EMPLOYMENT CONTRACT AND UNMOTIVATED RESIGNATION:
CONTRATO DE TRABALHO E DESPEDIDA
ARBITRÁRIA: uma análise luso-brasileira
EMPLOYMENT CONTRACT AND UNMOTIVATED RESIGNATION:
portuguese-brazilian analysis
Xxxxx Xxxxxxxxxx*
RESUMO
O contrato de trabalho é um contrato-realidade. Sua formação brota dos fatos, quando presentes determinadas circunstâncias previamente definidas por lei, independentemente da forma atribuída pelas partes. Portugal e Brasil regulam de forma similar a caracterização da relação de emprego, mas protegem em densidade diferente a ruptura contratual por iniciativa da empresa. Este artigo tem a pretensão de demonstrar essas distinções, especialmente à luz das Constituições de cada nação pesquisada.
PALAVRAS-CHAVE
Contrato de trabalho. Despedida imotivada. Estabilidade. Continuidade da relação de emprego. Direito comparado.
ABSTRACT
The contract of employment is a contract-reality. Its formation springs from the facts, when given certain circumstances previously defined by law, regardless of the form assigned by the parties. Portugal and Brazil similarly regulate the characterization of the employment relationship, but they protect in different density the contractual rupture by initiative of the company. This article intends to demonstrate these distinctions, especially in light of the constitutions of each nation surveyed.
KEYWORDS
Employment contract. Unmotivated resignation. Stability. Continuity of employment relationship. Comparative law.
SUMÁRIO
1 Introdução;
2 Contrato de trabalho. Breve incursão histórica;
3 Requisitos de formação do contrato de trabalho: Portugal e Brasil. Princípios da segurança e da continuidade no emprego;
4 Dissolução do contrato de trabalho. Resilição, resolução, revogação, rescisão e força maior. Conceitos;
5 Portugal: proibição da despedida arbitrária;
5.1 Fato imputável ao trabalhador;
5.2 Despedimento coletivo;
5.3 Despedimento por extinção do posto de trabalho;
5.4 Despedimento por inadaptação;
5.5 Consequências da ilicitude do despedimento; 6 Brasil. Vedação à despedida imotivada;
7 Considerações finais;
Referências.
Data de submissão do artigo: 24/06/2019 Data de aprovação do artigo: 09/03/2020
1 INTRODUÇÃO
Brasil e Portugal proíbem a despedida arbitrária ou sem justa causa nas relações de trabalho. É o que emana das respectivas Constituições vigentes. No solo brasileiro, veremos, a norma tem eficácia contida.
No entanto, esse desate contratual está proibido apenas quan- do formado um contrato de trabalho. Noutros termos, para iman- tar a proteção constitucional e preceptivos legais, é necessário que se caracterize um contrato de emprego1. Por isso, o presente
1 Trataremos contrato de trabalho e contrato de emprego como sinônimos. A primeira expressão é utilizada com largueza no Código do Trabalho portu- guês e na Consolidação das Leis do Trabalho brasileira. Entretanto, a literatu- ra brasileira utiliza como sinonímias as expressões contrato de emprego ou relação de emprego para designar as situações em que estão presentes os
artigo tratará, em breves linhas, dos requisitos de concepção des- se contrato de tipo nominado.
Mas esse não será o escopo principal; embora importantes os pressupostos de configuração do vínculo de emprego, o estudo tem outra delimitação: abordar os diferentes matizes constitucio- nais – limitativos ou permissivos – respeitantes à dissolução do contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
O problema central, pois, está vinculado às opções consti- tucionais de cada nação; visa abordar as restrições à liberdade de desvincular o trabalhador da empresa, pois Brasil e Portugal emprestam densidade protetiva diferente nesse domínio. Por isso, o conteúdo do presente ensaio não deixa de ser descritivo (no tocante aos limites da autonomia da vontade – por parte do em- pregador, para dissolver o contrato de trabalho).
Para cumprir a rota programada, principiamos com um breve relato histórico do contrato de trabalho; em seguida, avançamos às formas de cessação dos contratos em geral, contemplando o contrato de emprego; ao cabo, expor-se-ão as hipóteses de dissolução contratual, sempre por iniciativa do empregador, nos contratos de trabalho em Portugal e, comparativamente, no Brasil, visando extrair considerações finais.
2 CONTRATO DE TRABALHO. BREVE INCURSÃO HISTÓRICA
No direito romano, havia somente duas formas de trabalho li- vre, diferentes da relação de emprego da atualidade. Tratava-se da locatio operis, onde importava o resultado (a obra) (portan- to, semelhante ao contrato de empreitada), assim como a locatio operarum, onde afiguravam-se relevantes os serviços presta- dos (similar à locação de serviços do direito civil contemporâneo) (XXXXX, 2018, p. 539-540).
respectivos requisitos de formação desse contrato nominado. A Constituição Federal brasileira de 1988 protege a relação de emprego contra a despedida arbitrária (art. 7º, inciso I).
O contrato de trabalho livre, mas subordinado, é um fenômeno relativamente recente. No século XIX predominava o labor servil e, anteriormente, sob forma escrava (XXXXXXX, 2016, p. 298).
A Revolução Industrial provocou redução expressiva nos sa- lários, pois a mão de obra artesanal foi substituída pela máquina (que, por sua vez, produzia em série) (VIANNA, 2000, p. 32). Esse fato marcante, verificado na segunda metade do século XVIII, natu- ralmente desencadeou um movimento da classe operária por me- lhores condições de trabalho, por leis mais protetivas ao trabalho.
No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (BRASIL, 1943) reuniu diversos diplomas legislativos avulsos de regulamen- tação do trabalho subordinado, com as características do vínculo de emprego.
Em Portugal, as primeiras regulamentações do trabalho se encontram no Código Civil de 1867. Pressupondo uma parida- de formal, regulava, em poucos artigos, o “serviço salariado”, a “aprendizagem” e o “serviço doméstico” (que incluía os “criados de lavoura”). Mais tarde, o Decreto de 14 de abril de 1891 inaugu- rou um sistema mínimo de proteção legal de mulheres e menores (dispondo sobre a idade mínima de trabalho, duração máxima de labor etc.). Com a primeira República em 1910, seguiram-se legis- lações avulsas para regular direito de greve, responsabilidade por acidente do trabalho e jornada máxima de trabalho. Com a queda da primeira república pelo “Estado Novo” em 1926, sobrevieram a Constituição Política de 1933 e o Estatuto do Trabalho Nacional no mesmo ano. Surgiu o DL 49408/69, de 24 de novembro, relativo à Lei do Contrato de Trabalho (LCT). Em 2003 e 2009, Portugal codificou a legislação material do trabalho, com a finalidade de sis- tematizar o conjunto de normas (FERNANDES, 2017, p. 45-58).2
2 A evolução legislativa não é exaustiva, senão meramente referencial, para demonstrar um movimento de crescente regulamentação do trabalho (interven- cionismo estatal), mas que, no final dos anos 1980 e início de 1990, abala-se por um sopro neoliberal de flexibilização.
3 REQUISITOS DE FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABA- LHO: Portugal e Brasil. Princípios da segurança e da continuidade no emprego
Atualmente, o contrato de emprego constitui “a relação jurídica mais importante e frequente entre todas as relações de trabalho que se têm formado na sociedade capitalista” (DELGADO, 2016, p. 298).
Sua formação está condicionada a pressupostos específicos e brota do contexto fático, independentemente da forma que lhe outorguem as partes contratantes. Por isso, o contrato de trabalho é um “contrato-realidade”.3
O Código Civil português de 1966 prevê a noção do contrato de trabalho como sendo
aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (art. 1.152) (PORTUGAL, 2018).
O Código do Trabalho lusitano de 2009 contém praticamente igual previsão (art. 11):
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pes- soa singular se obriga, mediante retribuição, a pres- tar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (PORTUGAL, 2009b).
3 Em Portugal, a lei presume o contrato de trabalho sob certas circunstân- cias fáticas (art. 12 do Código do Trabalho – Lei 7/2009, de 12 de fevereiro):
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe as horas de início e de término da prestação, determinadas pelo beneficiário desta; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida desta; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa (PORTUGAL, 2009b).
Segundo Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2016, p. 20), os conceitos devem ser conjugados. Enquanto o Código Civil esta- belece o trabalho intelectual ou manual, o Código do Trabalho (CT) registra a figura da pluralidade de empregadores. A nosso juízo, o CT estabelece a característica intuito persona da relação juslaboral, ao registrar o labor prestado por pessoa singular.
Em linhas gerais, são pressupostos do contrato de trabalho pela legislação portuguesa: pessoa singular (pessoalidade), retri- buição (onerosidade), prestação de serviços (atividade laboral), no âmbito da organização dos beneficiários do trabalho (subordi- nação jurídica) (RAMALHO, 2016, p. 23).
No Brasil, a CLT considera empregado a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário (art. 3º) (BRASIL, 1943).
Comparativamente, o Brasil inscreve praticamente os mesmos requisitos da lei portuguesa; entretanto, acresce o pressuposto da não eventualidade na prestação de serviços. Portanto, ainda que prestado por pessoa singular, mediante salário, sob depen- dência do empregador (requisitos até aqui coincidentes com a lei portuguesa), deve ser aplicada a teoria dos fins da empresa (CAIRO JÚNIOR, 2014, p. 268-269), segundo a qual o labor deve estar relacionado, direta ou indiretamente, às atividades normais do empregador.4
Formado o vínculo de emprego, o desate passa a receber pro- teção legal.
Daí exsurge, na Constituição lusitana, o princípio da segu- rança no emprego. Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2018, p. 134) obtempera que esse princípio permeou os legisladores europeus
4 Essa definição encontra assento no ordenamento brasileiro: art. 9º, § 4º, do Decreto 3.048: Entende-se por serviço prestado em caráter não eventual aque- le relacionado direta ou indiretamente com as atividades normais da empresa (BRASIL, 1999).
na segunda metade do século XX, nomeadamente, no caso de Portugal, por conta da instabilidade política e perturbação econô- mica, necessitando, por isso, a intervenção legislativa para asse- gurar a estabilidade no emprego.
Ao tratar da Carta Magna brasileira, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx ite- ra que:
se a Constituição garante a relação de emprego, o princípio é o da sua conservação e não o da sua substituição (SILVA, 2017, p. 293).
Daí compreende-se que a indenização (pelo despedimento) é sucessiva a um direito que lhe precede: ao da garantia de em- prego. Entretanto, conforme será abordado à frente, a noticiada garantia não é tida como princípio no ordenamento brasileiro, pois carece de autoaplicabilidade. Em verdade, o princípio é da continuidade da relação de emprego.5
Aqui reside a primeira diferença importante: enquanto Portugal assenta o contrato de trabalho no princípio da segurança no em- prego, criando mecanismos para concretizá-lo, o Brasil hauriu a princípio a continuidade do vínculo contratual, pois o constituinte originário relegou à lei complementar a regulação da segurança.
4 DISSOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RESILIÇÃO, RESOLUÇÃO, REVOGAÇÃO, RESCISÃO E FORÇA MAIOR. CONCEITOS
Antes do estudo relacionado à dispensa por iniciativa do em- pregador, cumpre-nos estabelecer as diferentes formas de cessa- ção dos contratos em geral, extensiva aos contratos de trabalho.
5 Nesse sentido, colhe-se da Súmula 212 do Tribunal Superior do Trabalho: O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a pres- tação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da con- tinuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado (BRASIL, 2003).
A dissolução pode ocorrer por resilição, resolução, revoga- ção, rescisão e força maior.
No âmbito dos contratos de trabalho, a resilição ocorre quan- do há mútuo acordo ou quando se opera o direito potestativo unilateral de resilir o ajuste; nesse último caso, independe da aceitação da outra parte; portanto, é ato de índole constitutiva e tem natureza receptícia (MARANHÃO, 2000, p. 562-563).
Já a resolução ocorre por inexecução faltosa, por descum- primento das obrigações por uma das partes. Considerando que o contrato de trabalho é sinalagmático (envolve obrigações recí- procas entre as partes), o descumprimento dessas obrigações, a depender da gravidade, pode permitir que seja o mesmo resolvi- do por uma das partes (MARANHÃO, 2000, p. 565).
Segundo Délio Maranhão (2000, p. 566), a rescisão ocorre quando há nulidade do contrato, absoluta ou relativa.6
Já a revogação é própria dos contratos a título gratuito, embo- ra possa ocorrer nos casos de contrato oneroso (v. g. mandato). Entretanto, o Código do Trabalho português de 2009 conside- ra a revogação como uma das formas de cessação do contrato de trabalho, quando empregador e trabalhador, por acordo, as- sim estabelecem.
No que concerne à força maior, trata-se da impossibilidade de execução de qualquer contrato (MARANHÃO, 2000, p. 561).
No presente trabalho, valemo-nos das expressões genéricas dissolução ou cessação do contrato de trabalho, embora a pre- tensão seja referirmo-nos ao desate por iniciativa do empregador.
6 O Código do Trabalho português preconiza que “a nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o contrato de trabalho, salvo quando se mostre que este não teria sido celebrado sem a parte viciada” (art. 121, nº 1), disciplinando que “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado” (art. 122, nº 1) (PORTUGAL, 2009b).
Tecnicamente, a dispensa por vontade da empresa corresponde à resilição ou, quando motivada por inexecução faltosa do em- pregado, por meio de resolução.
5 PORTUGAL: proibição da despedida arbitrária
A Constituição da República de Portugal inaugura os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores com o direito à seguran- ça no emprego.7 Trata-se do art. 53, que preconiza:
É garantida aos trabalhadores a segurança no em- prego, sendo proibidos os despedimentos sem jus- ta causa ou por motivos políticos ou ideológicos (PORTUGAL, 2009b).8
A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), conhecida como Convenção de Genebra de 1982, foi ratificada em Portugal9 no ano de 1994. Entre outras disposi- ções, restringe a cessação do contrato por motivos relaciona- dos à capacidade ou ao comportamento do trabalhador (art. 4º), desde que o último possa defender-se das acusações que lhe forem feitas (art. 7º). Permite que o país preveja, no âm- bito interno, motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos (art. 14) para despedimento, o que efetivamente ocorreu em Portugal, conforme trataremos adiante. Entretanto, a Convenção 158 da OIT atribuiu ao empregador o peso da prova sobre a causa justificadora do despedimento (art. 9º, nº 2, “a”) (ORGANIZAÇÃO, 1982).
7 X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx (2007, p. 707) advertem que o direito à segurança no emprego consta como o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores na Constituição portuguesa, o que, de certa for- ma, consubstancia o próprio direito à vida do trabalhador; o direito de manter-
-se empregado.
8 O Código do Trabalho de 2009 corrobora: É proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (PORTUGAL, 2009b).
9 Por meio do Decreto do Presidente da República 68/94 de 27 de agosto.
A partir do ano de 1975, por meio de diplomas legais avulsos, Portugal passou a permitir a cessação do contrato pelo emprega- dor, apenas por justa causa disciplinar e por despedimento coleti- vo, o que vigorou por quase uma década e meia (XXXXXXXXX, 2017, p. 523). Essa rigidez na cessação do contrato levou à multiplicação dos contratos a termo (RAMALHO, 2016, p. 747). Contudo, essa inflexibilidade foi reduzida pela LCCT de 198910, que passou a permitir outras formas de despedida por iniciati- va do empregador: extinção do posto de trabalho e inadaptação do trabalhador. Essa mesma lei dispensou a autorização admi- nistrativa para o despedimento coletivo (XXXXXXXXX, 2017, p. 522-524).
Embora perceba-se um movimento pendular (ora enrijecen- do-se a garantia constitucional de permanência do trabalhador no posto de trabalho, ora flexibilizando-a), fato é que persiste, nomeadamente com a vigência da Constituição da República de Portugal de 1976, o princípio da segurança no emprego ou o princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa (RAMALHO, 2016, p. 737), inclusive com a garantia de imutabili- dade, limitando, por isso, a revisão constitucional pelo constituin- te derivado.11
E, para dar concretude à proteção constitucional, o ordena- mento jurídico português consagra mecanismos que levam à im- pessoalidade na dissolução contratual de trabalho, independen- temente da identidade do empregado (XXXXXXXXX; XXXXXXX, 2007, p. 710). Por isso, em Portugal, o despedimento por iniciativa
10 Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de fevereiro, que instituiu o Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, conhecida pela sigla LCCT (PORTUGAL, 1989).
11 Nesse sentido, o art. 288 da Constituição da República de Portugal de 1976 estabelece limites materiais de revisão, in verbis: As leis de revisão constitu- cional terão de respeitar: […] e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais (PORTUGAL, 1976).
do empregador atualmente está circunscrito12 a quatro hipóteses bem delimitadas:
a) por ato imputável ao trabalhador (justa causa subjetiva);
b) coletivo;
c) por extinção do posto de trabalho;
d) por inadaptação.
Vejamos cada uma das hipóteses:
5.1 Fato imputável ao trabalhador
A noção de justa causa subjetiva compreende o comporta- mento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e conse- quências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho13.
O sistema português, tal qual o brasileiro, segue hipóteses ta- xativas (numerus clausus) na delimitação dos comportamentos14
12 O Código do Trabalho de 2009 prevê outras formas – não taxativas – de cessação do contrato de trabalho: pela caducidade (quando verifica-se o ter- mo do contrato; uma impossibilidade superveniente do trabalhador de prestar serviço e do empregador de recebê-lo; ou pela reforma do trabalhador, nos casos de velhice e invalidez); pela revogação (por acordo entre empregado e empregador); por iniciativa do trabalhador, a saber: resolução (quando há justa causa no comportamento do empregador) ou por denúncia (quando não há justa causa para a ruptura contratual, senão a decisão unilateral do empregado de resilir) (PORTUGAL, 2009b). No presente estudo, pretendemos delimitar as quatro hipóteses de cessação do contrato por iniciativa do empregador, por- quanto relacionadas à limitação do princípio da autonomia da vontade.
13 Art. 351, nº 1, do Código do Trabalho de 2009 (PORTUGAL, 2009b).
14 A despeito das hipóteses que legitimam a justa causa, conferir o art. 351, nº 2, do Código do Trabalho de 2009. Apenas a título exemplificativo, citam-se alguns dos comportamentos: desobediência ilegítima de ordens provenientes de superiores hierárquicos; provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuí- zo ou risco; reduções anormais de produtividade, e assim por diante. Mas, para além das tipificações fáticas, é necessário “nexo de causalidade entre
que motivam a dissolução do contrato por justa causa do traba- lhador. Para fundamentar o ato imputável, a empresa deve emitir a “nota de culpa”, lastreada em inquérito prévio, quando necessá- rio, para fundamentá-la. A nota de culpa deve ser encaminhada à comissão de trabalhadores e ao sindicato representativo dos empregados, quando o trabalhador for representante sindical.
O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o proces- so e responder à referida nota. Portanto, abre-se efetivo contra- ditório, na esfera administrativa-empresarial. Em seguida, ins- taura-se a instrução do procedimento; o empregador pode ouvir testemunhas e realizar diligências. A comissão de trabalhadores pode apresentar parecer. Ultimada a instrução, a empresa dispõe de 30 dias para proferir decisão fundamentada e por escrito (ato solene) acerca do despedimento, sob pena de caducidade do di- reito de aplicar a sanção.
A rigidez formal do processo de despedimento motivado é característica do sistema português, que preconiza quatro fa- ses bem demarcadas: acusação, defesa, instrução e decisão (XXXXX, 2017, p. 20). A inobservância dos procedimentos legais torna insubsistente o desate contratual, que pode ser anulado pelo Tribunal, quando provocado por ação de impugnação ju- dicial da regularidade e licitude do despedimento15. Portanto, passa a interessar ao empregador, que detêm o ônus da prova, a observância dos aspectos formais e materiais que dão sustentá- culo ao procedimento, sob pena de anulação do ato.
Nesse ponto, o sistema de aplicação da justa causa é bastante distinto do brasileiro; nesse último, a empresa pode decidir pela aplicação da pena máxima, sob revisão judicial, se assim preten- der o demissionário. Porém, a anulação judicial da justa causa
esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral” (PORTUGAL, 2010, grifo nosso).
15 Prevista no art. 98-B e ss. do Código de Processo do Trabalho Português (PORTUGAL, 1999).
provoca mera conversão da despedida em ruptura do liame sem justo motivo, quando esvaziados os fundamentos determinantes da pena máxima. Como consequência, a lei brasileira limita-se a prever efeitos pecuniários (a exemplo da indenização do período relativo ao aviso prévio e acréscimo de 40% sobre valores deposi- tados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, assim como o recebimento de documentos para habilitação no programa do se- guro-desemprego, pago pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador16, e não pelo empregador). A desconstituição da justa causa, porém, diversamente do sistema lusitano, não promove a reintegração do trabalhador, salvo exceções legais.
5.2 Despedimento coletivo
O sistema de despedimento português foi estruturado na im- pessoalidade. Por isso, o desligamento do trabalhador, ainda que justificado por razões econômicas, não comporta individualização. Desse modo, a ruptura contratual pela via coletiva tem fundamen- to objetivo, não vinculado com o comportamento do trabalhador.17
Visando a harmonizar o mercado interno, a Directiva 98/59/CE do Conselho prevê a aproximação das legislações dos Estados- membros da União Europeia, relativamente aos despedimentos coletivos (UNIÃO EUROPEIA, 1998). Mesmo assim, o sistema português prevê indenizações menores, se comparado aos de- mais países europeus (RAMALHO, 2016, p. 875), nomeada- mente pelas sucessivas reduções oriundas do Memorando de Entendimento entre Portugal, Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia (essas três últimas instituições formam a Troika).
16 Art. 10 da Lei 7.998, (BRASIL, 1990a), com a redação que lhe foi atribuída pela Lei 12.513 (BRASIL, 2011).
17 Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2017, p. 616), as razões subjetivas não integram o despedimento coletivo. Ainda que a despedida seja coletiva- mente empreendida (em razão do comportamento do grupo de trabalhado- res), não se trata de despedimento coletivo. Esse último é de causa objetiva, não subjetiva.
Em Portugal, entende-se por coletivo o despedimento simultâ- neo (ou no período sucessivo de três meses) de duas ou mais pes- soas (para micro ou pequena empresa) ou cinco ou mais trabalha- dores (para média ou grande empresa)18, quando fundamentado por motivos de mercado (redução da atividade da empresa pro- vocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar es- ses bens ou serviços no mercado), motivos estruturais (desequi- líbrio econômico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes) e motivos tecnológicos (alteração nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controle ou de movimentação de cargas, bem como informatização de ser- viços ou automatização de meios de comunicação).19
Entre as hipóteses objetivas de desate contratual por iniciati- va do empregador, o despedimento coletivo encontra maior inci- dência no direito português. Os motivos econômicos (subjacentes a esse tipo de cessação do contrato) “são dificilmente sindicá- veis pelo tribunal” (RAMALHO, 2016, p. 882). Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (2017, p. 619), o regime de despedimento co- letivo é claramente liberal, pois envolve fatores subjetivos como as “expectativas”, “previsões” e “tendências” dos empresários.
De qualquer modo, a lei portuguesa determina a participação ativa dos trabalhadores e a intervenção do ministério responsável pela área laboral. Para viabilizar o despedimento coletivo, a em- presa deve comunicar à comissão de trabalhadores e, na sua fal- ta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativa dos trabalhadores, contendo os motivos invocados
18 “Considera-se: microempresa aquela com menos de 10 trabalhadores. Pequena empresa aquela que emprega 10 a menos de 50 trabalhadores. Média empresa a que emprega 50 a menos de 250 empregados e grande empresa a que contrata mais de 250 trabalhadores” (art. 100 do Código do Trabalho (PORTUGAL, 2009b)).
19 Art. 359 do Código do Trabalho (PORTUGAL, 2009b).
para o despedimento, o quadro de pessoal com os setores da empresa, os critérios para seleção dos trabalhadores que serão despedidos e o número deles, entre outros requisitos formais.20
Decidindo pelo despedimento coletivo, a empresa deve conce- der um aviso prévio segundo a antiguidade do trabalhador, que vai de 15 a 75 dias, sem prejuízo da compensação (indenização) pela ruptura contratual, correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano completo21, com os limites esta- belecidos pela Lei n° 23 (PORTUGAL, 2012).22 Recebido o valor pelo trabalhador, presume-se que aceitou o despedimento, salvo quando devolver (ou colocar à disposição) o montante à empresa, para questionar a licitude da dissolução contratual.
5.3 Despedimento por extinção do posto de trabalho
Os motivos subjacentes ao despedimento por extinção do pos- to de trabalho são os mesmos do despedimento coletivo: razões de mercado, estruturais ou tecnológicas. A extinção do posto de trabalho, porém, permite o desligamento individual, o que não se confunde com a justa causa subjetiva (oriunda de fato imputá- vel ao trabalhador), pois a extinção do posto de trabalho configura um despedimento por justa causa objetiva (XXXXXXXXX, 2017,
p. 598). Noutras palavras, os motivos determinantes da extinção do posto laboral não podem estar relacionados à conduta culposa do trabalhador ou do empregador23.
20 Art. 360 do CT (PORTUGAL, 2009b).
21 Arts. 363 e 366, nº 1 do CT (PORTUGAL, 2009b).
22 A cessação por despedimento coletivo ganhou limites ainda maiores a partir da Lei n° 23/2012, de 25 de junho. Antes dela, previa-se a indenização mínima de três remunerações base mais diuturnidades. A redução da compensação foi objeto de ação perante o Tribunal Constitucional, que rejeitou o pedido de inconstitucionalidade dessa diminuição (Ac. 602/2013, de 20 de setembro), “por considerar que se trata de uma medida de contenção dos custos do trabalho que se justifica na conjuntura económica do país” (RAMALHO, 2016, p. 885).
23 Conforme art. 368, nº 1, “a” do CT. A verificação da conduta culposa do em- pregador (no âmbito do despedimento por extinção do posto de trabalho) é de
Prossegue o Código do Trabalho ao disciplinar essa modalida- de de cessação contratual: permite-a quando presente a impossi- bilidade prática de subsistência do contrato; quando não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas corres- pondentes que possam ser preferencialmente extintos; e que não seja aplicável o despedimento coletivo (PORTUGAL, 2009a).
À guisa de contextualização histórica, o despedimento por ex- tinção do posto de trabalho foi introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 64-A (PORTUGAL, 1989). Mais adian- te, fruto do Memorando de Entendimento firmado por Portugal com Xxxxxx em 201124, sobreveio a Lei nº 23 (PORTUGAL, 2012), possibilitando ao empregador definir os “critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do pos- to de trabalho”, o que, ao ver do Tribunal Constitucional, denota- va conceitos vagos e indeterminados, pois transferia à empresa essa definição, estando, pois, em descompasso com o art. 53 da Constituição da República de 1976.
A declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato deter- minaria a repristinação da lei anterior25. De qualquer modo, em razão
difícil avaliação pragmática. Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2016, p. 903) esclarece que, “na parte em que se refere ao empregador, este requisito se deve limitar à exigência de que os motivos por ele indicados para a extinção do posto de trabalho não sejam meramente aparentes, disfarçando um despe- dimento com outro fundamento.”
24 Colhe-se do item 4.5, II, do Memorando de Entendimento de 2011: “Os des- pedimentos individuais associados à extinção do posto de trabalho não de- vem necessariamente seguir uma ordem pré-estabelecida de antiguidade, se mais do que um trabalhador estiver destinado a funções idênticas (art. 368 do Código do Trabalho). A ordem pré-definida de antiguidade não é neces- sária desde que o empregador estabeleça um critério alternativo relevante e não discriminatório (semelhante ao já existente no caso dos despedimentos colectivos)”. Assim, a Lei 23/2012 pretendeu flexibilizar o despedimento por extinção do posto de trabalho, retirando o critério da antiguidade do trabalha- dor, permitindo ao empregador eleger critérios alternativos relevantes e não discriminatórios, cuja vagueza legitimou a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional (PORTUGAL, 2013).
25 Art. 282, nº 1, da CRP1976 9 (PORTUGAL, 1976).
da incompatibilidade com a Constituição (declarada pelo Tribunal Constitucional Português), sobreveio a Lei nº 27 (PORTUGAL, 2014), atualmente vigente, disciplinando uma sequência objetiva de critérios relevantes e não discriminatórios para o despedimento por extinção do posto de trabalho, quando existe pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico na empresa:
a) pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;
b) menores habilitações académicas e profissionais;
c) maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
d) menor experiência na função;
e) menor antiguidade na empresa. (Art. 368, nº 2 , do CT (PORTUGAL, 2009b)).
No tocante à forma, essa modalidade de desate contratual requer a comunicação escrita à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador afetado pela dispensa e, se for representante sin- dical, à respectiva associação, contendo: os motivos justificati- vos; a necessidade de despedir o trabalhador afeto ao posto de trabalho a ser extinto e os critérios de seleção (Art. 369 do CT (PORTUGAL, 2009b)).
5.4 Despedimento por inadaptação
A última modalidade de cessação do contrato por iniciativa do empregador diz respeito à inadaptação superveniente do traba- lhador ao posto de trabalho, que traduz impossibilidade prática de seguir o contrato, pelos seguintes motivos:
a) redução continuada26 de produtividade ou de qualidade;
26 Aqui percebe-se alguma semelhança com a despedida por justa causa sub- jetiva (fato imputável ao trabalhador), em razão da redução anormal de produ- tividade (art. 351, nº 2, “m”, do CT. PORTUGAL, 2009b).
b) avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho;
c) riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros (desde que não provocados por fato imputável à empresa) (Art. 374 do CT (PORTUGAL, 2009b)).
A lei portuguesa prevê duas situações de extinção do contrato de trabalho por inadaptação: quando são introduzidas modificações no posto laboral e o empregado não se ajusta; ou quando o traba- lho permanece o mesmo (sem modificação), mas a modificação substancial se verifica na prestação dos serviços pelo trabalhador.
No primeiro caso (quando se altera o posto de trabalho), a em- presa deve esforçar-se para evitar o despedimento; por exem- plo, tem o dever de ministrar formação profissional adequada às modificações no posto de trabalho e não pode haver outro pos- to disponível que seja compatível com a categoria profissional do trabalhador.
Quando o posto de trabalho se mantém igual (segundo caso) e, mesmo assim, sobrevém a inadaptação do trabalhador (a inadap- tação deve ser superveniente), o empregado deve ser comunica- do, com documentos probatórios, acerca da redução continuada de produtividade ou de qualidade, avarias aos meios afetos ao posto de trabalho ou risco para a segurança e saúde do trabalha- dor, de outros colegas ou terceiros, permitindo que o empregado se pronuncie por escrito.
Ao lado dessas duas hipóteses (quando há ou não modificação no posto de trabalho), coloca-se uma outra situação: quando o trabalhador está afeto a cargo de complexidade técnica ou dire- ção, deixando de cumprir os compromissos escritos previamente ajustados, tornando praticamente impossível a subsistência do vínculo. Havendo ou não modificação no posto laboral, trata-se de inadaptação que permite a dissolução contratual.
Mas a licitude do despedimento por inadaptação deman- da a manutenção do nível de emprego. Vale dizer, nos 90
dias seguintes ao despedimento (Art. 380 do CT (PORTUGAL, 2009b)), deve a empresa contratar ou transferir um trabalhador para a função que vagou.
5.5 Consequências da ilicitude do despedimento
Declarada a ilicitude do despedimento pelo Tribunal (em quais- quer das quatro modalidades de ruptura contratual por iniciativa do empregador acima sintetizadas), o trabalhador faz jus à rein- tegração no emprego, com o recebimento das retribuições desde o despedimento até o trânsito em julgado da decisão (Art. 390 do CT (PORTUGAL, 2009b)), sem prejuízo das indenizações patri- moniais e não patrimoniais.
Se o trabalhador optar por não ser reintegrado, o Tribunal deve arbitrar a indenização correspondente ao valor entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração (Art. 391 do CT (PORTUGAL, 2009b)). Em caso de mi- croempresa ou trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção, o empregador pode requerer que o Tribunal substitua a reintegração pela indenização; nesse caso, o valor a ser fixado corresponderá a entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturni- dades por cada ano completo ou fração, garantindo-se, porém, um valor mínimo de seis meses de retribuição base e diuturnidades a título de compensação (Art. 392 do CT (PORTUGAL, 2009b)).
6 BRASIL. VEDAÇÃO À DESPEDIDA IMOTIVADA
A Consolidação das Leis do Trabalho, na sua redação original de 1943, assegurava a estabilidade para o trabalhador com mais de 10 anos de serviço (estabilidade decenal).27 Em 1966, o Brasil criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), então
27 Conforme o Art. 492 da CLT, o empregado que contar mais de 10 anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por moti- vo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas (BRASIL, 1943).
opcional para o trabalhador, visando a permitir o despedimento por iniciativa da empresa, com acesso daquele ao saldo do fundo.
A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969 (BRASIL, 1969), que praticamente reformulou a Constituição de 1967, assegurou como direito dos trabalhadores a “estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garan- tia equivalente.”
A partir da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa passou a figurar no rol de direitos sociais, a depender de lei complemen- tar. Até hoje, a matéria não foi regulamentada, caracterizando a proteção constitucional como norma de efeito contido, segundo ensina Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx (2017, p. 293).
Nos debates que precederam o texto constitucional de 1988, estabeleceu-se natural dicotomia: desde constituintes mais libe- rais (que objetavam o desfazimento unilateral do contrato de tra- balho com ampla liberdade) até aqueles de postura mais rígida em favor da classe trabalhadora (que pretendiam uma proibição quase absoluta do desate contratual por iniciativa da empresa) (SILVA, 2017, p. 292). A nosso juízo, vigorou uma posição inter- média, mas eficazmente ociosa.
O caminho percorrido até chegar-se à redação final demonstra um pendular debate de forças antagônicas. O substitutivo nº 1 da comissão de sistematização da Constituição inicialmente previu como garantia o “contrato de trabalho protegido contra despedida imotivada ou sem justa causa, nos termos da lei”. Entretanto, o substitutivo nº 2 aprofundou a densidade protetiva, ao asse- gurar os seguintes direitos, segundo esclarece Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxx:
garantia de emprego, protegido contra despedida imotivada, assim entendida a que não se fundar em: [art. 6º, I] a) contrato a termo, nas condições e pra- zos da lei; [art. 6º, I] b) falta grave, assim conceitua- da em lei; [art. 6º, I] c) justa causa, fundada em fato
econômico intransponível, tecnológico ou em infor- túnio na empresa, de acordo com critérios estabele- cidos na legislação do trabalho (LIMA, 2013, p. 87).
O texto agora vigente preconiza como direito social:
relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compen- satória, dentre outros direitos (Art. 7º, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988)).
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx (2017, p. 292) aponta ambiguidade no texto atual, pois indaga: o que ficou a depender de lei comple- mentar: a definição de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa? Ou a definição do que vem a ser a indenização compensatória? Para o autor, a relação de emprego protegida contra a despedida imotivada é de aplicabilidade imediata. Por isso, a lei complementar serviria para definir os critérios limitativos desse direito eficazmente aplicável.
Todavia, a posição do notável constitucionalista não encontrou assento na jurisprudência. O Tribunal Superior do Trabalho28 tem rejeitado o pedido de garantia de emprego, quando fundado na aplicabilidade incontida do art. 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, acolheu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, deter- minando a interpretação conforme a Constituição, para afastar a autoaplicação da Convenção 158 da OIT como impeditiva da cessação imotivada do contrato, pois a Constituição reservou a matéria à lei complementar.29
28 Nesse sentido: Tribunal Superior do Trabalho – Acórdão com o nº ED-AIRR
- 565-71.2014.5.17.0002, de 16 de maio de 2018. Relator Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (BRASIL, 2018).
29 Supremo Tribunal Federal – Acórdão com o nº ADI 1480-MC/DF, de 4 de setembro de 1997. Relator Xxxxx xx Xxxxx (BRASIL, 1997). Na ocasião do julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o STF tinha
No mesmo catálogo de direitos sociais vigentes, o noticiado FGTS passou a ser obrigatório (art. 7º, inciso III), permitindo à Magna Carta a despedida imotivada do trabalhador, desde que adimplido o valor de 40% sobre o saldo desse fundo.30
A partir de então, o direito potestativo do empregador de resilir o contrato de trabalho passou a configurar como regra geral no direito brasileiro, cujo ordenamento apresenta alguns limites à au- tonomia da vontade da empresa, proibindo a despedida imotivada nas seguintes hipóteses, a título não exaustivo:
a) gestante: a partir da confirmação da gravidez até o quin- to mês após o parto (Art. 10, II, alínea “a”, do ADCT da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). Entretanto, a cessação do contrato por justa causa subjetiva (fato imputável à empregada) não requer maiores formalida- des, senão a presença dos pressupostos fáticos previstos em lei, passíveis de revisão judicial a pedido da demissioná- ria. Entendendo o Poder Judiciário pela inviabilidade da justa causa, poderá determinar a reintegração da trabalhadora ou converter em indenização os salários do período estabilitá- rio, sem prejuízo de outras reparações;
b) dirigente sindical: há estabilidade a partir do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entida- de sindical ou de associação profissional, até um ano após
entendimento, hoje superado, no sentido de que os tratados ratificados pelo Brasil integravam a ordem jurídica com status de lei ordinária. Dessa forma, não poderia regular matéria reservada à lei complementar (caso da prote- ção contra a despedida arbitrária contida no art. 7º, inciso I, da Constituição Federal). De todo modo, a ADI perdeu o objeto, pois a Convenção 158 da OIT, embora internalizada no Brasil pelo Decreto nº 1.855, de 10 de abril de 1996, foi denunciada alguns meses depois pelo Decreto 2.100, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996b).
30 Nos termos do art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 c/c art. 18, § 1º, da Lei 8.036, de 11 de maio de 1990.
o final do seu mandato. A despedida por justa causa desse trabalhador é mais restrita e requer a formação de inqué- rito judicial para apuração de falta grave31, assegurado
o contraditório;
c) vítima de acidente do trabalho: o trabalhador vitimado por infortúnio laboral ou acometido de doença ocupacional que necessite de afastamento pela previdência pública tem ga- rantia de emprego de um ano a partir do retorno às ativida- des (Art. 118 da Lei 8.213 (BRASIL, 1991)).
Afora casos pontuais de proteção à despedida arbitrária ou sem justa causa, o Brasil regulamentou a proibição da despedida dis- criminatória, quando motivada por razões de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profis- sional e idade.32 O problema, no entanto, é sindicar tais motivos subjacentes ao desate contratual, pois o empregador não precisa justificar as razões da dispensa: configura um direito potestativo.
A jurisprudência brasileira, entretanto, tem presumido a des- pedida discriminatória no caso de empregados portadores do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito.33
Ao que se depreende do texto constitucional, o desligamen- to imotivado do trabalhador, no Brasil, como regra, não encontra restrições; vigora o direito potestativo do empregador de cessar
31 Arts. 494, 543, § 3º e 853 da CLT c/c Súmula 379 do Tribunal Superior
do Trabalho.
32 A Lei nº 9.029/95 prevê essas práticas discriminatórias para efeitos de aces- so ou manutenção da relação de emprego, mas admite outras formas de discriminação, ao registrar a expressão “entre outros” (BRASIL, 1995).
33 A matéria é objeto de entendimento uniformizado do Tribunal Superior do Trabalho, com o seguinte verbete: Súmula 443: Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego (BRASIL, 2012).
o contrato de trabalho, embora brecado pelo princípio da conti- nuidade da relação laboral. Nesta quadra constitucional, a garan- tia de emprego não dispõe de mecanismos de concretude, como ocorre em Portugal, pois a lei complementar não foi editada no solo brasileiro. O legislador infraconstitucional, nesse particular, encontra-se em mora com o constituinte, o que poderia viabilizar a declaração de inconstitucionalidade por omissão pelo Supremo Tribunal Federal, se provocado; ou, em casos particularizados, a impetração do mandado de injunção pela parte interessada.34 Afora essas alternativas, a permanência compulsória no emprego, como visto, advém em situações pontuais.
Uma nota final relevante: as dispensas coletivas imantam uma proteção jurídica distinta das rupturas individuais. Até a edição da Lei nº 13.467 (BRASIL, 2017) (conhecida como Reforma Trabalhista), o Brasil não tratava especificamente das demis- sões em massa. A falta de regulação minudente não impediu o Tribunal Superior do Trabalho de declarar abusiva a dispensa co- letiva de trabalhadores levada a efeito sem prévia intervenção sindical. Entre outros fundamentos, a cessação massiva do traba- lho, sem negociação paritária, contrasta com princípios hauridos à Constituição, entre os quais a valorização social do trabalho, o bem-estar social, a função socioambiental da propriedade, a boa-
-fé objetiva, a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais, que pro- movem a dignidade da pessoa humana.35 A partir da mencionada Lei nº 13.467 (BRASIL, 2017) a demissão coletiva foi autorizada sem intervenção sindical, mas sua constitucionalidade está por ser examinada pelo Supremo Tribunal Federal.
34 Art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal de 1988: conceder-se-á manda- do de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
35 Nesse particular, conferir o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho no RODC-309/2009-000-15-00.4 (BRASIL, 2009).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo pretendeu traçar um panorama relacionado a dois princípios que estão imbricados: a segurança no emprego e a continuidade do contrato de trabalho, assim como demonstrar que os limites da autonomia da vontade no Brasil e em Portugal – para fins de dissolução do contrato por iniciativa do empregador – ganham intensidade distinta, embora as Constituições iluminem na mesma direção.
Diversos países proíbem a despedida arbitrária.36
No entanto, no âmbito legislativo, sopros neoliberais provocam
perceptível flexibilização das amarras relacionadas à dissolução
– por iniciativa do empregador – do contrato de trabalho.
Em Portugal, a Lei nº 23/2012, de 25 de junho, produto do Memorando de Entendimento de Troika (firmado pelo Estado Português com o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia) facilitou e “barateou” o des- pedimento, através da diminuição das compensações e reconfigu- ração dos requisitos de validação dos despedimentos por extinção do posto de trabalho e inadaptação do trabalhador (XXXXXXXXX, 2017, p. 524-530).
No Brasil, a Lei nº 13.467/2017 permitiu a dispensa coletiva sem prévia negociação com o sindicato de trabalhadores e di- ficultou o acesso à Justiça por parte do ex-empregado (com a imposição de honorários advocatícios por eventual improcedência da pretensão, ainda que beneficiário da gratuidade judiciária), cir- cunstâncias que suscitam discussões de (in)constitucionalidade.
Enquanto Portugal apresenta um rol taxativo de circunstâncias que legitimam o desate contratual, o Brasil apresenta um numerus
36 Por exemplo: Angola (art. 76, nº 4 da Constituição); Guiné-Bissau (art. 43, n.º 2 da Constituição); Cabo Verde (art. 63, nº 2 e 3 da Constituição); Timor Leste (art. 50, nº 3 da Constituição).
xxxxxxx inverso, correspondente às situações proibitivas da de- missão. Embora as Constituições assentem a proteção contra a demissão sem justa causa, as tonalidades são distintas: a lei portuguesa solidifica um sistema de proteção, enquanto no Brasil o preceptivo é de eficácia contida (circunstância que demanda- ria aplicabilidade plena e imediata do preceito constitucional, li- mitável por lei complementar ulterior, até hoje inexistente), mas esse entendimento – de autoaplicabilidade do inciso I do art. 7º da Constituição Brasileira – não se solidificou na jurisprudência.
Em Portugal, fala-se no princípio da segurança no emprego; no Brasil, no princípio da continuidade do contrato de trabalho.
Não se está a pretender, com essa breve incursão, concluir qual “o melhor” sistema, se é que isso seria possível. A pretensão foi esboçar as amarras de cada nação, relacionadas à proteção da segurança no emprego.
Não esqueçamos, porém, que detrás desse arsenal protetivo vigora o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve per- mear qualquer análise de ruptura abusiva do contrato de trabalho.
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