Processo nº 1300/2019
Processo nº 1300/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data do Acórdão: 29 de Outubro de 2020
ASSUNTO:
- Imposto Complementar de Rendimentos.
- Contratos de cedência de loja ou espaço em centro comercial.
- Cláusula de partilha de lucros.
SUMÁ RIO:
- O contrato para a cedência de uso de loja ou espaço em centro comercial não pode ser qualificado como de arrendamento, sendo um contrato atípico;
- Os montantes pagos ao titular do espaço no âmbito do mencionado contrato a título de partilha de lucros não é um custo indispensável à realização dos ganhos e manutenção da fonte produtora;
- Está sujeito a imposto complementar de Rendimentos o valor pago ao titular do espaço cedido no âmbito do mencionado contracto a título de partilha de lucros.
Xxx Xxxxxxx Xxxxxxx
Processo nº 1300/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data: 29 de Outubro de 2020
Recorrente: Companhia de Investimento A Limitada
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA XXXX:
I. RELATÓRIO
Companhia de Investimento A Limitada, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso da Deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 30 de Novembro de 2017 que deliberou manter a matéria colectável do exercício de 2014 em MOP17.545.600,00 e do agravamento fixado sobre a colecta de 0,2%, contra
Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças.
Foi proferida sentença na qual foi julgado improcedente o recurso contencioso e mantido o acto recorrido.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Recorrente interpor o presente recurso, concluindo e pedindo que:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de 12 de Setembro de 2019 que julgou improcedente, o recurso contencioso interposto pela Recorrente quanto à deliberação da Comissão de Revisão de Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção de Serviços de Finanças de 30 de Novembro de 2017 que manteve o rendimento colectável da ora Recorrente relativo ao ano de 2014 em MOP$17,545,600.00 com um agravamento de 0.2%.
2. A douta sentença recorrida incorreu numa aplicação errada da lei, mormente, dos artigos 19.º, 20.º e 21.º do RIRC e artigos 114.º e 115.º do CPAC, por parte do tribunal a quo. Assim como, violou o iter jurídico e inverteu as regras d o silogismo jurídico.
3. Assim, ao invés de usar como premissa, como ponto de partida para a tomada de decisão, a classificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a sociedade XXX Retail, bem como a natureza jurídica das prestações debitórias a cargo da ora Recorrente no citado contrato, usa como premissa a qualificação do montante afecto, afasta de imediato e aprioristicamente a sua natureza de custo, recorre para tal a uma norma de carácter exemplificativa do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (artigo 21º do RICR), atribui desde logo àquele montante a natureza de rédito/rendimento, ou seja, o tribunal a quo, inicia o
processo lógico-jurídico pela conclusão (classificação do chamado “natureza do montante afecto” declarado custo ou rédito) para tratar das premissas do silogismo jurídico a final (natureza jurídica do contrato e das prestações debitórias, sem cuidar da necessidade legal da aplicação das Normas de Contabilidade e de Relato Financeiro- (NCRF).
4. A fundamentação da decisão inicia-se pela classificação jurídica do “montante afectado”, tratando logo de aferir se aquele montante representa custos ou lucros repartidos.
5. Ora o silogismo jurídico que fundamenta a decisão impõe primeiro a classificação jurídica do contrato, das c ontra-prestações devidas e realizadas, para a final poder concluir se se trata de ré dito ou custo, e como deveria ser escriturado na contabilidade da recorrente e do beneficiário das prestações, e como seria aquele valor tributado num e noutro caso.
6. A sentença ora recorrida parte da premissa - classificação do “montante afectado” sem curar de que o montante afectado resultava de prestações devidas pela Recorrente à XXX Retail ao abrigo do contrato celebrado com a XXX Retail e a esta pagas, a título de renda variável, no âmbito da execução de um contrato misto de locação e exploração temporária de um estabelecimento comercial de diversão nocturno. Para tal socorre-se da uma norma (artigo 21.º RICR), que tem natureza exemplificativa e não taxativa, como se verifica da simples leitura daquele normativo.
7. Ora, a norma supra referida, que não é uma norma taxativa, do que podem ser custos para efeitos da lei fiscal na operação de uma empresa, não pode ser a base legal para per si, determinar que o “montante afectado” constitui custo e não rendimento.
8. E também não é através desta norma que se faz distinção técnico -fiscal entre rédito e custo, no âmbito de um contrato misto de locação e exploração de um estabelecimento comercial, sendo o caminho lógico o clausulado do contrato que,
em termos substantivos determina a natureza das prestações que as partes quiseram fixar, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, i.e., a Recorrente estava adstrita a pagar à XXX Retail e esta a receber como rédito - o montante da renda operacional/custo variável, sendo que, em termos adjectivos, a Recorrente está sujeita às regras de escrituração contabilística constantes das Normas de Contabilidade e de Relato Financeiro (NCRF), que classificam as rendas na locação operacional como custo operacional, que pode ser fixo ou variável, e assim deve ser descrito na contabilidade da empresa.
9. Entende a sentença recorrida a indispensabilidade de demonstração de que os tais custos foram afectos à actividade empresarial da Recorrente, que houve efectiva realização dos mesmos, ou seja, pagamento à XXX Retail, e recorre a uma interpretação insular de algumas cláusulas do Operating Agreement, desinserindo- as do contexto de um contrato misto de locação e exploração de estabelecimento comercial, para concluir que aquilo que a Recorrente classifica de custo operacional, mais não é do que rendimento/lucro distribuído.
10. Ora, tal não se pode conceder porque o iter lógico jurídico e as regras do silogismo jurídico foram completamente ignoradas e violadas, sendo que o tribunal deveria ter começado a sua análise pela classificação jurídica do contrato celebrado entre Recorrente e XXX Retail, para aferir de que forma deveria classificar as contra-prestações devidas, mormente, a declarada pela Recorrente, ainda que, erradamente a título de “profit sharing”, e proceder a uma correcta aplicação das normas de relato financeiro vigentes em Macau, instruções constantes das Normas de Contabilidade e Relato Financeiro (NCRF), segundo as quais importa a substância do contrato e não a forma que ele reveste, para a final se apurar se tal montante correspondia a um custo ou a um rédito, se constituía ou não um rendimento objecto da norma de incidência fiscal, em sede de imposto complementar de rendimentos, e como tal deveria ou não ser tributado.
11. Não foi isto que sucedeu, e para além da natureza mista do contrato, já por
diversas vezes referido, a verdade é que os acordos que sustentam o contrato misto de locação e exploração de estabelecimento comercial dispõe de normas respeitantes ao incumprimento do contrato (cláusula 2.2 e 2.3 do Suplemental Agreement e cláusula 8.1 e 8.2 do Operating Agreement), ao contrário do postulado na sentença ora em crise.
12. Na medida em que, a sentença recorrida inverteu o iter lógico jurídico e ao não seguir o silogismo jurídico inerente à decisão judicial, partindo da conclusão para as premissas, como supra melhor expendido, e ao interpretar de forma não holística, cláusulas fulcrais para a definição do regime jurídico do contrato misto de locação é exploração do estabelecimento comercial, em causa nos presente autos, tal resulta em interpretação contra legem das mesmas, pelo que a sentença recorrida, violou as alíneas b) e d) do artigo 571.º do Código de Processo Civil, ao abrigo artigo 1.º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que, deve, assim, ser considerada nula.
13. Atendendo à natureza do contrato, e às prestações debitórias constantes no mesmo a cargo da Recorrente chegamos a urna conclusão radicalmente diferente da propugnada pelo tribunal a quo.
14. Nos termos da cláusula 3.1 do Operating Agreement ficou acordado entre XXX Retail e Operador que seria paga urna quantia, que se traduziria na receita líquida, à qual seria deduzida “Royalty”, “Base Fee” e custos operacionais, apenas tendo sido alterada através do “Supplemental Agreement”, passando de 75% para 60%.
15. Pese embora, tenha sido declarado que 60% dos rendimentos líquidos seriam distribuídos à XXX Retail, no valor de MOP$7,179,489.00, tal designação teve por base apenas e só o termo “profit sharing” constante do acordo existente entre a Recorrente e a XXX Retail, que, na verdade não consiste em nada mais do que uma remuneração variável, como retribuição contratual a pagar pela Recorrente pela exploração do espaço (exploração do estab elecimento comercial e diversão nocturna) que acresce à remuneração fixa suportada pela ora Recorrente, paga
pela Recorrente à XXX Retail, em função da locação do espaço.
16. Indo, assim, de encontro à classificação do contrato como um contrato MISTO (locação operacional, designação adoptada para este tipo de contratos, por contraposição à locação financeira, pelas regras internacionais de contabilidade e de relato financeiro, vigentes na RAEM), com elementos de locação e de exploração temporária do estabelecimento, em que há lugar a um pagamento de uma renda fixa e de uma renda contigente, o que seria possível alcançar através de uma análise curada do clausulado pelo tribunal a quo, o que não sucedeu.
17. O valor como declarado, é uma contrapartida devida pelo uso e exploração do espaço cedido pela XXX Retail à Recorrente, indispensável para a realização do fim próprio do contrato, não se entendendo a dúvida do julgador quanto à “verificação do requisito de indispensabilidade para poder qualificar o respectivo montante como custos fiscais no caso sub judice”.
18. E em matéria fiscal, apesar do recurso aos conceitos de outros ramos de direito temos que encontrar a específica regulamentação que in casu cabe, tanto mais que está abrangido por normas de contabilidade e relato financeiro internacional, vigentes na RAEM, que esta tem que obedecer, pelo que, nos termos das instruções constantes das Normas de Contabilidade e Relato Financeiro (NCRF) vigentes em Macau, como acima referidas, em matéria de relato contabilístico impo rta a substância do contrato e não a forma que ele reveste.
19. A este respeito, um trabalho elaborado por Xxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, que tem por base as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro de Portugal, que tem como fonte comum com as normas vigentes em Macau a versão oficial das Normas Internacionais de Relato Financeiro emanadas do International Accounting Standards Board (IASB), que adoptam a classificação da locação como financeira ou operacional, e manda recorrer à substância do contrato e
não apenas à forma, e que na locação operacional não se transfere os riscos e vantagens inerentes à propriedade, o que sucede no presente caso.
20. O montante pago pela Recorrente, e que esta contabilizou corno gasto, cabe na previsão de renda contingente, definida na seguinte forma nas Normas Internacionais de Relato Financeiro: “Renda contingente: é a parte dos pagamentos da locação que não está fixada em quantia mas antes baseada na futura quantia de um factor que se altera sem ser pela passagem do tempo (por exemplo, percentagem de futuras vendas, quantidade de futuro uso, futuros índices de preços, futuras taxas de juro do mercado.” - conforme parágrafo 4 da NCRF 9 - Locações.
21. Sendo também referido que os pagamentos na locação operacional deverão ser considerados como um gasto e, que as rendas na locação operacional têm uma parte fixa e outra variável.
22. O tribunal a quo está adstrito ao tipo legal de contrato que as partes quiseram estabelecer bem como, à aplicação das normas de contabilidade e de relato financeiro que, com clareza, no caso sub judice, indicam como proceder ao relato contabilístico das rendas na locação operacional, não se concedendo a análise subjectiva e desinserida do regime jurídico aplicável in casu feita pelo tribunal a quo, no que respeita às cláusulas do contrato, que interpreta a vontade das partes sem qualquer correspondência na letra do contrato e no regime jurídico aplicável ao mesmo, i.e., o regime misto de locação e exploração de estabelecimento comercial, com o inerente regime de incumprimento, que não tem que estar integralmente plasmado nas cláusulas do próprio contrato como parece erroneamente pretender a sentença ora em crise.
23. Na verdade, no caso em apreço, as normas internacionais de contabilidade e relato financeiro vigentes na RAEM permitem, com segurança escriturar os valores fixos e variáveis das rendas operacionais, prevista no Operating Agreement e Supplemental Agreement, como custos na execução do contrato de locação e de
exploração pela Recorrente.
24. A isto acresce que, da análise do clausulado do Operating Agreement, retira-se que: “(i) a falta de pagamento de qualquer quantia devida ao abrigo daquele contrato constitui o operador numa situação de incumprimento;” e (ii) na cláusula 8.2 são indicadas várias consequências para o incumprimento, sendo a resolução do contrato e devolução imediata do espaço, uma delas.
25. Contrariamente ao entendimento propugnado pelo tribunal a quo, a cláusula 8.1 é suficientemente clara quando enumera as situações em que se incorre em incumprimento, assim, como a cláusula seguinte, as consequências que advêm do incumprimento, assim como, a estatuição do tempo das prestações devidas, que decorre das cláusulas 3.1. do Operating Agreement e 2.2. e 2.3 do Supplemental Agreement, que estabelecem o mês como tempo para cálculo da prestação fixa e da prestação variável e as causas e sanções para o caso de incumprimento.
26. Ou seja, há uma deficiente e errónea interpretação do contrato pela sentença recorrida, que distorce o estabelecido pelas partes e esquece que em tudo em que as partes não previram está regulado no regime legal dos tipos contratuais aplicáveis in casu ao contrato misto inominado de locação e exploração do estabelecimento comercial.
27. O montante declarado pela Recorrente, ainda que sob a designação de lucro, escriturado na rubrica (B.III.9), relativa a gastos e perdas, não constitui um lucro, pois, este montante, pago pela Recorrente, entrou na esfera jurídica da XXX Retail como rendimento resultante do cumprimento do contrato misto inominado, e foi alvo de tributação fiscal em sede de imposto complementar de rendimentos declarados pela XXX Retail, como é, ou devia ser do conhecimento oficioso da recorrida, por força do princípio do inquisitório previsto nos n.º 2 e 3 do artigo 62.º RICR, na busca da verdade material, que deve nortear todo o procedimento tributário na fixação do rendimento colectável.
28. A declaração de rendimento do contribuinte tem que ser fiel à realidade, fazendo
jus ao princípio de tributação real, e este princípio corresponde à cooperação que deve existir entre administração fiscal e contribuinte, sendo facultado à administração fiscal o uso de meios alternativos, recurso às correcções técnicas/avaliação directa ou métodos indirectos .
29. O mesmo montante ao ser considerado e tributado simultaneamente como rédito a duas entidades distintas, Recorrente XXX Retail, constitui uma situação de dupla tributação económica, pois o mesmo rendimento é objecto de tributação, duas vezes, tendo como sujeito passivo duas empresas, entidades jurídicas distintas. Se entrou como pagamento, incremento patrimonial numa empresa, não pode ser classificado como rendimento, incremento patrimonial, da empresa que pagou aquele valor, como custo operacional, pela execução de um contrato de locação e exploração comercial de estabelecimento de diversão nocturno.
30. Ora, a sentença recorrida ao fazer uma incorrecta interpretação do clausulado, das normas fiscais, i.e., artigos 19.º, 20.º e 21.º do RIRC, ao não aplicar os princípios estruturantes do sistema fiscal, maxime princípio da tributação real, ao desatender e não aplicar as normas jurídicas inerentes ao contrato misto de locação e de exploração de estabelecimento comercial, desatendendo e não aplicando in casu as normas de contabilidade e relato financeiro, e, ao não avaliar o vício invocado pela recorrente de falta de fundamentação, padece do vício de erro na aplicação da lei, devendo ser revogada.
Termos em que se requer que, a sentença recorrida ao inverter o iter lógico jurídico, ao não seguir o silogismo jur ídico inerente à decisão judicial, partindo da conclusão para as premissas, como supra melhor expendido, e ao interpretar, de forma não holística, cláusulas essenciais à definição do regime jurídico do contrato misto de locação e de exploração de estabelecimento comercial, em causa nos presentes autos, resultando em interpretação contra-legem das mesmas, violou as alíneas b) a d) do artigo 571.º do Código de Processo Civil, pelo que
deve, por isso, ser declarada nula e, se assim, não se entender, ao fazer uma incorrecta interpretação do clausulado, das normas fiscais, i.e., artigos 19.º e 20.º e 21.º do RIRC, ao não aplicar os princípios estruturantes do sistema fiscal, ao desatender e não aplicar as normas jurídicas inerentes ao contrato misto de locação e de exploração de estabelecimento comercial, desatendendo e não aplicando in casu as normas de contabilidade e relato financeiro, e, ao não avaliar o vício invocado pela recorrente de falta de fundamentação do acto recorrido, padece do vício de erro na aplicação da lei, devendo ser revogada.
Admitido o recurso foi a entidade Recorrida notificada para os termos do mesmo, vindo esta apresentar as suas contra-alegações, concluindo e pedindo que:
1. O presente recurso tem por objecto a sentença do Tribunal Administrativo, de 12.09.18, que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 30.11.17 que manteve o rendimento colectável da recorrente relativo ao ano de 2014 em Mop$17,545,600.00.
2. A Recorrente fundamenta o seu recurso por não ter a sentença avaliado o vício de falta de fundamentação e ter violado o iter lógico e invertido as regras do silogismo jurídico inerente à decisão judicial e ao interpretar de forma não holíst ica cláusulas essenciais à definição do regime jurídico do contrato misto de locação e de exploração de estabelecimento comercial devendo por isso ser considerada nula nos termos das alíneas b) a d) do artigo 571.º CPC e na errada aplicação da lei por parte do tribunal a quo mormente dos artigos 19.º, 20.º e 21.º do RIRC e artigos 114.º e 115.º do CPA.
3. Não se verifica qualquer fundamento para a nulidade da sentença nos termos do artigo 571.º, n.º 1 alíneas b) a d) CPC.
4. De acordo com a jurisprudência da XXXX, só a falta absoluta de fundamentação da sentença, de facto ou de direito, constitui a nulidade a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º CPC. A mera insuficiência ou deficiência de fundamentação detectada na sentença, não já a insuficiência ou incompletude que redunda em erro de julgamento (Acs. TUI de 15.02.12, Proc. n.º 1/2012 e TSI de 23.05.19, Proc. n.º 931/2018; 18.01.18, Proc. n.º 596/2017).
5. A oposição a que se refere o artigo 571.º n.º 1 alínea c) CPC manifesta -se quando os fundamentos invocados pelo julgador deverem ter conduzido logicamente a um resultado decisório oposto àquele que foi alcançado, ou seja, a nulidade só se dá quando se detecta um vício lógico de raciocínio que deveria ter levado a produzir uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor (Acs. TSI de 1.02.18, Proc. 229/2017; 13.09.12, Proc. n.º 396/2012; 13.09.12, Proc. n.º 432 /2012; 19.07.12, Proc. n.º 441/2012; 07.06.12, Proc. n.º 267/2012).
6. A nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 571.º n.º 1, alínea d) CPC só se verifica quando o tribunal ignora pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes. Por isso se diz que, mesmo sem abordar algum dos fundamentos alinhados por eles, não é nula a sentença se esta contiver todos os argumentos de facto e de direito que a sustentam, ainda que, porventura, em erro de julgamento (Acs. TSI de 31.05.12, Proc. n.º 167/2012 e de 01.03.12, Proc. n.º 867/2010))
7. Por outro lado, a sentença pronunciou-se por não se verificar «o vício e forma - ou alegada falta de fundamentação» nem se ter verificado a omissão de pronúncia sobre as questões levantadas pela recorrente em sede de impugnação contenciosa do acto.
8. Não há de modo algum vício de forma por falta de fundamentação conforme unânime e pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores da RAEM - TSI e
TUI - Isto porque, ao ler a deliberação da CRICR verifica-se que a mesma menciona as razões de facto (diferença entre os valores declarados para efeitos de Imposto Complementar pela recorrente e os valores que a contribuinte “proprietária” tem na sua contabilidade como recebidos a título de distribuição de lucros etc.) e as razões de direito (artigo 41.º do RICR) que levaram a Administração a proceder à fixação do rendimento colectável.
9. O destinatário médio consegue, certamente, compreender o raciocínio seguido pelo órgão recorrido - embora possa não concordar com ele, ou entender, por hipótese, que os fundamentos são falsos.
10. A discordância do particular com os fundamentos, ou a falsidade destes, não significam que haja violação do dever de fundamentação. O que o dever de fundamentação do acto administrativo exige é que a Administração baseie a sua decisão num discurso lógico-formal, sem contradições nem ambiguidades independentemente da veracidade dos fundamentos.
11. Não se verifica igualmente erro de aplicação da lei e incorrecta interpretação do contrato (artigos 19.º, 20 .º e 21.º RICR, princípios estruturantes do sistema fiscal e normas de contabilidade e relato financeiro).
12. A sentença recorrida procedeu à análise das várias cláusulas do contrato para concluir e bem por não se verificar a indispensabilidade do montante referido como “distribuição de lucros” como custos necessários à rentabilidade empresarial, sem os quais o contribuinte se viria impossibilitado a realizar os proveitos económicos através do exercício da empresa configurando uma convenção extravagante que vai para além do âmbito do contrato de cedência e exploração do espaço.
13. Não se verifica que o montante em causa tenha sido considerado lucro para ambas as contratantes como resulta da Proposta n.º 362/DIFT/DAIJ/2016RK, de 25.10.16 a fls 76 do processo instrutor no ponto 11 e do ponto 4 da própria deliberação objecto de recurso contencioso.
14. Os contribuintes pertencentes ao Grupo A são tributados nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do RICR, sendo que por contabilidade devidamente organizada entende-se a contabilidade organizada de acordo com o estabelecido nas Normas de Contabilidade aprovadas pelo Regulamento Administrativo n.º 25/2005, conforme o disposto no seu artigo 7.º
15. O imposto complementar de rendimentos incide sobre o rendimento global que as pessoas colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede aufiram na RAEM, nos termos do artigo 2.º do RICR (da sua definição são excluídos os rendimentos dos prédios urbanos - cfr. artigo 3.º).
16. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício da actividade comercial ou industrial calculado nos termos do RICR (artigo 3.º n.º 2).
17. A recorrente pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças (artigo 4.º, n.º 2 RICR).
18. “O rendimento tributável é, em princípio, um rendimento líquido, que se obtem deduzindo ao montante do rendimento tal como ele é produzido e obtido, ou seja o rendimento bruto, os custos e os encargos suportados para a obtenção do rendimento ou para a manutenção da fonte produtora deste rendimento. Quando o rendimento se refere aos resultados do exercício directo de actividades comerciais ou industriais, o rendimento (lucro) tributável é um rendimento realizado que compreende o resultante dos créditos e dívidas certas, de acordo com o princípio contabilístico da especialização do exercício segundo o regime económico, mesmo se, uns e outros, não estão ainda pagos no encerramento do exercício (período de tempo), pelo que, ao co nsiderar-se a realização dos ganhos
ou proveitos, são afastados da tributação os ganhos meramente potenciais” (in Impostos de Macau, Rato Rainha. p 87 e 88).
19. Nos termos do artigo 19.º, n.º 1 RICR o lucro tributável dos contribuintes do grupo A, reportar-se-á ao saldo revelado pela conta de resultados do exercício, ou de ganhos e perdas, elaborada em obediência a sãos princípios de contabilidade, e consistirá na diferença entre todos os proveitos ou ganhos, seja qual for a sua proveniência, realizados no exercício anterior àquele a que o ano fiscal respeitar, e os custos ou perdas imputáveis ao mesmo exercício, uns e outros eventualmente corrigidos nos termos dos artigos 20.º a 35.º do RICR.
20. “Há que ter em atenção que o lucro tributável não é o saldo revelado pela conta de resultados, pois, embora a tenha na sua origem o resultado contabilístico a que se reporta, é objecto das correcções - positivas e negativas - enunciadas na lei e que têm em conta os condicionantes próprios da fiscalidade.” (op. cit p. 88).
21. “O resultado contabilístico é, assim, apenas a base da determinação do lucro tributável. No caso do Regulamento do Imposto Complementar dos Rendimentos, seguindo a estrutura da declaração fiscal de rendimentos dos contribuintes do grupo A, a ligação entre o resultado do exercício e o lucro tributável é a seguinte: o resultado do exercício com as correcções positivas ou negativas previstas nos artigos 20.º a 33.º é o lucro tributável. No caso das sociedades comerciais e civis sob a forma comercial deduz-se ainda a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas (cf RICR, art.º 3, n.º 2). ” (op. cit p. 88 e 89).
22. “A lei também não definiu o sentido absoluto dos conceitos de custos ou perdas (...) enumerando-os o artigo 21.º do RICR de uma forma exemplificativa, tal como acontece com os proveitos. Para efeitos fiscais, consideram-se fundamentalmente” custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora (op. cit. p.88).
23. “Os serviços de fiscalização devem prestar informação sobre os elementos constantes das declarações fiscais de rendimentos e indicar o lucro tributável que deve ser fixado (RICR art. 16.º n.ºs 1 e 2). Deste modo, os serviços técnicos (...) devem verificar a conformidade dos factos declarados e introduzir as alterações necessárias ao correcto apuramento do lucro tributável.” (op. cit. p. 111)
24. É a sentido que a sentença adere ao referir “Da estatuição da supradita norma, seria fácil concluir que não são considerados sem mais, como custos quaisquer despesas geradas pela ocasião do exercício da empresa - é antes imprescindível existir nelas uma conexão necessária com o mesmo exercício, como enumeradas nas alíneas a) e i) da supradita norma. Por outras palavras, somente as despesas que o contribuinte, a fim de realizar os proveitos e manter a rentabilidade empresarial, terá, necessariamente, que suportar, relevam para a determinação da matéria colectável e funcionam como um limite da sua quantificação, sob pena de tributação por excesso.
Neste sentido, embora a norma não se refira de forma expressa, cremos que para o efeito da consideração dos custos, nela está implicitamente contida a exigência do requisito de “indispensabilidade” das despesas, cuja demonstração caberia ao contribuinte.” Sentença que entende também que se se admitisse como custo também não tinham sido provados através do comprovativo de pagamento.
25. E para dissipar a dúvida quanto ao requisito de “indispensabilidade” para poder qualificar o montante como custos fiscais quando está em causa uma quantia correspondente à percentagem de 75% ou 60% da receita líquida para ser distribuída à “XXX Retail” a despeito da sua designação como profit share faz a sentença recorrida análise das várias cláusulas contratuais concluindo que o montante que constitui contraprestação à cedência do direito de utilização do espaço pela proprietária é o que acontece com a taxa base que considera indispensável.
26. E é expressa no dizer ao contrário do que afirma a recorrente “O supra-referido
clausulado, quanto a nós, apresenta-se como uma qualificação jurídica determinada pelas partes que não deveria vincular o juízo do tribunal, da mesma maneira que não afastamos sem mais a possível natureza de “custos” do montante em causa, por simplesmente não ter sido nominado pelas partes como “operating cost” também no supracitado artigo 3.1.”
27. Concluindo “Posto isto, é evidente que a repartição de lucros nestes termos tem o carácter diferente da participação nos lucros dos sócios da sociedade cujo montante deveria ter sido abatido ao rendimento global na incidência objectiva do imposto - nos termos do artigo 3.º n.º 3 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”
28. Enquanto no caso dos autos - em que nos lucros resultantes do exercício de uma pessoa colectiva participa numa outra pessoa colectiva estranha em virtude de um clausulado previamente convencionado - não se aplica o disposto no artigo 10.º, n.ºs 2 alínea b ) e 3, alínea a) do RICR, mas que na ausência de norma legal semelhante a repartição de lucros determinada nestes termos não é oponível contra a Administração Fiscal enquanto terceiro, ou seja, que não obstante o que for convencionado, deverá ser tributado o respectivo rendimento considerado na sua totalidade.
29. Com efeito, sujeito passivo de um imposto é aquele que a lei indica e em relação ao qual se verificou o facto tributário - o rendimento.
30. Em matéria de impostos sobre o rendimento derivados de actividades comerciais e industriais, o facto jurídico que dá origem à obrigação de imposto é a realização do rendimento. Ora, o rendimento global do estabelecimento explorado pela recorrente constitui base da incidência do imposto estabelecido legalmente, como não podia deixar de ser, não podendo ser alterado por qualquer acordo entre partes.
31. Conforme referido nos acórdãos do STA, de 05.09.90, Processo n.º 012168 e de 06.18.08, Processo n.º 0213/08, o sujeito passivo de um imposto é aquele que a lei
indica e em relação ao qual se verificou o facto tributário e não aquele que consta de qualquer acordo ou pacto privado. Tal acordo ou pacto privado esgota a sua eficácia nas relações jurídicas estabelecidas entre os contratantes, não alterando o regime jurídico da obrigação tributária prevista na lei
32. O planeamento fiscal é uma prática que, visando a redução ou o diferimento da carga fiscal do contribuinte, tem a sua admissibilidade desde que seja dentro dos limites da legalidade e da boa fé.
33. No caso sub judice, sendo o contrato em questão, contrato de cessão da exploração de estabelecimento comercial no qual as partes, ao abrigo da liberdade e autonomia contratual, podem estabelecer, entre si, as cláusulas obrigacionais que bem entenderem.
34. Na formulação inicial do contrato em que os lucros eram distribuídos 75% para a “proprietária” teve como resultado que as contas anuais eram sempre deficitárias, constituindo este contrato com esta cláusula um contrato quase “leonino”.
35. Não é admissível nem aceitável que um estabelecimen to com este tipo de negócio lucrativo não gere lucros tributáveis com uma margem adequada conforme as boas práticas e os princípios da neutralidade e legalidade fiscal.
36. E ainda que, na revisão posterior, o lucro da proprietária tenha diminuído para 60%, certo é que este deve ser aferido depois da “operadora” proceder ao pagamento do imposto devido por esse “lucro”, que aliás é de múltiplas formas disfarçado de custos que, afinal, poderão livremente ser repartidos como “lucros”, conforme se pode constar, e.g. nas citadas cláusulas da designada “Reserva DD&E”, que vão sendo descontadas como custo... e afinal poderão ser distribuídas como lucros.
37. Se o faz a expensas do lucro bruto ou se o lucro da “proprietária” é absolutamente líquido isso é problema que não c ompete a Administração fiscal aferir, por estar na esfera da autonomia privada e na disposição da liberdade das partes contratantes.
38. Contudo, a não se entender assim, no entendimento da Administração Fiscal, estamos figura do abuso de direito e por atentar contra a boa fé, urdir uma teia de prestações múltiplas e variáveis da “operadora” em benefício da “proprietária” de modo a impossibilitar ou a reduzir ao mínimo a matéria colectável, como resulta do dito contrato, com as suas alterações subsequentes.
39. Não pode, perante um estabelecimento com a sua facturação anual aceitar passivamente como gasto rendimento da recorrente.
40. A liberdade negocial envolve um problema, ou limite, de legitimidade, no sentido de que a pessoa pode gerir os seus assuntos, mas não os assuntos dos outros. Pelo que ao praticarem actos com o exclusivo intuito de diminuição da carga fiscal, estão não já a gerir apenas os seus assuntos próprios, mas a gerir os assuntos do Estado, os impostos, ingerindo-se na esfera jurídica do Estado, no caso da Administração Fiscal da RAEM.
41. Pese embora o dever de informação dos contribuintes sobre todos os elementos relevantes para a apreciação quer das declarações de rendimentos, quer da contextualização da sua contabilidade organizada e documentos de suporte, o certo é que os contratos celebrados entre os contribuintes, designadamente o “Contrato de Cessão de exploração do estabelecimento Fa City of dreams” (expressão nossa), designado na tradução do documento junto aos autos “Contrato de Exploração City of Dreams E Club”, bem como as cláusulas dos documentos celebrados posteriormente são meramente de natureza obrigacional entre as partes. É manifesto, como se disse supra, que quer o contrato inicial, quer as revisões subsequentes, têm como pressuposto principais quer o acautelar a situação jurídica da “proprietária do estabelecimento” quer, por outro lado, efectuar o planeamento fiscal abusivo da situação da “operadora”, pese embora literalmente seja expresso no ponto 3 do Contrato das partes “Distribuição dos Lucros, Taxa de Base e outros pagamentos” e o estabelecimento da obrigatoriedade do pagamento dos impostos devidos pela “operadora”.
42. Como se pode retirar da doutrina defendida, pretende a recorrente fazer operar através dos encargos a que livremente se vinculou, um esquema com um intuito deliberado e exclusivo de diminuir drasticamente a matéria colectável e, por esta via, a carga fiscal, na medida em que para a recorrente tudo se reconduz a custos, ora fixos, ora variáveis entre os vários que enxameiam o contrato em questão, de tal sorte que pretende distribuir os lucros ou rendimentos, e é disto que efectivamente se trata, antes dos impostos devidos, in casu, o imposto complementar de rendimentos.
43. Não há razões económicas para que a recorrente se tenha sujeitado a cláusulas contratuais tão penalizantes que lhe retirem praticamente todo o lucro que laboriosamente consegue com a constante promoção do seu negócio, com a contratação e publicitação dos DJ’s e ídolos do “showbiz” mais conhecidos mundialmente, e que levam centenas de pessoas ao seu estabelecimento diariamente.
44. Em face das isenções de que beneficia pelo menos a “empresa-mãe” proprietária, que não a que celebrou o contrato com a “operadora”, e da assumpção dos eventuais prejuízos por parte da primeira, bem como da isenção de ICR prevista na Lei do Orçamento, há indícios muito fortes de que o efeito pretendido é a neutralidade do lucro tendo em vista a maior eficácia e eficiência fiscal, em abuso de direito.
45. Certo é que ninguém promove tão rendosa actividade para tão escasso lucro!
46. Não é aceitável que todos os encargos assumidos contratualmente pela recorrente efectuem uma “erosão” à medida de evitar qualquer lucro, por via de imputação em “custos operacionais”.
47. Quanto à questão da dupla tributação invocada pela recorrente apenas em sede de recurso jurisdicional só por este motivo não devia ser apreciada, mas como resulta da Proposta n.º 362/DIFT/DAIJ/2016 RK., de 25.10.16 a fls 76 do processo instrutor, no ponto 11 e do ponto 4 da própria deliberação recorrida tal situação foi
acautelada fazendo-se os devidos ajustamentos.
48. Não restam, assim, dúvidas de que a sentença recorrida não enferma de quaisquer vícios.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser mantida a sentença recorrida de 12.09.18.”
Dada vista dos autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público por este foi opinado no seu Douto parecer que:
“Companhia de Investimento A, Limitada” impugnou contenciosamente a deliberação de 30 de Novembro de 2017, da autoria da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, que mantivera o rendimento colectável que lhe havia sido fixado pela administração tributária para o exercício de 2014, vindo o Tribunal Administrativo a julgar improcedente o respectivo recurso contencioso por sentença de 12 de Setembro de 2019.
Recorre agora de tal sentença, à qual imputa as causas de nulidade previstas no artigo 571.º, n.º 1, alíneas b) a d), do Código de Processo Civil, bem como a violação das normas dos artigos 19.º, 20.º e 21.º do Reg ulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, e ainda uma errada avaliação do vício de forma por falta de fundamentação.
Na sua contraminuta de recurso, a entidade demandada rebate integralmente, uma vez mais, as teses da recorrente, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Vejamos quanto às causas de nulidade da sentença.
A propósito de uma suposta violação do iter jurídico e da inversão das regras do silogismo jurídico, a recorrente diz terem sido cometidas as nulidades previstas nas três mencionadas alíneas do artigo 571.º do Código de Processo Civil, a saber: falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão; oposição entre os fundamentos e a decisão; omissão de pronúncia e excesso de pronúncia.
Diga-se, antes de mais, que a recorrente não individualiza, nem concretiza ou explicita devidamente, como lhe era exigível, a ocorrência das imputadas nulidades.
Pois bem, como se apura dos pontos II e III da sentença, esta especificou os factos que teve por assentes, à luz da sua relevância para a decisão da causa, e aplicou justificada e explicitadamente o direito a esses factos, jogando com as normas aplicáveis do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, convocando os princípios de direito fiscal que teve por pertinentes e procedendo à análise e interpretação das cláusulas contratuais que considerou relevantes. Não ocorre a aventada falta de fundamentação, muito menos a falta absoluta que importa a nulidade.
Não se detecta também qualquer oposição ou contradição entr e os fundamentos e a decisão. O raciocínio e a argumentação utilizados na fundamentação conduzem à improcedência dos vícios imputados ao acto e, logicamente, ao não provimento do recurso contencioso, como sucedeu.
Em matéria de omissão ou de excesso de pronúncia, também não vislumbramos a existência de qualquer nulidade. Há omissão de pronúncia quando o tribunal não se debruça sobre questões que devesse apreciar, como ressuma da invocada norma do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Em contencioso administrativo de anulação, as questões de índole substantiva que o tribunal é chamado a resolver são as da validade ou invalidade do acto, em função da improcedência ou da procedência dos vícios que lhe são imputados. A sentença pronunciou-se sobre todas essas questões que haviam sido postas ao tribunal, pelo que não há omissão de pronúncia. E, por outro lado, a sentença não foi além daquilo que o tribunal fora chamado a conhecer e estava obrigado a conhecer, pelo que inexiste excesso de pronúncia.
Improcedem, pois, as invocadas nulidades.
Quanto aos erros de julgamento, estamos em crer que não houve violação, por erro de interpretação ou de aplicação, das referidas normas do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
O que estava em causa era saber se a cláusula contratual que literalmente prevê, a título de partilha de lucros ( profit sharing), a adjudicação de 75% dos lucros ao proprietário/locador, posteriormente alterada para 60%, contempla uma renda variável,
enquadrável nos custos do exercício, como sustenta a recorrente, ou se, ao invés, consiste numa real partilha de lucros, estranha e não indispensável à realização dos ganhos e à manutenção da fonte produtora, que, por isso, não pode ser englobada nas perdas ou custos do exercício.
Concordamos com a recorrente, quando argumenta dizendo que o que conta, na tentativa de surpreender o verdadeiro alcance daquela cláusula, é o substrato do contrato. Mas cremos que foi justamente isso o que a sentença impugnada fez. Para concluir naquele último sentido, a sentença debruçou-se sobre o contrato e analisou, numa perspectiva crítica e integrada, as cláusulas contratuais que interessava ponderar para o efeito, tendo destacado justificadamente o aspecto de cogência de algumas cláusulas, nomeadamente as que contemplam a base fee, por contraposição com as que prevêem a repartição de lucros, às quais não aparecem associadas estipulações sobre timings e coercibilidade dos pagamentos. Crê-se que é uma interpretação consentida pela letra do contrato, que não resulta inviabilizada pelo espírito global ou substrato do contrato, e que se apresenta razoável à luz
dos usos do comércio.
Daí que aquele montante de 60% dos lucros, que contratualmente deve reverter para o locador/proprietário, não revista foros de custos ou perdas a imputar ao exercício, em vista do cálculo do lucro tributável, pelo que, tenha ou não revertido efectivamente para o locador, não releva como custo para o cômputo do rendimento tributável, à luz dos artigos 19.º a 21.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
Improcede também este fundamento do recurso.
Por último, não há dúvidas de que foi efectivamente apreciada a questão da falta de fundamentação, como melhor se vê a fls. 263 dos autos, e cremos que, nessa apreciação, o tribunal não incorreu em erro.
Como a sentença vincou, a entidade contenciosamente recorrida externou suficientemente as razões da sua decisão, em termos de permitir a um destinatário médio apreender os motivos que a levaram a decidir daquela forma e não doutra. Na verdade, a deliberação impugnada equaciona e decide as questões essenciais que estavam em causa na
reclamação que lhe foi dirigida, e reporta-as ao quadro normativo da fixação do rendimento colectável em sede de imposto complementar de rendimentos, assim evidenciando as razões de facto e de direito da deliberação adoptada, através da qual é mantido o rendimento colectável fixado pela autoridade tributária para o exercício de 2014.
Tanto basta, cremos, para que o acto se tenha por fundamentado à luz dos artigos 114.º e 115.º do Código do Procedimento Administrativo. Elucidativo de que o exigível dever de fundamentação foi cumprido é o teor da petição de recurso, da qual resulta claro que a recorrente compreendeu a motivação da decisão, ou seja, a razão que levou a Comissão a decidir da forma como decidiu e não da forma propugnada pela recorrente.
Improcede este suscitado erro no julgamento do vício de forma.
Em suma, não vislumbramos reparo a dirigir à decisão recorrida, que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença recorrida e dos elementos constantes dos autos, apurou-se a seguinte factualidade:
⮚ A recorrente encontrava-se registada junto da Direcção dos Serviços de Finanças como contribuinte do grupo B, sendo o seu número do contribuinte ******41, actualmente registada como contribuinte do Grupo A;
⮚ A recorrente é uma sociedade comercial que tem por objecto social a compra e venda e compra de imóveis e investimento imobiliário, gestão comercial e administrativa e a exploração de actividade de sala de dança e karaoke (vide fls. 14 a 22 dos autos);
⮚ Em 28 de Abril de 2010, foi celebrado entre "B Investments Limited" e "C (XXX) Retail Services Limited", (doravante "XXX Retail") um "Operating Agreement", quanto à utilização e exploração de E Club (vide fls. 34 a 56v dos autos);
⮚ No âmbito deste "Operating Agreement", foi convencionado o clausulado - artigo 3 em que 75% dos lucros serão atribuídos à " XXX Retail" (ibid.);
⮚ Em 14 de Janeiro de 2011, se operou uma novação através da qual a Recorrente se substituiu na posição da "B Investments Limited" no referido "Operating Agreement" (vide fls. 57 a 59v dos autos);
⮚ Em 28 de Novembro de 2012, foi celebrado um "Supplemental Agreement" entre a Recorrente e "XXX Retail" (vide fls. 60 a 61 v dos autos);
⮚ Pela celebração do referido "Supplemental Agreement", foi convencionada no seu artigo 2.3, a alteração do supradito ratio na partilha dos lucros, de 75%/25% para 60%/40% (ibid.);
⮚ Em 21 de Setembro de 2015, a ora recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos - Grupo "A", modelo M/l, respeitante ao exercício de 2014, tendo declarado como lucro tributável no valor de MOP$10,366,087.00, juntando ainda o balancete elaborado pela Sociedade de Auditores "D CPAs" e outros documentos contabilísticos (vide fls. 67 a 74v do P.A.);
⮚ Em 31 de Maio de 2016, a recorrente foi notificada da fixação de rendimento, tendo sido fixado o rendimento colectável de MOP$10,366,l00.00, e o imposto a pagar no valor total de MOP$1,171,932.00 (vide fls. 131 do P.A.);
⮚ A recorrente procedeu ao pagamento do referido imposto conforme M/7 (vide fls. 133 do P.A.);
⮚ Em 6 de Junho de 2017, o Director dos Serviços de Finanças emitiu de novo à recorrente a Notificação de Fixação de Rendimento do Imposto Complementar de Rendimentos (modelo M/5), em que lhe foi fixado o rendimento colectável MOP$17,545,600.00 respeitante ao mesmo exercício, e o imposto a pagar no valor total de MOP$2,033,472.00 (vide fls. 138 do P.A.);
⮚ Ainda segundo a supradita notificação, o recorrente terá de pagar a diferença de imposto no valor de MOP$861,540.00 (ibid);
⮚ Em 27 de Junho de 2017, a recorrente reclamou contra a supradita decisão junto da entidade recorrida (vide fls. 109 a 112v do P.A.);
⮚ Em 30 de Novembro de 2017, a entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação, para o exercício de 2014, mantendo o rendimento colectável de MOP$17,545,600.00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte:
“ 1. No presente caso, o montante acrescentado (proveniente do rendimento de
exploração do F, no valor de $7.179.489) ao rendimento colectável diz respeito realmente à questão de que os lucros pertencem ao sujeito passivo de imposto, ou ao sujeito verdadeiramente obrigado à declaração e ao pagamento de imposto.
2. Quanto ao referido rendimento de exploração do F, existem, para além da contribuinte reclamante do caso vertente (doravante designada por A, contribuinte do Grupo B do Imposto Complementar de Rendimentos), também outras contribuintes, ou seja, a sociedade «C (XXX) Hotéis, Limitada» (doravante designada por C), contribuinte (n.º ******81) do Grupo A do
Imposto Complementar de Rendimentos, e a sociedade «C (XXX) Retail Services, Limited» (doravante designada por XXX Retail), também contribuinte (n.º
******64) do Grupo A do Imposto Complementar de Rendimentos.
3. O supra mencionado “F” tem o nome completo de “Club F” (anteriormente conhecido como “F XXX”, contribuinte da contribuição industrial, n.º 17****, daqui em diante designado por F). É um dos estabelecimentos comerciais do C.
4. A XXX Retail e a A celebraram em privado o acordo no sentido de repartirem os lucros e perdas do F para efeitos da declaração do imposto complementar de rendimentos, conduta essa que carece de fundamentos e viola o princípio de se computar os rendimentos globais da actividade como montante tributável. Portanto, a autoridade fiscal não aceita a dita repartição acordada entre a XXX Retail e A, e não aceita que parte dos lucros líquidos do F fosse computada como rendimentos tributáveis da XXX Retail, ou seja, contribuinte do Grupo A (actualizações efectuadas a ambas as partes para eliminar a dupla tributação).
5. Tendo em conta que a exploração do estabelecimento F foi da responsabilidade da A, todos os lucros ou perdas do mesmo devia ter sido computados como rendimentos da A, para efeitos do apuramento do rendimento colectável desta. Disso resultou a presente reclamação.
6. Apesar de a contribuinte reclamante pertencer ao Grupo B do Imposto Complementar de Rendimentos, da sua Declaração de Rendimentos M/1 consta que ela possui o registo contabilístico adequadamente elaborado. Nos termos do RA n.º 25/2005 da RAEM, se uma empresa ou entidade dispuser da contabilidade adequadamente elaborada de acordo com o exigido, a preparação das suas contas contabilísticas e demonstrações financeiras deve observar o exigido pelas Normas de Contabilidade (Normas Sucintas de Relato Financeiro e Normas de Relato Financeiro). Quanto à definição da receita, estipula que “…a receita refere-se aos influxos globais dos interesses económicos decorrentes da actividade de exploração normal do sujeito, que levam ao aumento dos direitos e
interesses na respectiva fase…” O elemento chave do presente caso é a consideração dos rendimentos globais, não podendo ser meramente computados os lucros líquidos da exploração (como já discutido no ponto 4 anterior).
7. Na verdade, o montante acrescentado pela autoridade fiscal já compreende os encargos ou custos incorridos, por se declarar ou se comprovar ser “lucros líquidos” ou “partilha de lucros”. Tal como se refere no ponto 1 anterior, o sujeito passivo de imposto a quem os lucros pertençam fica obrigado a declarar ou pagar o imposto. A fim da cobrança integral do rendimento colectável efectivo, a administração fiscal certamente não vai permitir a dedução antes de impostos ao sujeito contribuinte a quem pertençam os lucros. No que tange à repartição posterior de “lucros líquidos” ou à “partilha posterior de lucros”, trata-se apenas da questão do seu acordo celebrado em privado (que não tem a ver com o apuramento de lucros ou perdas, mas se assemelha à partilha de direitos e interesses). Face aos princípios fiscais e contabilísticos supra mencionados, não assiste razão à reclamação.
Por conseguinte, esta Comissão delibera não aceitar a presente reclamação, mantendo o rendimento colectável do exercíci o de 2014 em MOP$17.545.600,00. Ao abrigo do disposto no artigo 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, mais delibera fixar o agravamento em 0.2% sobre a colecta de MOP$861,540.00…” (vide fls. 156 e v do P.A.)
⮚ A recorrente em 12 de Fevereiro de 2018 interpôs o presente recurso contencioso.
b) Do Direito
Nas suas conclusões de recurso insurge-se a Recorrente contra a qualificação jurídica que na sentença sob recurso se faz da verba
em questão concluindo que ao considerar que os valores pagos a título de “profit sharing” à XXX Retail estavam sujeitos a imposto enferma do vício de violação de lei e que é nula por não ter apreciado o vício de falta de fundamentação invocado pela Recorrente.
A primeira questão a apreciar consiste na caracterização do valor pago pela Recorrente à XXX Retail a título de “profit sharing”.
A Recorrente sustenta ao longo de todo o processo que ao caso se aplica a regra 9 da Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro, a qual se destina a prescrever as regras aplicáveis às locações, segundo a qual o valor pago a título de “profit sharing” é uma “Renda contingente”.
Porém, antes de se determinar se esta norma contabilística e de relato financeiro é aplicável ao caso em apreço há que proceder à qualificação jurídica do contrato em causa, uma vez que, se não for locação desde logo se afasta a aplicação de normas a esta respeitantes.
Relativamente aos contratos de cedência de loja em centro comercial pese embora inicialmente hajam sido classificados como
contratos de locação, tem vindo a Doutrina e a Jurisprudência a qualificá-los como contratos atípicos ou inominados.
Neste sentido mostra-se esclarecedor o Acórdão do TUI 16.11.2016 proferido no processo 71/2016:
«3. Qualificação do contrato celebrado entre a proprietária do centro comercial e os lojistas
Dos contratos dos autos resulta que a proprietária do centro comercial se obrigou a proporcionar o gozo temporário de um espaço comercial naquele centro a cada um dos lojistas, recebendo como contrapartida uma quantia em dinheiro. Dito apenas isto pareceria que estaríamos perante a figura da locação, na versão de arrendamento comercial, a que se referem os artigos 969.º, 970.º e 1045.º do Código Civil.
Aquando do aparecimento dos centros comerciais na segunda metade do século XX e dos litígios envolvendo os proprietários dos centros e os promotores (quando as duas figuras não se reuniam numa só) ou entre os promotores e os lojistas, a doutrina e a jurisprudência, por exemplo, no Brasil e em Portugal, começou por qualificar os contratos entre o proprietário do centro comercial ou o promotor e os lojistas como arrendamentos.
Mas rapidamente se percebeu que os direitos e obrigações das partes fugiam ao modelo do arrendamento, visto que muitas prestações eram típicas do contrato de prestação de serviços. Uma parte da doutrina e da jurisprudência aderiu, então, à qualificação dos contratos como mistos, de arrendamento e prestação de serviços.
Como se sabe, o contrato misto é aquele “no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”1, integrando-se, assim, na categoria dos contratos atípicos ou inominados, consentidos pelo princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 399.º do Código Civil.
1 XXXXXXX XXXXXX, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 10.ª edição, reimpressão de 2003, I volume, p. 279.
Gradualmente, foi ganhando força a qualificação como um puro contrato inominado, entendimento este que acabou por impor-se decisivamente, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Para tal contribuiu a consideração de que este contrato “se não integra no simples esquema de um contrato misto, visto este só abranger dogmaticamente os contratos com várias prestações, quando estas pertençam a dois ou mais contratos típicos ”2.
Acrescenta XXXXXXX XXXXXX que não é esse o caso do contrato realizado com o lojista, por duas razões:
“Primeiro, porque num exame analítico atento da contribuição global do fundador, promotor ou administrador do centro comercial, ao lado de prestações próprias do contrato de locação e do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º), outros elementos essenciais existem que não cabem nem no esquema da locação, nem na causa objectivo da prestação de serviços.
É o que sucede, nomeadamente, com a integração do lojista no conjunto seleccionado de estabelecimentos que rodeiam a sua loja3, com a existência do parque de estacionamento que favorece o acesso da sua clientela, bem como da dos demais lojistas, ou com a instalação de locais de diversão, que atraem os filhos dos compradores. Trata-se de elementos ou factores que representam um incontestável benefício patrimonial para o lojista (uma verdadeira atribuição patrimonial que ele aufere) e que, todavia, não revestem a forma de uma prestação de serviços a que o explorador do centro fique adstrito em face de qualquer dos lojistas.
Segundo, porque o conjunto das prestações efectuadas ou prometidas pelo promotor do centro introduz no contrato uma causa típica, global, que não encontra tradução
2 XXXXXXX XXXXXX, Das Obrigações…, I Volume, p. 298 e 299.
3 É Xxxxxxxx Ascensão quem destaca, no parecer inédito junto aos autos na acção julgada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 1990 (em que foi relator o Des. Amaral Barata e em que foram partes a Empresa Imobiliária da Fonte Nova, de um lado, e Xxxxxxx Xxxxxx, do outro), esse aspecto da integração empresarial, como característica fundamental do contrato para instalação do lojista.
adequada em nenhum dos contratos típicos previstos na Lei, nem na junção de quaisquer deles.
A única conclusão que pode assim extrair-se da análise do conteúdo do contrato para instalação do lojista no centro e do seu confronto com os contrato típicos regulados na lei civil é o de que se trata de um contrato atípico ou inominado”4.
4. Qualificação do contrato celebrado entre a proprietária do centro comercial e os lojistas. Continuação.
Que dizer das três soluções propostas?
O contrato de arrendamento é, à partida, de excluir “pela razão de que a complexidade da figura não cabe nos varais limitados desse contrato”5 . “Se no arrendamento típico se pode ver na renda estipulada a contrapartida devida pela cedência do gozo da coisa, já no contrato que ora analisamos as prestações pecuniárias acordadas (de montante parcialmente variável) surgem como correlato da prestação de um conjunto vasto de serviços e da disponibilidade de um local cujas características específicas se não alheiam de uma ímpar tarefa de concepção, acometida a uma das partes do negócio”6.
O contrato misto parece também de excluir, visto que do que se trata, nos contratos dos lojistas dos centros comerciais é, nas palavras de XXXXX XXXXXXX XX XXXXX0, “do enquadramento, da incorporação, de cada lojista no complexo organizacional, e com isso na sujeição ao regulamento respectivo, projectado e pensado ao pormenor pelo organizador do centro. É a razão de Xxxxxxx Xxxxxx, de Xxxxxxx Xxxxx, e da última jurisprudência. É isso
4 Mais desenvolvidamente, XXXXXXX XXXXXX, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.2.1995, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, p. 371 e segs.
5 XXXXX XXXXXXX XX XXXXX, Contratos Mistos (União de Contratos). Os Centros Comerciais (Shopping Centers). Problemática e Soluções, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano III, 2006, p. 368.
6 XXXX XXXXXX XXXXXXX, Sobre a Atipicidade dos Contratos de Instalação de Lojistas em centros Comerciais, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 2004, p. 712 a 714.
7 XXXXX XXXXXXX XX XXXXX, Contratos Mistos…, p. 372.
que caracteriza este contrato e é nisso que consiste a sua causa. É isso que o organizador do centro e cada um dos lojistas quiseram ao celebrar o contrato”.
A conclusão é, pois, a de que estamos perante um contrato atípico. ».
No citado Xxxxxxx do TUI concluiu-se pela não sujeição destes contratos a imposto de selo precisamente porque não se trata de um contrato de arrendamento mas de um contrato atípico ou inominado.
Em sentido idêntico concluiu a Autoridade Tributária Portuguesa nas informações vinculativas proferidas nos processos 2018000080 – IVE nº 13116 e nº 2783, em matéria de imposto de selo e de IVA respectivamente.
Ora, se o contrato em causa é um contrato atípico ou inominado não se lhe aplicam as regras da locação, pelo que, fica desde logo afastada a regra 9 das NCRF que a Recorrente invoca pretendendo integrar a quantia paga a título de partilha de lucros na renda contingente.
O contrato celebrado pela Recorrente com o XXX Retail é um contrato com características próprias celebrado no âmbito da liberdade contratual do qual fazem parte prestações de ambas as partes distintas de um contrato de arrendamento ou de um contrato
de prestação de serviços, em que, a participação nos lucros é uma delas.
Da interpretação feita pela letra do contrato em momento algum resulta que a atribuição de 75% inicialmente e agora 60% dos lucros gerados ao dono do espaço é indispensável à realização dos ganhos e à manutenção da fonte produtora. Aliás isso é o que expressamente resulta do texto da cláusula 3.1 (fls. 37) onde sem dúvida se refere que os proveitos a dividir/partilhar são os que resultam depois dos custos de operação.
Assim sendo, e porque no caso em apreço como vem sendo entendimento da jurisprudência dominante não se trata de um contrato de locação, bem andou, a Administração Fiscal e a sentença recorrida ao considerarem o valor em causa como lucro para efeitos de tributação.
Destarte, acompanhando a posição assumida no Douto Parecer do Ministério Público deve ser negado provimento ao recurso na parte em que entende que o valor em causa deve ser contabilizado como um custo.
Da omissão de pronúncia quanto ao vício de forma por falta de fundamentação.
Quanto à alegada omissão de pronúncia por a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre o invocado vício de forma por falta de fundamentação, remetemos para o último parágrafo de página 22 e os quatro parágrafos da página 23, da sentença recorrida onde a questão foi abordada e decidida, pelo que, é manifesta a falta de fundamento do vício invocado, nada mais havendo a dizer.
III. DECISÃO
Termos em que pelos fundamentos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 29 de Outubro de 2020
(Relator)
Xxx Xxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Xxx Xxx Xxxx
(Xxxxxxx Xxxx-Xxxxxxx) Xxxx Xxx Xxxxx
Mai Man Ieng