ANÁLISE DA TIPICIDADE DO CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO BURSÁTIL
ANÁLISE DA TIPICIDADE DO CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO BURSÁTIL
The typicality analysis of the stock exchange intermediation contract
Xxxxxxx Xxxxxxxx Pleti1
Resumo
Para execução de operações com valores mobiliários na BM&FBOVESPA é necessário estabelecer um negócio jurídico com uma sociedade corretora habilitada, o qual, na prática cotidiana do mercado de capitais, recebe a denominação de contrato de intermediação bursátil. No entanto, a doutrina e a jurisprudência não apresentam uniformidade quanto à categoria típica na qual esse instituto se enquadra, perpetuando-se opiniões que ora o consideram como corretagem, ora como mandato e ora como comissão. Assim, é imprescindível investigar qual dessas posições revela-se compatível com as normas de direito contratual constantes do Código Civil Brasileiro, haja vista que o regime jurídico do contrato de intermediação bursátil dependerá, necessariamente, da sua figura típica na qual esse se subsume.
Abstract
To execute securities transactions on the BM&FBOVESPA it is necessary to establish a legal deal to an authorized security trade company which, in daily practice of the capital market, is called as stock exchange intermediation contract. However, the doctrine and jurisprudence are not uniform about the typical category in which this institute enframes, perpetuating alternatives opinions between brokerage, agency and commission contract. Thus, it is essential to investigate which of these positions is compatible with the rules of contract law contained in the Brazilian Civil Code, since the legal regime of stock exchange intermediation contract depends necessarily on its typical figure in which it is been subsumed.
Palavras-chave
1. Jurisprudência; 2. Contrato de intermediação; 3. Sociedade Corretora; 4. Bolsa de Valores; 5. Comissão.
Keywords
1. Jurisprudence; 2. Intermediation Contract; 3. Security Trade Company; 4. Stock Exchange; 5. Comission.
1 Professor efetivo de direito civil e empresarial da Universidade Federal de Uberlândia, especialista (UFU), mestre e doutor em Direito Empresarial (UFMG).
1. INTRODUÇÃO
A intermediação obrigatória de sociedades corretoras nas transações com valores mobiliários atende, a um só tempo, aos ditames de eficiência e de segurança necessários ao bom funcionamento do mercado de capitais. E isso em virtude do alto nível de especialização que tais instituições financeiras ostentam no que tange às negociações do mercado de capitais.
Sob essa ótica, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx elucida
Quanto aos sujeitos que pretendem a participação prática nas operações em bolsa, há que se considerar preliminarmente um contrato entre eles e a instituição intermediadora ou corretora, exigido para se assegurar a rigidez do sistema, encapsulando-o na malha formada pelas sociedades corretoras, membros titulares ou especiais da própria bolsa e a responsabilidade que assumem pelo adimplemento das operações junto ao órgão de compensação [...] (SALLES, 2000, p. 30).
Diante desse contexto, infere-se que o negócio firmado entre o investidor e a sociedade corretora é imprescindível para que se possam realizar operações com valores mobiliários. Ele é formalizado por instrumento que, no dia a dia do mercado de capitais, recebe diversas denominações, sendo considerado ora como mandato, ora como corretagem e ora como comissão2. Essa variedade de designações provoca dúvidas a respeito da categoria típica na qual deve se incluir tal espécie contratual.
Em Portugal, por exemplo, os contratos considerados como de intermediação financeira constituem espécie autônoma dentre os contratos comerciais3. Compreendem, assim, os “negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira” (ANTUNES,
2 Eis algumas nomenclaturas utilizadas para identificar esse contrato na prática do mercado de capitais: i) contrato de prestação de serviços de intermediação de aplicações no mercado financeiro; ii) contrato de intermediação de aplicação financeira em bolsa de valores mobiliários e de mercadoria e futuros; iii) contrato de prestação de serviços de intermediação de operações; iv) contrato de intermediação para realização de operações nos mercados à vista e de opções administrados pela BM&FBOVESPA S.A.; v) contrato para realização de operações nos mercados à vista, de opções e no mercado futuro de títulos, valores mobiliários e assemelhados, administrados por bolsa de valores e/ou entidade do mercado do balcão organizado;
vi) contrato de corretagem para compra e venda de valores mobiliários e; contrato de comissão bursátil;
3 Observe-se que a designação “contrato de intermediação” não é exclusiva para todos os contratos abrangidos por essa categoria. O contrato de distribuição, por exemplo, também é comumente visto como contrato de intermediação por fazer a ponte entre fabricante e adquirente final das mercadorias. (ALMEIDA, 2006, p. 291).
2007, p. 281). E, dentre as subespécies desse tipo contratual, encontra-se o “Contrato de Ordens para Realização de Operações sobre Instrumentos Financeiros”, cuja disciplina legal encontra-se nos arts. 325.º a 334.º do Código de Valores Mobiliários lusitano (RODRIGUES, 2011, p. 10 e 11).
Tais normas se inserem no Capítulo II desse diploma legal, que recebe o título de “Contratos de intermediação”. Seus preceitos tratam, de forma minuciosa, dos principais contornos dessa categoria contratual sui generis do direito português. Como consequência do dirigismo contratual promovido pelo Estado na seara do mercado financeiro, tem-se a imposição de conteúdo mínimo obrigatório para esses contratos, com foco nos deveres de informação concernentes à execução das ordens de compra e venda de valores mobiliários.
A celebração desse negócio jurídico se dá entre o investidor e um dos intermediários autorizados a operar pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários portuguesa, os quais geralmente se enquadram na definição de empresa de investimento. Essa espécie de instituição, por sua vez, deve deter a qualidade de entidade financeira e, com profissionalismo, prestar serviços de investimento a terceiros4.
No Brasil, inexiste semelhante regulação específica, mas, mesmo assim, é possível identificar dois aspectos preponderantes da figura contratual em exame. Primeiramente, deve atentar-se para o núcleo essencial dessas relações jurídicas, atinente à finalidade de intermediar negócios com valores mobiliários, atividade que é imprescindível à negociação desses bens. Em segundo lugar, discerne-se o ambiente no qual esse tipo de contrato se aperfeiçoa, que pode ser a bolsa de valores ou o mercado de balcão organizado5.
Todavia, devido à delimitação proposta pelo título deste trabalho, opta-se por analisar apenas o contrato pactuado entre sociedade corretora e investidor individual para conclusão de operações no ambiente de bolsa. Por essa razão, adotou-se, neste estudo, a nomenclatura “contrato de intermediação bursátil”, ante sua maior recorrência prática.
4 Entre elas estão as sociedades corretoras, as sociedades financeiras de corretagem, as sociedades gestoras de patrimônios e aquelas assim qualificadas por lei ou que, não sendo instituições de crédito, estejam autorizadas a prestar habitualmente serviços de investimento em valores mobiliários a título principal e profissional.
5 No mercado de balcão organizado, admite-se a atuação direta do investidor, dispensando-se a presença de sociedade corretora como intermediária conforme prevê o art. 5º, III da IN CVM 461/2007.
Assim, excluem-se da presente análise os contratos firmados entre investidores e as sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários, que, hoje, também estão autorizadas a intermediar operações financeiras pela Decisão-Conjunta CVM/BCB nº 17, em 02 de março de 2009 e por isso podem acessar diretamente o mercado bursátil. No entanto, vale ressaltar que esses agentes econômicos possuem rol de atribuições bastante semelhante ao das sociedades corretoras de valores mobiliários.
Atualmente, as últimas diferenças restantes entre essas duas espécies de intermediárias se relacionam à impossibilidade de prestação dos seguintes serviços pelas sociedades distribuidoras: a) realização de contratos de câmbio diretamente com sociedades empresárias (para exportação, por exemplo); b) atuação como agentes emissores de certificados e manutenção de serviços de ações escriturais.
Feita essa ressalva, convém apresentar os elementos subjetivos do contrato de comissão bursátil bem como o fim principal ao qual ele se destina para, só então, discutir a natureza de sua tipicidade perante o Direito. Assim, em face do relevante papel desempenhado pelas sociedades corretoras na intermediação dos recursos e bens circulantes no mercado de capitais, cumpre iniciar a referida exposição descrevendo as principais características desse tipo de instituições financeiras.
2 SUJEITOS CONTRATANTES
2.1 As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários
Newton de Lucca concebe a sociedade corretora como instituição financeira constituída sob a forma de sociedade anônima ou limitada, cuja função é aproximar compradores e vendedores de títulos e valores mobiliários. Por consequência, a atuação
dessa intermediária proporciona a negociabilidade adequada para que operações nos mercados de bolsa ou de balcão sejam efetivadas de forma eficiente (LUCCA, 2014, p. 1)6. Historicamente, a denominação sociedade corretora deriva da qualificação dada ao corretor, profissional responsável por colocar em contato pessoas situadas em diferentes localizações. Como informa Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, “os corretores se deslocavam de praça em praça à procura de compradores ou vendedores de uma pequena variedade de
mercadorias, moedas, ações ou títulos” (LEVY, 1977, p. 3).
A raiz semântica do nome atribuído ao seu ofício derivava, portanto, do modo como eram exercidas as suas atividades, pois esse profissional precisava, efetivamente, correr. O corretor funcionava, assim, como meio físico para a comunicação, perfazendo verdadeiro elo informacional entre compradores e vendedores.
Na sua origem, o papel desse intermediário se confundia com o do cambista, pois abrangia também a troca de valores monetários de diversas procedências7. Tal espécie de serviço se revelou essencial no desenvolvimento inicial da economia, uma vez que, por séculos, o mundo permaneceu dividido, ora em cidades-estado, ora em feudos, cada qual com sua moeda própria. Não sendo facilmente fixável o valor comparativo entre as moedas, os cambistas, que tinham vários estoques delas – ou, pelo menos, das mais usuais na área em que viviam –, faziam as trocas necessárias, remunerando-se com uma pequena comissão (XXXXXXX XXXXX, 2003, p. 137)8.
6 Segundo o art. 2º da Resolução CMN 1.655/89, dentre os objetivos das sociedades corretoras estão: i) operar em bolsas de valores; ii) subscrever emissões de títulos e valores mobiliários no mercado; iii) comprar e vender títulos e valores mobiliários por conta própria e de terceiros; iv) administrar carteiras e custodiar títulos e valores mobiliários; v) exercer funções de agente fiduciário ; vi) instituir, organizar e administrar fundos e clubes de investimento ; vii) emitir certificados de depósito de ações e cédulas pignoratícias de debêntures; viii) intermediar operações de câmbio; ix) praticar operações no mercado de câmbio de taxas flutuantes; x) praticar operações de conta margem; xi) realizar operações compromissadas; xii) comprar e vender metais preciosos, por conta própria e de terceiros; xiii) operar em bolsas de mercadorias e de futuros por conta própria e de terceiros.
7 A prestação cumulativa desses serviços por um mesmo agente econômico ainda persiste na atualidade,
como se pode deduzir da subsistência das sociedades corretoras de câmbio e de títulos e valores mobiliários
operantes no mercado financeiro nacional.
8 Sobre a atuação dos corretores na Antiguidade, Waldemar Ferreira explica: “Em Roma, destaca-se o proxeneta pela habilidade com que acomodava os negócios mediante remuneração, proxeneticum. Na grande cidade tinha oficina. Era útil medianeiro nas compras e vendas em geral; e no comércio imiscuía-se, por força de costume, a fim de facilitar a realização de negócios. Alcançaram os proxenetas prestígio imenso, ao dizer dos velhos textos romanos, sunt enim hujusmodi hominium, est tan in magna civitate, officinae. Est enim proxenatarum modis, qui emptionibus, venditionibus, commerciis, contractibus licitis utiles non adeo improbabili more si exhibent. Sem embargo depreciaram-se no abuso de sua intromissão; e desde então, como ainda hoje, a expressão que os designava tem significado pejorativo.” (FERREIRA, 1963, p. 210 a 211). Tradução nossa do trecho em latim: “Eles são homens bastante atuantes nas grandes cidades, nas
Sobre a origem do ofício de corretor, Xxxxxx Xxxxxxx constatou:
O trabalho dos mediadores, desprezado no mundo romano, surgiu na Idade Média, especialmente no que diz respeito a facilitar as relações dos estrangeiros com os cidadãos, alcançando tanta importância que em muitas cidades proibiu-se a estipulação de qualquer contrato sem a sua intervenção, atribuiu-se uma confiança especial aos seus testemunhos e livros, e se os considerou como funcionários públicos para estimar seus bens e para a averiguação suas atuações (VIVANTE, 1928, p. 218)9.
No Brasil, antes da reforma do mercado de capitais, os precursores das sociedades corretoras como instituições intermediárias foram os “corretores de fundos públicos”. Eram, portanto, pessoas físicas detentoras de ofício público e vitalício; e não sociedades comerciais. Sua atuação foi regulada inicialmente pelo Decreto n. 417 de 14 de junho de 1845, que regulamentou a Lei 317 de 21 de outubro de 1843.
No teor do art. 1º dessa norma inaugural, os corretores eram definidos como
[...] os agentes intermediários para comprar e vender por seus comitentes mercadorias, navios, fundos públicos e outros efeitos e obrigações, letras de câmbio, bilhetes à ordem e quaisquer papéis comerciais, fazer negociações por desconto, seguros, contratos em grosso, fretamento, empréstimo sobre penhores, ou de qualquer outro modo.
Em seguida, essa matéria foi disciplinada por dispositivos do Código Comercial do Império do Brasil, que relacionou os corretores entre os agentes auxiliares do comércio (art. 35)10. O art. 45 desse diploma autorizava a interveniência do corretor em todas as
oficinas. No exercício de suas práticas proxenetas, realizam compras, vendas, comercializações e contratos legais com o improvável desfile de moeda”.
9 No original: L’opera dei mediatori, spregiata nel mondo romano, sorse nel medio evo, in ispecie per agevolare i rapporti degli stranieri coi cittadini, a tanta importanza che in molte città si proibì di stipulare qualsiasi contrato senza il loro ministero, si attribuì una speciale fiducia aìla loro testimonianza e ai loro libri, e si considerarono come pubblici ufficiali per la stima dele merci, per l’accertamento dei corsi.. Adentrando o direito comparado, verifica-se que “versaram sobre a matéria os Códigos Comerciais de Portugal, Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Argentina, Uruguai, México, Venezuela, Paraguai, Peru, o Código Civil Italiano e o Código de Obrigações da Suíça, tendo o Código Comercial Português de 28 de junho de 1888 declarado que ‘o ofício de corretor é pessoal, público, viril e de nomeação régia’.” (PONTES, 1982, p. 375).
10 Observe-se que, mesmo antes do Código Comercial do Império, outros dois decretos também cuidaram de
regulamentar a profissão de corretor: i) o Decreto 648, de 10 de novembro de 1849, que os classificou em corretores de fundos públicos, de navios e de mercadorias; ii) o Decreto 806, de 26 de julho de 1851, que disciplinou a atuação dos corretores da Praça do Comércio do Rio de Janeiro e autorizou, inclusive, a criação de Juntas de Corretores com competência para decidir sobre questões relacionadas aos negócios por eles intermediados.
convenções, transações e operações mercantis (ex. compra e venda de ações de sociedades anônimas). Simultaneamente, sujeitava ao regime de gratuidade qualquer ato de intermediação efetuado por outros profissionais, que se dirigissem à promoção de negócios para terceiros11.
O trabalho dos corretores se limitava, portanto, à mera aproximação entre as partes, não lhes sendo permitido efetuar negociações em seu próprio nome (art. 59)12. A exceção estava apenas na intermediação das aquisições de apólices de dívidas públicas ou ações de sociedades anônimas. Quanto a essas, a única exigência era que não fossem diretores, administradores ou gerentes das corporações emissoras das ações negociadas, independentemente do título sob o qual desempenhassem tais funções (art. 60)13.
Nisso se percebe que, logo em seu nascedouro, a atividade de intermediação de valores mobiliários já assumia contornos próprios, distanciando-se das regras comuns aplicáveis ao contrato de corretagem. Tanto assim que admitia a aquisição e a alienação dos referidos títulos em nome do próprio corretor.
Contudo, o aspecto mais importante do regime jurídico estabelecido pelo Código Comercial de 1850 se encontrava no art. 55 desse diploma. Tal dispositivo, embora não estabelecesse cláusula obrigatória de comissão del credere14 para a atividade dos corretores, acometia-lhes certas responsabilidades.
11 Lei n. 556/1850: “Art. 45 - O corretor pode intervir em todas as convenções, transações e operações mercantis; sendo todavia entendido que é permitido a todos os comerciantes, e mesmo aos que o não forem, tratar imediatamente por si, seus agentes e caixeiros as suas negociações, e as de seus comitentes, e até inculcar e promover para outrem vendedores e compradores, contanto que a intervenção seja gratuita.”
12 Lei n. 556/1850: “Art. 59 - É proibido aos corretores: 1 - toda a espécie de negociação e tráfico direto ou indireto, debaixo de seu ou alheio nome; contrair sociedade de qualquer denominação ou classe que seja, e ter parte ou quinhão, em navios ou na sua carga; pena de perdimento do ofício, e de nulidade do contrato; 2 - encarregar-se de cobranças ou pagamentos por conta alheia; pena de perdimento do ofício; 3 - adquirir para si ou para pessoa de sua família coisa, cuja venda lhes for incumbida ou a algum outro corretor, ainda mesmo que seja a pretexto do seu consumo particular; pena de suspensão ou perdimento do ofício, a arbítrio do tribunal, segundo a gravidade do negócio, e de uma multa correspondente ao dobro do preço da coisa comprada.”
13 Lei n. 556/1850: “Art. 60 - Na disposição do artigo antecedente não se compreende a aquisição de apólices da Dívida Pública, nem a de ações de sociedades anônimas, das quais, todavia, não poderão ser diretores, administradores ou gerentes, debaixo de qualquer título que seja.”
14 A expressão “comissão del credere” possui três diferentes significados. O primeiro se refere ao “prêmio pago por um comerciante (comitente) a seu representante (comissário) pelo fato de ter o dever de responder pela solvabilidade da pessoa com quem efetuou negócios de interesse do comitente.” (XXXXX, 1998, p 40). Seu segundo sentido concerne à cláusula que pode ser aposta num contrato de comissão ou de corretagem. Era o que fazia, por exemplo, o Código Comercial do Império de 1850 (Lei 556/1850) ao tratar dessa cláusula no contrato de comissão: “Art. 179 - A comissão del credere constitui o comissário garante solidário ao comitente da solvabilidade e pontualidade daqueles com quem tratar por conta deste, sem que possa ser ouvido com reclamação alguma. Se o del credere não houver sido ajustado por escrito, e todavia o comitente
Primeiramente, os erigia à condição de garantes, nas negociações que intermediassem, quanto à entrega material do título ao tomador e do valor ao xxxxxxx00. Em segundo lugar, também eram responsáveis pela veracidade da última firma de todos e quaisquer papéis de crédito por via deles negociados, bem como pela identidade das pessoas que interviessem nos contratos celebrados devido às suas influências.
Com o desenvolvimento acentuado do mercado de ações, o exercício das atividades voltadas à intermediação desses bens mereceu disciplina específica no Regulamento dos Corretores de Fundos Públicos da Praça da Capital Federal, aprovado pelo Decreto 2.475 de 13 de março de 1897. O art. 35 desse instrumento normativo estipulava a inteira responsabilidade dos corretores de fundos, até a final liquidação, pela execução das operações em que interviessem. Além disso, para as negociações à vista, o artigo 36 determinava a responsabilidade pessoal do corretor, para com o outro corretor com quem operasse e para com o seu comitente, pela entrega dos títulos vendidos e pelo pagamento daqueles que houvesse comprado.
Quanto à liquidação das operações feitas a prazo, o referido diploma legal asseverava que a responsabilidade do corretor era inteira e completa sempre que, no ato da transação, não fosse revelado o nome do comitente de modo regular. E, para eliminar qualquer sombra de dúvidas, arrematava que, nessas hipóteses, a responsabilidade do corretor regia-se pelos princípios que regulavam a atuação do comissário del credere.
Já na segunda metade do século XX, dentre as profundas transformações na regulação do mercado de capitais pela Lei 4.728/65, foi extinta a figura dos corretores de fundos públicos como agentes cartoriais de atribuições vitalícias. Em seu lugar, foram criadas as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários na condição de instituições financeiras participantes das bolsas de valores.
Assim, “se, por um lado, acabava-se com a vitaliciedade e privilégios dos corretores de fundos públicos, por outro, assegurava-se-lhes um direito patrimonial
o tiver aceitado ou consentido, mas impugnar o quantitativo, será este regulado pelo estilo da praça onde residir o comissário, e na falta de estilo por arbitradores.” Numa última acepção, a comissão del credere pode aludir a uma das modalidades do contrato de comissão, tal como será explicado no final do presente capítulo. 15 Esclareça-se, todavia, que tal responsabilidade não se estendia à solvência do emitente quanto aos valores declarados nos títulos intermediados. Nesse sentido, Lei n. 556/1850: “Art. 55 - Ainda que em geral os corretores não respondam, nem possam constituir-se responsáveis pela solvabilidade dos contraentes, serão contudo garantes nas referidas negociações da entrega material do título ao tomador e do valor ao cedente, e responsáveis pela veracidade da última firma de todos e quaisquer papéis de crédito por via deles negociados, e pela identidade das pessoas que intervierem nos contratos celebrados por sua intervenção.”
intangível, representado por carta patente emitida pelo Banco Central do Brasil [...]”16. Dessa forma, esses agentes econômicos viram-se diante da possibilidade de acesso a mercado em fase de transformação, que evoluía de incipiente para promissor, haja vista sua perspectiva de abranger volumes expressivos de negócios17.
A união das diversas sociedades corretoras resultou, por sua vez, na constituição das bolsas de valores como associações civis, cujas quotas eram titularizadas por tais instituições financeiras. Consolidou-se, assim, o oligopólio legal dessas entidades sobre a intermediação de valores mobiliários nesse mercado18.
Nesse diapasão, a redação original do parágrafo 2º do art. 3º da Resolução CMN 1.655/89 exigia a aquisição de título patrimonial de bolsa de valores para que as sociedades corretoras fossem admitidas como membros aptos a operarem em seu recinto19. Somente quando preenchida essa condição e obtida a aprovação da CVM é que ela poderia receber a autorização do BCB para funcionamento.
16 De acordo com Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx: “para o governo era importante implantar um sistema de empresas capitalizadas e profissionalizadas que pudessem participar daquele mercado em ascensão, não somente na negociação de ações em pregão mas também no lançamento de ações em operações de underwriting, na intermediação de operações de câmbio, na administração de carteiras de valores mobiliários, e na prestação de uma gama bem diversificada de serviços envolvendo títulos e valores mobiliários, inclusive os serviços de custódia.” (XXXXXXX XXXXX, 2003, p. 139 e 140).
17 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx comenta o quadro que se formou durante essa fase de transição: “como era natural, a transformação de fond en comble, trazida pela Lei n. 4.728, provocou a reação e veementes protestos dos corretores que, surpresos, desorientados e temerosos das consequências das inovações e considerando-se ainda espoliados dos privilégios de que desfrutavam, tenderam para a adoção de medidas judiciais em resguardo dos seus direitos que julgavam postergados. O transcurso de tempo e as vantagens advindas, exata e especialmente para os corretores, com a implantação verdadeira e a expansão do mercado de capitais no país evidenciou, porém, que, embora extintos alguns privilégios, não ocorrera verdadeiramente lesão de direitos, advindo, por outro lado, a par naturalmente da ampliação das atividades e do aumento do trabalho, pela expansão dos negócios, ampla compensação pela elevação dos respectivos rendimentos. E tanto não se verificaram efetivamente prejuízos para os corretores, mas, ao contrário, se beneficiaram eles da expansão do mercado mobiliário, ainda que abolida a sua atuação direta e os privilégios de que eram titulares, que nenhum interpôs qualquer medida judicial e se expandiram em número e em quantidade de produção.” (PONTES, 1982, p. 377 e 378).
18 Nesse sentido, observou Theophilo de Xxxxxxx Xxxxxx: “são da competência exclusiva dos corretores: [...]
c) a negociação de títulos suscetíveis de cotação na Bolsa.” (SANTOS, 1971, p. 60 e 61).
19 No mesmo sentido, Resolução CMN n 2.690/2000: “Art. 35. As operações com títulos ou valores mobiliários admitidos à negociação em bolsas de valores somente poderão ocorrer por intermédio de sociedade membro. Art. 36. É permitida a negociação fora de bolsas de valores, de títulos e valores mobiliários nelas admitidos, nas seguintes hipóteses: I - quando destinados à distribuição pública, durante o período da respectiva distribuição; II - quando relativos a negociações privadas; III - quando se tratar de índices referentes aos títulos e/ou valores mobiliários; e IV - em outras hipóteses expressamente previstas em regulamentação baixada pela Comissão de Valores Mobiliários. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos títulos mencionados no art. 33 deste Regulamento, que são negociados nos termos da regulamentação em vigor.”
Em obra anterior ao processo de desmutualização da BM&FBOVESPA, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx comentou:
A função primordial das sociedades corretoras é a de intermediar, em nome de seus respectivos comitentes, a compra e venda de valores mobiliários. Como se vê, foi radical a transformação ocorrida entre a atuação dos antigos corretores de fundos públicos e as modernas sociedades corretoras, pois, enquanto aqueles, funcionando em um mercado ainda incipiente com uma pequena estrutura operacional, não estavam adstritos às exigências e controles externos, estas hoje são obrigadas a manter uma sofisticada organização, tanto em termos de pessoal como de equipamentos tecnológicos, de forma a atender aos regulamentos e exigências impostos pelo órgão regulador de suas atividades.
O nível de profissionalização das sociedades corretoras passou a ser tal que os seus representantes, sejam aqueles que atuam diretamente junto ao pregão, sejam aqueles que atendem ao público em geral, devem obter aprovação em exame de matérias concernentes a títulos e/ou valores mobiliários e à respectiva legislação e regulamentação. Esse exame será promovido pelas Bolsas de Valores onde deva atuar, sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (XXXXXXX XXXXX, 2003, p. 147 e 148)20.
Atualmente, as sociedades corretoras funcionam como participantes de negociação dos mercados administrados pela BM&FBOVESPA, não se exigindo mais que componham o quadro social dessa entidade. Nessa linha, o art. 16 do Regulamento do Participante da Bolsa de Valores de São Paulo determinou que as sociedades corretoras, que eram membros dessa instituição até a data de sua Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 28.08.2007, teriam direto acesso aos sistemas de negociação do mercado bursátil. No entanto, essa prerrogativa somente seria garantida para as associadas que se adequassem às regras constantes daquele regulamento.
Por outro lado, não foi só a substituição dos corretores de fundos públicos pelas sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários que proporcionou o aprimoramento
20 Após o processo de desmutualização, não é mais necessário que as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários detenham participações acionárias no capital da BM&FBOVESPA para operar em seu recinto. Seguindo essa lógica, o art. 7º da Resolução CMN 1.655/89 dispõe que, “caso a sociedade corretora seja membro da bolsa de valores, o título patrimonial de sua titularidade garantirá, privilegiadamente, mediante caução real, oponível a terceiros, nos termos dos artigos 1.451 a 1.460 do Código Civil, os débitos que tiver com a bolsa de valores e a boa liquidação das operações nela realizadas, devendo ser caucionado em favor da bolsa antes de a sociedade iniciar suas operações. Parágrafo único. Incorrerá em mora a sociedade corretora que não pagar seus débitos na época devida ou não liquidar qualquer operação no prazo regulamentar, caso em que o título patrimonial respectivo deverá ser leiloado pela bolsa de valores.”
da intermediação financeira no mercado de capitais. A inserção compulsória dessas entidades na classe das instituições financeiras também colaborou com o processo de modernização, pois permitiu maior controle estatal sobre suas atividades21.
É o que se deduz da exposição de motivos do Projeto de Lei 2.732, que deu origem à Lei 4.728/65. Para os autores dessa proposta legislativa, um dos aspectos mais importantes da nova regulação seria a submissão ao CMN e à fiscalização do BCB – hoje em conjunto com a CVM – das sociedades que exercessem a atividade de subscrição para revenda ou de intermediação dos títulos ou valores mobiliários no mercado.
Portanto, da caracterização da sociedade corretora de títulos e valores mobiliários como instituição financeira, decorre sua submissão ao aparato legal e regulatório que disciplina o mercado financeiro nacional22. Tanto assim que se sujeitam, por exemplo, ao procedimento de liquidação extrajudicial (Lei 6.024/74) e ao regime de administração especial temporária (Decreto-Lei 2.321/87).
Para justificar essa opção normativa, ponderou-se, naquela época, que grande parte das sociedades empresárias que se dedicavam a essas atividades não se sujeitavam à fiscalização do BCB. Até a entrada em vigor da lei supracitada, esse quadro se revelava desastroso diante de função que tantos males poderia causar ao público menos esclarecido. Concluiu-se, então, pela necessidade de munir o Poder Executivo de instrumentos adequados para disciplinar e fiscalizar esse tipo de atividade, antes que o justificado descrédito público ameaçasse o principal alicerce do mercado financeiro: a confiança.
21 Segundo Xxxxxxx Xxxx, “quer se entenda que a sociedade corretora é instituição financeira, quer se admita que seja equiparada à mesma, é imperativo concluir que sobre ela incidem todas as normas aplicáveis às instituições financeiras, salvo quando a própria lei determina em sentido diverso.” (WALD, 1980, p. 256).
22 As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários têm, porém, um tratamento especial em casos de intervenção e liquidação, como se pode inferir dos seguintes dispositivos da Lei 6.024/1974: “Art. 52. Aplicam-se as disposições da presente Lei às sociedades ou empresas que integram o sistema de distribuição de títulos ou valores monetários no mercado de capitais (artigo 5º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965), assim como às sociedades ou empresas corretoras de câmbio. §1º A intervenção nessas sociedades ou empresas, ou sua liquidação extrajudicial, poderá ser decretada pelo Banco Central do Brasil por iniciativa própria ou por solicitação das Bolsas de Valores quanto às corretoras a elas associadas, mediante representação fundamentada. § 2º Por delegação de competência do Banco Central do Brasil e sem prejuízo de suas atribuições, a intervenção ou a liquidação extrajudicial, das sociedades corretoras, membros das Bolsas de Valores, poderá ser processada por estas, sendo competente, no caso, aquela da área em que a sociedade tiver sede. [...] Art. 55. O Banco Central do Brasil é autorizado a prestar assistência financeira às Bolsas de Valores, nas condições fixadas pelo Conselho Monetário Nacional, quando, a seu critério, se fizer necessária para que elas se adaptem, inteiramente, as exigências do mercado de capitais. Parágrafo único. A assistência financeira prevista neste artigo poderá ser estendida as Bolsas de Valores, nos casos de intervenção ou liquidação extrajudicial em sociedades corretoras de valores mobiliários e de câmbio, com vistas a resguardar legítimos interesses de investidores.”
Assinale-se, todavia, que uma falha técnica na legislação se perpetua até o presente momento, pois, segundo Xxxxxx Xxxxx, inexiste, até hoje, distinção entre instituição financeira (gênero) e banco (espécie). Para ele, apenas instituições desse último tipo podem receber fundos do público de maneira habitual e utilizá-los por conta própria, enquanto que as demais instituições financeiras somente estão autorizadas a agir como comissárias de seus clientes investidores23. E isso significa que a captação de depósitos à vista e o correspondente empréstimo desses recursos consubstancia atividade privativa dos bancos.
Por outro lado, sublinhe-se que as sociedades corretoras não agem como simples representantes de seus clientes investidores ao executarem as ordens de compra e venda de títulos e valores mobiliários. Quando efetuam essas aquisições ou alienações, fazem-no em nome próprio, mas por conta dos investidores, pessoas em favor das quais as operações se concretizam na BM&FBOVESPA. Prova disso é que, até pouco tempo atrás, era somente a sociedade corretora quem conhecia os nomes dos proprietários dos valores mobiliários movimentados por meio de suas contas mantidas nas centrais de liquidação e custódia24.
Usualmente, os serviços prestados pelo corretor têm caráter de simples mediação, esgotando-se na aproximação das partes para que concluam o negócio entre si. Por isso, via de regra, não se cogita sobre qualquer responsabilidade do corretor pelas obrigações contraídas pelo seu cliente ou em razão de inadimplemento da parte com que esse contratou. Todavia, nas operações intermediadas pelas sociedades corretoras no mercado bursátil, “suas funções são agravadas pela responsabilidade quanto à execução, até final liquidação, das operações em que interferir, por força do privilégio que lhes confere a legislação de acesso exclusivo aos recintos da Bolsa”25.
23 Para o autor “‘banco é a empresa que, com fundos próprios ou de terceiros, faz da negociação de créditos sua atividade principal’, de onde se dessume competir-lhe, dentro de suas prerrogativas profissionais, também o exercício de atividades acessórias (não creditícias), que atendam à finalidade de atrair o cliente para elas. Lidando, precipuamente, com fundos de terceiros, fica implícita a atividade de captação dos bancos, sendo que, no estágio atual de nosso Direito, a principal distinção entre banco e instituição financeira lato sensu está em que aquele cria moeda escritural.” (ABRÃO, 2007, p. 6).
24 Somente com a entrada em vigor da IN CVM 387/2003 passou a ser obrigatória, perante a bolsa de valores, a identificação do investidor por conta de quem as sociedades corretoras executam operações. “Art. 9º - As corretoras deverão efetuar o cadastro de seus clientes, mantendo os mesmos atualizados. § 1º As corretoras deverão, ainda, fornecer às bolsas e às câmaras de compensação e de liquidação, conforme padrão por estas definido, os dados cadastrais básicos de cada cliente, de modo a permitir sua perfeita identificação e qualificação.” Atualmente, essa norma encontra-se revogada pela IN CVM 505/2011, que manteve a referida exigência quanto à transmissão das informações dos investidores para a BM&FBOVESPA (art. 6º).
25 “Na regulação das Bolsas de Valores, que se seguiu à nova legislação do Mercado, implantada no País pelas Leis n. 4.595/64 e 4.728/65, não se faz referência expressa ao star del credere, mas se mantém o mesmo
A imposição desse tipo de responsabilidade às sociedades corretoras visa garantir a integridade do Sistema Financeiro Nacional contra desequilíbrios provocados pela transmissão, em cascata, de prejuízos decorrentes de inadimplências nas operações com valores mobiliários e/ou recursos monetários.
Sob outro prisma, Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xxxxx entende que tal modelo normativo erige as sociedades corretoras à condição de “garantes solidárias” da execução das operações financeiras ordenadas por seus comitentes. E disso conclui que tais circunstâncias conferem a elas as características de comissárias del credere de seus clientes (LEÃES, 2004, p. 336-337).
Dessa forma, a esse tipo de intermediária financeira cumpre arcar com as consequências da não entrega dos títulos vendidos ou do não pagamento daqueles que houver comprado, “embora tenha agido sempre por conta do comitente, a quem, na realidade, caberia fornecer os fundos, na compra, ou colocar à disposição a coisa, na venda”26.
Waldemar Ferreira também compartilha dessa opinião:
A convenção del credere, que se vislumbra no art. 25 da Resolução nº 39/66, não é apenas a garantia, no caso de venda, do pagamento do preço, e no de compra, da liberação dos títulos. Ela se estende também a todos os vícios da coisa, que poderiam ter sido descobertos, tal como ocorre em relação ao comissário del credere e às mercadorias que comprou de terceiros por ordem do seu comitente. Haja vista o que preceitua a letra b do inciso I do art. 25 da Resolução n 39/66, que faz do corretor o verdadeiro garante da legitimidade extrínseca e intrínseca dos títulos entregues ao seu cliente.
O que é preciso que fique esclarecido é que a corretora, tratando-se de atividade ligada à sua intermediação, se obriga pessoal e diretamente
severo sistema de responsabilidade das sociedades corretoras. Assim, tendo em vista o disposto no art. 7.º, III, da Lei n. 4.728, que atribuiu ao Conselho Monetário Nacional competência para fixar as normas a serem observadas na organização e funcionamento das Bolsas de Valores, o legislador enfatiza a necessidade de estabelecer normas relativas à ‘responsabilidade das sociedades corretoras’ nas operações de Bolsa. E no Regulamento que disciplina a constituição, organização e funcionamento das Bolsas de Valores (o ora em vigor foi baixado pelo BCB pela Resolução 1.556, de 1989), é dado destaque a essa especial responsabilidade da sociedade corretora nas operações realizadas nos recintos das Bolsas [...].” (LEÃES, 2004, p. 336-337).
26 “Uma vez realizados os negócios em público pregão, nos recintos das Bolsas, cabem aos seus membros executar as operações. Pois as operações de Bolsa – sejam à vista, sejam a termo – são negócios de compra e venda, ou seja, contratos de natureza consensual, bastando o acordo de vontades para se aperfeiçoarem (Código Civil, art. 1.126; Código Comercial, art. 191). Ora, por definição, o contrato de compra e venda apenas obriga o vendedor a transferir o domínio da coisa; já para que se opere essa transferência, mister se faz promover a execução do contrato, via a tradição, mediante a entrega da coisa, contra o pagamento do preço (Código Civil, arts. 1.122 e 620).” (LEÃES, 2004, p. 336).
perante o seu cliente pelo cumprimento do contrato, desde a aceitação regular e comprovada da ordem, salvo motivo de força maior, que no entanto não se aplica como excludente da culpa se a corretora deu início à execução ad ordem (FERREIRA, 1981, p. 225).
Entretanto, o autor observa que:
Há quem entenda que a corretora se responsabiliza solidariamente perante o seu cliente e que é a sua devedora principal. O raciocínio não é correto. Em primeiro lugar, para que houvesse solidariedade era preciso que no vínculo aparecessem outros coobrigados; em segundo, quem diz devedor principal está admitindo a existência de devedores secundários. A corretora é devedora única do cumprimento da obrigação perante o seu cliente. A relação, o vínculo obrigacional, é uma linha reta unindo em cada ponta um dos contratantes. A garantia nascida da convenção del credere não é uma fiança, em que o fiador pudesse valer-se do benefício de ordem. Terceiros não tem ação contra o cliente da corretora, como também não a tem contra terceiros aquele que se vinculou à corretora, a menos que tenha havido cessão de direitos.
Os membros das Bolsas de valores, isto é, as sociedades corretoras e as firmas legalmente registradas no Banco Central e detentoras de um título patrimonial da sua entidade, são sempre responsáveis, tanto nas operações à vista como nas a termo, pela liquidação das operações de intermediação, em que envolveram. Liquidar uma operação é adimplir o contrato, com plena, rasa e total quitação da outra parte (FERREIRA, 1981, p. 225).
Na atualidade, esse mesmo raciocínio permanece aplicável às atividades de intermediação de valores mobiliários efetivadas pelas sociedades corretoras em ambiente bursátil, tal como se depreende da Resolução CMN 1.655/89:
Art. 11. A sociedade corretora é responsável, nas operações realizadas em bolsas de valores, para com seus comitentes e para com outras sociedades corretoras com as quais tenha operado ou esteja operando:
I - por sua liquidação;
II - pela legitimidade dos títulos ou valores mobiliários entregues;
III - pela autenticidade dos endossos em valores mobiliários e legitimidade de procuração ou documentos necessários para a transferência de valores mobiliários.
Essa mesma regra é reproduzida pelo art. 40 da Resolução CMN 2.690/00 e pelo item 153.3.1 do Regulamento de Operações da BM&FBOVESPA. Note-se que, ao considerarem como comitente o cliente da sociedade corretora e, ao mesmo tempo, atribuir a ela a responsabilidade pela execução das negociações intermediadas, as normas citadas
sugerem a existência de contrato de comissão entre essas partes. Todavia, essa discussão será melhor explorada no tópico intitulado “Tipicidade contratual” constante deste estudo.
6.1.2 O investidor
O investidor, como parte do contrato de comissão bursátil, é o indivíduo ou instituição que aplica suas economias com o objetivo de obter ganhos, em regra, a médio ou longo prazos. Busca, pois, auferir rendimento com a parcela de sua renda que não foi destinada ao uso imediato (SILVA, 2008, p. 98).
Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx explica que “a palavra ‘investir’, derivada do verbo latino ‘investire’, significa ‘vestir’ ou ‘adornar’ no sentido de conferir determinados poderes a certa pessoa. No entanto, o termo veio mais tarde a ganhar nova conotação como “a aplicação de dinheiro da qual se esperam determinados rendimentos” (XXXXXXXXX, 2001, p. 16).
A maioria dos ordenamentos jurídicos não traz definição para investidor. Contudo, o Direito Português, apartando-se dessa tendência, trouxe esse conceito no já revogado Código do Mercado de Valores Mobiliários. O art. 3º, n. 1º, alínea i desse diploma, considerava investidor toda pessoa e entidade, pública ou privada, que, por si mesma ou por meio de outras pessoas ou entidades, aplicava em valores mobiliários as poupanças ou outros meios financeiros de que era detentora, de forma transitória ou duradoura.
Mais tarde, o “Sistema de Indemnização aos Investidores” criado pelo Decreto-Lei n.º 222/99 definiu investidor como qualquer pessoa que confiasse fundos ou instrumentos financeiros a empresa de investimento ou a instituição de crédito no âmbito de operações de investimento.
No Brasil, a BM&FBOVESPA, em seu Regulamento de Operações, considera investidor toda “pessoa física ou jurídica, ou entidade de investimento coletivo (fundo de investimento ou clube de investimento) que opera através de uma Sociedade Corretora, ou que tem sua carteira de Ativos por ela administrada”.
Nesse contexto, é importante esclarecer a distinção entre as classificações do investidor como comum (individual) ou qualificado (institucional). Na primeira espécie, incluem-se todos aqueles que não se enquadram nas definições normativas estabelecidas para a segunda, cujos principais traços peculiares são o alto poder aquisitivo e a profissionalidade com que tais agentes econômicos se dedicam às atividades financeiras ou de investimento (WALD, 2006, p. 19, 32 e 33).
Em ideia bastante ampla, pode dizer-se que investidores qualificados são, em sua maioria, instituições que dispõem de vultosos recursos mantidos em certa estabilidade e destinados à reserva de risco ou à renda patrimonial. E, para garantir essas condições, tais sujeitos investem parte desses recursos no mercado de capitais.
Nessa linha, o art. 109 da IN CVM 409/2004 considera investidores qualificados os (as): i) instituições financeiras; ii) companhias seguradoras e sociedades de capitalização;
iii) entidades abertas e fechadas de previdência complementar; iv) pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; v) fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados e; vi) administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios.
Xxxxxxx Xxxx, incluindo na categoria dos qualificados os investidores institucionais, alerta para o fato de que esses são os mais importantes participantes dos mercados financeiros e de capitais. E isso em face da imensa massa de recursos captados junto a seus públicos (WALD, 2006, p. 30).
Desse modo, por atuarem como profissionais da aplicação de recursos de terceiros, tais entidades merecem a atenção especial da autoridade monetária, especialmente quanto à liquidez dos mercados financeiros. Entre os principais investidores institucionais estão as entidades de previdência complementar, as fundações de seguridade social, os fundos de investimento, as companhias de seguros e capitalização e as companhias de investimentos.
Portanto, aqueles que se encaixam na categoria de investidor qualificado, em virtude de sua identificação com alguma das descrições normativas do art. 109 da IN CVM 409/2004, apresentam melhores condições de avaliar e prevenir os riscos que tangenciam as operações nas quais pretendam participar. Em razão disso, há entendimentos no sentido
de que não há possibilidade de serem considerados consumidores dos serviços oferecidos pelas instituições financeiras que intermediam negociações com valores mobiliários27.
Entretanto, tal como foi enfatizado na introdução deste trabalho, a presente pesquisa se limitou a analisar apenas a condição do investidor individual perante as sociedades corretoras. Consequentemente, restou excluída da investigação a discussão acerca da caracterização do investidor qualificado como consumidor.
6.2 OBJETO CONTRATUAL
O contrato de comissão bursátil visa a regular os direitos e obrigações entre o investidor e a sociedade corretora nas operações do mercado de bolsa, que ocorrem sempre por conta e ordem do investidor, de modo que a conduta dessa instituição financeira deverá sempre obedecer aos limites das instruções ordenadas por ele.
Por atuarem no exclusivo interesse de seus clientes, as sociedades corretoras, com frequência, fazem constar do instrumento contratual uma cláusula que estipula, em seu favor, a outorga de mandato irretratável pelo cliente. Também costumam estipular que os poderes, direitos e obrigações decorrentes desse mandato são irrevogáveis até que as operações sejam integralmente liquidadas28.
27 Nesse sentido, Xxxx xx Xxxxxxxx Ascensão comenta: “Procuramos o que pode respeitar à protecção do consumidor. Este é o consumidor final, nos termos das leis que regulam o consumo. Nem todo o investidor merece esta qualificação. [...] A noção de investidor é muito ampla. A própria lei distingue os ‘investidores’ em várias categorias e faz-lhes consequentemente corresponder regimes diversos. É através das sucessivas distinções que se chega ao investidor particularmente carecido de protecção; e só em relação a este se põe a dúvida da confusão com o consumidor final. [...] Efectivamente, corresponde ao sentimento geral que a necessidade de protecção do investidor é muito variável; e que é esta que justifica que, justamente quando se trata do estatuto dos investidores, se façam as distinções necessárias. A problemática a abordar afinal fica assim enquadrada. É necessário apurar, das disposições relativas aos investidores, quais se aplicam ainda aos ‘investidores grandes e profissionais’ e quais só se aplicam aos restantes investidores não institucionais. Só em relação a estes investidores não institucionais se haverá de perguntar seguidamente se se consideram consumidores (finais) para o efeito de lhes ser aplicado o regime respectivo.” (ASCENSÃO, 2003, p. 14, 15 e 18, grifos nossos). Na mesma linha: XXXXXXXXX, 2001, p. 30.
28 Como fundamento jurídico dessa cláusula, as sociedades corretoras costumam fazer referência ao art. 684 do Código Civil, segundo o qual “‘quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.”
Todavia, cabe ressalvar que o mandato instituído em benefício da sociedade corretora não faz presumir a plena identificação do contrato de comissão bursátil com a figura típica do contrato de mandato delineada pelos arts. 667 a 692 do CC/02. Isso porque sua sistemática não pressupõe a atuação da sociedade corretora em nome e por conta do investidor.
Recorde-se que, tanto na subscrição quanto na compra e venda de ações, não é o investidor quem se obriga diretamente perante os demais agentes ou investidores do mercado de bolsa.
Portanto, não existe efetiva representação do investidor pela sociedade corretora, muito embora o contrato de comissão bursátil abrigue alguns elementos do instituto do mandato. A outorga de poderes à sociedade corretora objetiva, dentre outras finalidades, permitir que estenda aos seus clientes inadimplentes as providências a ela aplicadas pela BM&FBOVESPA. Consequentemente, a sociedade corretora pode executar, a título de ressarcimento e às expensas do investidor, as garantias por ele depositadas, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis.
Em razão das funções possíveis de serem acumuladas pelas sociedades corretoras – ex. comissárias, agentes de compensação e/ou custódia –, o objeto do contrato de comissão bursátil costuma abranger outros serviços além dos concernentes à intermediação para execução de ordens de investidores. Assim, é comum que os serviços prestados pelas sociedades corretoras envolvam, por exemplo, o registro, a liquidação e a subcustódia relacionados às operações com títulos e valores mobiliários. Podem, inclusive, compreender a prestação desses serviços em diferentes mercados primários e secundários (ex. mercado de bolsa, de balcão organizado e não organizado).
Daí porque, ordinariamente, concedem-se poderes às sociedades corretoras para:
i) entregar e receber importâncias ou valores mobiliários por conta do investidor, assim como dar e receber quitação, celebrar acordos e transigir, nos limites necessários para a intermediação, execução e liquidação de suas ordens; ii) transferir para o nome de quem os adquirir, inclusive o da própria corretora, os ativos de titularidade do cliente especificados em suas ordens; iii) cumprir ordens de transferência, movimentando as respectivas contas de custódia cadastradas no nome do investidor e receber frutos relacionados aos ativos do cliente; iv) representá-lo perante as instituições encarregadas de autorizar ou registrar as
transferências e as operações realizadas por conta e ordem dele (ex. BM&FBOVESPA, BCB e CVM); v) assumir as obrigações e exercer os direitos decorrentes das normas e regulamentos emitidos por qualquer dessas instituições; vi) comprar, vender, ceder e transferir valores mobiliários, de acordo com as ordens do investidor, podendo, inclusive, liquidar operações no seu vencimento, antecipadamente ou por diferença; vii) guardar ativos financeiros; viii) atualizar informações a eles relacionadas; ix) exercer direitos em geral e outras atividades relacionadas com os serviços típicos de custódia de ativos financeiros; x) controlar as respectivas posições custodiadas, relativamente aos títulos e valores mobiliários e ativos financeiros componentes da carteira do cliente.
O contrato de comissão bursátil não pressupõe concessão de anuência à sociedade corretora para que adquira ou aliene valores mobiliários sem ordem do cliente investidor para tanto. Por isso, não se confunde com o negócio jurídico referente à administração de carteira de valores mobiliários. Essa consiste, conforme a IN CVM 306/1999, “na gestão profissional de recursos ou valores mobiliários, sujeitos à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, entregues ao administrador, com autorização para que esse compre ou venda títulos e valores mobiliários por conta do investidor”.
Assim, expostas as linhas gerais do objeto do contrato de comissão bursátil, convém analisar em qual categoria típica tal negócio jurídico deve se enquadrar.
3 CONCLUSÃO SOBRE A TIPICIDADE DO CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO BURSÁTIL
A controvérsia sobre a figura típica na qual se encaixa o contrato de comissão bursátil remonta à própria origem e evolução da atividade das instituições financeiras do sistema de distribuição e intermediação de valores mobiliários. Conforme demonstrado no início deste capítulo, os corretores de fundos públicos foram os precursores das sociedades corretoras.
Daí a inclusão inicial da atividade desses agentes no esquema legal do contrato de corretagem, tal como o fez Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx em meados do século
passado. Para fundamentar sua posição, ponderou que, a despeito de um corretor tratar com outro corretor tanto dentro como fora das Bolsas de Valores, os figurantes de cada negociação seriam sempre os seus respectivos incumbentes (XXXXXXX, 1956, p. 341).
Por causa disso, ainda persistem entendimentos no sentido de que o negócio jurídico estabelecido entre a sociedade corretora e seu cliente investidor reveste a tipicidade do contrato de corretagem29. Mas, atualmente, a estrutura de tal xxxxx é incompatível com a definição constante do art. 722 do Código Civil. Segundo esse preceito legal, o corretor é a pessoa que, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para essa um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
Nesse viés, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx explica que o corretor pratica modalidade de intermediação dirigida a colocar “o outro contratante em contato com pessoas, conhecidas ou desconhecidas, para a celebração de algum contrato, ou obtendo informes, ou conseguindo o de que aquele necessita” (XXXXXXX, 1999, p. 244).
Não é o que ocorre com as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, pois elas não se limitam a meramente aproximar seu cliente investidor de outrem. Se assim o fosse, esse se obrigaria em seu próprio nome com a contraparte da relação negocial. No entanto, muito embora as operações financeiras não se concluam por conta daquelas intermediárias, são elas que, em última análise, contraem as obrigações perante os demais agentes econômicos do mercado de capitais. E o fazem na condição de partes negociantes nas subscrições, aquisições ou alienações de valores mobiliários.
Na corretagem, o corretor jamais atua como figurante dos negócios jurídicos intermediados, tal como alerta Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx
29 É essa a opinião do professor Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx ao explanar que: “corretagem é o contrato pelo qual uma pessoa encarrega outra de angariar-lhe negócios, mediante remuneração. Em simples palavras, essa seria a definição. Na verdade, o corretor servirá como intermediário, agenciando negócios para o comitente e recebendo, por isso, certo percentual. É o caso dos corretores de imóveis e dos corretores de títulos e valores mobiliários, tais como ações.” (FIÚZA, 2010, p. 595, grifos nossos). Nessa linha, decidiu o TJPR na apelação cível n. 658.091-0: “Apelação cível e agravos retidos. Ação indenizatória por danos materiais. Alegada contratação de serviços para administração de valores imobiliários (sic). Contrato de corretagem de valores mobiliários. Sociedade corretora. Tratamento diferenciado pelo Código Civil ao contrato de corretagem, com nominação própria. Não conhecimento do recurso, com remessa à Câmara competente. No mesmo sentido, também deliberaram o TJSP nos autos das apelações n. 0010541- 55.2001.8.26.0100 e n. 0123209-89.2012.8.26.0000, assim como o TJRS, na apelação cível n. 70029522232.
O corretor é intermediário independente, que, com outorga de duas pessoas para adquirir e alienar, em nome delas, verifica que quiseram o mesmo (acôrdo de vontades) e, sem que os interessados precisem estar presentes, dá por concluído o negócio jurídico. Não representa, nem medeia; intermedeia, e como que põe juntos os papéis, que correspondem aos dois ou mais clientes, para que os papéis se colem. As vontades passam através do corretor, sem que êle figure, presente, ou represente, ou medeie. [...] A confusão entre manifestar a vontade em nome próprio e não revelar o nome do figurante leva alguns juristas à conclusão de que, devido ao dever de segrêdo profissional, o corretor negocia em nome próprio. De modo nenhum. [...] É grave êrro pensar-se que o figurante tem de ser conhecido, ou de ter o nome no próprio recibo. (MIRANDA, 1963, p. 335, 345 e 346) 30
No caso específico de uma operação efetivada em ambiente bursátil, é possível afirmar que a sociedade corretora substitui o investidor ao se vincular pessoalmente aos agentes de compensação e de custódia ou diretamente à BM&FBOVESPA, nas hipóteses em que ela acumula essas duas posições jurídicas. Com isso, torna-se responsável por todo e qualquer negócio que seja efetuado em cumprimento das ordens emitidas por seus clientes investidores31.
Esse mesmo aspecto do contrato de comissão bursátil também o exclui da dinâmica do contrato de representação comercial. Conforme mencionado no capítulo anterior, esse tipo contratual, a despeito da sua disciplina específica na Lei 4.886/65, também é regulado sob o rótulo de “agência e distribuição” pelos arts. 710 e seguintes do CC/02. Incide nessa categoria contratual todo aquele que assume, em caráter não eventual e sem vínculo de dependência, “a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada” (art. 710).
30 Na mesma esteira, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx adverte que há quem pense “que o contrato de mediação ou corretagem é a comissão. Diversos são estes institutos. O corretor serve de intermediário, consevando-se estranho ao contrato principal, ao passo que o comissário ajusta e conclui a negociação. A esfera de ação do corretor é mais restrita que a do comissário [...]. O corretor é, em regra, intermediário neutro do negócio. Na qualidade de mediador trata com os interessados, embora êstes não conheçam nem se queiram conhecer por desejarem manter o anônimo. O contrato é, porém, celebrado entre as partes interessadas.” (MENDONÇA, 1953, p. 289-290.)
31 Neste ponto, cabe alertar quanto à incongruência das definições constantes da IN CVM 505/2011. Apesar
de adotar como noção de intermediária a instituição que está “habilitada a atuar como integrante do sistema de distribuição, por conta própria e de terceiros, na negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados de valores mobiliários”, essa mesma norma conceitua como comitente (ou cliente) “a pessoa natural ou jurídica, fundo de investimento, clube de Com semelhante impropriedade terminológica, o Regulamento de Operações da BM&FBOVESPA concebe a ordem de compra ou venda de ativos como “o ato mediante o qual o cliente determina a uma Sociedade Corretora que compre ou venda Ativos ou direitos a eles inerentes, em seu nome e nas condições que especificar.”
Ao interpretar essa norma, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx explica que, numa primeira configuração (agência), o agente apanha os pedidos do comprador e lhe entrega a mercadoria que está estocada no armazém do proponente. Logo, a mercadoria é fornecida por aquele, mas em nome deste. Numa segunda situação (distribuição), o “distribuidor” transfere a mercadoria que se encontra em seu estoque ao comprador interessado em adquiri-la. Porém, não o faz em seu próprio nome, mas em nome do proponente. Nesse contexto, deduz-se a existência obrigatória de um “mandato, porquanto o mandatário transfere ao comprador a mercadoria em nome do mandante, que é o dono dela” (XXXXX, 2014, p. 1)32.
Portanto, o texto do dispositivo legal supracitado se refere às hipóteses em que alguém (agente) angaria negócios em nome de outrem (proponente). Contudo, conforme explicitado anteriormente, não se vislumbra essa conjuntura na atuação das sociedades corretoras33.
Na verdade, o contrato de comissão bursátil detém os componentes da figura típica descrita no art. 693 do CC/02. Segundo essa norma, “o contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, por conta do comitente”.
À essa conclusão chega Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx após expor, sucintamente, as razões histórico-evolutivas do contrato de comissão. Segundo o autor, tais contratos possibilitavam aos mercadores contratar em praças distantes e superar as “dificuldades relativas às precisas informações sobre pessoas e hábitos locais e os riscos de cometer funções e encargos a desconhecidos” (XXXXXXXX XXXXXX, 2003, p. 26). Além disso, em sua origem, a comissão admitia a concessão de crédito ao comitente pelo comerciante local
32 Seguindo a mesma linha de raciocínio, Xxxx Xxxxxxx entende que não é difícil distinguir as várias categorias dos contratos de colaboração estabelecidos entre os empresários, pois os representantes “possuem um contrato com os representados mediante o qual se obrigam a, consoante remuneração, agenciar para os mesmos. Se desse contrato consta mandato do seu representado, é também mandatário e, desse modo, pratica atos em nome do mandante, a esse obrigando diretamente. Se, por outro lado, com o representando possui um contrato de comissão, agirá em seu próprio nome, obrigando-se diretamente segundo as regras que regulam a comissão.”( XXXXXXX, 2010, p. 287).
33 “A comissão mercantil e a representação comercial apresentam o mesmo fundamento: o instituto do
mandato. Contudo, se diferenciam. É que o comissário, no sistema de nosso Código, age em nome próprio, vinculando-se ao negócio que conclui em nome do comitente, ao passo que o representante comercial atua mais nitidamente como mandatário, representando juridicamente o mandante, por isso que, uma vez praticado o ato representativo, ele se torna estranho aos seus efeitos.” (REQUIÃO, 1950, p. 37 e 38).
(comissário), assim como ocorre com a conta margem oferecida pela sociedade corretora em favor do investidor.
Assim, com base nesse modelo contratual, permitiu-se que um comerciante encarregasse terceiro da importante missão de praticar atos de comércio e celebrar negócios em seu benefício ou por sua conta. Ao mesmo tempo, também se admitiu que essas contratações fossem realizadas em nome do próprio comissário, sem que o comitente se obrigasse perante terceiros, tal como ocorreria se tivesse de lançar mão do mandato (XXXXXXXX XXXXXX, 2003, p. 27). Em última análise, toda essa dinâmica representou significativa redução de custos e despesas para o comitente, pois serviu, em muitos casos, para contornar as regras proibitivas de mercancia por estrangeiros.
Com fundamento em tais constatações, o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais conclui que
A despeito do declínio do uso do instituto nos tempos atuais, a manutenção de sua regulamentação legal nos códigos do presente século é prova de que ele continua a prestar serviços ao comércio, seja tal como previsto no texto legal, seja amoldado às necessidades e peculiaridades de cada ramo ou atividade mercantil, seja, ainda, como negócio integrante de contratos atípicos coligados ou complexos, fruto da criação ágil da mente inventiva dos homens do comércio.
[...]
Por fim, observa-se que a comissão ganhou especificidades em determinadas atividades, dando origem a tipos contratuais amplamente difundidos, tais como a comissão bursátil e a comissão bancária na compra e venda de títulos e ações (XXXXXXXX XXXXXX, 2003, p. 26 e 28, grifos nossos).
Sob o mesmo viés, tanto Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx (BULGARELLI, 2000, p. 492) como Xxxxxxx Xxxxxxxx (XXXXXXXX; TEIXEIRA, 2008, p. 69) observam que, hoje em dia, o contrato de comissão não possui a mesma importância de outrora, pois sua celebração se deslocou para certas atividades específicas. É o caso das operações efetuadas nas Bolsas de Valores (comissão bursátil) ou no mercado bancário (comissão bancária).
Para Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, o contrato dirigido à negociação com títulos cotados em bolsa constitui modalidade singular de comissão. E isso porque essa avença é sempre clausulada com as especificações del credere e de negociação consigo mesmo. Citando as normas do antigo Código Comercial do Império de 1850, o autor explana
Na comissão normal, prospera o regime descrito na codificação, com as normas compatíveis que as partes estipulem em concreto. Na comissão del credere (principalmente, bancária), configura-se assunção da condição de garante pelo comissário, que assim responde solidariamente, perante o comitente, pela pontualidade e solvabilidade do contratante, caso em que descabe reclamação; mas, se não ajustada por escrito e existia a aquiescência do comitente, com impugnação do quantitativo, regula-se o valor pelos usos da praça, ou se fixa por meio de arbitradores (art. 179). Na comissão com cláusula de negociação consigo mesmo, pode o comissário adquirir para si os bens, considerando-se ínsita nos contratos sobre títulos versados em Bolsa (comissão de bolsa). Nessa hipótese, celebra o comissário contrato consigo mesmo, agindo na conjugação dos dois interesses. Mas pode também ser vedada a prática, por cláusula expressa nesse sentido (BITTAR, 2008, p. 69)34.
No sistema do antigo Código Comercial do Império (arts. 165 a 190), o comissário deveria ser obrigatoriamente um comerciante e o objeto da avença teria que se voltar, exclusivamente, à realização de negócios mercantis. Com a nova disciplina legal determinada pelo Código Civil de 2002, essa particularidade perdeu o interesse, vez que o contrato de comissão pode ser ou não de natureza empresarial.
O traço distintivo desse tipo contratual reside na circunstância de que o comissário age em seu próprio nome. E é justamente por isso que ele fica diretamente obrigado com as pessoas com quem contrata. Por consequência, essas não têm ação contra o comitente e nem esse contra elas, salvo ocorrência de cessão de direitos entre qualquer das partes (art. 694, CC).
Na situação específica das sociedades corretoras, sua atividade provoca evidente intersecção na cadeia de negociações com valores mobiliários. Essa circunstância afasta qualquer espécie de vínculo entre seus clientes (comitentes) e os demais agentes de mercado (ex. BM&FBOVESPA, outras sociedades corretoras, outros investidores etc). Como se pode depreender dos textos normativos vigentes, é a sociedade corretora quem compra, vende ou subscreve os valores mobiliários. E, para isso, pode ou não se valer da contratação de agentes de compensação e/ou de custódia para que, em seu nome, liquidem essas operações e/ou contratem os serviços de custódia da BM&FBOVESPA.
34 Entretanto, é importante ressalvar que a opinião desse autor é compatível apenas com as operações em que:
i) o investidor adquire valores mobiliários que compõem a carteira da própria sociedade corretora contratada para intermediar essa operação; ii) a sociedade corretora adquire valores mobiliários alienados pelo seu próprio cliente investidor. Somente nessas hipóteses pode cogitar-se a respeito de “contrato consigo mesmo”, no sentido de que a mesma parte que atua como comissária do investidor também ocupa a posição de compradora ou vendedora dos valores mobiliários negociados.
Portanto, pelo contrato de comissão bursátil, outorgam-se poderes às sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários para que elas efetuem operações financeiras em seu próprio nome, mas por conta ou em benefício de seus clientes investidores. Conforme mencionado anteriormente, essas intermediárias fazem jus a uma remuneração a título de contraprestação por esses serviços, a qual recebe a usual denominação de taxa de corretagem.
Tal nomenclatura perpetua até hoje porque os corretores de fundos públicos se valiam de contratos de corretagem – que eram chamados, no passado, de contratos de mediação – para realizar negociações em bolsa. Atualmente, o valor devido pela intermediação efetuada pelas sociedades corretoras tem a natureza de comissão, pois o negócio jurídico que lhes justifica não é mais a corretagem, mas sim o contrato de comissão, tal como se demonstrou acima.
Nesse ponto, cabe advertir que a palavra comissão é polissêmica. Primeiramente, “chama-se de comissão o contrato em si, que rege o ajuste de vontades entre comitente e comissário para a realização, por parte deste, de negócios do interesse do outro” (XXXXXXX, 2010, p. 279). Mas por comissão também pode se designar “a remuneração que faz jus o comissário pelos trabalhos realizados, referida nos arts. 689, 701, 702 e 703 do Código Civil” (MARTINS, 2010, p. 279)35.
Convém observar que a comissão instituída pelo investidor é do tipo imperativa, vez que não deixa qualquer margem de manobra para o comissário, que fica impedido de agir na ausência de ordem expressa emanada do comitente36. Distingue-se, portanto, das comissões indicativas, que autorizam ampla atuação do comissário, pois lhe conferem certa influência no negócio, embora bastante restrita. Nesses casos, exige-se apenas que os atos perpetrados pelo comissário sejam comunicados ao comitente, em cumprimento do dever
35 Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx ainda vislumbra um terceiro significado para tal vocábulo ao ensinar que a comissão pode identificar “o próprio comércio de comissão”. (MENDONÇA, 1956, p. 283).
36 “Nas relações entre comitente e o comissário, dominam os princípios do mandato; relativamente a terceiros, eis o caráter jurídico fundamental da comissão, o comissário não representa o comitente, contrata no próprio nome. Relações diretas não existem entre o terceiro e o comitente, mas sòmente entre o terceiro e o comissário. Isso não quer significar que o comitente não seja o proprietário das mercadorias adquiridas pelo comissário na execução da comissão. Realmente, não se opera a transmissão da propriedade do comissário ao comitente. Entre comitente e comissário dá-se a mesma relação de direito que entre mandante e mandatário. Se o mandatário nada adquire para si, o comissário igualmente nada adquirirá para si, não se podendo dizer proprietário do que recebe em virtude de comissão. O comissário tem o privilégio sôbre as cousas do comitente em seu poder, o que seria incompatível com a propriedade que se lhe quisesse adquirir.” (MENDONÇA, 1956, p. 287, grifos nossos).
de informação decorrente do princípio da boa-fé objetiva. Do mesmo modo, a comissão bursátil também não pode ser classificada na categoria das comissões facultativas, vez que essas pressupõem ampla atuação do comissário, pois demandam apenas que sejam observadas as razões do interesse no negócio transmitidas pelo comitente (CASES; XXXXXXX, 2003, p. 24).
Com base nessa perspectiva, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx interpreta extensivamente a expressão infiel execução de ordem referida no item 1, alínea a, do art. 40 da Resolução CMN 2.690/90. Entende o autor que essa locução contempla inclusive os casos em que as sociedades corretoras efetivam operações sem a ordem expressa de seus clientes e não apenas quando agem em desacordo com a ordem emitida. Para ele, a ausência de ordem de transferência equivale a uma ordem de não transferir ações, pois, se assim não fosse, os investidores teriam de participar continuamente – de hora em hora (quando não de minuto em minuto) – sua vontade de não transferirem seus valores mobiliários. Imputar aos investidores a obrigação de recusar operações equivaleria a admitir que as sociedades corretoras poderiam ter por manifestada a vontade de transferir apenas e tão somente porque seus clientes não desautorizaram a transferência37.
Em regra, o comissário não se responsabiliza perante o comitente pelo adimplemento da obrigação contraída pelo terceiro no âmbito do negócio intermediado. No entanto, no caso das sociedades corretoras, sua performance revela características próprias, vez que os comissários assumem responsabilidades especiais. Daí afirmar-se que as “relações jurídicas com seus clientes revestem a incontrastável natureza jurídica da
37 “Tal situação vai de encontro, ainda, à razão de ser da AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DE AÇÕES, que é condição sine qua non para a transferência dos valores mobiliários, uma vez devidamente assinada pelo titular das ações. Se os investidores não desejarem transferir suas ações, basta que nada ordenem à corretora [...]. A infiel execução de ordens necessariamente abarca a circunstância em que, à revelia de seu titular, as ações são negociadas com desprezo à fidelidade que deve caracterizar essa espécie de negócio, a qual não se circunscreve àquele breve instante em que a ordem de negociação é dada pelo investidor, mas se estende aos momentos posteriores, de tal sorte que a ordem de compra de certas ações e a posterior inércia do investidor implica, naturalmente, na ordem de não vendê-las. Sem autorização expressa dos investidores, a transferência das ações pela sociedade corretora ocorre em flagrante violação à única ordem de compra e de custódia dos títulos existentes, constituindo-se, assim, em infiel execução de ordem. Em palavras outras, quando os investidores determinam à sociedade corretora que compre as ações e as mantenham custodiadas até nova ordem, estão, na verdade, ordenando à mesma que não as venda, correspondendo o descumprimento à ‘infiel execução de ordem’.” (XXXXXXXX, 2003, p. 440 e 441, grifos nossos).
comissão del credere” (LEÃES, 2004, p. 337)38, haja vista que a sociedade corretora não é considerada pela lei como mera intermediária, mas sim como espécie de “gerente da solvabilidade de terceiros” (BOITEUX, 2001, p. 227). E isso, independentemente de pactuação de cláusula específica para esse fim39.
O caráter personalíssimo do contrato necessário para operar em bolsa também se amolda perfeitamente ao contrato de comissão. Ao selecionar um intermediário, o comitente leva em conta não apenas a probidade do comissário, mas vários outros elementos pessoais, como o acesso ao crédito, à pontualidade, à facilidade em negócios etc. Esses fatores potencializam a capacidade de negociação do comitente, além de também possibilitarem que ele receba, em tempo real, as informações que forem de seu interesse.
Somente está apta a oferecer tal tipo de financiamento a sociedade corretora ou distribuidora que intermediou a operação destinada à aquisição das ações. Ademais, ele deverá ser feito, inexoravelmente, com base em recursos próprios dessa intermediária ou que tenham sido obtidos por ela junto a bancos comerciais, bancos de investimento ou sociedades de crédito, financiamento e investimento (arts. 3º, parágrafo único e art. 4º).
Noutra monta, o Desembargador Xxxxx Xxxx do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao decidir demanda envolvendo sociedade corretora distinguiu o contrato de comissão bursátil da figura genérica do contrato de corretagem nos seguintes termos
As partes mantinham contrato de comissão, ajuste pelo qual uma pessoa, denominada comissário, adquire ou vende bens em nome próprio, mas por conta de outrem, chamado comitente (art. 693 do Código Civil). Tal contrato não se confunde com a corretagem, pois diversamente do comissário, o corretor não conclui negócio algum, e age em interesse próprio. Especificamente, o caso em apreço cuida da chamada comissão bursátil, referente aos negócios firmados no âmbito da Bolsa de Valores (SÃO PAULO, 2010, p. 6).
38 Em outro de seus textos o autor ainda esclarece que “a caracterização dos corretores de fundos públicos e de Bolsa como comissários, remonta, em nosso país, ao século passado [...]. Assim sendo, a função do comissário não é apenas a de mero intermediário, aproximando pessoas que desejem contratar, posto que o comissário celebra, ele próprio, os contratos, e assume a responsabilidade por sua execução.” (LEÃES, 1989, p. 72).
39 Nesse sentido, decidiu o extinto Tribunal de Alçada de São Paulo, nos autos da apelação n. 1990.00001130: “a corretora é sempre a responsável pela entrega dos títulos que lhe foram encomendados e pela entrega do dinheiro no caso de venda. Tal garantia se estende até aos vícios da coisa. Em resumo, a corretora é a única responsável pelo cumprimento de sua obrigação, perante seu cliente. Informação constante do recurso especial impetrado pelas apelantes.”
É comum na doutrina a referência ao contrato de comissão como espécie de mandato sem representação. Todavia, a semelhança existente entre as duas figuras restringe-se ao fato de que, em ambos os negócios, operam os princípios comuns à outorga de poderes. “De resto, a expressão ‘à conta’ significa ‘à custa de’, ou seja, os atos do comissário se destinam a repercutir na esfera jurídica do comitente” (ASSIS; REALE; XXXXXXX-XXXXX, 2005, p. 169)40.
Para Xxxx Xxxxxxx a comissão não é uma simples variante do mandato, mas sim “um contrato que tem características próprias, se bem que a ele sejam aplicadas muitas regras do mandato, razão pela qual está aproximada desse contrato mais do que qualquer outro” (XXXXXXX, 2010, P. 278)41. A despeito de ser dotado de certa autonomia se comparado ao mandatário, o comissário é obrigado a agir sempre conforme as ordens e instruções do comitente, ainda que genéricas (art. 695, caput, do CC).
Inexistindo instruções ou não sendo possível pedi-las a tempo, o comissário deverá socorrer-se dos usos e costumes do lugar da celebração do contrato (art. 695, parágrafo único, do CC). Essa disposição mantém relação direta com o art. 113 do CC, o qual prevê a intepretação dos negócios jurídicos conforme a boa-fé objetiva, usos e costumes.
O comissário, no desempenho de suas incumbências, deve sempre agir com cuidado e diligência, não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente, mas também para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente podia esperar do negócio (art. 696, CC). Isso significa que a obrigação do comissário geralmente é uma obrigação de meio ou diligência, da qual decorre, em regra, a responsabilidade subjetiva que a lei prevê (art. 696, parágrafo único, CC).
Em razão disso, milita a favor do comissário a presunção de que agiu bem, sobretudo quando da sua atuação resultou alguma vantagem ao comitente. Vale essa mesma regra para os casos em que o comissário, diante da urgência ditada pelas circunstâncias fáticas do negócio, opta por agir conforme os usos locais.
40 Para Xxxxxxx Xxxxx a comissão é “uma modalidade de mandato sem representação, que produz efeitos análogos aos deste contrato, mas se distingue pelo modo de agir do representante. No mandato, o representante age em nome do representado; na comissão, em nome próprio. Distinguem-se pelo modo de agir e não pelo modo de produção dos efeitos, embora a expressão ‘representação indireta’ tenha significação mais próxima do último critério distintivo. Num e noutro necessidade não há de novo ato para transmissão dos efeitos ao representado.” (XXXXX; XXXXXXXX XXXXXX, 1998, p. 358).
41 XXXXXXX, 2010, p. 278.
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