A TUTELA DA CONFIANÇA
A TUTELA DA CONFIANÇA
NAS NEGOCIAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS(*)
Pelo Dr. Xxxx Xxxxxxxx(**)
Sumário:
I — Preliminares; Razão de ordem. II — A delimitação do Período Pré-
-contratual. III — As Regras Aplicáveis nas Negociações pré-contra- tuais. IV — A Responsabilidade Pré-contratual e a Tutela da Confiança dos Negociadores. V — A Reparação do “dano de confiança”. VI — Conclusão.
I — PRELIMINARES; RAZÃO DE ORDEM
No estado natural, o homem é livre, segundo XXXXXXXX(1), de dizer e desdizer-se. Eis a sua asserção:
“Suponhamos alguém que, verbalmente, deu a sua palavra para cumprir esta ou aquela acção, que, do ponto de vista do exer- cício do seu direito pessoal, pode abster-se de cumprir. Ou ao con- trário, que deu a sua palavra para se abster de uma acção que pode realizar. A palavra dada só mantém a sua validade enquanto não se alterar a vontade de quem se comprometeu. Na verdade, uma vez
(*) Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em Direito dos Contra- tos do Instituto de Cooperação Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2010/11).
(**) Docente da Faculdade de Direito da Universidade Xxxxxxxxx Xxxx. (0) 0000-0000.
que detém o poder de retomar a sua palavra, de nenhuma forma poderá ter alienado o seu direito, mas só expressou meras palavras. Por conseguinte, bastará que aquele homem, que permaneceu em virtude do direito natural o único árbitro das suas acções, considere desavantajosa a palavra dada. Pouco importa que essa apreciação seja ou não errónea, pois o ser humano é falível. Contudo, se, ele estima que a sua palavra deva ser retomada, retoma-la-á de pleno direito natural.”(2)
O pensamento astucioso do filósofo da liberdade não encon- traria acolhimento nos tempos dos grandes jurisconsultos roma- nos do século VI, que formularam no Digesto(3) a regra segundo a qual “grave est fidem fallere” (é grave trair a confiança ou faltar à palavra).
Muito menos suscitará o entusiasmo e a adesão dos juristas dos nossos tempos. Com efeito, a moral contemporânea reprova uma actuação que falte à fé jurada, à palavra dada. CARNEIRO DA FRADA observa, na sua Tese de Doutoramento, a “reprovabi- lidade ética do defraudar injustificado de uma atitude de confiança que se suscitou”(4). Ainda que a palavra dada não implique sempre
(2) Tradução livre. Versão francesa original: “Admettons que quelqu’un ait donné sa parole verbalment, d’accomplir telle ou telle action, dont, du point de vue de l’exercice de son droit personnel, il pourrait s’abstenir. Ou au contraire qu’il ait donné sa parole de s’abstenir d’une action, qu’il pourrait accomplir. Cette parole reste valide seulement tant que la volonté de celui qui s’engageait ne change pas. En vérité, du fait qu’il détient la puissance de reprendre sa parole, il n’a nullement aliéné son droit, mais n’a engagé que des mots. Par conséquent, il suffit que cet homme, demeuré en vertu du droit de nature seul arbitre de ses actions, considere la parole donnée comme plus désavantageuse qu’avantageuse. Peu importe que cette appréciation soi ou non erronée, car l’être humain est faillible. Néanmoins, si, quant à lui, il estime que sa parole doit être reprise, il la reprendra d’un plein droit de nature”. XXXXXXX, “Traité de l’autorité politique”, publié en 1677 dans les Opera posthuma, trad. franç. in Spinoza, Oeuvres complètes, éd. Xx Xxxxxxx, 0000, p. 928; Apud TERRÉ, F., XXXXXX, P. et LEQUETTE, Y., Les Obligations, 8e ed., Précis Dalloz, 2002, p. 5; XXXXXXXXX-XXXXXX, Xxxxxxxxx, La Confiance Légitime et l’Estoppel, vol. 11.3 Electronic Journal of Comparative Law, (December 2007), <xxxx://xxx.xxxx.xxx/000/xxxxxxx000-0.xxx>; XVIIth Congress of the International Academy of Comparative Law, 16-22 July 2006 — Utrecht — The Netherlands:
<xxxx://xxx0.xxx.xx.xx/xxxx/XXXX>.
(3) Digesto 13,5,1 pr. Vide XXXXXXXX, Xxxxxxxx, Dicionário de Latim Jurídico, Almedina, 2006, n.º 4422, p. 165.
(4) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 26.
a formação de um contrato, ela poderá suscitar no espírito de outrem uma expectativa legítima que mereça a tutela do direito. As relações entre pessoas, ensina o Prof. PAIS DE VASCON- CELOS, pressupõe um mínimo de confiança sem a qual não seriam possíveis; de confiança na outra parte e confiança nas cir- cunstâncias do negócio e nas aparências. É o denominado princípio da tutela da confiança que assume duas componentes inseparáveis:
uma ético-jurídica e outra de segurança no tráfico jurídico(5/6).
No dizer do Prof. XXXXX XXXXXXX, a tutela da confiança revela-se prima facie como um princípio concretizador do Estado de Direito, uma exigência sine qua non para a segurança do tráfico jurídico e uma vida colectiva pacífica e de cooperação(7). O equilí- brio social e a paz jurídica assentam largamente na permanência das posições jurídicas e na realização das legítimas expectativas geradas nas relações entre privados e entre estes e o Estado. Fun- dam-se na tutela da confiança, nomeadamente, a não retroactivi- dade das leis, o efeito de caso julgado das sentenças e a adopção de critérios objectivos de interpretação e integração dos negócios jurí- dicos(8/9).
(5) VASCONCELOS, Xxxxx Xxxx de, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2005, p. 19 e ss.
(6) Xxxxxxxx Ascensão defende que: “a confiança pode ser tomada como realidade: abstracta, potencial ou concreta. 1) Abstracta: a confiança é factor pré-legislativo. A regra visará criar um ambiente de confiança, mas não há que pesquisar se essa confiança foi real- mente criada. O direccionamento à confiança servirá apenas como factor de interpretação das normas. 2) Potencial: exige-se a verificação histórica duma situação potencialmente apta a criar confiança; mas prescinde-se da verificação da criação subjectiva de confiança, em consequência dessa situação. 3) Concreta: implica a criação histórica duma posição de confiança dum sujeito, perante certa situação. É esta que verdadeiramente interessa, como realidade pessoal e subjectiva. As outras são ainda realidades objectivas, e assim estranhas ao sujeito. Só tem inconvenientes designá-las por si como manifestação do princípio da confiança. (…)” ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2003, p. 395-396.
(7) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional Privado, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 42.
(8) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., pp. 42-43.
(9) O Supremo Tribunal de Justiça português, no seu recente Acórdão de 07-07-
-2010, afirmou que o “princípio da confiança surge como um dos princípios fundamen- tais por que se deve reger o ordenamento jurídico” Proc. 4865/07.7TVLSB.L1.S1;
<xxxx://xxx.xxxx.xx>.
Em segundo lugar, a tutela da confiança constitui um impera- tivo ético-jurídico, que encontra expressão nas disposições legais que consagram o princípio da boa-fé. Por força do princípio da boa fé, quem crê efectivamente na bondade da sua própria posição jurí- dica merece uma certa tutela do Direito, sendo proscritos os com- portamentos enganosos, abusivos ou contraditórios in contra- hendo, no cumprimento das obrigações e no exercício de direitos em geral, bem como o venire contra factum proprium(10).
Conforme XXXXXXXX XXXXXXX, “o princípio da con- fiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”(11).
Para a maioria dos autores portugueses(12), a tutela da confiança pressupõe a verificação de quatro requisitos: (i) uma situação de confiança traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia; (ii) uma justificação para essa confiança, sem desa- certo dos deveres de indagação razoáveis; (iii) um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada, em termos que desaconselham o seu preterir; (iv) uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante(13). Tal unanimidade é reconhecida pelo Prof. MENEZES COR- DEIRO que, a propósito, afirma que “a diversidade que domina o panorama das referências legais expressas à confiança ocorre no plano geográfico da sua distribuição. Nos seus pressupostos como nas suas consequências, há certa uniformidade o que, à mingua de tratamentos globais votados ao tema, revela um poderoso pré-
-entendimento comum da temática”(14).
(10) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., pp. 42-43.
(11) XXXXXXX, Xxxxxxxx, Tutela da Confiança e “Venire contra factum pro- prium”, in Obra Dispersa, I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, p. 352.
(12) VASCONCELOS, Xxxxx Xxxx de, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 3.ª Ed., Almedina, 2005, p. 21; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil Português, I; Parte Geral, I, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 234 e ss.
(13) No mesmo sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26-05-
-2004, proc. n.º 902/04-2; xxxx://xxx.xxxx.xx
(14) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 1248.
Existirá, no nosso Direito, uma tutela da confiança das partes envolvidas nas negociações pré-contratuais? Se sim, como a con- fiança dos negociadores encontra, entre nós, a sua protecção? Esta problemática está no cerne da nossa dissertação. Para equacioná- la, principiaremos por umas breves considerações sobre a questão da delimitação do período pré-contratual. Em seguida, abordare- mos as regras de conduta aplicáveis às negociações pré-contra- tuais. Passaremos, depois, à análise do instituto da responsabili- dade pré-contratual e da tutela da confiança durante as negociações pré-contratuais. Por fim, trataremos da extensão da responsabili- dade da parte que origine o “dano de confiança”.
Cumpre advertir, desde já, que, em bom rigor, o Direito ango-
lano confunde-se com o Direito português no que respeita ao objecto do presente estudo. Não existindo sobre a matéria aqui tra- tada, doutrina e jurisprudência publicadas em Angola, valerão, sem dúvidas, no nosso direito, a doutrina e a jurisprudência portugue- sas. Aliás, as referências feitas ao Código Civil coincidem nos dois casos, razão pela qual não nos preocuparemos de especificar se se trata do Código Civil português ou angolano.
Outra advertência refere-se à delimitação da temática que cin- gimos à questão da tutela da confiança nas negociações pré-contra- tuais, visando a celebração de contratos [complexos] internos, não sendo objecto de nossa reflexão as particularidades dessas nego- ciações para a formação de contratos [comerciais] internacionais. Por fim, não cuidaremos especialmente, no âmbito do pre- sente estudo, da problemática dos acordos intermédios ou da con-
tratação “mitigada” na fase pré-contratual.
II — A DELIMITAÇÃO DO PERÍODO PRÉ-CON- TRATUAL
É consabido que múltiplos contratos se formam rapidamente pelo mero encontro de uma oferta e de uma aceitação, sem que existam, ou não existindo quase, anteriores aproximações dos con- traentes ou negociações prévias. Este modelo corresponde a situa-
ções da vida de todos os dias(15). XXXXXXX XXXXX fornece-nos alguns exemplos práticos: A entra numa livraria e adquire um livro; B instala-se num hotel ou toma uma refeição num restaurante; C dirige-se a um estabelecimento da especialidade e adquire uma peça vestuária(16).
Contudo, também decorre da experiência quotidiana, ensina o mesmo autor, a realidade de muitos outros contratos que não obe- decem a esquema tão simples e imediato(17). Trata-se de contratos de maior vulto e complexidade, como sucede, via de regra, com alguns contratos internos e com contratos internacionais(18). “Veja- mos: A deseja comprar uma moradia e, com essa intenção, procede a investigações sobre as particularidades do imóvel indicado pelo vendedor, discute com ele algumas adaptações, assim como o preço e os termos do pagamento; B pretende constituir uma socie- dade destinada à fabricação de certo produto, para o que, além da vontade dos futuros sócios, se torna necessário realizar ensaios, análises, pesquisas, prospecção do mercado, etc”(19).
No meio industrializado contemporâneo, onde sectores signifi- cativos da actividade empresarial se ligam a consideráveis operações financeiras, são, de facto, cada vez mais frequentes os negócios em que os respectivos preliminares se alongam e pormenorizam. O fenómeno explica-se pela importância e a complexidade crescen- tes dos bens e serviços que constituem objecto do comércio jurídico e dos mecanismos através dos quais este se realiza(20).
Nesse contexto, os contratos são precedidos de um processo genético, em que cabem vários e sucessivos trâmites, tais como entrevistas e outras formas de diálogo, estudos individuais ou em conjunto, experiências, consultas técnicas, viagens de esclareci- mento pessoal, redução a escrito de aspectos parcelares ou acordos provisórios e a unificação destes num projecto ou minuta, incita-
(15) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Almedina, 2009,
p. 298 e ss.
(16) Ibid.
(17) Ibid.
(18) XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, “Acordos intermédios: entre o início e o termo das negociações para a celebração de um contrato”, ROA 57, 1997, p. 565.
(19) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, op. cit., p. 299.
(20) Ibid.
mentos recíprocos a propostas contratuais e, por último, a oferta e a aceitação definitivas(21).
Com efeito, a complexidade deste período estende-se, por vezes, de tal maneira que a entabulação de negociações poderá dar azo aos documentos como a carta de intenção ou carta de princí- pio, pela qual uma das partes declara à outra ou a terceiro que estão em curso negociações sérias de um contrato, sobre o qual, todavia, ainda não há acordo. Assim “as cartas de intenção (letters of intent) corresponderiam à expressão da intenção de celebração de um contrato futuro, sem assunção de uma obrigação nesse sen- tido”(22).
Que a fase pré-negocial se limite ao mínimo, ou se encadeie numa série morosa e laboriosa de actos preparatórios, estabelece o artigo 227.º do Código Civil que todo aquele que “negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos prelimina- res como na formação dele, proceder segundo as regras de boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Logo, sanciona-se, em termos gerais, a responsabili- dade por culpa na formação dos contratos (a culpa in contra- hendo)(23).
O artigo 227.º do Código Civil distingue dois ciclos anteriores à formação do contrato: a fase negociatória (preparação do con- teúdo do acordo) e a ulterior fase decisória (emissão das declara- ções de vontade: a proposta e a aceitação em conformidade com artigos 224.º e seguintes do Código Civil). Integram a fase nego- ciatória, portanto, os actos preparatórios realizados sem intenção vinculante, desde os contactos iniciais das partes até à formação da proposta contratual definitiva. É o período de “trattative”, “pour- parlers” ou “verhandlungen”, conforme a terminologia italiana, francesa e alemã, respectivamente(24).
(21) Ibid.
(22) XXXXX, Xxxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual por ruptura das Negocia- ções, Almedina, 2006, p. 82.
(23) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, op. cit, p. 301.
(24) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, op. cit., p. 302; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 3.ª Ed., Almedina, 2009, p. 510.
O negócio jurídico é formado com a aceitação sem modifi- cações da proposta contratual. A aceitação exprime uma concor- dância pura e simples à proposta(25). Como defende XXXXXX XXXXX, citado por XXXXXXX XXXXX, fazendo uma incursão no direito espanhol, é facto muito comum encontrar na jurispru- dência daquele país, a imputação do término do período pré-con- tratual simplesmente com a emissão da proposta. A seu aviso, sustenta essa autora que esse período apenas se finda realmente com a aceitação, porque é nesse momento que se pode considerar celebrado efectivamente o contrato. “É evidente que não se con- fundem as negociações preliminares com o período em que surge o contrato, isto é, com o aceite da proposta efectivada. Mas acon- tece que durante as negociações, pode ocorrer a emissão de uma proposta com a consequente formulação de uma contraproposta daquele com quem se negoceia. Estaremos ainda no período de formação do contrato, logo sujeito à responsabilidade pré-con- tratual(26).
Na doutrina portuguesa, vários autores, dentre os quais CAR- LOS MOTA PINTO, distinguem em matéria de formação dos con- tratos duas fases: uma negociatória e outra decisória, abrangendo a segunda fase: a proposta e a aceitação(27). Tal é o nosso entendi- mento acerca da delimitação do período pré-contratual.
(25) Xxxx XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx de, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Ed., Almedina, 2005, p. 312; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil Portu- guês, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Ed., 2009, p. 559 e ss.
(26) XXXXX, Xxxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual por ruptura das Negocia- ções, Almedina, 2006, p. 86.
(27) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Ed. actuali- zada, Coimbra Editora, p. 443.
III — AS REGRAS APLICÁVEIS NAS NEGOCIA- ÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS
A — OS DEVERES DE CONDUTA DECORRENTES DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ
1.º Os Direitos português e angolano
Ensina-nos o Prof. MENEZES CORDEIRO que na fase pré- contratual, os negociadores estão adstritos aos deveres decorrentes do princípio da Boa Fé que são(28):
i) Os deveres de protecção, os quais obrigam a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos directos, por um lado, à sua pessoa e bens, embora esta situação, em Portugal, possa ser solucionada pelos esquemas da responsabilidade civil; danos indirectos, por outro, derivados de despesas e outros sacrifícios normais que na contratação revesti- rem, por força do desenvolvimento subsquente do pro- cesso negocial, uma característica de anormalidade(29).
ii) Os deveres de informação que adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à con- clusão honesta do contrato. Tanto podem ser violados por acção, portanto com indicações inexactas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer. O dolo negocial (art. 253.º/1) implica, de forma automá- tica, a violação dos deveres de informação. Mas não a esgota: pode haver violação que, não justificando a anu- lação do contrato por dolo, constitua, no entanto, viola- ção culposa do cuidado exigível e, por isso, obrigue a indemnizar por culpa in contrahendo(30).
(28) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, p. 583.
(29) Ibid.
(30) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, p. 583.
Questão interessante é a de saber o limite do dever de informar. O dever de boa fé nos preliminares e na forma- ção dos contratos obriga a que devam ser dados à contra- parte todos os aspectos ponderados em ordem à conclu- são do negócio?
O dever de informar termina no ponto em que uma parte não tem de se preocupar com os interesses da outra, por- tanto com o respeito a circunstâncias que caiam inequi- vocamente na sua esfera de risco(31). Mais precisamente, o que está excluído do dever de informação da contra- parte implícito na regra de actuação segundo a boa fé do art. 227.º do C.C. é a obrigação de lhe dar a conhecer ele- mentos ou circunstâncias a que qualquer pessoa tenha acesso desde que actue com a diligência de um homem médio. A obrigação de informar existe, no entanto, sem- pre que, a informação de que a parte dispõe se reporta a um dado fundamental para a esclarecida formação da vontade negocial da contraparte e a que esta, agindo por sua exclusiva iniciativa individual, não possa aceder directamente(32)
iii) Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negocia- ção correcta e honesta. Ficam incluídos os deveres de sigi- lio — as partes não podem desvendar matéria de que tenham tido conhecimento por via da negociação, quando, com isso, se contrarie as expectativas da outra parte — de cuidado — deve ser preservado, na actuação preliminar, o escopo da formação válida de um contrato, com exclusão de actos que, dolosos ou negligentes, ponham em causa, sem razão, essa possibilidade — e de actuação conse- quente — não se deve, de modo injustificado e arbitrário,
(31) XXXXXXXX, Sinde, Responsabilidade Por Conselhos, Recomendações ou Informações, p. 363; Apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2007 (Proc. n.º 06B4223); xxxx://xxx.xxxx.xx
(32) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2007 (Proc. n.º 06B4223);
interromper-se uma negociação em curso, salva, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natu- reza precária dos preliminares a decorrer(33).
O Prof. XXXXXXX XXXXXXXX sublinha que “a culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do viola- dor ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na forma- ção de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em ter- mos de normalidade, as partes lhe atribuam”(34).
A boa-fé objectiva introduziu a ética em todo o direito dos contratos, estabelecendo, em todas as fases da relação intersubjec- tiva, a saber, nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual, padrões de comportamento ou deveres acessórios, distintos dos deveres — obrigações — principais concretizados com a formação do contrato, consubstanciados nos deveres de protecção, de infor- mação e de lealdade. A autonomia privada, outrora preconizada como “garantia da liberdade dos cidadãos em face do Estado, é relativizada em prol da justiça substancial, com o eixo da relação contratual se deslocando da tutela subjectiva da vontade à tutela objectiva da confiança”(35).
Com acerto, o Prof. XXXXXXX XXXXXXXX concluiu que nas suas manifestações subjectiva e objectiva, a boa fé está ligada à confiança: a primeira dá, desta, o momento essencial; a segunda confere-lhe a base juspositiva necessária quando, para tanto, falte uma disposição legal específica. Ambos, por fim, carreiam as razões sistemáticas que se realizam na confiança e justificam, explicando, a sua dignidade jurídica e cuja projecção transcende o campo civil(36).
(33) Ibid.
(34) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, p. 584.
(35) XXXXXXXX, Xxxxxxx, Problemas de Direito Civil-Constitucional, Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 176.
(36) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, p. 1250.
2.º A Common Law — o Direito inglês(37/38)
Vigora no direito inglês um princípio da boa fé nos prelimina- res e na conclusão dos contratos, pondo a cargo das partes, nessa fase, deveres específicos de conduta?
Não se operou em Inglaterra uma recepção do Direito Romano, como a que ocorreu nos sistemas jurídicos continentais. Por conse- guinte, não se fez sentir aí o influxo da bona fides romana(39).
Numa decisão de grande relevo, proferida em 1992, no caso Xxxxxxx v. Xxxxx, a Câmara dos Lordes rejeitou de modo expresso a existência no Direito inglês de um dever de negociar de boa fé e afirmou a liberdade de as partes romperem as negociações a todo o tempo e por qualquer motivo, sem ficarem por isso sujeitas a qual- quer dever de indemnizar.
Para tanto, sustentou LORD ACKNER: “the concept of duty to carry on negotiations in good faith is inherently repugnant to the adversarial position of the parties when involved in negotiations. Each party to the negotiations is entitled to pursue his (or her) own interest, so long as he avoids making misrepresentations”(40).
No que respeita à ruptura das negociações, no caso Xxxxxxxx & Fairban Ltd. v. Tolaini Bros. (Hotels) Ltd.(41), julgado em 1975, o Court of Appeal já excluíra a admissibilidade de uma regulação negocial dos preliminares e da formação do contrato através de um contract to negociate, com fundamento, segundo XXXX XXX- XXXX, em que “it is too uncertain to have any binding force. No court could estimate the damages because no one can tell whether the negociations would be sucessful or would fall through; or if successful, what the result would be”.
Inexiste, assim, no Direito inglês vigente, conclui o Prof. XXXXX XXXXXXX um dever geral de actuação segundo a boa fé, a cargo
(37) XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Droit Anglais, Xxxxxx Xxxxxx, 1992, p. 127-128, n.os 177 e 178.
(38) Estoppel: “principle which precludes a person from asserting something con- trary to what is implied by a previous action or statement of that person or a previous per- tinent judicial determination”. Oxford Dictionary of English, 2.nd ed., 2003, p. 594.
(39) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Responsabilidade Pré-contratual…, pp. 290 e ss.
(40) (1992) 2 WLR 174; Xxxx XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 292, nota 1042.
(41) (1975) 1 All E.R. 716; Xxxx XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 292, nota 1043.
das partes nos preliminares e na formação dos contratos. Encontra-
-se, decerto, no Direito inglês consagrações da boa fé subjectiva e objectiva na regulamentação de situações específicas: a interpreta- ção e integração dos contratos segundo os standards do homem médio; o dever de não enganar a contraparte, sancionado pelo ins- tituto da misrepresentation(42); o promissory estoppel(43); os deve- res de prestação de informações face à contraparte que vigoram nos contratos uberrimae fidei (utmost good faith); e a doutrina da breach of confidence(44).
Mas não pode sustentar-se perante ele, como na Alemanha e nos países mais directamente influenciados pela sua cultura jurí- dica, que com a entrada em negociações se constitui uma relação jurídica e que as partes nessa relação se acham adstritas a um dever de consideração pelos interesses e expectativas legítimos da con- traparte.
Finalmente, importa salientar a posição de BINGHAM, L.J., num obter dictum(45) contido na decisão proferida pelo Court of Appeal no caso Interfoto Picture Library Ltd. v. Stilleto Visual Pro- grammes Ltd.: “In many civil law systems, and perhaps in most legal systems outside the common law world, the law of obliga- tions recognises and enforces na overriding principle that in making and carrying out contracts parties should act in good faith.
(42) “No Direito inglês entende-se por misrepresentation uma declaração inexacta, por desconforme à verdade dos factos, proferida antes ou aquando da celebração de um contrato, que induza o declaratário à celebração do mesmo. Distingue-se do erro comum (mistake), na medida em que este não é causado por outrem” (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 276).
(43) “O promissory estoppel é, na verdade, antes de tudo o mais, um expediente gizado pela jurisprudência norte-americana e inglesa a fim de colmatar as insuficiências do conceito de contrato próprio dos Direitos anglo-saxónicos, com a sua rígida exigência de uma contrapartida negociada como condição de eficácia de toda a promessa contratual. É a recusa de eficácia à promessa informal desprovida de “consideration”, que decorre daquele conceito, revela-se susceptível de conduzir a resultados iníquos sempre que o promissário haja alterado a sua posição jurídica confiando nela e o promitente devesse prever essa reac- ção do promissário” (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 284).
(44) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 276 e passim.
(45) Expressão do direito processual inglês que se refere ao argumento que não entra na ratio decidendi, que não é invocado para fundamentar a decisão. Aplica-se a um raciocínio destituído de força obrigatória, de natureza a esclarecer o caso e guiar o juiz. Cfr. Lexique des Termes Juridiques, Dalloz, 2007, p. 448.
[…] English law has, characteristically, committed itself to no such overriding principle, but has developed piecemeal solutions in response to demonstrated problems of unfairness”(46).
As soluções encontradas, no Direito inglês, para os problemas de deslealdade a que se refere esta decisão, encontram-se nos insti- tutos jurídicos de Misrepresentation ou de Non-disclosure, suscep- tíveis de gerar responsabilidade para a parte que, respectivamente, prestou falsos esclarecimentos ou não cumpriu o seu dever de informar a outra parte de factos relevantes. Estas situações apre- sentam algumas evidências nos denominados contratos uberrimae fidei(47). Por outro, o promissory estoppel apresenta certas analo- gias com a responsabilidade pré-contratual, tutelando a confiança criada na outra parte por falsas representações. Contudo, não se faz qualquer recurso à noção de deveres pré-contratuais de conduta decorrentes da boa fé.
Em conclusão, se as partes entram em negociações e uma delas, confiando na celebração do contrato incorre em determina- das despesas, estas serão tratadas como perdas, inerentes à activi- dade empresarial(48).
B — OS DEVERES DE CONDUTA PREVISTOS NAL- GUMAS DISPOSIÇÕES LEGAIS ESPECÍFICAS
1.º No campo dos contratos de adesão
A economia contemporânea é caracterizada pelo consu- mismo, indiciando a massificação e a despersonalização das rela- ções contratuais, bem como a sofisticação técnica dos produtos postos no mercado, cuja avaliação excede as aptidões da maioria dos seus adquirentes, e o recurso a poderosos instrumentos de mer- cadologia.
(46) (1989) 1 Q.B. 433 (p. 439); Xxxx XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 294.
(47) NASCIMENTO, Xxxxx Xxxxxx do, A Responsabilidade Pré-Contratual pela Ruptura das Negociações, FDL, Teses, Dezembro 2000, pp. 44-45.
(48) XXXXX, Laerte Xxxxx xx Xxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual pela Rup- tura das Negociações Preparatórias na Formação do Contrato de Compra e Venda Interna- cional de Mercadorias, FDL, Teses, 2005, p. 45.
Quando uma empresa exercita, em moldes profissionais, uma actividade económica que implica a celebração reiterada e em massa, de certos tipos negociais, ela acaba por experimentar a necessidade prática e reúne os pressupostos cognitivos, técnicos e jurídicos, de um antecipado tratamento uniforme das vicissitudes contratuais(49).
Pode, assim, planear cuidadosamente, com o apoio de espe- cialistas, se for caso disso, um quadro regulador dos negócios a celebrar, perfeitamente ajustado aos seus interesses, como tarefa instrumental à sua actividade, integrável, com naturalidade, nas suas estruturas e custos de produção(50). Surge então o contrato de adesão, cujos termos são prévia e unilateralmente elaborados por uma das partes, limitando-se a contraparte (v.g. empregado, consu- midor, etc.) a subscrevê-lo ou não(51).
Confrontado, no momento da conclusão do contrato, com as cláusulas contratuais gerais, o aderente, não só não tem qualquer possibilidade de contrapor um acabado projecto contratual próprio, como se vê inibido de ponderar e valorar, em todo o seu exacto alcance, o conteúdo das condições que lhe são apresentadas”(52/53). Daí a intervenção dos legisladores português e angolano para pro- teger o aderente.
O preâmbulo da Lei (angolana) n.º 4/03, de 18 de Fevereiro, sobre as Cláusulas Gerais dos Contratos(54/55) é inequívoco ao afir- mar que “é indispensável impor regras que, entre outros, evitem que
(49) XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx, O Problema do Contrato: As cláusulas contra- tuais gerais e o princípio da liberdade contratual, Colecção Teses, Almedina, 2003, p 344.
(50) Ibid.
(51) XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, A Tutela da confiança na contratação con- temporânea, CCJS, Curitiba, 2006, p. 22; <xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxx/xxx_xxxxx- vos/1/TDE-2006-10-23T090950Z-438/Publico/XXXXXXXX%20Dto.pdf>.
(52) XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx, op. cit., p. 344.
(53) No mesmo sentido, vide XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, “Principais reflexos da sociedade de massas no contexto contratual contemporâneo — disposições contratuais abusi- vas”, Revista de Direito do Consumidor, n.º 43, p. 139; Xxxx XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx- gens, A Tutela da confiança na contratação contemporânea, CCJS, Curitiba, 2006, p. 23.
(54) D.R., I Série — N.º 13.
(55) Em Portugal, vide DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado e republicado pelo DL 220/95, de 31 de Agosto, e que o DL 249/99, de 7 de Julho estendeu a aplicação em relação aos contratos individualizados pré-formulados. Cfr. Arts. 5.º a 9.º
a parte mais forte obtenha vantagens à custa de restrições, despesas, encargos ou prejuízos menos razoáveis ou iníquos para os aderen- tes”. Esta mesma lei contém preceitos directamente aplicáveis à for- mação dos contratos que caiam sob o seu âmbito, cuja violação con- formam a culpa in contrahendo e que visam tutelar especificamente a confiança do destinatário das cláusulas gerais contratuais.
Trata-se em particular dos artigos 3.º a 5.º e 8.º da referida lei. O art. 3.º impõe a cargo da parte que propõe cláusulas contratuais gerais um dever de comunicação e informação. As cláusulas con- tratuais gerais devem ser comunicadas claramente e na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las. A comuni- cação deve ser clara e adequada e feita com a antecedência neces- sária para que, tendo em conta a importância do contrato e a exten- são e complexidade das respectivas cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de diligência comum. O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar e explicar à outra parte os aspectos nelas contidos cuja clarificação se justifique, bem como prestar todos os esclare- cimentos solicitados. O ónus da prova da comunicação e do cum- primento do dever de informação cabe ao contraente que apresente a proposta das cláusulas contratuais gerais.
O artigo 8.º da referida Lei proíbe as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, tendo em conta a confiança suscitada nos contraentes(56). Há que ter em conta as legítimas expectativas que, durante a fase que antecedeu a celebração do contrato, foram criadas na pessoa do aderente e que, de acordo com as regras da boa fé, não possam ser defraudadas. As cláusulas contratuais gerais celebradas com violação dos deveres de uma actuação de boa fé são nulas.
(56) Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx considera que a mesma disposição legal, constante do artigo 16 a) do Dec.-Lei português n.º 446/85, de 25 de Outubro, não tem nenhum sen- tido. Segundo este autor, é irrelevante remeter para a confiança como valor a ponderar no esclarecimento da contrariedade à boa fé. Só a confiança subjectiva traz algo de atendível, pois a confiança objectiva não é confiança, é uma valoração da conduta em si, também a referência à confiança em nada esclarece o critério à luz do qual devem ser julgadas as cláusulas contratuais gerais. Vide ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. II, Coimbra Editora, 2003, p. 396, nota 599; ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. III, Coimbra Editora, 2002, p. 239.
2.º Em matéria de contratos com consumidores
A Lei (angolana) n.º 15/03, de 22 de Julho, de Defesa do Con- sumidor(57/58) reforçou a protecção dos interesses económicos dos consumidores. Assumem particular relevância neste âmbito os deveres de esclarecimento e de informação (art. 9.º), tendo em conta que os sujeitos que contratam se encontram em posições de poder negocial muito desequilibradas(59).
Estes deveres aplicam-se, desde logo, ao clausulado contra- tual pretendido devendo entender-se que, para além da comunica- ção das normas contratuais que se pretendem ver consagradas no contrato, se deve explicar e esclarecer o exacto conteúdo e signifi- cado económico e jurídico de cada uma dessas normas(60).
A referida Lei impõe ainda, nas relações de consumo, a leal- dade e a boa-fé nos preliminares, na formação e na vigência dos contratos (art. 15.º). Da boa-fé decorrerá a protecção da con- fiança legítima suscitada pelo fornecedor de bens e serviços no consumidor.
C — OS DEVERES DE ORIGEM CONTRATUAL
As partes podem voluntariamente assumir obrigações na fase pré-contratual cujo incumprimento poderá originar a responsabili- dade por danos causados nos preliminares. Os instrumentos desti- nados a disciplinar a forma como decorrerão as negociações pré- contratuais, sobretudo dos contratos comerciais internacionais são: as cartas de intenção (letters of intent), os acordos de confidencia- lidade (confidentiality agreements), os acordos de não oferta pública de aquisição hostil (non hostile take-over agreements) e os acordos de negociação exclusiva, os acordos de base (head of
(57) D.R., I Série — N.º 57.
(58) Em Portugal, vide Lei n,º 29/81, de 22 de Agosto, depois substituída pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho: a Lei de Defesa do Consumidor (LDC). Cfr. Art. 8.º.
(59) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-04-2010 (Proc. n.º 3419/08.5TVLSB.L1-8).
(60) Idem.
agreement, principle of agreement), os acordos-quadros e os proto- colos-complementares(61).
MENEZES LEITÃO indica-nos que, sempre que dos com- promissos acima referidos não resulte a assunção de uma obriga- ção de contratar, a responsabilidade só poderá ser estabelecida com base na culpa in contrahendo (art. 227.º do Código Civil), ser- vindo, no entanto, esses compromissos para acentuar a situação de confiança assim criada(62/63). É opinião comum de que as cartas de intenção não têm relevância jurídica, desenvolvendo para XXX XXXXXXX o papel de recepção do dever de actuar segundo a boa fé nas negociações pré-contratuais, afastando assim os abusos que resultariam da pura e simples aplicação do princípio da liberdade contratual (freedom of contract). Assim, as cartas de intenção determinam especificamente quais os comportamentos que, no entender das partes, são ou não conformes ao princípio da boa fé durante as negociações. Por conseguinte, elas podem servir para proibir comportamentos específicos ou para indicar um tal nível de progresso nas negociações que leve a considerar ilegítima a sua ruptura sem motivo justificado, uma vez que sem a sua existência nada poderia impedir uma das partes de romper livremente as negociações(64/65).
(61) Sobre esta matéria, vide XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, “Negociações e Responsa- bilidade Pré-contratual nos Contratos Comerciais Internacionais”, ROA, 60, 2000, p. 64; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, Almedina, 2009, p. 534.
(62) XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, 7.ª Ed., 2008, 217.
(63) Sempre que, porém, exista uma obrigação de contratar assumida pelas partes, já se estará perante um contrato-promessa, que poderá ter por objecto outro contrato-pro- messa, caso em que se aplicará naturalmente o regime da execução específica do contrato, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (XXXXXX, Xxxx Xxxx- zes, Direito das Obrigações, Vol. I, 7.ª Ed., 2008, 217).
(64) Xxxx XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Negociações…, p. 62.
(65) Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx discorda com a posição assumida por Menezes Cordeiro que é no sentido de uma maior vinculação das cartas de intenção, defendendo que as mes- mas sedimentam os aspectos nelas consignados, constituíndo um caso de contratação miti- gada, que obriga pelos menos o seu signatário a prosseguir as negociações no sentido nelas referido. Caso isso não aconteça, admite a possibilidade de execução específica, caso a carta de intenções seja tão precisa que dela se possa retirar o contrato a celebrar, admitindo a aplicação da indemnização compensatória apenas no caso contrário (V. XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Negociações…, p. 62).
Estes acordos referidos por XXXXXXX XXXXXXXX como “contratação mitigada” estão na base de uma responsabilização cujos pressupostos e conteúdo devem ser apurados por interpreta- ção dos negócios jurídicos que constituem a fonte das suas obriga- ções. Não cuidaremos especialmente desta matéria no âmbito do presente estudo.
IV — A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E A TUTELA DA CONFIANÇA DOS NEGO- CIADORES
A — A CULPA IN CONTRAHENDO
As primeiras linhas da culpa in contrahendo foram traçadas por XXXXXX XXX XXXXXXX, em 1861, a propósito do problema da nulidade dos contratos por divergência insanável entre a von- tade real e a vontade declarada, advindas da fase das negociações (ou tratativas). XXXXXXX questionou se o contraente deve ou não responder pelos danos culposamente causados à contraparte pela celebração de um contrato que vem a ser declarado nulo(66/67). Analisando os princípios do direito romano, entendeu que nem a actio doli, nem a actio legis Aquiliae poderiam sustentar a preten- são do lesado. A primeira implicava uma actuação dolosa inexis- tente nos exemplos a que referiu(68) e a segunda, uma lesão à pes-
(66) XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10.ª Ed., Almedina, 2005, p. 268.
(67) XXXXXXX, Xxxxxx Xxx, Xxxxx in Contrahendo ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição, Almedina, 2008, p. 44 e passim — tradução e nota introdutória de Xxxxx Xxxx Xxxxx. Jhering agrupou o seu material casuístico segundo três pontos de vista: (i) incapacidade do sujeito; (ii) inidoneidade do objecto e (iii) falta de fia- bilidade da vontade contratual da declaração e da própria vontade.
(68) “Aconteceu isso por ocasião do caso que me referi neste anuário (vol. I, pp. 280-282), do lapso do núncio. Peço a um amigo que vai de viagem a Bremen que me encomende no meu fornecedor ¼ de caixa de charutos, mas ele engana-se e encomenda 4 caixas. O remetente tem de suportar os custos do transporte duplamente ou pode exigir o seu ressarcimento ao núncio ou a mim?” (XXXXXXX, Xxxxxx Xxx, Xxxxx in Xxxxxxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 3 — tradução e nota introdutória de Xxxxx Xxxx Xxxxx).
soa ou ao património. Por conseguinte, a parte culpada saia livre, a inocente era vítima da culpa xxxxxx. “Quem não sente, interroga XXXXXXX, que é aqui necessária uma acção de indemnização?”(69) Xxxxxxx XXXXXXX CORDEIRO, para XXXXXXX, a culpa in contrahendo é um instituto da responsabilidade civil pelo qual, havendo nulidade do contrato, uma das partes, que tenha ou devesse ter conhecimento do óbice, deve indemnizar a outra pelo interesse contratual negativo. No espírito da obra de XXXXXXX, como hoje é entendido, deve considerar-se que ele não deu, da culpa in contrahendo, uma fundamentação clara e unitária. Fazendo uso de um discurso marcadamente tópico-material, procu- rou chamar a atenção da Ciência do Direito para uma necessidade de complementação juspositiva, através da área, pouco explorada, da formação dos contratos. Fazendo-o, ele deu do fenómeno, um
pré-entendimento que ainda se mantém(70).
O problema da responsabilidade das partes no período prepara- tório do contrato, agora em termos mais amplos e diferentes, voltou a ser agitado na doutrina alemã, bastantes anos mais tarde, com a publi- cação de um estudo notável de XXXXXXXXXXX sobre a responsabi- lidade do representante nesse período vestibular do negócio(71).
Em Portugal, a doutrina de XXXXXXX foi recebida por obra de XXXXXXXXX XXXXXXX que admitia a culpa in contrahendo para as hipóteses de celebração de contratos nulos, especialmente no caso da venda de coisa alheia de má fé, excluíndo, no entanto, a sua aplicação nos casos em que uma das partes contra a boa fé rompe as negociações(72). Mas já XXXX XXXXXXX veio expressa- mente defender a sua aplicação também no caso da ruptura injusti- ficada das negociações(73).
(69) XXXXXXX, Xxxxxx Xxx, op. cit., p. 4; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx do, A Responsabilidade Pré-Contratual pela Ruptura das Negociações, FDL, Teses, 2000, p. 7.
(70) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xx Xxx-Xx…, pp. 531-532.
(71) XXXXXXXXXXX, Zur Haftung für culpa in contrahendo bei Geschäftsabs- chluss durch Stellvertreter, no AcP, 151, p. 501; Xxxx XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Das Obrigações em geral, Vol. I, Almedina, 2005, p. 268.
(72) XXXXXXX, Xxxxxxxxx, Instituições, II, pp. 664 e ss.; Xxxx XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Direito das Obrigações , Vol. I,…, p. 358.
(73) XXXXXXX, Xxxx, Princípios, I, pp. 492 e ss., nota 3; Xxxx XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Direito das Obrigações , Vol. I,…, p. 358.
A partir dos estudos doutrinários alemães e de outros numero- sos trabalhos em Portugal sobre o mesmo tema, foi-se desenvol- vendo e consolidando, tanto na doutrina como na jurisprudência, a tese da responsabilidade civil pré-contratual, baseada na ideia de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de leal- dade, de infomação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito. O artigo 227.º do Código Civil dispõe que: “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preli- minares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente cau-
sar à outra parte”.
A responsabilidade das partes não se circunscreve, como suce- dia com a tradicional teoria da culpa in contrahendo, à cobertura dos danos culposamente causados à contraparte pela invalidade do negócio. XXXXXXX XXXXXX ensina que a responsabilidade pré- contratual, com a amplitude que lhe dá a redacção do artigo 227.º do Código Civil, abrange os danos provenientes da violação de todos os deveres (secundários) de informação, de esclarecimento e de lealdade em que se desdobra o amplo espectro negocial da boa fé. Trata-se da boa fé objectiva que abrange a cobertura das legíti- mas expectativas criadas no espírito da outra parte(74).
As expressões culpa in contrahendo ou responsabilidade pré-
-contratual indiciam a formação de um contrato. No entanto, a doutrina mais avisada observa que o problema da “responsabili- dade pré-contratual” transcende o puro domínio dos contratos. Concebe-se, designadamente em relação a negócios jurídicos uni- laterais (v.g. em matéria de concursos públicos), preferindo, por- tanto, a designação de responsabilidade pré-negocial(75), outros
(74) XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, op.cit., p. 268 e passim.
(75) Neste sentido, XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, 12.ª Ed., Almedina, 2009, p. 301, nota 4; XXXXX, Xxxxxx Xxxx, “A Responsabilidade Pré-
-Negocial pela não conclusão dos Contratos”, in Boletim da Faculdade de Direito da Uni- versidade de Coimbra, Supl. XIV, 1966, p. 162; PRATA, Xxx, “Notas sobre Responsabili- dade Pré-Contratual”, in Separata da Revista da Banca, (n.os 16 e 17), Lisboa, 1991, pp. 25 e ss.; XXXXX, Xxxxx, Representação Legal e Culpa in Contrahendo, não publicado, Lis- boa, 1996, p. 10, n.º 47; TELLES, Galvão, Direito das Obrigações, 7.ª Ed., Coimbra Edi- tora, 1997, p. 70, n.º 1; Xxxx XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx do, A Responsabilidade Pré-
-Contratual pela Ruptura das Negociações, FDL, Teses, Dezembro 2000, p. 6.
ainda observam que a responsabilidade emergente deste instituto pode ser objectiva, sendo impróprio o vocábulo “culpa”(76). Res- salvadas estas questões, utilizaremos, indistintamente, as expres- sões culpa in contrahendo e responsabilidade pré-contratual(77).
B — CASOS ORIGINANDO A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
1.º Violação de deveres de conduta na celebração de um contrato
Remetemos para as considerações feitas no ponto III — A — 1.º
2.º Ruptura ilegítima, arbitrária, intempestiva ou injusti- ficada das negociações pré-contratuais
O instituto da responsabilidade pré-contratual coloca em con- fronto dois tipos de interesses: por um lado, a liberdade contratual que decorre da autonomia da vontade e, por outro lado, a protecção da con- fiança perante expectativas criadas durante a fase pré-negocial(78).
O princípio da liberdade contratual previsto pelo art. 405.º do Código Civil não pode ser entendido tão latamente que legitime qualquer conduta das partes durante uma negociação. Ninguém é obrigado a contratar mesmo entrando num processo negocial, mas, não menos certo é que, havendo negociações avançadas de modo a criar expectativas legítimas na consumação do negócio, a parte que as romper sem fundamento, viola deveres de boa-fé e, para tal, constitui-se na obrigação de indemnizar a contraparte(79).
São constatáveis três requisitos essenciais para que fique con- figurada a culpa in contrahendo pela ruptura injustificada das negociações pré-contratuais: i) a realização de negociações em que
(76) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações,…, p. 302, nota 4 in fine. Contudo, não dá exemplos de casos de responsabilidade pré-negocial objectiva.
(77) NASCIMENTO, Xxxxx Xxxxxx do, op. cit., p. 6.
(78) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-03-2010 (Proc. n.º 44/
/07.1TBGDL.E1); xxxx://xxx.xxxx.xx.
(79) Vide Acórdão do STJ de 11-09-2007; xxxx://xxx.xxxx.xx.
as partes — ou pelo menos aquela que não dá azo ao rompimento, evidentemente — tenham criado uma razoável confiança na conso- lidação do contrato; ii) a ruptura unilateral e desleal dessas nego- ciações; e iii) a existência de danos que tenham nexo de causali- dade com o rompimento(80).
O primeiro aspecto exige que se possa concluir que a negocia- ção já começou, excluíndo todos os contactos de mera recolha de informações. A negociação deve desenvolver-se numa actividade comum dos negociadores destinada à análise e elaboração de um projecto de negócio e que, apreciada de acordo com critérios de probidade, lealdade e seriedade de propósitos, crie em qualquer das partes a confiança de que se visa efectivamente a celebração do contrato(81). As negociações manifestam-se de várias formas, seja através de conversações verbais, por meios telemáticos ou por intermédio de documentos escritos, tais como cartas, projectos e minutas. Assim, uma negociação tem início a partir de diálogos, estudos em conjunto, acertamentos provisórios de aspectos frac- cionários do contrato, et cetera(82).
E essa confiança é tanto mais justificadora de tutela quando os vários actos que integram a negociação vão reduzindo, pela sua consistência e pormenor, o grau de incerteza sobre a futura celebra- ção do contrato. Esse grau de incerteza vai-se esbatendo à medida que a negociação vai avançando de modo que podemos afirmar que quanto mais se aproxima da fase da conclusão maiores expec- tativas gera nos negociadores(83).
O segundo aspecto encerra duas questões: desde logo a exis- tência de uma ruptura unilateral das negociações e, depois, a sua
(80) XXXXX, Laerte Xxxxx xx Xxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual pela Rup- tura das Negociações Preparatórias na Formação do Contrato de Compra e Venda Interna- cional de Mercadorias, FDL, Teses, 2005, p. 15.
(81) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-03-2010 (Proc. n.º 44/
/07.1TBGDL.E1); xxxx://xxx.xxxx.xx.
(82) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações preparatórias de um Contrato, Coimbra, Coimbra Editora, 1994, p. 54; XXXXX, Laerte Xxxxx xx Xxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual pela Ruptura das Negociações Preparatórias na Formação do Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, FDL, Teses, 2005, p. 15.
(83) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-03-2010 (Proc. n.º 44/
/07.1TBGDL.E1); xxxx://xxx.xxxx.xx.
caracterização como desleal ou ilegítima. A ruptura das negocia- ções ocorre quando uma das partes declara de forma expressa ou tacitamente através de actos concludentes (por exemplo, cele- brando o contrato visado com outrem) que desiste da celebração do contrato(84).
Para sabermos se a ruptura é desleal importa averiguar se, independentemente da convicção subjectiva das partes, ela pode assumir uma relevância objectiva que prevalesça sobre a confiança que se gerou na parte contrária. A ruptura é ilegítima, arbitrária, intempestiva e sem justa causa quando configura, atentas as expec- tativas geradas, um comportamento desleal e merecedor de censura em face da boa fé(85). Será ilegítima de qualquer forma, sempre que a parte que as rompeu tenha-as iniciado com este específico propósito, ou ainda quando, tal ruptura tenha sido exclusivamente com a finalidade de causar danos à contraparte(86).
Por outro, caso a interrupção não seja provocada dolosa- mente, devemos vislumbrar a confiança e a legitimidade em dois extremos opostos. Significa que, quanto mais confiança houver de que as negociações resultarão na formação de um contrato válido, mais reprovável será a ilegitimidade da ruptura e vice-verça. Con- tudo, o apuramento dessa confiança deve ser feito objectivamente, através da investigação de factos concretos, como a duração e o grau de desenvolvimento das negociações, o objecto e o valor do negócio, a qualidade dos contratantes e suas condutas. Não é aceita a confiança que se baseie num mero estado psicológico ou convic- ção de origem puramente subjectiva(87).
O terceiro aspecto realça o facto de que nem toda a ruptura negocial envolve responsabilidade civil. A obrigação de indemni-
(84) Ibid.
(85) Ibid.
(86) XXXXX, Laerte Xxxxx xx Xxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual pela Rup- tura das Negociações Preparatórias na Formação do Contrato de Compra e Venda Interna- cional de Mercadorias, FDL, Teses, 2005, p. 17.
(87) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, Coimbra, Coimbra Editora, 1994, p. 61-62; Xxxx XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual pela Ruptura das Negociações Preparatórias na Formação do Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, FDL, Teses, 2005, p. 17.
zar por ruptura injustificada das negociações depende da verifica- ção dos pressupostos da responsabilidade civil: facto ilícito, cul- poso, danoso e causal, sendo certo que quer o facto, quer a ilici- tude, estão necessariamente ligados ao dano e à verificação de uma relação de causalidade. A violação de deveres impostos pela boa fé, ainda que de deveres específicos se trate, configurará sempre um ilícito.
3.º Casos em que uma das partes crie a convicção da cele- bração dum contrato válido, convicção essa que venha a ser frustrada por subsequentes invalidades
Trata-se de situações em que a celebração de um contrato ine- ficaz (lato sensu) por vício é imputável a facto culposo de uma das partes. Temos os seguintes exemplos(88):
i) a incapacidade que uma das partes tenha ocultado à outra (v.g. o dolo de menor);
ii) a falta ou vícios da vontade (v.g. coacção absoluta, falta de consciência da declaração, declarações não sérias, erro-vício, dolo, coacção moral);
iii) a falta ou abuso de poderes de representação;
iv) a impossibilidade ou ilicitude do objecto; et cetera.
C — FUNDAMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL NA CONFIANÇA
A responsabilidade pré-contratual justificar-se-ia pela con- fiança depositada pela parte prejudicada na contraparte com a vio- lação dos deveres de conduta de acordo com a boa fé, com a inva- lidade do negócio imputável à contraparte ou com o fim das negociações?
(88) Vide os comentários do Prof. Dário Xxxxx Xxxxxxx relativamente às situações de usura, vícios da coisa, indisponibilidade do falido, insolvente ou executado e inoberser- vância da forma legalmente exigida para o contrato (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Respon- sabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional Privado, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 263).
Refira-se, em primeiro lugar, à concepção dogmática de XXXXXXX XXXXX, lançada em 1941, que postula, no essencial, a possibilidade de constituição de relações jurídicas de tipo con- tratual, através de meros comportamentos materiais, independen- temente de declarações negociais e sem correspondência nos deveres legais tradicionais. Na tripartição de situações de que poderiam resultar relações contratuais de facto (contactos sociais, inserção em organizações comunitárias e execução de relações douradouras e serviços de necessidade vital), HAUPT inseriu na primeira destas categorias — a dos contactos sociais — a culpa in contrahendo. Contudo, a doutrina das relações contratuais de facto, carecida de regulação legal expressa, falha, por insuficiên- cia, na determinação exactas das suas fronteiras e do regime das figuras que abranja(89).
Esta teoria foi aprofundada por XXXX XXXXX que introdu- ziu as ideias da confiança e da necessidade da sua protecção como estando na base da responsabilidade pré-contratual ou da culpa in contrahendo.
O essencial da construção de DÖLLE para a culpa in contra- hendo foi o seu amparo na confiança. A ideia não era nova na altura. A especialidade esteve em dar, da confiança, uma ideia mais clara, fazendo dela, um conceito jurídico eficaz e não uma simples referência de apoio linguístico. Xxxxxx, porém, preencher, em ter- mos dogmáticos precisos, a passagem da situação de confiança criada para os deveres manifestados in contrahendo. Disso encar- regar-se-ia BALLERSTEDT. Para este autor, a criação, por uma das partes, de uma situação de confiança e o aproveitamento, pela outra, da situação criada, corresponderiam a uma segunda forma de constituir negócios jurídicos, sistematicamente correcta. Ficaria assim clara a caracterização contratual que, desde sempre, fora reconhecida nos deveres pré-contratuais(90).
Na actual doutrina portuguesa, vários autores reconduzem a responsabilidade pré-contratual à tutela da confiança.
(89) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, pp. 555 e ss.
(90) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé …, p. 561; XXXXX, Xxxxxx Xxx- neiro da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 101.
XXXXXXX XXXXXXXX observa que “a culpa in contra- hendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protec- ção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de nor- malidade, as partes lhe atribuam”(91).
Segundo XXXXXXX XXXXX, “através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas tam- bém quanto à sua futura celebração”(92).
Depreende-se das suas lições de “Direito das Obrigações” que MENEZES LEITÃO aborda a questão no mesmo sentido. Diz este autor que a “complexidade da formação do contrato vai criando sucessivas situações de confiança nas partes, que seria inaceitável que não viessem a ser juridicamente protegidas através da respon- sabilidade civil. É essa a função da responsabilidade pré-contra- tual, consagrada no art. 227.º(…)(93/94)”.
O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça português não é diverso, e em vários acórdãos, consagrou na sua jurispru- dência a doutrina acima referida(95). A título exemplificativo, citamos o Acórdão de 22-05-1996(96), o Acórdão de 11-09-
(91) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, p. 584. “A culpa in contra- hendo portuguesa consagra um subsistema misto: não protege, em exclusivo, a confiança ou a materialidade subjacente, uma vez que, para se efectivar, exige sempre a culpa do res- ponsável. Embora em termos objectivos, ela entra sempre em linha de conta com as carac- terísticas das pessoas envolvidas.”
(92) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª Ed., 2009, p. 303. “Convirá salientar, todavia, que o alicerce teleológico desta disciplina ultra- passa a mera consideração dos interesses particulares em causa. Avulta, com especial evi- dência, a preocupação de defesa dos valores sociais da segurança e da facilidade do comér- cio jurídico”.
(93) XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, 7.ª Ed., 2008, p. 359.
(94) No mesmo sentido, XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 28.
(96) Proc. n.º 004386.
-2007(97), o Acórdão de 10-12-2009(98), o Acórdão de 16-12-
-2010(99), et cetera.
Um recente Acórdão de 03-03-2010, do Tribunal da Relação de Évora, afirma que “a base essencial deste instituto (culpa in contra- hendo) assenta na tutela da confiança depositada por um dos nego- ciadores na boa fé do outro e consequentes expectativas que este lhe cria durante as negociações em relação à correcta condução das mes- mas com vista à futura celebração de um contrato válido e eficaz, impondo desta forma uma obrigação mútua e recíproca de condução das negociações com lealdade, seriedade e probidade”(100).
OLIVEIRAASCENSÃO sustenta uma posição oposta a que se acaba de expor. Citando XXXXX XXXXXXX e XXXXXXXXX XXXXXXX, considera improfícuas as tentativas de outorgar um lugar cimeiro à confiança na ordem jurídica portuguesa. O artigo 227.º do Código Civil, sustenta o mesmo autor, dá uma base, que dispensa o ancorar mais arriscado em vastas ponderações doutrinárias.
Por outro lado, só tem sentido pesquisar um princípio da con- fiança, prossegue, se estiver em causa a confiança individual, real- mente posta por uma parte na actuação da outra. Na realidade, con- tinua, a doutrina transita, sem tal se aperceber, de uma busca do investimento subjectivo da confiança para uma ponderação objec- tiva da racionalidade dos comportamentos. Pergunta-se assim se são justificadas as despesas feitas por uma parte no desenrolar das negociações, quando elas vieram a ficar inutilizadas por conse- quente comportamento alheio. Esta análise objectiva não ganha, segundo ele, em ser conduzida sob o rótulo da confiança. Trata-se de encontrar a justificação do comportamento da parte à luz de um juízo de normalidade e não pela razão individual de ter confiado na celebração do negócio pela outra parte(101).
Conclui, então, XXXXXXXX ASCENSÃO que “nada adianta falar em dano de confiança, que se contraporia ao dano do não
(97) Proc. n.º 07A2402.
(98) Proc. n.º 3795/04.9TVLSB.S1. (99) Proc. n.º 1212/06.9TBCHV.P1.S1.
(100) xxxx://xxx.xxxx.xx.
(101) ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2003, p. 447.
cumprimento. É claro que este dano é alheio ao dano do não cum- primento, (…) mas não recebe esclarecimento nenhum pelo facto de ser designado dano de confiança. (…) as indicações que se lucram, pelo apelo à noção de confiança, são tão ténues que mais vale dispensar essa noção”. Bastará o comando geral da boa fé e os deveres específicos em que este se traduz. A confiança só releva quando a lei para ela apelar numa situação típica(102).
CARNEIRO DA FRADA contesta os entendimentos da con- fiança que não se reconduzam à tutela das expectativas, mas consi- dera irredutíveis à violação de deveres específicos as verdadeiras situações geradoras de confiança. Essas originariam um novo tipo de responsabilidade pela confiança; que, não se fundando em vio- lação de dever, não suporia a prática dum ilícito; e que deste modo poderia responsabilizar objectivamente outrem, independente- mente de qualquer reprovação da conduta deste. Isso resultaria de imperativo ético, contido na ideia do Direito(103).
Existe responsabilidade pela confiança, escreve o referido autor, “quando a criação-defraudação da confiança constitua o vero fundamento da obrigação de indemnizar. Na sua extrema singeleza, esta percepção permite traçar com rigor o âmbito pos- sível e legítimo da responsabilidade pela confiança. Defende-a principalmente das extensões indevidas que a mesclam com o reconhecimento de que a criação ou promoção da confiança representa um escopo, ora precípuo, ora secundário mas presente, de inúmeras soluções jurídicas: fundamento e fim não se confun- dem”(104). Trata-se no dizer do autor de uma “teoria pura da con- fiança”(105).
(102) Idem, p. 448.
(103) Comentário de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx (ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2003, p. 308).
(104) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, pp. 902 e ss.
(105) Ibid.
D — NATUREZA DA RESPONSABILIDADE PRÉ-
-CONTRATUAL
Uma tradicional dicotomia da ciência jurídica é a distinção entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontra- tual. A primeira é originada pela violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico; é a responsabilidade do devedor para com o credor pelo não cumprimento da obrigação. A segunda, também chamada aquiliana ou delitual, resulta da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (real, direito de personalidade). Existem entre as duas formas de respon- sabilidade algumas diferenças de regime, por exemplo no que diz respeito ao alcance da noção de culpa e da respectiva presunção na responsabilidade obrigacional, e ao prazo prescricional (cfr., os arts. 487.º, n.º 1 C.C., e 799.º C.C.; 498.º C.C. e 309.º C.C., respec- tivamente), embora, quanto aos pontos fundamentais da obrigação de indemnização (arts. 562.º C.C. e ss.)(106), haja coincidência da disciplina respectiva(107).
Na responsabilidade obrigacional a ausência de verificação da prestação devida conduz em princípio à obrigação de indemni- zar, a tutela aquiliana requer normalmente uma indagação e demonstração positiva de requisitos de responsabilidade como a ilicitude e a culpa. Xxx, a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso lançam logo sobre o devedor a presunção de que na sua base está uma conduta sua, ilícita e censurável. Já na responsabili- dade delitual a simples circunstância de se verificar a lesão de uma posição jurídica absolutamente protegida não é — em regra — suficiente para justificar uma obrigação de ressarcimento de danos. Exige-se agora ordinariamente do lesado a demonstração da censurabilidade da conduta do autor da lesão e impõe-se-lhe, sobretudo no vasto campo das omissões e das ofensas mediatas a bens jurídicos coberto pela doutrina dos deveres no tráfico, a com-
(106) Art. 562.º: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
(107) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Ed., por Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx, Coimbra Editora, 2005, p. 137.
provação da própria contraditoriedade ao Direito do seu comporta- mento (cfr. Arts. 483.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1)(108).
Importa saber se a responsabilidade pré-contratual se recon- duz a uma situação de responsabilidade contratual ou extracontra- tual. Qual é o enquadramento dogmático da culpa in contrahendo?
1.º Teoria contratual
A doutrina portuguesa maioritária entende que a responsabilidade pré-contratual tem natureza obrigacional e se encontra sujeita às regras próprias da responsabilidade contratual (rectius: obrigacional)(109).
Os argumentos apresentados são os mais diversos.
Para XXXXXXX XXXXXX, o nexo teleológico existente entre a relação pré-contratual e a relação contratual para que ela tende, justifica a aplicabilidade à primeira, no caso de violação dos deve- res dela decorrentes para qualquer das partes, das regras próprias da responsabilidade contratual. Apesar de não haver ainda nenhum vínculo contratual entre as pessoas que iniciam negociações para a realização do contrato, a verdade é que a relação criada entre essas pessoas determinadas está muito mais próxima da relação contra- tual do que da existente entre o titular do direito absoluto e o autor da violação ilícita dele(110).
A posição doutrinal de MENEZES CORDEIRO é de que a culpa in contrahendo tem natureza obrigacional, por violação de deveres específicos de comportamento baseados na boa fé. O que, em termos de Direito substantivo, releva, no essencial, em que, demonstrada a violação, presume-se a culpa da parte faltosa, nos termos do art. 799.º/1(111). A opção obrigacional, que envolve a presunção de culpa-ilicitude prevista no art. 799.º/1, conduz a um funcionamento mais líquido do instituto(112).
(108) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx, “Xxxxx Xxxx em Odres Velhos”? — A responsa- bilidade civil das “operadoras de Internet” e a doutrina comum da imputação de danos,
ROA 1999 — Ano 59 — Vol II — Abril, p. 671; xxx.xx.xx
(109) Vide XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 272.
(110) XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Das Obrigações, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2005, p. 271.
(111) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, p. 585.
(112) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito Civil Português ,…, p. 517.
XXXXXX XXXX XXXXX caracteriza a relação pré-contratual como relação obrigacional de fonte legal sem deveres primários de prestação. Na fase pré-contratual, as partes não assumiram ainda obrigações uma para com a outra, dado que tais vinculações apare- cerão apenas a título eventual, com a celebração do contrato. Elas encontram-se adstritas a um comportamento diligente, correcto e leal uma para com a outra, sob pena de terem de ressarcir os danos causados, por força directa de direito objectivo(113).
Por fim, XXXXXX XXXXXX invoca o facto de a culpa in con- trahendo supor a infracção de uma verdadeira obrigação — a obri- gação de contratar bem, de agir nos preliminares e na formação do contrato por modo que este nasça isento de mácula ou deficiência.
2.º A Teoria extracontratual ou aquiliana
Uma outra corrente defende que a responsabilidade pré-con- tratual encontra disciplina básica satisfatória no âmbito extracon- tratual.
Tal é a posição defendida por XXXXXXX XXXXX(114) e tam- bém sufragada por algumas decisões dos tribunais portugueses. No já mencionado Xxxxxxx do Tribunal da Relação de Évora, de 03-
-03-2010, o Tribunal enuncia as razões que fundaram a sua escolha de enquadrar a responsabilidade pré-contratual no campo da res- ponsabilidade aquiliana, como segue:
“Desde logo, o n.º 2, do artigo 227.º, do Código Civil, parece apontar para a responsabilidade aquiliana pois em matéria de prazo prescricional optou pela aplicação do art. 498.º, do Código Civil, que é uma norma própria da responsabilidade extracontratual.
Acresce que os casos (…) típicos da responsabilidade pré- contratual não implicam sequer que chegue a existir um con- trato [ruptura de negociações preparatórias] ou, existindo con-
(113) XXXXX, Xxxxxx Xxxx, Cessão da Posição Contratual, Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pp. 349 e ss; Xxxx XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., p. 272; Vide comentário de Car- neiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 102.
(114) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato, Coimbra, reimpressão de 1994, pp. 86-98.
trato, estão para além dele [danos indemnizáveis surgidos na negociação de contrato válido e eficaz].
Para além disso, o evento danoso ocorre necessariamente num momento em que ainda não existe contrato.
Por outro lado, em matéria de culpa, atenta a natureza deste tipo de responsabilidade, é preferível que a culpa não se presuma e antes tenha que ser demonstrada pois estamos perante uma limitação da autonomia da vontade [Sublinhado nosso] (...) Em suma, estes argumentos levam-nos a concluir que a inser- ção da responsabilidade pré-contratual no campo da responsa- bilidade aquiliana é mais adequada à tutela dos interesses con- flituantes”(115).
3.º O Tertium genus na responsabilidade civil
Não sendo possível estabelecer um elo seguro, uma conexão unânime a um dos dois tipos de responsabilidade, alguns autores debruçaram-se sobre outra teoria: um tertium genus na responsabi- lidade civil.
A terceira via surge na dogmática alemã por intermédio do Prof. XXXXX-XXXXXXX XXXXXXX, da Universidade de Muni- que(116). Em Portugal, XXXXXXXX DA XXXXX mostrou-se favo- rável a esta tese(117) e tem insistido em que a dicotomia clássica entre a responsabilidade contratual e delictual não esgota o uni- verso do direito da imputação dos danos(118). A terceira via na res- ponsabilidade civil seria uma “forma de responsabilidade intermé- dia, situada entre os pólos do contrato e do delito”(119).
No tertium genus, devem ser enquadrados certos fenómenos de responsabilidade por deveres não delituais ou não contratuais
(115) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-03-2010 (Proc. n.º 44/
/07.1TBGDL.E1); xxxx://xxx.xxxx.xx.
(116) XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Vol. I, 7.ª Ed., 2008, p. 354.
(117) XXXXX, Carneiro da, Uma “terceira via” no direito da responsabilidade civil?, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 95.
(118) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 758, notas 842 e 843.
(119) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx, “Xxxxx Xxxx em Odres Velhos”? — A responsa- bilidade civil das “operadoras de Internet” e a doutrina comum da imputação de danos, ROA 1999 — Ano 59 — Vol II — Abril, p. 673; xxx.xx.xx.
v.g. a responsabilidade por informações ou por violação de deveres de protecção (deveres específicos)(120).
O ponto fraco desta teoria, segundo os seus opositores, é que se trata de uma responsabilidade sem qualquer regulamentação, e que estabelece uma responsabilidade distinta da violação de uma particu- lar relação obrigatória ou da violação de deveres genéricos(121).
Retomando, na sua Tese de Doutoramento, a já conhecida doutrina da terceira via, CARNEIRO DA FRADA elaborou uma “teoria pura da confiança”, conduzindo a uma quarta via (ou pista) na responsabilidade civil. Este autor voltou a considerar que a tra- dicional divisio entre responsabilidade contratual e aquiliana não logra, pelas respectivas características intrínsecas, — para o enquadramento dogmático da responsabilidade pré-contratual, — sugerindo uma responsabilidade pela confiança que constituiria, dentro do sistema global da imputação de prejuízos, um corpo específico. Intercalada embora de algum modo entre os paradig- mas do contrato e do delito, não se confunde com a responsabili- dade por violação de deveres não contratuais e não aquilianos (como os inspirados na boa fé)(122).
Um dos corolários mais significativos da concepção exposta pelo referido autor é o da autonomização entre responsabilidade pela confiança e regra da conduta segundo a boa fé. Os deveres de verdade ou de esclarecimento não pertencem conceptualmente à responsabilidade pela confiança. Tal como, em regra, a responsabi- lidade por omissões. As chamadas relações obrigacionais sem deveres primários de prestação não se reconduzem dogmatica- mente à tutela de expectativas, ainda que a necessidade de conside- rar estas últimas inspire deveres que a conformam. Semelhante reconstrução impõe obviamente uma reordenação dogmática da figura da culpa in contrahendo.
(120) FRADA, Xxxxxx Xxxxxxxx da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 758, notas 842 e 843.
(121) Vide BENATI, Xxxxxxxxx, La Responsabilità Precontratuale, 1963, p. 116-
-117; XXXXXX, Xxxxxxx, Diritto Civile, 3, Il Contrato, 1984; Xxxx XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 59.
(122) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Teses, Almedina, 2007, p. 904.
Concluíndo, o espaço das responsabilidades intermédias apresentar-se-á heterogéneo, sulcado por trilhos dogmáticos dife- renciados(123).
A tese defendida por XXXXXXXX DA XXXXX é severamente criticada por XXXXXXXX ASCENSÃO que considera que a admis- são duma responsabilidade sem ilícito contraria gravemente todo o sentido valorativo da ordem jurídica portuguesa(124).
4.º A Teoria da natureza mista ou dualista
Ensina-nos o Prof. XXXXX XXXXXXX que as construções jurídicas têm valor meramente representativo ou descritivo, e não substancial ou constitutivo. Delas não se extrai por dedução o regime jurídico aplicável a questões concretas, mas tão-só uma visão superior e simplificada de certa matéria. Acima de tudo, o que importa é a adequação das soluções às necessidades da vida e aos valores imperantes em cada sector do ordenamento jurídico; não a sua ordenação lógico-formal num sistema de conceitos, onde supostamente encontrariam resposta todos os problemas novos(125). Assim, embora se possa falar de uma relação obrigacional de fonte legal e sem deveres primários de prestação a propósito da relação que se estabelece entre as partes nos preliminares e na con- clusão dos contratos, e de uma responsabilidade obrigacional ou contratual a respeito do dever de indemnizar emergente da viola- ção dos deveres de conduta que integram aquela relação, daí não se segue necessariamente que o regime aplicável a esse dever de
indemnizar seja o da responsabilidade contratual(126).
Excepto pelo que respeita ao regime da prescrição (relativa- mente ao qual o art. 227.º, n.º 2, determina a aplicabilidade do dis- posto no Código quanto à responsabilidade aquiliana), o julgador não se encontra vinculado a aplicar exclusivamente as regras de qualquer das vertentes da responsabilidade civil. Há , pelo contrá-
(123) XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Teses, Almedina, 2007, p. 902 e passim.
(124) ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. III, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2003, p. 398.
(125) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, op. cit., pp. 273-274.
(126) Ibid.
rio, que ponderar em cada caso qual o regime aplicável, atentos os valores e interesses em jogo. A necessidade de compatibilizar a sal- vaguarda da autonomia privada com a tutela da integridade patri- monial do lesado poderá mesmo ditar uma certa hibridez do regime jurídico aplicável à responsabilidade pré-contratual(127). É a solu- ção para que propendemos.
À responsabilidade pré-contratual pertence, pois, nos Direitos português (e angolano) uma natureza mista ou dualista: em rigor, ela é irredutível a qualquer das formas tradicionais de responsabi- lidade civil(128).
Parece-nos ser idêntico o posicionamento do Prof. XXXXX XXXXXXXX para quem é “insuficiente falar de uma terceira via do direito da responsabilidade (…) os casos de responsabilidade por culpa in contrahendo são tão diferentes entre si que, provavel- mente, a resposta terá de ser diferenciada para cada um deles”(129).
5.º A Jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Jus- tiça português (2004-2010)(130)
Nas suas recentes decisões, o Supremo Tribunal de Justiça português tergiversou, ora consagrando a teoria contratual, ora a teoria extracontratual, embora pareça-nos existir uma tendência marcada para a teoria contratual. O Supremo Tribunal de Justiça também decidiu, num Acórdão de 2004, a favor da teoria mista ou dualista. Senão vejamos:
a) Jurisprudência a favor da Teoria contratual ou obrigacional
— Acórdão de 25-10-2005(131)
“Nas negociações preliminares à celebração de contratos já nos encontramos no domínio da responsabilidade con- tratual, pelo que há aí que ter em conta a presunção de culpa estabelecida no art. 799.º/1 do Código Civil”.
(127) Ibid.
(128) Ibid.
(129) XXXXXXXX, Sinde, Culpa in Contrahendo, Versão escrita da intervenção oral no V Seminário de Justiça Administrativa realizado nos dias 4 e 5 de Julho de 2003 em Caminha. s/n; Xxxx XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx, op. cit., p. 62.
(130) xxx.xxxx.xx.
(131) Proc. n.º 05A3054.
— Acórdão de 21-12-2005(132)
“A responsabilidade pré-contratual é predominantemente qualificada como tendo a natureza de responsabilidade contratual e sujeita ao regime desta (…)”.
— Acórdão de 11-09-2007(133)
“Tratando-se de responsabilidade obrigacional, demons- trada a violação das regras da boa fé e o princípio da con- fiança, que determinaram a frustração do negócio, incide presunção de culpa sobre aqueles que tomaram a inicia- tiva negocial”.
b) Jurisprudência a favor da Teoria extracontratual ou aqui- liana
— Acórdão de 13-03-2007(134)
“A responsabilidade pré-contratual situa-se no âmbito da responsabilidade aquiliana (ou extracontratual)”.
c) Jurisprudência a favor da Teoria mista ou dualista
— Acórdão de 18-11-2004(135)
“O regime aplicável, no caso da obrigação de indemnizar por responsabilidade pré-contratual (art. 227.º do Código Civil), deve ser construído a partir da aplicação de nor- mas de responsabilidade contratual ou de responsabili- dade delitual consoante o que se considerar mais ade- quado ao caso”.
V — A REPARAÇÃO DO “DANO DE CONFIANÇA”
As consequências advenientes da protecção da confiança podem consistir ou na preservação da posição nela alicerçada, ou num dever de indemnizar. Em regra, o Direito português exprime a
(132) Proc. n.º 05B2354.
(133) Proc. n.º 07A2402.
(134) Proc. n.º 07A402.
(135) Proc. n.º 04B2992.
tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assis- tiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real(136).
Tratando-se da culpa in contrahendo, XXXXXXX restringia a indemnização ao interesse contratual negativo uma vez que o seu trabalho se circunscrevia à hipótese da responsabilidade pré-con- tratual devida às circunstâncias do surgimento de um contrato nulo, pelo qual inexistia dever de cumprimento. Daí que o dano a ressarcir coincide não com o interesse positivo ou de cumprimento, mas sim com o interesse negativo.
Ocorre que hoje a responsabilidade pré-contratual abrange para além da hipótese de invalidade do contrato, as de estipulação de um contrato válido com violação de deveres de conduta ou de ruptura injustificada das negociações.
Ocorrendo a culpa in contrahendo, a doutrina portuguesa mostra-se dividida quanto à extensão do dano indemnizável. Esta divisão reflete-se, inevitavelmente, na jurisprudência dos tribunais lusos.
Podemos, grosso modo, distinguir as seguintes correntes dou- trinárias(137):
1.º O ressarcimento do interesse negativo
Chama-nos, desde logo, a atenção o Prof. XXXXX XXXXXXX, sobre a designação imprópria do interesse negativo por interesse ou dano de confiança, porque se extrai da lição de XXXXXXX que a responsabilidade pela confiança possui um carácter bifrontal, uma vez que o interesse positivo também se funda na lesão da con- fiança, sendo por isso configurável um dano de confiança positivo e um dano de confiança negativo(138).
Para esta primeira corrente doutrinal, a obrigação de indemni- zar consagrada no art. 227.º, n.º 1 do Código Civil visa essencial- mente o ressarcimento do interesse negativo. No interesse negativo incluir-se-á tanto o dano emergente (as despesas efectuadas por
(136) XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da Boa Fé…, pp. 1249 e ss.
(137) Sobre esta matéria, vide XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Responsabilidade…, pp. 322 e ss.
(138) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Responsabilidade…, p. 318.
causa das negociações) como o lucro cessante (os benefícios que o lesado teria auferido em virtude de oportunidades negociais falha- das se não se tivessem iniciado as negociações) resultantes da imperfeição ou da ineficácia do contrato(139/140).
Posto isto, esta corrente segue duas orientações distintas:
a) A primeira orientação sustenta que a indemnização do dano negativo seria em todo o caso limitada pelo inte- resse positivo, pois que a equidade imporia que não se coloque o lesado em posição mais favorável do que a que ocuparia se o contrato projectado fosse cumprido e bem assim a uma vinculação menor não corresponda uma res- ponsabilidade mais extensa.
b) A segunda orientação preconiza a concessão de uma indemnização em princípio correspondente ao interesse
(139) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Responsabilidade …, p. 322.
(140) XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Almedina, 2009, p. 310.
A defesa do ressarcimento dos danos pré-contratuais por ruptura injustificada das negociações pelo interesse negativo é muito presente nas decisões judiciais portuguesas (tanto os mais antigos como os mais recentes).
Num Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de Fevereiro de 1991, lê-
-se que:
“I — O dano ressarcível por culpa in contrahendo não se identifica com o ganho que derivaria da celebração do contrato (…)”
Na fundamentação do Acórdão, o Tribunal argumenta favoravelmente à indemniza- ção pelo interesse negativo nestes termos:
“Como escreveu o Prof. Xxxxxxx Xxxxx, in Rev. Leg. e de Jur., Ano 116.º, p. 209: “A responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações não ocasiona um ressarci- mento de todos os proveitos que derivariam da válida celebração e cumprimento do con- trato; (…) os danos, cuja indemnização se impõe ao contratante que durante os prelimina- res ou na formação do contrato viola as regras da boa-fé, por força do n.º 1 do artigo 227.º, do Código Civil, não se confundem com aqueles por que, mercê do artigo 768.º do mesmo diploma, é responsável o devedor que falta culposamente ao cumprimento de um contrato válido e eficaz”.
Ainda segundo XXXXXXX XXXXX, pode a indemnização assumir relevância, tanto sob o aspecto da afectação de valores já existentes na titularidade do lesado (dano emer- gente), como a respeito de vantagens que o mesmo deixou de auferir, ou porque não cele- brou outros negócios que dependiam da conclusão do que se frustrou ou porque a expecta- tiva deste desviou a sua actividade de outras direcções possíveis (lucro cessante). XXXXX, Xxxxxxx, Il risarcimento del danno nella responsabilità precontrattuale, Milano, 2003; Xxxx XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Almedina, 2009, p. 298 e ss.
negativo, podendo todavia excedê-lo, e mesmo ultrapas- sar o interesse positivo, quando a culpa causar danos diferentes (v.g. nos casos em que o lesado teria concluído outro contrato mais favorável), pois que de outro modo não seria reparado um dano que, por culpa da outra parte, foi causado ao lesado.
Raciocinemos a partir do seguinte exemplo de TRIMARCHI, para distinguir o interesse negativo do interesse positivo e perceber as implicações das teorias acima expostas.
Em havendo que ressarcir os danos oriundos do aborta- mento de uma negociação relativa a um objecto de valor de 500.000 € (quinhentos mil euros), em que em virtude da negociação o lesado gastou 50.000 € (cinquenta mil euros) em viagens e perdeu a ocasião de vender a outro interessado o mesmo objecto por 600.000 € (seiscentos mil euros), tem-se que a tutela pelo interesse negativo abrange o preço das viagens e a diferença que o lesado perdeu porque deixou de vender o bem para o outro inte- ressado, isto é, 100.000 € (cem mil euros), totalizando
150.000 €. Ao contrário, o interesse positivo abarcaria o montante de 500.000 € (quinhentos mil euros), justa- mente porque relativo aos termos do contrato não cele- brado pela frustração da confiança despertada(141).
Se seguirmos a tese defendida pelos autores que sustentam a primeira orientação acima exposta, a indemnização pelo interesse negativo nunca poderá ultrapassar o montante de 500.000 €. Se, ao
(141) TRIMARCHI, Istituzioni di dirrito privato, p. 316, apud FRANCESCHETTI, Xxxxx, La Responsabilità Precontrattuale, in xxx.xxxxxxxxxxxx.xx/xxxxXx/xxxxxxxxxx- lit%E0%20.precontrattuale.pdf; Xxxx XXXXX, Xxxxxxx, op. cit., p. 182.
Na versão original: “Io sto conducendo una trattativa realtiva ad un oggetto per il valore di 500.000 euro; per condurre la trattativa ho speso 50.000 euro di viaggio e ho perso l’ocasione di vender ela mercê a Caio, che me l’avrebbe acquistata per 600.000 euro. L’interesse negativo ammonta xx xxxxxx xxx xxxxxxx (00.000 xxxx) xxx la differenza che avrei potuto ricavare dalla rivendita (100.000 euro). L’interesse positivo, invece ammonta a 500.000 euro”. Tradução livre de Xxxxxxx Xxxxx.
contrário, optarmos pela segunda orientação, o valor indemnizató- rio poderá atingir o montante de 600.000 €.
2.º O ressarcimento do interesse positivo
Uma segunda corrente admite a indemnização do interesse positivo, ou de cumprimento, nos casos em que, não fora a culpa in contrahendo, o contrato se teria aperfeiçoado, assim como naque- les em que a conduta culposa consista na violação de um dever de conclusão do negócio, por analogia com o art. 275.º, n.º 2.
Relativamente à questão da ressarcibilidade do interesse posi- tivo, em caso de ruptura das negociações, XXXXXX DO NASCI- MENTO sublinha o facto de que a indemnização do interesse posi- tivo implicaria conhecer de todo o conteúdo “prestacional” do contrato. O lesado teria direito à indemnização correspondente ao interesse do cumprimento, menos a prestação que ele próprio teria de realizar. Ora, como não é possível conhecer as prestações a que as partes se vinculariam, não é igualmente possível conhecer o interesse positivo. Logo, a limitação destes casos — ruptura das negociações — ao interesse negativo impõe-se, também (mas não só) por estes motivos pragmáticos(142).
Esta posição não é sempre seguida pelos tribunais. O Supremo Tribunal de Justiça português, no seu Acórdão de 11-01-2007(143), decidiu que:
“1. Na responsabilidade pré-contratual, em princípio, cabem apenas os danos cobertos pelo interesse contratual nega- tivo.
“2. Excepcionalmente, cabe também na responsabilidade pré-contratual, a indemnização pelo interesse positivo, como nos casos em que ocorre uma clara violação da conclusão do contrato (…)”
(142) NASCIMENTO, Xxxxx Xxxxxx do, A Responsabilidade Pré-Contratual…, p. 79.
(143) Proc. n.º 06B4223; xxx.xxxx.xx.
3.º A reparação dos danos causados, incluíndo o interesse positivo
Na linha de RUY DE ALBUQUERQUE, MENEZES COR-
XXXXX sustenta a inexistência de qualquer motivo para limitar a responsabilidade do prevaricador ao interesse negativo ou de con- fiança: ele deve responder, como manda o art. 227.º/1, por todos os danos causados, nos termos gerais, tendo em conta, segundo a cau- salidade adequada, os lucros cessantes, embora descontando, sem- pre de acordo com os princípios da responsabilidade, as vantagens advenientes da violação para o prejudicado e, designadamente, não havendo contrato válido, o facto de ele não ter de o cumprir e de não correr os riscos inerentes às vicissitudes contratuais(144).
Conforme o Prof. XXXXX XXXXXXX, esta posição encontra, no Direito vigente, apoio no princípio da reparação natural, que rege a obrigação de indemnizar segundo o art. 562.º do Código Civil, e na circunstância de o art. 227.º do mesmo Código não esta- belecer qualquer restrição quanto ao dano indemnizável(145).
Este foi o posicionamento do Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão, de 09-07-2003, em que afirma que:
“A ideia de que o interesse em causa só poderá corres- ponder ao interesse negativo funda-se na concepção con- tratual, mas há que atender ao interesse efectivamente ofendido, o qual poderá situar-se a vários âmbitos (…) A autora, na tese por nós supra defendida, no que tange aos danos indemnizáveis, teria direito não só aos decor- rentes do interesse negativo, mas também do positivo, isto é, o do cumprimento (…)(146)”.
4.º A efectivação do contrato
Para finalizar esta secção consagrada à matéria da reparação do dano de confiança, importa analisar a solução sustentada por
(144) XXXXXXXXXXX, Ruy de, Da Culpa in Contrahendo, 82 ss, (84); Apud
XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 585.
(145) XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Da Responsabilidade…, p. 324.
(146) Proc. n.º 4577/2003-2; xxx.xxxx.xx.
uma parte da doutrina, sobre a possibilidade de, no caso de ruptura das negociações, obrigar a parte faltosa a celebrar o contrato.
Conforme ANA PRATA, a medida da vinculação das partes aumenta na razão da confiança suscitada pelos preliminares: nos casos em que todo o conteúdo contratual está definido, faltando somente a formalização do negócio (quando este seja formal), há um dever de contratar, emergente da boa fé(147).
Nesse sentido também se posicionou XXXXXXX XXXXX, ao afirmar que o cânone da boa fé pré-contratual radica também no dever de, em certas situações, efectivamente contratar, isto é, casos em que não pode haver rompimento das negociações iniciadas por- que a boa fé impõe uma conduta a não defraudar a expectativa criada(148).
XXXXXXXX ASCENSÃO opõe-se a tal entendimento. Segundo este autor, a consequência da ruptura das negociações é sempre e só a indemnização de danos. Para mais longe que seja levada a negocia- ção, nunca se fica sujeito a um dever de contratar. Se assim fosse, podia-se exigir o cumprimento desse dever e chegar porventura à execução específica. Mas não é assim. Só se reparam os danos de ter havido negociação inútil; não os danos derivados de não ter havido contrato(149).
Parece-nos que impor a uma das partes a obrigação de efecti- vamente contratar, tendo em conta o nível avançado das negocia- ções pressupõe que, a dado momento das mesmas, as partes che- gam a um “point of no return” (ponto de não retorno), momento em que perdem a liberdade de [não] celebração do contrato, antes mesmo da sua celebração. O que constitui, a nosso ver, uma posi- ção contestável.
(147) PRATA, Xxx, “Notas sobre Responsabilidade Pré-Contratual”, in Separata
da Revista da Banca, (n.os 16 e 17), Lisboa, 1991, p. 74.
(148) XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade Pré-contratual por rup- tura das negociações, Almedina, 2006, p. 152.
(149) ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, Direito Civil — Teoria Geral, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2003, p. 449.
VI — CONCLUSÃO
Deste estudo, retiramos as seguintes conclusões:
1.º O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental por que se rege o ordenamento jurídico. Na fase pré- contratual, a boa fé serve para conferir a base juspositiva necessá- ria à protecção da confiança quando, para tanto, falte uma disposi- ção legal específica.
2.º A boa-fé objectiva introduziu a ética em todo o direito dos contratos, estabelecendo, na fase pré-contratual, padrões de comportamento ou deveres acessórios de conduta, distintos dos deveres — obrigações — principais concretizados com a formação do contrato, consubstanciados nos deveres de protecção, de infor- mação e de lealdade.
3.º No que diz respeito, precisamente, ao dever de informa- ção da contraparte, implícito na regra de actuação segundo a boa fé do art. 227.º do C.C., o que dele está excluído é a obrigação de lhe dar a conhecer elementos ou circunstâncias a que qualquer pessoa tenha acesso desde que actue com a diligência de um homem médio. A obrigação de informar existe, no entanto, sempre que, a informação de que a parte dispõe se reporta a um dado fundamen- tal para a esclarecida formação da vontade negocial da contraparte e a que esta, agindo por sua exclusiva iniciativa individual, não possa aceder directamente.
4.º A legislação [angolana e portuguesa] relativa às cláusu- las contratuais gerais e à defesa do consumidor contem preceitos directamente aplicáveis à formação dos contratos que caiam sob o seu âmbito, cuja violação conformam a culpa in contrahendo e que visam tutelar especificamente a confiança do destinatário dessas cláusulas gerais contratuais ou do consumidor.
5.º Inexiste no Direito inglês vigente um dever geral de actuação segundo a boa fé, a cargo das partes nos preliminares e na formação dos contratos. Se as partes entram em negociação e uma delas, confiando na celebração do contrato incorre em determina- das despesas, estas serão tratadas como perdas, inerentes à activi-
dade empresarial. Outros institutos jurídicos, no Direito inglês, como a Misrepresentation ou o Promissory Estoppel podem servir para tutelar a confiança das partes envolvidas nas negociações pré-
-contratuais.
6.º Nos direitos português e angolano, é opinião maioritária que, através da responsabilidade pré-contratual, se tutela directa- mente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé. Uma “responsabilidade pela confiança”, sem referência aos deveres decorrentes da boa fé, conforme a tese da “Teoria pura da confiança” de CARNEIRO DA FRADA, não é imune a críticas doutrinárias.
7.º Não há consenso na doutrina e na jurisprudência portu- guesas sobre a natureza da responsabilidade pré-contratual. Perma- nece uma vexata quaestio saber se a responsabilidade pré-contra- tual se reconduz à responsabilidade contratual ou extracontratual, ou se se enquadra numa terceira via na responsabilidade civil por violação de deveres específicos v.g. de informação ou de protecção.
8.º Inclinamo-nos em aceitar que, à responsabilidade pré-
-contratual pertence, nos Direitos português e angolano, uma natu- reza mista ou dualista: em rigor, ela é irredutível a qualquer das formas tradicionais de responsabilidade civil: responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. O julgador não se encontra vinculado a aplicar exclusivamente as regras de qualquer das vertentes da responsabilidade civil. Há, pelo contrário, que ponderar em cada caso qual o regime aplicável, atentos os valores e interesses em jogo. A necessidade de compatibilizar a salva- guarda da autonomia privada com a tutela da integridade patrimo- nial do lesado poderá mesmo ditar uma certa hibridez do regime jurídico aplicável à responsabilidade pré-contratual.
9.º A doutrina e a jurisprudência portuguesas são divididas relativamente à questão da indemnização por culpa in contra- hendo. De acordo com os interesses em presença e as circunstân- cias do caso concreto, parece-nos ser actualmente possível argu- mentar no sentido de defender a tutela exclusiva do interesse negativo ou positivo, ou ainda a reparação de todos os danos origi- nados por uma culpa in contrahendo.
10.º Nos casos de ruptura injustificada das negociações, não nos parece admissível a possibilidade de impor a uma das partes a obrigação de efectivamente contratar, tendo em conta o nível avan- çado das negociações, porque suporia que, a dado momento das mesmas, as partes chegam a um ponto de não retorno, momento em que perderiam a liberdade de [não] celebração do contrato, antes mesmo da sua celebração.
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ÍNDICE DE JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA
(Fonte: xxxx://xxx.xxxx.xx)
Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
— Acórdão de 28-09-1995 (Proc. n.º 086647)
— Acórdão de 18-11-2004 (Proc. n.º 04B2992)
— Acórdão de 25-10-2005 (Proc. n.º 05A3054)
— Acórdão de 21-12-2005 (Proc. n.º 05B2354)
— Acórdão de 11-01-2007 (Proc. n.º 06B4223)
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— Acórdão de 11-09-2007 (Proc. n.º 07A2402)
— Acórdão de 18-12-2008 (Proc. n.º 08B2688)
— Acórdão de 10-12-2009 (Proc. n.º 3795/04.9TVLSB.S1)
— Acórdão de 07-07-2010 (Proc. n.º 4865/07.7TVLSB.L1.S1)
— Acórdão de 16-12-2010 (Proc. n.º 1212/06.9TBCHV.P1.S1)
Acórdãos dos Tribunais de Relação
— Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-07-2003 (Proc. n.º 4577/2003-2)
— Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26-05-2004 (Proc. n.º 902/04-2)
— Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-04-2008 (Proc. n.º 1322/2008-8)
— Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-03-2010 (Proc. n.º 44/07. 1TBGDL.E1)
— Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-04-2010 (Proc. n.º 3419/08. 5TVLSB.L1-8)