Introdução
Introdução
O momento brasileiro exige resultados cada vez mais eficazes na implantação dos empreendimentos que fazem parte dos pla- nos de investimentos do país. É preciso desen- volver projetos com excelente qualidade, em prazos muito menores e dentro dos limites orçamentários. Uma abordagem contratual que vem sendo praticada e que visa atender a este anseio é o chamado Contrato em Aliança.
A partir dos anos 70, iniciou-se a busca por formas mais eficazes de contratação em decorrência do expressivo aumento de escala dos empreendimentos, isso associado à cres- cente exigência por mais produtividade, o que demanda um enorme esforço de renovação e inovação dos investidores e seus contratados. As partes envolvidas tiveram evidências de que o modelo usado para contratar a implan- tação de empreendimentos não propiciava in- centivo à inovação, desviando o foco de fazer o melhor para o negócio à transferência dos riscos de uma parte para a outra.
0 conceito de aliança: como evoluiu
O progressivo aumento dos custos de investimento levou a Business Roundtable (associação dos CEOs de grandes firmas norte-americanas), a National Contract Management Associatíon (Associação Ame- ricana de Gerenciamento de Contratos) e o Construction Industry Institute, também nos Estados Unidos, a atuarem ao longo da década de 80 no desenvolvimento de novas modelagens de contratação e interação que reduzissem o potencial de conflito entre os envolvidos, dirigindo o foco de todos na busca por metas colegiadas.
A utilização deste artigo é exclusiva para fins educacionais.
Um bem documentado caso de sucesso com regime de aliança na área de óleo & gás se deu no início dos anos 90, com a British Petroleum (BP), no campo Andrew, no Mar do Norte. O campo, devido a sua maturida- de, não tinha atrativos econômicos. O custo estimado para o projeto no campo Xxxxxx era de 450 milhões de libras, muito acima do custo que produziria algum retorno econô- mico. Depois de selecionados sete fornece- dores, o time acordou em um custo-alvo de 373 milhões e o projeto teve autorização para continuar. Após três meses de seu início, a
aliança revisou seu custo para 320 milhões e o time ainda estimou que o projeto termina- ria três meses antes do previsto. O custo final foi de apenas 290 milhões e o campo iniciou sua produção seis meses antes do previsto.
De acordo com Xxxx Xxxxxx, o gerente do projeto, "acreditamos que somente trabalhan- do em estreito alinhamento com nossos con- tratados pudemos tomar o campo Xxxxxx um sucesso. Atitudes e comportamentos fo- ram identificados como aliados essenciais da tecnologia, os dois fundamentos capazes de produzir resultados extraordinários".
As palavras de louvor de Xxxxxx realçam as características especialmente sinérgicas desta forma de contratação. A aliança é uma espécie de sociedade virtual em que os alia- dos são os acionistas. Assim, a responsabi- lidade pela condução do empreendimento é compartilhada entre as partes.
Um contrato em regime de aliança re- quer que as partes trabalhem sem atribui- ção de culpa, que ajam com integridade e procurem o que for melhor para o projeto. Os participantes trabalham como um time colaborativo tomando decisões conjuntas em
todas as questões relacionadas com as entre- gas do projeto. Todos os riscos do projeto são compartilhados e gerenciados de forma con- junta através de arranjos de bônus e ônus. O que potencializa o sucesso da aliança é a sinergia que deve existir entre os aliados.
No Brasil, verifica-se a utilização dos contratos em Aliança desde os anos 90. Na época, a Camargo Corrêa atuou junto com a Alcoa e a Montreal Engenharia para a Billi- ton Metais na implantação de uma fábrica de alumínio em São Luis do Maranhão. Logo após, a Xxxxxxxx Xxxxxxxxx desenvolveu a implantação de plataformas e obras petro- químicas para a Conoco, Chevron e Shell, além de empreendimentos para a OPP.
Atualmente, a Vale está executando ou negociando a contratação em aliança:
- Xxxxxxxx Xxxxxxxxx atua para implantar: minas de carvão em Moçambique, mina de potássio na Argentina, recuperação de 900 km da Ferrovia dos Carajás e Ferrovia Trans- Nordestina;
- Camargo Corrêa atua para implantar mina de carvão em Moçambique, retroporto e ramal ferroviário da Ponta da Madeira, em São Luiz do Maranhão, ferrovia com 350 km na Patagônia, Argentina e construção e recu- peração de 900 km da ferrovia entre Moatize e Nacala, em Moçambique e Malawi) e
- Andrade Gutierrez atua para implantar porto de Nacala em Moçambique.
Muitas empresas, investidores e negó- cios em andamento estão migrando seus modelos de contratos para o uso do conceito de alianças.
Vantagens e desvantagens da aliança
Como em todas as formas contratuais, a aliança apresenta vantagens e desvanta- gens. Cabe aos aliados, portanto, aproveitar os aspectos favoráveis e lidar inteligente- mente com os aspectos negativos. Eis algu- mas características a favor e contra:
Vantagens
- Risco compartilhado: os aliados admi- nistram os riscos em conjunto;
- Inicio rápido: a facilidade de iniciar o empreendimento sem fixar o escopo em definitivo resulta em terminar o empreendi- mento mais cedo, logo, iniciar as operações mais cedo;
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- Remuneração justa: as bases e critérios da remuneração são negociados previamente;
- Performance superior: bem administra- da, a aliança produz resultados superiores em termos de custo, prazo e qualidade;
- Empreendimentos críticos: aplicável em empreendimentos de elevada complexida- de, alto investimento e prazos exíguos;
- Ganha-ganha: proporciona resultados em que todos ganham;
- Sinergia: há participação sinérgica das partes, com foco no melhor para o empre- endimento;
- Envolvimento: o cliente-proprietário participa da concepção, planejamento e exe- cução do projeto, sem necessidade de mon- tar uma equipe paralela de fiscalização.
Desvantagens
- Exige mudança cultural: há risco de for- tes desentendimentos por falta de preparo das organizações e das pessoas;
- As organizações devem abrir mão de padrões existentes: a premissa da aliança é a organização do tipo força-tarefa, com dele- gação de autoridade e com todos os recursos dedicados;
- Exige governança eficaz: A governança da aliança, em termos de comitês e conse- lhos, precisa funcionar de fato para tomar decisões e resolver questões;
- Exige mudança comportamental: pode haver demora na aprendizagem de atitudes e comportamentos diferentes dos pratica- dos em contratos tradicionais.
Como funciona um contrato aliança?
A aliança permite que as partes, sempre em conjunto, agreguem suas competên- cias complementares, estabeleçam metas e compromissos com foco no que for o me- lhor para o negócio. O modelo aliança troca comandar por xxxxxxxx, e fixar por incenti-
var. O modelo aliança também redefine o relacionamento entre contratante e contra- tado, que evolui para a formação conjunta de uma nova organização, a Equipe Aliança, responsável pela implantação do escopo acordado.
Uma aliança é formada no início do processo de desenvolvimento da viabilida- de técnica e econômica. A atuação conjun- ta, a partir deste momento, garante que o processo de construtibilidade (que assegura a eficácia do processo de construção) seja efetivamente implantado e sua contribuição garanta a melhor relação custo-benefício.
Uma questão crucial na formação da aliança é a sua governança. O modelo de governança deve garantir que o processo es- teja fundamentado em princípios, clareza de papéis e na conformidade da equipe com as demandas acordadas entre as organizações aliadas. A governança garante que o projeto se desenvolva para atender ao escopo acordado e busque a inovação e criação de valor, sempre em conformidade com as regras contratuais.
Na prática, a aliança é um aperfeiçoamen- to do clássico contrato de "custo mais taxa" no qual o contratado executa um escopo para o cliente, presta contas e é reembolsado nas regras do contrato. As diferenças residem em estabelecer um processo para formar um flu- xo de caixa neutro no contrato, acordar bônus e penalidades para prazos e custos - estabele- cendo um acordo de preço e prazo teto na fase de viabilidade, e de preço e prazo alvo obtidos na fase de finalização do orçamento com pro- gresso suficiente da engenharia detalhada - e formalizar o processo que regerá o direito do contratado receber eventuais bônus ou pena- lidades.
Também peculiar à aliança, é a determi- nação de não permitir pleitos, fato que obri- ga os aliados a resolverem todas as questões dentro da estrutura de governança.
A Figura 1 mostra de forma simplifica- da o conceito de aliança. O cliente escolhe o contratado com base em competências ou relacionamentos anteriores. É desenvolvido um acordo denominado Strategic Alliance Agreement, que descreve o conceito aliança e fixa a forma de governança que regerá os
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entendimentos entre o aliado proprietário e os aliados prestadores de serviços. Para cada empreendimento, desenvolve-se um acordo complementar Project Alliance Agreement, que entra nos detalhes de como irá funcionar a aliança no empreeendimento em questão.
No funcionamento da aliança, o con- selho representa os aliados como o agente deliberativo e estratégico, implanta as re- gras de governança e define pendências e divergências não resolvidas no âmbito da gestão do empreendimento. O conselho também implanta o comitê da aliança, que atua como o agente que monitora e define os aspectos de gestão para realizar eficiente e eficazmente o escopo acordado.
O comitê é responsável por implantar o sistema de gestão do escopo, alocar a equi- pe e os recursos necessários para atender às necessidades operacionais, bem como cuidar da gestão das diferenças e divergências. A Fi- guia 2 apresenta um exemplo de funções e atribuições ligadas aos Strategc Alliance Agre- ement e do Project Alliance Agreement.
Cabe aos aliados buscar consenso sobre os pontos principais da aliança, como por exemplo:
- Meta para preço e prazo acordados na execução da engenharia de detalhamento, estabelecendo critérios de conformidade e definindo a metodologia de prêmios e pena- lidades;
- Processos de gestão da execução do escopo;
- Critérios de aceitação de entrega dos even- tos acordados e
- Acordo das taxas para overhead e lucro do aliado contratado.
Esses parâmetros devem ser realistica- mente construídos entre as pessoas nome- adas pelos aliados com base nos princípios ilustrados na Figura 3, princípios estes que incluem confiança mútua, transparência, compartilhamento de resultados, não atri- buição de culpa, consenso, qualidade, prazo, melhor para o projeto e livro aberto.
Na falta do necessário espírito de colabo- ração, conflitos eventuais podem prejudicar o bom funcionamento da aliança. Outras possíveis causas de fracasso em regimes de aliança são:
- Desconhecer a tecnologia e o espírito de contratos de aliança;
- Desconsiderar a convivência entre as culturas;
- Falta de agilidade na solução de pendências;
- Desconhecer abordagens de engenharia de valor, construtibilidade e riscos;
- Ausência de diálogo, falta de alinhamen- to e transparência;
- Falta de engajamento ou abandono da po- sição de aliado.
O desafio da aliança no contexto brasileiro
No ambiente brasileiro de implantação de empreendimentos, predomina há muitos anos os contratos do tipo preço fixo, isto é, dado um escopo pré-definido pelo diente-proprietário, o contratado deverá entregar os serviços, equi- pamentos e produtos especificados dentro do preço ofertado na proposta comercial. Nessa modalidade, o cliente-proprietário procura transferir o máximo de risco para o contratado. Essa modalidade induz as partes contratantes a assumirem posturas características para defen- der seus interesses respectivos:
- O cliente contratante tende a assumir uma postura de fiscalização e controle, já que é importante assegurar que todo o es- copo contratado seja de fato entregue em tempo e com boa qualidade. Na maioria dos casos, o cliente contrata empresas ge- renciadoras, ou de fiscalização de obras, para garantir o bom cumprimento do con- trato a preço fixo.
- O contratado (empreiteiro ou prestador de serviço), por outro lado, busca maneiras de reduzir os riscos inerentes a contratos desse tipo, e também procura maximizar seu lucro. A forma clássica de conseguir esse resultado é através da administração do escopo. Já que, inevitavelmente, haverá mudanças no escopo ao longo do contrato (evolução tecnológica, mudança de espe- cificação, serviço não previsto, condições inesperadas, etc), o contratante docu- menta tudo que foge do escopo original e faz seu pleito (o chamado claim) para ser recompensado pelos impactos dessas
mudanças. Isso resulta em uma série de reivindicações ao longo do contrato e, co- mumente, um acúmulo de pleitos ao final do contrato que podem resultar em nego- ciação, arbitragem ou ação judicial.
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A consequência dessas posturas anta- gônicas, criadas pela própria modalidade de contratação, é um ambiente de descon- fiança, em função dos interesses conflitan- tes. Independentemente da seriedade e boa ética de ambos, fazem parte dos seus respectivos DNAs duas características bas- tante presentes: por parte do cliente, a pos- tura de fiscal, com questionamento forte de todo pleito do contatado. Por parte do contratado, a postura de cavador de pleitos, visando reduzir seu risco e proteger seu lucro.
O ambiente que vem reinando em con- tratos de construção de grandes empreen- dimentos é de desconfiança e de contenção entre as partes interessadas. Já que a alian- ça exige ambiente de confiança, como fazer para dar certo?
Como vencer os desafios?
Já que confiança é requisito fundamen- tal para a aliança produzir os resultados es- perados, cabe tomar providências concretas para criar o ambiente desejado. Se as em- presas e seus profissionais têm tradição em amar em cenários contenciosos provocados por contratações do tipo preço fixo, certa- mente persiste uma cultura dentro dessas empresas coerente com essa forma de agir.
Trata-se, portanto, da necessidade de gerir a mudança de cultura em nível exe- cutivo, gerencial e profissional. Seria ilu- sório imaginar que a simples leitura do contrato complementada por uma palestra e workshop seja suficiente para criar a cul- tura de confiança mútua necessária para colher os frutos prometidos pela contrata- ção por aliança. É preciso, portanto, elabo- rar um projeto de mudança de cultura que envolve as seguintes etapas:
1. Avaliação de maturidade das organi- zações em relação a contratos em aliança;
2. Plano de mudança de cultura;
3. Especificação de eventos e ações;
4. Implementação das ações;
5. Avaliação e ajustes.
Tipicamente, os eventos e ações po- dem incluir:
- Seminário de partida do projeto;
- Seminário interno sobre conceito alian- ça (cliente);
- Seminário interno sobre conceito alian- ça (contratado);
- Workshop conjunto de integração (aliança);
- Workshop sobre forma de governança;
- Workshops sobre as políticas e procedi- mentos a seguir;
- Ações de assessoria e coaching;
• Capacitação comportamental e técnica das partes envolvidas e
- Desenvolvimento de equipes sinérgicas.
Há outros fatores que influenciam o grau de sucesso, ou não, de contratos em aliança, em especial:
- O engajamento das organizações, que devem se preparar para entender e reco- nhecer a aliança;
- As atitudes e comportamentos da equi- pe que deverá agir dentro dos princípios propostos;
- O comportamento sinérgico e integra- do entre as partes e
- A participação conjunta na formação do escopo.
A integração desejada não acontece apenas pela celebração de contrato. Ela só virá com a aplicação conjunta de esforço contínuo das pessoas apoiadas pelas orga- nizações aliadas e atuando em consenso nos vários níveis de decisão. A atuação con- junta identificará atitudes, comportamen- tos, processos e métodos visando:
- Desenvolver uma cultura de confiança mútua e no entendimento do outro;
- Buscar consenso e foco no melhor para o projeto;
- Estabelecer transparência, alinhamen- to e uma atuação pró-ativa e sinérgica;
- Aprimorar a capacidade das pessoas de interagirem em grupos multiculturais;
- Estabelecer uma missão para a aliança com adesão irrestrita da equipe;
- Alcançar resultados que serão compar- tilhados;
- Comprometer metas de custos, prazos, qualidade, saúde e segurança; e
- Aprender em lidar com as diferenças.
Conclusões
O momento brasileiro exige resultados cada vez mais eficazes na implantação dos empreendimentos. Portanto, é preciso rea- lizar os projetos com excelente qualidade, em prazos muito menores e dentro dos li - mites orçamentários. A abordagem contra- tual que visa atender a essa necessidade é o contrato em aliança. Atualmente no Brasil,
contratantes como Vale, CSN e Votorantim estão executando e contratando em alian- ça. As grandes construtoras, como Norber- to Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, dentre outras, vêm atuando jun- to a estes clientes-proprietários.
A utilização deste artigo é exclusiva para fins educacionais.
A contratação em aliança apresenta vantagens e desvantagens. Cabe aos alia- dos aproveitarem os aspectos favoráveis e lidarem inteligentemente com os aspectos desfavoráveis. Tradicionalmente, os con- tratos por preço fixo vêm criando como cultura nas empresas ligadas a grandes empreendimentos: por parte do cliente- proprietário, a postura de fiscal. Por parte do contratado, a postura de cavador de plei-
tos. Tais posturas são antagônicas e inspi- ram um ambiente de desconfiança entre as partes interessadas. Já que confiança é o requisito fundamental para a aliança produzir os resultados esperados, cabe tomar providências concretas para criar o ambiente desejado.
Outros fatores que influenciam o grau de sucesso, ou não, dos contratos em aliança são o sistema de governança implementado; experiências anteriores com essa forma contratual; competência técnica das equipes e o grau de engaja- mento da alta administração das empre- sas aliadas na constituição e partida da aliança. MPM