AGROECOLOGIA POR CONTRATO DE ATER, É POSSÍVEL?
AGROECOLOGIA POR CONTRATO DE ATER, É POSSÍVEL?
XXXXXXXXX XXXXXXX0 XXXXXX XXXXXX XX XXXXX 22
Resumo
O presente artigo visa analisar os principais resultados obtidos através da execução do contrato de prestação de serviço de assistência técnica e extensão rural - ATER, estabelecido entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e a Cooperativa de Trabalho e Extensão Rural Terra Viva -COOPTRASC, nas regiões Centro-Sul e Litoral do Paraná. Como objetivos específicos buscou-se a) compreender a relação entre as condições endógenas do território e a promoção da agroecologia; e b) identificar e analisar os principais avanços e dificuldades encontrados para a promoção da agroecologia através do serviço de ATER prestado. Para tanto, foi realizada pesquisa-ação e documental no período de junho de 2014 a março de 2015. Os principais resultados indicam que o perfil dos técnicos e os arranjos organizacionais estabelecidos no local atuaram contraditoriamente na promoção da agroecologia e que o principal limitante identificado foram as disfunções burocráticas.
Palavras chaves: políticas públicas, extensão rural; agroecologia.
1 Mestre em Extensão Rural; extensionista e pesquisadora – Universidade Estadual de Ponta Grossa. Xxxxxxxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx.xx
2 Professor. Departamento de Extensão Rural, PPG Extensão Rural – Universidade Federal de Santa Xxxxx.xxxxxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx
1- Introdução
A institucionalização em 2010 da nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a agricultura familiar e Reforma Agrária – PNATER e do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na agricultura familiar e Reforma Agrária - PRONATER, através da Lei 12.188, representaram um marco na normatização legal de demandas historicamente construídas por diversos agentes sociais do campo da agricultura familiar e Reforma Agrária, tanto para a construção da extensão rural diferenciada daquela operada pelo difusionismo durante a Revolução Verde, quanto para a construção da Agroecologia e do Desenvolvimento Rural Sustentável.
Desde então, ao longo desses últimos anos, algumas chamadas públicas sob supervisão e competência do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA tem sido lançadas. Nesse sentido, com o objetivo de gerar contribuição acadêmica a esse campo de estudos, este artigo visa problematizar e refletir sobre os resultados preliminares de processos organizativos e sócio- técnicos, observados pela autora ao longo dos últimos nove meses, a partir da execução do contrato de ATER CRT 247000/2013, celebrado naquele ano entre o INCRA – Paraná e a Cooperativa de Trabalho e Extensão Rural Terra Viva – COOPTRASC.
Como objetivos específicos deseja-se: a) caracterizar o contexto inicial do trabalho dessa chamada de ATER; e b) descrever e analisar os principais avanços e dificuldades organizativas e sócio-técnicas observadas para conversão de sistemas de produção.
Para a realização deste estudo, durante o período de novembro de 2013 a março de 2015 a primeira autora deste texto vivenciou os processos descritos e analisados, atuando como profissional contratada, compondo a equipe de profissionais pesquisada, na função de coordenadora do contrato. Nesse sentido, considera-se, este estudo predominantemente uma pesquisa-ação, tal como definida por Xxxxx(2005), cujo propósito tem objetivo continuado, sistemático e empiricamente fundamentado de aprimorar a prática, “[...] pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa- se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação” (TRIPP, 2005,
p. 446). Nesse sentido, as ferramentas metodológicas utilizadas aproximaram-se de observações participantes, como são definidas por Xxxxxx (2012), Com vistas à triangulação de informações e restrição de interferências das subjetividades dos autores também foi realizada pesquisa documental sobre o tema (CELLARD, 2012).
O Contrato de ATER – CRT 247000/2013, objeto de análise desse artigo, foi firmado entre o INCRA Paraná e a Cooperativa de Trabalho e Extensão Rural Terra Viva, em novembro de 2013, tendo duração de um ano, podendo ser renovado por até mais quatro anos à frente. Esse contrato de ATER é responsável por prestar serviço de ATER a 763 famílias beneficiárias de reforma agrária, assentadas regulares, residentes em 20 assentamentos rurais localizados nas regiões centro-sul e litoral do Paraná3. A
COOPTRASC – Cooperativa de Trabalho e Extensão Rural Terra Viva, tem sede em Chapecó, é uma instituição privada, sem fins lucrativos, de abrangência nacional, que, desde 1997 presta serviço de ATER para áreas de assentamentos rurais do Estado de Santa Catarina. Ela é composta por agricultores, assentados de reforma agrária e profissionais autônomos, ligados às áreas: social, econômicas e agrárias, com o intuito de proporcionar às famílias assentadas da reforma agrária assessoria técnica com uma abordagem diferenciada, tendo em vista os princípios da agroecologia, da cooperação e sustentabilidade (COOPTRASC, 2013, p. 19).
Este estudo é composto por esta introdução, quatro itens de descrição e análise, considerações final e referencias.
2 – Extensão rural e agroecologia na atualidade: princípios, objetivos e normativas
A extensão rural agroecológica, emergente no Brasil principalmente a partir dos anos de 1990, como resultante da construção de demandas de movimentos sociais ambientais, é orientada pelos princípios e diretrizes apontados por Caporal e Costabeber (2000, p. 02) e: “[...] constitui-se num esforço de intervenção planejada para o estabelecimento de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, com ênfase na participação popular, na agricultura familiar e nos princípios da Agroecologia como orientação para a promoção de estilos de agricultura socioambiental e economicamente sustentáveis”.
O desenvolvimento rural sustentável, tal como compreendido por Xxxxxx Xxxxx corresponde a cinco dimensões interconectadas: “[...] social – voltada para a redução da pobreza e para a organização social; econômica – relativa à manutenção da capacidade produtiva dos ecossistemas; ecológica – relacionada à preservação dos recursos naturais
3 Esse lote contempla os municípios de Morretes (assentamento Nhundiaquara – 143 famílias); Lapa (assentamento Contestado – 106 famílias); Xxxxxx Xxxxxxx (assentamentos Xxxx Xxxx – 106 famílias, Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx xxx Xxxxxxxxx, Bom Retiro – mais 106 famílias); Xxxxxxxx Xxxxxx, (assentamentos São Joaquim, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxx – 131 famílias), Xxxxxxxxx Xxxxxxxx ( assentamentos Avencal, Faxinal dos Mineiros e Xxxx Xxxxx – 34 famílias); São João do Triunfo (assentamentos Madre Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxx – 32 famílias); Xxxxxxxx (assentamentos Pinheiral e Palmares II – 24 famílias); Xxxxxxxxxx (assentamentos Rola Pedra e Pedra Preta – 20 famílias); Xxxxxxxx (assentamento Xxxxxxx do Ipiranga – 23 famílias); e Xxxxxx (assentamento Abapã – 41 famílias).
enquanto base da biodiversidade; espacial – voltada para uma configuração rural-urbana equilibrada; e cultural – referente ao respeito pelas especificadas culturais, identidades e tradições das comunidades locais”. (XXXXXX XXXXX, 1997, p. 24-27 apud XXXXXXXXX B. P. M., 2011, p. 110).
A agroecologia, tal como compreendida por Xxxxxx Xxxxxxx (2009, p. 23): “[...] fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e sociedade como um todo. Ela utiliza o agroecossistema4 como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional
– genética, agronomia, edafologia – incluindo dimensões ecológicas, sociais e culturais.
A extensão rural, institucionalizada a partir da aprovação da Lei de ATER 12.188 de onze de janeiro de 2010 (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 2010, p.01), é compreendida como ação de educação não formal, de caráter continuado, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive atividades agroextrativistas, florestais e artesanais. De acordo com o Artigo 3° da PNATER são princípios norteadores dessa política: I – desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada dos recursos naturais e com a preservação do meio ambiente; II - gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência técnica e extensão rural; III – adoção de metodologia participativa, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a democratização da gestão da política pública; IV – adoção dos princípios da agricultura de base ecológica, com o enfoque principal para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis; V – equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia; e VI – contribuição para a segurança alimentar e nutricional. (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 12/JAN. 2010, p. 01).
São beneficiários da PNATER os agricultores familiares ou empreendimentos familiares, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores, assentados de reforma agrária, remanescentes de quilombos e indígenas e demais povos e comunidades tradicionais.
Como mecanismo de implementação da PNATER, foi instituído, por meio da Lei 12.188, o PRONATER, com a finalidade de coletas propostas de conferências, conselhos locais, regionais e estaduais, e organizar a execução dos serviços de ATER.
4 O agroecossistema, como é compreendido por Xxxxxxxxx(2000) como o conjunto do que se considera o ecossistema (seres vivos próprio do ambiente) acrescido dos seres vivos implantados e manejados pelo trabalho humano nesse mesmo local.
Outro marco legal importante é Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
- PNAPO, tem como objetivo integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica. (PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 2012).
Ancorados no conjunto dessas normativas, em 2013 foi lançada uma chamada pública conjunta INCRA/MDA, para seleção de entidades executoras de assistência técnica e extensão rural para promoção da agricultura familiar agroecológica, orgânica e agroextrativista para as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Nesse mesmo ano, o INCRA Paraná lançou chamada pública para contratação de serviço de ATER para assentamentos rurais deste estado, tendo em algumas de suas metas, como referência, bases agroecológicas. Desta chamada do INCRA, foi contratado então o lote 01 pela Cooperativa de Trabalho e Extensão Rural Terra Viva - COOPTRASC, cujo contrato é CRT 247000/2013, objeto da presente análise.
3 – Regiões Centro-sul e Litoral do Paraná: potencialidades e desafios endógenos para a construção da agroecologia
A região centro-sul do Paraná é caracterizada por moradores rurais e agentes de desenvolvimento locais, como um território em que há presença significativa da agricultura familiar. Origina-se de processos de colonização europeia, italianos (Colônia Cecília), alemães (Colônia Witmansur), poloneses, ucranianos, que se mesclaram à existência e formação social dos brasileiros, negros, caboclos, miscigenados. Já o litoral do Paraná, Morretes, abriga populações tradicionais, caiçaras, pescadores e agricultores familiares não tradicionais, em grande medida pluriativos5, vinculado ao turismo da cidade de Morretes. No entanto, na região centro-sul, na área de abrangência que envolve os municípios integrados no eixo Irati - Ponta Grossa e Castro, ocorreu processo de concentração fundiária no século passado, gerando bases para expansão territorial e aperfeiçoamento tecnológico de centros de pesquisas públicos (Embrapa, Instituto Agronômico do Paraná, Universidade Estadual de Ponta Grossa e Universidade Federal do Paraná) e de empresas privadas (Monsanto, Cargill, Bayer) para implantação de monocultivos empresariais de larga escala de soja e milho, e para a construção e consolidação de uma das principais bacias leiteira do Brasil (Ponta Grossa, Castro e região).
5 A pluriatividade, tal como conceituada por Xxxxxxxxx (2009) é compreendida com uma série de iniciativas econômicas agrícolas e principalmente não agrícolas engenhadas pelos camponeses para manutenção da moradia no campo e mesmo atividades agrícolas, como forma de reprodução social de sua condição camponesa. Por exemplo: serviços externos de construção, turismo, etc.
Nesse mesmo período, em Xxxxxx Xxxxxxx, cuja agricultura familiar se aproxima de formas tradicionais de cultivo (ainda hoje existe a presença de alguns faxinais), o território passou a ser preenchido pelo monocultivo de pinus. Esse microterritório abrigava e ainda hoje abriga, em índices menores, exploração de madeira nativa e confecção de carvão vegetal. Já em Morretes, predominou o modelo atual de pluriatividade, agricultura tradicional, pesca, sendo que a produção de hortaliças no inverno para abastecimento do mercado de Curitiba foi intensificado.
É então, nesses contextos que os assentamentos rurais começaram a surgir nesses territórios, sendo os assentamentos Nhundiaquara e Xxxx Xxxx os mais antigos (mais de 30 anos). Pelos relatos coletados através de lideranças locais e regionais, à medida em que esses assentados se instalaram nessas localidades, enfrentaram muitas adversidades, naturais, técnicas, produtivas, sociais, econômicas, políticas e culturais. Receberam apoio e solidariedade de pastorais sociais e participaram de movimentos sociais organizados6. Diante das dificuldades enfrentadas, os assentados se adaptaram e integraram as cadeias produtivas e sistemas de produção dominantes já instalados nessas localidades.
Para além disso, em grande medida, tal como pode ser identificado nos diagnósticos das unidades de produção familiares, mantiveram e ainda hoje mantém significativa produção de subsistência, baseada na produção de feijão, milho, hortas, aves, alguns pomares, suínos e peixes e madeira. Esses cultivos associam-se a cultivos com capacidade de geração de renda através da venda de mercadorias, tais como: 1 - leite a pasto (atividade principal – Ponta Grossa, Castro e Região), integrado às cooperativas regionais e nacionais – Castrolanda, Líder, Batavo, etc.; e 2 - lavoura de soja e milho (segunda atividade principal – Ponta Grossa, Castro, Lapa e Região - integrado às cooperativas, armazéns e empresas privadas (Cargill); 3 – madeira –pinus (Xxxxxx Xxxxxxx e São João do Triunfo), associado ou não à produção de carvão vegetal, integrado à empresas do ramo de SC e PR, associado ou não à produção de erva-mate, integrada mercados locais e regionais; 4 – produção de hortaliças e frutas para abastecimento do mercado de Curitiba – Morretes e Lapa, por meio de mercados tradicionais (Ceasas, atravessadores, etc.) e também por meio do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e merenda escolar - PNAE.
De acordo com as observações e interações de campo, notou-se que o serviço de Extensão Rural e Assistência Técnica vem sendo realizado nesse território por cooperativas de
6 O assentamento Nhundiaquara foi realizado pelo INCRA, todos os demais foram organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e contaram como apoio e organização desse movimento para iniciar-se os processos de regularização fundiária e acesso de bens e serviços públicos.
produção, lojas, revendedores de insumos e, mais recentemente, por agências públicas – EMATER’s locais, ONG’s (AS-PTA, Instituto Equipe, Rureco), Associações e Cooperativas de agricultores familiares (sindicatos rurais, Associação Assis – Irati, Cooperativa Terra Livre
– Lapa, etc.) e em menor medida, com auxílio de universidades (UEPG e UFPR). Recentemente, algumas dessas instituições e outras (Fundação Terra, DESER, COOPTRASC, ARCAFAR), tem concorrido à editais de prestação de serviço de ATER, INCRA e MDA.
Diante desse contexto, compreende-se que a manutenção de produções de alimentos de subsistência tem contribuído com construção de possibilidade de incorporação de manejos sustentáveis, porém, que em contrapartida, a integração histórica desses assentados a sistemas de produção, cadeias produtivas e mercados convencionais, estruturaram um conjunto complexo de relações, culturalmente estabelecidas, as quais, no presente momento, atuam como limitantes à processo de conversão agroecológica.
Esta segunda consideração pode ser observada principalmente para aqueles casos em que dentro dos assentamentos houve processo de reconcentração fundiária e produtiva, entendida como o processo de arrendamento de lotes de assentados para outros assentados e/ou empresários rurais locais e regionais, para plantio de monocultivos de soja e milho.
Para as áreas onde predominou o cultivo de tabaco, madeira de pinus e olerícolas, ainda que convencionais, embora se perceba tal movimento de integração ao modelo das commodities e dependência externa de insumos, notou-se, mais receptividade dos assentados para assimilação de novas perspectivas de agricultura com base ecológica, de construção social de mercados e organização social.
Associando-se a essa ação estruturante das cadeias de produção de commodities, a ausência por significativo período de tempo, de agências e serviços de extensão rural e assistência técnica, bem como a fragmentação das ações governamentais, políticas e programas públicos, foram apontados como elementos que tem reduzido a capacidade de ação e estruturação social de outras perspectivas de desenvolvimento, com base na agroecologia.
4 - perfil profissional e conversão agroecológica dos assentamentos rurais
Pretendia-se (agentes locais de desenvolvimento) que com essa chamada de ATER fosse possível ampliar já nos primeiros anos de execução, o número de famílias agroecologistas certificadas, bem como ampliar e potencializar sistemas de produção ecológicos. Além disso, pretendia-se ampliar o volume de produção de alimentos, para manutenção e ampliação do acesso a mercados institucionais, principalmente de Curitiba e de Ponta Grossa, além de
fortalecer cooperativas e associações dos assentados rurais. Para tanto, a ação dos extensionista foi tomada com algo fundamental para alcançar-se tais objetivos.
A campo percebeu-se que para o caso daqueles profissionais que continuaram na ATER (dando sequência à chamada anterior) e cuja formação profissional teve como base o recorte agroecológico, foram mantidas orientações de campo com base na construção e manutenção de sistemas de produção de base ecológica, principalmente leite a pasto. Já para aqueles profissionais cuja formação e trajetória profissional foi focada em sistemas de produção convencionais, as orientações técnicas foram direcionadas para o acesso a programas e políticas públicas e acesso a mercados institucionais, mantendo um discurso de legitimação da produção orgânica, sem conseguir avançar em práticas, o que corrobora com a análise já apontada por Balem et. al. (2009), com relação aos processos de transição agroecológica do serviço de ATER institucionalizado na Emater RS, indicando as limitações das formações e trajetória convencionais dentro da extensão rural para a construção da agroecologia.
Para os demais profissionais presentes na equipe, aqueles que ingressaram na ATER a partir deste contrato, notou-se que eram, em sua totalidade, recém formados, e que cada um assimilou dentro de sua área de formação profissional, aprendizados já sistematizados sobre a produção de culturas e agroecossistemas de base ecológica. Dentre estes, aqueles profissionais cuja formação específica foi em agroecologia – técnicos em agroecologia -, pode-se notar que suas ações foram focadas na construção de mudanças de manejos e sistemas de produção, substituindo manejos convencionais e/ou tradicionais por manejos ecológicos, tendo dificuldades, no entanto, de avançar na assistência técnica para elaboração e execução de projetos, programas e organização social, tais como pronaf’s, PAA, PNAE, cooperativas e agroindustrialização.
Por meio das dinâmicas das atividades de campo, buscou-se compartilhar entre a própria equipe, conhecimentos e experiências em agroecologia, porém, isso se mostrou insuficiente mediante as necessidades concretas das realidades locais.
A falta de processos de qualificação continuada, tanto desses profissionais quanto dos demais, bem como a falta de incentivo da Cooperativa e mesmo do INCRA à esta formação, seja por meio de cursos, palestras, congressos, eventos rápidos e contínuos, ou por meio de cursos de pós-graduação e graduação, é identificada como um dos principais elementos limitantes da potencialização da ação social de base agroecológica por meio da intervenção dos extensionistas.
Neste sentido, considera-se que para a promoção da agroecologia, foi fundamental a contratação de profissionais com formação e/ou experiência profissional específica em
agroecologia, tendo em vista que somente nos locais onde esse perfil de profissional pode ser obtido, pode-se avançar na construção efetiva de ações com enfoque agroecológico.
Nesse contexto, considera-se que, para ampliação da agroecologia através deste contrato de ATER, foi fundamental a construção de redes de parcerias ampliadas, que envolveram, na área de abrangência do lote, o conjunto dos sujeitos sociais que atuam no território na temática da agroecologia. A elaboração de planejamentos conjuntos e articulados, bem como as ações realizadas em conjunto com esses parceiros - Universidade Estadual de Ponta Grossa- Projeto Entrerios; Universidade Federal do Paraná - campus Litoral; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e cooperativas de assentados; AS-PTA; Cooperafloresta; entre outras instituições e profissionais autônomos - foram fundamentais para a potencialização das estratégias e ações em curso.
Essa construção em redes possibilitou o compartilhamento de aprendizados, o fortalecimento de relações de reciprocidade, parceria e solidariedade, favorecendo com que lacunas vivenciadas na formação e atuação da equipe, bem como de outros profissionais, pudessem ser sanadas por meio do compartilhamento de conhecimentos, práticas e vivências.
Esses processos possibilitaram avanços na construção social de abordagens metodológicas e epistemológicas agroecológicas complexas, tal como sugerem Xxxxx e Borba (2004), tendo em vista que durante a ação extensionista em redes o conhecimento pode ser construído com os agricultores, em processos de criar e co-criar as dinâmicas dos agroecossistemas, e onde a produção científica pode emergir no campo e em associação compartilhada e integrativa com centros de pesquisa e ensino.
O conjunto desses fatores foram fundamentais para tornar possível o alcance dos seguintes resultados durante esse período de execução do contrato de ATER: a) implantação e/ou acompanhamento de cerca de 60 áreas de cultivo agroflorestal em toda a área de abrangência do lote; b) manutenção, orientação técnica e acompanhamento de processos de certificação ecológica participativa; c) c) implantação de dez unidades demonstrativas de pastoreio rotacionado voisin, além de cursos, oficinas, visitas de campo, intercâmbios abordando a temática do pastejo ecológico; d) orientação técnica e qualificação de manejos ecológicos dos agroecossistemas em áreas de produção de hortaliças orgânicas; e) ampliação da comercialização de produção ecológicos certificados ou em transição (Lapa) e tradicionais não certificados (Inácio Martins - Acopac) para mercados institucionais – PAA e PNAE e para feiras locais e regionais(Morretes); e f) manejo, troca e reprodução de sementes crioulas;
5 – Burocracia, normatização e agroecologia
Apesar dos resultados acima descritos, vivenciou-se durante esse período de execução do contrato diversas limitações, as quais reduziram maiores avanços na transição agroecológica dentro desse lote de ATER. Na sequência, serão listados e problematizados os principais problemas identificados a campo. Como
mecanismo de legalização, essas chamadas de ATER governamentais condicionam o pagamento dos recursos financeiros à comprovação formal da execução de um conjunto de metas contidas no projeto básico, que é documento normativo que regula anualmente a ação da prestadora de serviço. Dessa forma, “[...] a Lei nº 12.188/2010, além de estabelecer princípios e diretrizes para a ação extensionista, [a PNATER], através dos editais de chamadas de contratos de ATER, estabelece um novo processo burocrático [...] “(CAPORAL, 2011, p. 23). Isso significa que, ao institucionalizar-se a perspectiva de extensão rural reivindicada historicamente por movimentos sociais agroecologistas, profissionais, etc. esta assimila, como forma legitimação legal, o padrão organizativo do Estado burocrático moderno, ou seja, assume a burocracia moderna como forma de organização social e administrativa e de legitimação
perante a sociedade.
A burocracia, fundamento organizativo do Estado moderno, tal como compreendida por Xxx Xxxxx (1978), é constituída por um conjunto de normas, regras, regulamentos, assegurados contratualmente, os quais assentam-se na dominação legal como mecanismo de controle. Sua execução contempla a construção de cargos impessoais hierarquicamente situados, os quais obedecem e seguem o conjunto de normas e regulamentos previamente formalizados entre as partes, e onde o exercício da dominação é realizado por meio do saber técnico-burocrático.
No contrato de ATER, bem como no projeto básico elaborado para o primeiro ano de execução(2013/2014), foram previstas atividades individuais, visitas técnicas e atividades coletivas, tais como: planejamentos participativos, oficinas, cursos, intercâmbios, implantação de unidades demonstrativas e reuniões técnicas. É por meio da execução destas ações, chamadas “metas”, que o contrato foi e vem sendo executado.
Para cada meta foi previsto um determinado orçamento, bem como um orçamento mínimo para infraestrutura e logística, associada às contrapartidas da Cooperativa. O pagamento pelos serviços prestados, tanto à cooperativa quanto aos técnicos está condicionado à realização e comprovação legal por meio de fotos datadas e listas de presença das metas executadas em determinado período. Desta forma, todo o trabalho da extensão rural fica atrelado à realização das metas contratuais, devendo obedecer à metodologia proposta e atender aos meios de
comprovação requeridos. Sob tais condições organizativas legais, os sujeitos envolvidos no contrato buscaram a todo momento adequar a realidade social às normas legais de execução das metas e as metas à realidade social.
Em parte significativa das ações realizadas isso foi possível, em outras não. Houve dificuldades para alcançar o número de participantes mínimos em algumas atividades, sobras de cotas de algumas metas e fata de cota para a realização de outras. Um dos exemplos foi a demanda pela execução de projetos de PRONAF. Finalizou-se o ano de 2014 com 70 projetos produtivos (Pronaf, PAA e PNAE), além da cota estipulada para aquele ano (a cota total para o ano era de 47 projetos), ou seja, um déficit de 70 projetos, além de um saldo de cerca de 140 visitas e 4 dias de campo ainda por serem realizados. Isso demonstra a inadequação das metas à realidade social.
Outra situação vivenciada foi o extravio de documentos e morosidades na regulamentação de cadastros junto ao INCRA e Banco do Brasil, ações de limitaram maior inserção dos assentados ao PRONAF, PAA e PNAE.
A burocracia, segundo Xxxxxxx(1981) é alimentada por um conjunto de distorções, disfunções, o que constitui um circuito erro-informação-correção, cujo equilíbrio é mantido a partir da contenção legal de disfunções, centralizando e verticalizando decisões mediante incertezas e perturbações. Neste sentido, notou-se que qualquer tentativa de alteração de metas junto ao INCRA, não houve receptividade, não havendo mediação possível dentro da ordem legal estabelecida.
Boa parte da literatura sobre a burocracia já havia constatado, desde há muito tempo, as inconsistências da burocracia à realização de uma democracia mais direta, como supõe as novas abordagens de extensão rural e as teorias de desenvolvimento participativos. O grande problema da burocracia é exatamente que ela supõe controlar o fator humano por meio de regras e normas fixas, conhecimentos tecnicamente universais e hierarquias formais estritamente definidas, então, as disfunções burocráticas aparecem, tal como descritas por Xxxxxx (1978), como a resistência do fator humano a um comportamento que se procura obter mecanicamente. Tanto mais sob a égide da “nova extensão rural”.
A pesquisa de Xxxxxx (2015), por exemplo, sobre o conflito de racionalidades nas ações de extensão rural, mostrou que a racionalidade burocrática/formal das políticas públicas (baseada na conformidade às regras) impõe-se em muitos aspectos sobre a racionalidade substantiva (baseada em valores) mesmo em organizações coletivistas com histórico de uma atuação extensionista diferenciada, quando estas passam a operar políticas públicas.
Uma das experiências na extensão rural que tem avançado, PORÉM, na tentativa de reduzir os efeitos da burocratização e da racionalidade formal na contratação dos serviços de ATER é o caso da ATES do Rio Grande do Sul, que desde 2009 tem incrementado a participação dos assentados e técnicos no planejamento regional das atividades, a flexibilização das metas e o controle social, por meio de conselhos regionais e de um conselho estadual da política, conforme descrito por Flech (2015). A participação é, na atualidade, a única alternativa democrática à legitimação legal/racional do modelo burocrático, como xxxxxxxxxx Xxxxx (2012) e é essa a contribuição deste estudo de Flech (2015).
6 – Considerações Finais
Ao longo do desenvolvimento desse estudo pode-se concluir que a constituição de redes e parcerias, associada às caraterísticas e perfis específicos dos profissionais contratados, contribuiu de modo significativo na promoção da agroecologia nos assentamentos rurais.
No entanto, analisou-se que disfunções burocráticas vivenciadas na relação institucional com o INCRA e Banco do Brasil limitaram e construção social de maiores avanços na promoção da agroecologia em nível local e territorial.
Frisa-se, por fim, a importância da participação social efetiva, como mecanismo de democratização da extensão e do desenvolvimento rural de base agroecológico e sustentável.
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