria imputável a um e a outro. Como transcorreu a execução da obra? Se diferente do esperado, por quê? Ver as disposições contratuais, as responsabilidades, notadamente de penalidades por atrasos, e prejuízos porventura ocorridos, compensações, etc. De qualquer maneira, a preocupação é de que a parte eventualmente prejudicada venha realmente a ser compensada.
3. CONCLUSÕES
Face ao exposto, conclui-se que mesmo sendo possível a realização de um estudo abrangente das alterações ocorridas na execução do contrato e identificar o que precisaria ser feito para reequilibrar as condições iniciais acordadas, especialmente a margem de ganho esperada, tanto seu montante quanto a sua taxa interna de retorno, previstos, direta ou indiretamente, na situação original – estudo dos 3 cenários –, é possível, aliás muito provável, que o valor encontrado para o ressarcimento das perdas num primeiro momento alcance apenas a parcela “econômica” (recomposição da margem inicial) presente na expressão “reequilíbrio econômico-financeiro”, negligenciando-se a parcela “financeira” (recomposição da taxa interna de retorno).
Portanto, as análises, os acertos de contas e as sentenças – em casos de litígios discutidos nas esferas judicial ou arbitral – precisam ir além, precisam estar completos de modo a oferecer todos os subsídios para uma conclusão. Precisa-se enxergar o todo, para realmente atingir o reequilíbrio econômico- financeiro de uma maneira ampla e não restrita.
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