CONTRATO REGIDO POR CLÁUSULAS UNIFORMES*
CONTRATO REGIDO POR CLÁUSULAS UNIFORMES*
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx**
A licitação está para o contrato, assim como o concurso público está para a nomeação de funcionário público. Ambos os procedimentos administrativos se fundamentam superiormente no princípio constitucional da isonomia e em ambos a futura relação jurídica (da qual eles são antecedentes necessários) já fica pré-determinada.
O concurso é sempre para um determinado cargo. A licitação é sempre para um determinado contrato. O vencedor do certame licitatório não adquire um indeterminado direito de contratar, mas, sim, de realizar um específico contrato. Entretanto, tem-se afirmado que mesmo contratos precedidos de licitação geram as vedações e impedimentos de contratar, com relação a parlamentares
eleitos, e a inelegibilidade, com relação a candidatos a mandatos eletivos.
Qualquer tipo de restrição a direitos sempre merece um exame mais apro- fundado. É o que se pretende fazer neste estudo, em face das considerações iniciais acima.
1. A LEGISLAÇÃO
A questão relativa aos contratos regidos por cláusulas uniformes tem raízes no próprio texto constitucional. Referindo-se a Deputados e Senadores, o art. 54 da CF veda a esses parlamentares, desde a expedição do diploma (inciso I), o que consta da letra “a” do citado artigo, nestes termos:
“a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;”.
Essa proibição é estendida pela Constituição Federal aos Deputados Estaduais (art. 27, parágrafo primeiro) e aos Vereadores (art. 29, inciso IX, em sua redação atual).
A mesma referência a tais contratos (regidos por cláusulas uniformes) é feita pela Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, ao declarar (art. 1º, II, “i”) serem inelegíveis:
“os que, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder
*Artigo publicado originariamente na Revista de Direito Administrativo da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, v. 192, em 1º/04/1993.
**Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC)
Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes.”
O período de proibição é reduzido para quatro meses (art. 1º, IV, “a”) para candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito, o que é totalmente irrelevante para a questão em exame.
Entretanto, não pode passar ser referência o fato de que o dispositivo da Lei das Inelegibilidades tem seu fundamento de validade no art. 14, parágrafo nono, da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:
“Parágrafo 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
Releva destacar, por enquanto, que a inelegibilidade está referida ao propósito de proteger a legitimidade das eleições contra “influência do poder econômico” e abusos de poder.
Mas, voltando ao tema principal, vale dizer que a legislação não define nem conceitua o que deve ser entendido por contrato regido por cláusulas uni- formes, razão pela qual tal entendimento deve ser buscado nas manifestações dos doutrinadores.
2. A DOUTRINA
É manso e pacífico que os chamados contratos de adesão obedecem a cláusulas uniformes.
Entretanto é também manso e pacífico que existem outros contratos, além dos contratos de adesão, que também são regidos por cláusulas uniformes.
Enfocando diretamente a questão da inelegibilidade decorrente de contrato com o Poder Público, o consagrado XXXXX XXXXXXXX (“As Eleições Municipais e o Município na Constituição de 1988”, págs. 118 e 119) assim se manifestou:
“Entre os contratos típicos de cláusulas uniformes estão os chamados contratos de adesão, cujo conteúdo é predeter- minado por um dos contratantes em cláusulas que são as mesmas para todos. Geralmente se deixa um claro para se preencher o nome e a qualificação do outro contratante. Entre os contratos de cláusulas uniformes podem ser mencionados: os contratos de transportes, de seguros, de fornecimento de luz, força, gás e água, de prestação dos serviços de telefone e telégrafos, de direitos marítimos, certos contratos bancários, compromissos de compra e venda de imóveis regidos pela Lei nº 6.766, de 20.12.79, e de certa maneira o contrato de tra- balho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).”
XXXXX XXXXXXXX deixa absolutamente claro que contrato de xxxxxx é apenas uma das modalidades de contrato regido por cláusulas uniformes, dentre outros tantos contratos por ele referidos, em enumeração meramente exemplificativa, não exaustiva.
Seja permitido comprovar que desde longa data, há mais de vinte anos, temos mantido o entendimento no sentido de que o contrato administrativo pre- cedido de licitação deve ser entendido como regido por cláusulas uniformes, não acarretando nem inelegibilidade, nem vedação ou impedimento.
Na Revista de Direito Público nº 18, publicada em outubro/dezembro de 1971, à pág. 302, em matéria consistente na transcrição dos trabalhos de um curso de direito e administração municipal (ministrado por professores consa- grados, como Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx), respondendo à inda- gação sobre se vereador pode manter contrato com a Prefeitura “em razão de concorrência pública”, tivemos a oportunidade de dizer que:
“Se a concorrência foi realizada e seguiu todos os trâmites, se houve igualdade de oportunidade, não vejo nenhuma ve- dação a que esse vereador possa contratar com o Município.”
Nesse mesmo sentido, existe parecer do respeitabilíssimo Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal - CEPAM, firmado pelo Prof. XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX XXXXXX e datado de 12/03/73, afirmando que “após a respectiva licitação” nada impediria a contratação, pela municipalidade, de empresa da qual o Vice-Prefeito do mesmo Município era sócio (“Coletânea de Pareceres do Boletim do Interior”, publicada pela Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, pág. 336). A tese evidentemente esposada é a de que a realização de licitação como antecedente do contrato afasta a proibição. Em 1977, XXXX XXXXXX XX XXXXX publicou um “Manual do Vereador”, editado pela Fundação Prefeito Xxxxx Xxxx - CEPAM, em cuja pág. 52, pode-se
ler o seguinte:
“Proíbe-se ao Vereador firmar ou manter contrato com o Município, desde que este não tenha cláusulas uniformes”. Qualquer contrato: de trabalho, de realização de serviços ou de execução de obras, de concessão de serviços públicos ou de uso de bens do domínio municipal.
A proibição não alcança os contratos de cláusulas uniformes. A caracterização desse tipo de contrato é controvertida na doutrina. Típicos contratos de cláusulas são os chamados contratos de adesão, que são os de conteúdo predetermi- nado por um dos contratantes. Suas cláusulas são sempre as mesmas, quaisquer que sejam os demais contratantes. Trata-se de uma repetição de contrato, variando apenas o nome de uma das partes. Por isso mesmo, geralmente é impresso, deixando-se um claro onde se inscreve o nome e qualificação do outro contratante. Não se pode dar uma enu-
meração completa desses contratos, mas são de cláusulas uniformes, em regra; o contrato de seguro, o de transportes, o de fornecimento de luz, força, gás e água, o de prestação de serviços de telefone e telégrafos, certos contratos bancários, contratos de direito marítimo, de certo modo o contrato de trabalho regido pela C.L.T.) “
Conforme se pode notar, afirma o consagrado mestre que os contratos de adesão não são os únicos “contratos de cláusulas uniformes”, afirmando textualmente que “não se pode dar uma enumeração completa desses contratos”. Esse entendimento foi plenamente acolhido por XXXX XXXX XX XXXXXX,
que em seu “Direito Municipal Positivo” (Livraria Xxx Xxx, Editora, Belo Horizon- te, pág. 80) faz menção expressa a sua concordância com XXXX XXXXXX XX XXXXX, dizendo, expressamente, que a ressalva a cláusulas uniformes, afastan- do a incompatibilidade, “é controvertida na doutrina”. Ou seja: XXXX XXXX XX XXXXXX também não resume e restringe a ressalva aos contratos de adesão.
Mais recentemente, a mesma Fundação Prefeito Xxxxx Xxxx/CEPAM, em suas “Breves Anotações à Constituição de 1988” (Ed. Atlas, São Paulo, 1990, pág. 13) comentando a questão das vedações e impedimentos dos parlamentares (entre as quais está a de contratar), destacou a finalidade do preceito, anotando que a proibição: “Visa preservar a integridade do exercício do mandato, afastando situações que poderiam redundar em autofavorecimento incompatível com a moralidade pública”.
Em resumo, a questão não é simples, a ressalva não se restringe aos contratos de adesão, abrange outros contratos, e cada caso deve ser examinado em função do propósito de resguardar a legitimidade dos pleitos e a moralidade pública. Ou seja: a proibição de contratar não é um dogma absoluto, nem é um fim em si mesma.
Já enfrentamos esse tema, dando esse mesmo enfoque, em artigo sobre “Inelegibilidade, Moralidade e Legitimidade dos Pleitos”, publicado nos “Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral” (nº 1, outubro de 1987, pág. 9) editados pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, no qual destacamos que a questão central está na “inelegibilidade de quem quer que, no exercício de qualquer função, possa disso valer-se em proveito próprio, interferindo no resultado do pleito”. Realmente, não se pode declarar a inelegibilidade gratuitamente, sem a ocorrência de um dano à legitimidade das eleições, à moralidade pública e a probidade administrativa.
Nunca se pode esquecer que o exercício dos direitos eleitorais é o pilar central da cidadania e da democracia e que, portanto, as restrições a esses direitos são excepcionais, não comportando interpretações extensivas. Na dú- vida, a decisão deve ser no sentido da regra geral (pleno exercício dos direitos eleitorais) e não da exceção.
Extremamente significativa é a manifestação de XXXX XXXXXX XX XXXXX em seu “Curso de Direito Constitucional Positivo” (RT, São Paulo, 5ª ed., 1989, pág. 334) ao abordar o tema do “Objeto e fundamentos das inelegibilidades”, dizendo o seguinte:
“As inelegibilidades têm por objeto preservar o regime democrático, a probidade administrativa, a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, (art. 14, parágrafo 9º). Elas possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurar o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sentido ético corre- laciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure.”
Dizendo em poucas palavras: é preciso muito cuidado para evitar que um moralismo despropositado redunde em prejuízo da democracia. Somente situações perfeitamente claras e inquestionáveis justificariam alterações nos resultados dos pleitos eleitorais.
A celebração de contrato precedida de licitação merece um exame mais aprofundado, para que não se mutile a vontade popular.
3. A LICITAÇÃO
Licitação é um procedimento técnico objetivo de escolha de um futuro contratante com o Poder Público. Na licitação, o Poder Público anuncia sua in- tenção de efetuar um determinado contrato administrativo (regido por normas de direito público) e se dispõe a receber propostas apresentadas pelos particulares, para, então, escolher aquela que for considerada a mais conveniente, segundo critérios de julgamento previamente estabelecidos.
O traço fundamental da licitação é a igualdade. A licitação é exigível, em pri- meiro lugar, por força do princípio constitucional da isonomia, em função do qual o Poder Público é obrigado a oferecer iguais oportunidades de contratação a todos os interessados. O sentido e o alcance do princípio fundamental e genérico da isonomia é reforçado por um outro princípio, especificamente referido pelo art. 37 da Cons- tituição Federal à Administração Pública, qual seja o princípio da impessoalidade. Todos os autores que já versaram o tema da licitação (absolutamente todos, sem exceção) enumeram entre os requisitos fundamentais a qualquer licitação o da igualdade entre os licitantes. Aliás, o Decreto-lei nº 2.300/86, em seu artigo terceiro, coloca em primeiro lugar entre os princípios básicos da lici-
tação exatamente o princípio da igualdade.
No procedimento administrativo da licitação não existe negociação. O objeto e as condições gerais do futuro contrato são pré-determinados pelo Poder Público no edital de abertura do certame. Sempre que possível e conveniente, o edital deve ser acompanhado de minuta do futuro contrato. Entretanto a falta de “minuta” não significa falta de “contrato”, pois, com ou sem minuta o futuro contrato fluirá necessariamente dos termos do edital e da proposta.
Conforme também já tivemos oportunidade de assinalar, em nossos “Aspectos Jurídicos da Licitação” (Saraiva, São Paulo, 3ª ed., 1992, págs. 121 e 130), no decurso do procedimento licitatório fixa-se o conteúdo da futura re- lação contratual, pois a aprovação do procedimento aperfeiçoa uma promessa de contrato. Ao final do certame surge uma promessa de contrato, um ajuste no sentido da celebração de um futuro contrato, cujos termos e condições somente podem ser aqueles decorrentes da licitação.
Obviamente, não teria qualquer sentido realizar uma licitação para, depois, contratar algo diferente do que foi licitado.
Pode-se dizer que na licitação existe um passo além do contrato de ade- são. Neste, todos são tratados igualmente. No contrato precedido de licitação o contrato é feito não com qualquer pessoa indistintamente, mas sim com aquele entre os iguais que ofereceu uma proposta objetivamente considerada a melhor.
O que é absolutamente fundamental é que na licitação não há e não pode haver influências, privilégios ou favorecimentos. Todos os disputantes são tra- tados com igualdade e o futuro contrato será sempre rigorosamente o mesmo, seja lá quem for o vencedor do certame.
4. O CONTRATO ADMINISTRATIVO
Contrato é um ajuste bilateral, um encontro de vontades entre partes com interesses opostos: uma quer o objeto e para isso paga o preço; outra quer o preço e para isso entrega o objeto.
Todavia existem profundas e radicais diferenças entre um contrato celebra- do exclusivamente entre particulares e um contrato no qual uma das partes é o Poder Público. O regime jurídico dos contratos entre particulares é completamente diferente do regime jurídico dos contratos celebrados pela Administração Pública. Enquanto os particulares podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe,
a Administração somente pode fazer aquilo que a lei determina. Os interesses privados são disponíveis, mas os interesses públicos são indisponíveis. Os particulares escolhem livremente seus co-contratantes, mas a Administração não tem liberdade de escolha. Os particulares negociam livremente os termos contratuais, mas Administração somente pode contratar nos termos da licitação que precedeu o contrato e com estrita observância dos termos e condições contratuais estabelecidos em lei.
Para a Administração Pública, o termo de contrato é a formalização, a explicitação e a sistematização de algo já contido na licitação e na lei.
Na prática, usualmente, os órgãos e entidades da Administração Pública, no momento da redação dos termos de contratos, com quaisquer contratantes, costumam valer-se de um modelo ou minuta padrão, uma fórmula pré-estabe- lecida, em síntese, um virtual “formulário” cujos claros são preenchidos com os dados específicos de cada contrato, com rigorosa observância daquilo que resultou da licitação. Nem os claros são preenchidos livremente.
O mais importante, porém, é que os termos e condições do contrato admi- nistrativo são necessariamente aqueles determinados pela lei. Confira-se o dis- posto no Decreto-lei nº 2.300/86, cujo art. 45 já determina quais são as cláusulas necessárias a todos os contratos administrativos, e cujo art. 48 já descreve quais são as prerrogativas da Administração, as quais são imediatamente eficazes, independentemente de terem sido ou não referidas no instrumento de contrato. É a lei quem disciplina os termos da execução dos contratos administrati-
vos, prescrevendo critérios e condições para reajustes e alterações e, inclusive, estabelecendo as consequências do inadimplemento.
Tudo aquilo que não consta da lei há de resultar da licitação, onde todos os interessados foram tratados com igualdade.
O contrato administrativo precedido de licitação se assemelha ao contrato de adesão. Não é idêntico; é ainda mais igualitário ou isonômico, na medida em que nem o contratante particular é escolhido livremente, e que as cláusulas contratuais são determinadas pela lei ou fluem da licitação.
5. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA
Toda norma jurídica tem caráter instrumental. Todo comportamento hu- mano prescrito ou proibido por uma norma, somente é prescrito ou proibido em função de um objetivo a ser atingido, de um valor a ser realizado.
Por isso mesmo já diziam os romanos: “Scire legis non est verba earum tenere, sed vim ac potestas” (Celsius, Digesto, Livro I, Título III). Ou seja, inter- pretar a lei não é conhecer suas palavras, mas, sim, seu espírito, pois as palavras matam, e o espírito vivifica.
Não deve o intérprete e aplicador do direito restringir-se ou satisfazer-se com a mera literalidade, mas deve sempre valer-se do método lógico-sistemático ou da interpretação teleológica.
Conforme ensina XXXXXX XXXXXXXXXXX (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Forense, Rio, 9ª ed., 1984, págs. 151 e 152), como toda norma legal tem um escopo, é de se presumir que a este pretenderam corresponder seus autores, e assim, a regra de direito deve ser entendida de modo a satisfazer o objetivo por ela almejado. “O fim inspirou o dispositivo; deve, por isso mesmo, também servir para lhe limitar o conteúdo”.
Discorrendo especificamente a respeito do método interpretativo adequado para a exata compreensão das inelegibilidades, assim se manifestou XXXXXXX XXXXXX XXXXXX em preciosa monografia sobre a Teoria das Inelegibilidades, ainda inédita, mas que lhe valeu a conquista do título de Mestre em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:
“Como foi acentuado, a técnica legislativa das “facti species”, descrevendo de modo exaustivo e taxativo as situações objetivas configuradoras das inelegibilidades, condiciona o intérprete e molda a interpretação. Da mesma maneira, a fi- nalidade apontada pelo art. 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal de 1988 demonstra ser inarredável a utilização
do método teleológico de interpretação a fim de assegurar a imparcialidade do poder político e a neutralidade do poder econômico”.
Numa visão mais acurada, deixando a mera literalidade e penetrando no âmago dos dispositivos que cuidam da proibição de firmar ou manter contrato, excepcionando os contratos regidos por cláusulas uniformes, pode-se concluir que os contratos administrativos precedidos de licitação atendem aos requisitos dos contratos de adesão e vão ainda mais além, no propósito de evitar favore- cimentos e privilégios indevidos, incompatíveis com a legitimidade dos pleitos e a exação no exercício de mandato eletivo.
Em resumo, o contrato administrativo precedido de licitação atinge, com vantagens, os objetivos dos contratos de adesão. “UBI EADEM RATIO, IDEM JUS”.
Por último, em matéria de interpretação, nunca é demais lembrar a talvez mais preciosa das lições de XXXXXX XXXXXXXXXXX e que se encontra à página 166 da obra supra referida:
“Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.”
Seria rematado absurdo anular a diplomação e vulnerar a vontade popular e o princípio democrático em razão de algo que nada tem a ver com tráfico de influência ou abuso do poder econômico, dado que corresponde à concretização do principal princípio constitucional: o princípio da isonomia.
6. CONCLUSÕES
Em cada caso, será sempre preciso verificar se a licitação que precedeu o contrato foi processada com plena regularidade. Somente uma licitação válida pode gerar um contrato válido.
Sendo válida, correta e regular a licitação, nada existe de excepcional no fato de uma empresa prestar um serviço, fazer um fornecimento ou realizar obra pública, nos termos e condições resultantes da licitação e da lei.
A licitação a todos iguala, evitando privilégios, influências e favorecimentos, dado o caráter objetivo do julgamento das propostas.
Normalmente, o contrato administrativo tem seus termos e condições fixados em lei e pré-determinados pela licitação que o precedeu. Evidentemente existem situações em que o contrato precisa versar sobre especificações ou particularidades não constantes nem da lei nem da licitação, mas tais casos devem ser excepcionais, pois é evidente que não se pode contratar nada dife- rente do que foi licitado.
A Constituição Federal, ao cuidar das inelegibilidades, deixa perfeitamente claro que elas são estabelecidas para assegurar a normalidade e a legitimidade dos pleitos, protegendo-os contra a influência do poder econômico e o abuso de poder.
Portanto, é preciso verificar e comprovar em cada caso se houve, concre- tamente, influência do poder econômico ou abuso de poder.
Em síntese, a celebração ou manutenção de contrato administrativo pre- cedido de regular licitação não configura infringência da proibição contida no art. 1º, II, “i”, da Lei Complementar nº 64/90, nem incide na proibição constante do art. 54, I, “a” da Constituição Federal, porque o contrato administrativo precedido de licitação se enquadra perfeitamente na ressalva contida nos mesmos dispositivos.
Contrato administrativo precedido de licitação pode ser entendido como contrato regido por cláusulas uniformes.